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RESUMO EDUC. E TRAB. PARA AP2 →Aula 6: Precarização do trabalho. Texto: EDUCAÇÃO E TRABALHO uma relação tão necessária quanto insuficiente (LILIANA ROLFSEN PETRILLI SEGNINI). O objetivo do texto é “é chamar a atenção para a relação educação, trabalho e desenvolvimento, percorrendo caminhos na contra-corrente dos discursos e políticas observados neste momento” nos mais diversos meios e seguimentos da sociedade. Não se fala de “impactos” mas de processos expressos, neste atual contexto, pela globalização dos mercados de bens e fluxos financeiros e o acirramento da concorrência; difusão do ideário neoliberal que, contraditoriamente, requer políticas estatais que garantam a desregulamentação de normas de concorrência e direitos sociais. Nesse sentido, a concentração de capital – fusões, incorporações, privatizações – ocorre ao mesmo tempo que a força de trabalho fragiliza-se pela flexibilização, quer seja das estruturas produtivas, das formas de organização do trabalho, da própria força de trabalho, por meio do emprego/desemprego. É dentro dessa nova correlação de forças que se concretiza a lógica do “livre mercado”, sob a coordenação do sistema financeiro global. Difundem-se, cada vez mais intensamente, tecnologias produtivas apoiadas na microeletrônica como a automação, a informática, a telemática. A opção política do uso dessas tecnologias tem sido direcionada para intensificar a produtividade e a supressão do emprego. Aliado a isso, altas taxas de desemprego são acompanhadas da crescente insegurança e precariedade das novas formas de ocupação. A flexibilização da força de trabalho (contratos de tempo parcial, subcontratação, terceirização, etc.) inscreve-se no mesmo processo que articula o discurso por maiores níveis de escolaridade para os trabalhadores que permanecem empregados e ocupam postos de trabalho considerados essenciais para os processos produtivos nos quais se inserem. Assim, quanto mais instruídos forem os trabalhadores de um país, maiores serão suas possibilidades de absorver as tecnologias predominantes, e assim chegar a um crescimento rápido da produção. Contudo, o desenvolvimento econômico não mais significa desenvolvimento social, como ocorreu em países hoje considerados desenvolvidos por um longo período (Castel, 1998). O desemprego já não é resultado da ausência de crescimento econômico, mas se tornou inerente ao próprio crescimento econômico. A partir dos anos 80, a progressiva desestruturação do mercado de trabalho foi marcada pelo desassalariamento de parcela crescente da PEA, crescimento do desemprego e do trabalho informal precário. Os postos de trabalho abertos passaram a ser sobretudo de assalariados sem registro e por conta própria. Mesmo nos períodos de recuperação econômica (1984- 86 e 1993-95), o desemprego e a precariedade no trabalho continuaram a crescer. Pochmann pontua que no Brasil, o processo de reestruturação produtiva é introduzido, resguardando a característica do próprio mercado brasileiro, ou seja, a heterogeneidade produtiva e a desigualdade no mercado de trabalho. O desemprego crescente de trabalhadores escolarizados, sobretudo nos setores mais modernos da sociedade, é tomado como um dos argumentos para tornar relativa essa perspectiva instrumental da educação que se expressa como se fosse capaz de garantir o emprego ou, até mesmo, o trabalho. No ano de 1996 os trabalhadores da indústria com ensino superior completo foram desempregados (6,1%) mais intensamente que os analfabetos (4,4%) (Tabela 3). No ano seguinte, a taxa de desemprego dos trabalhadores com superior completo (2,9%) permaneceu maior que a daqueles que não haviam completado a oitava série do ensino fundamental (2,6%). Como ex., temos a categoria dos bancários que vivenciou um crescente desemprego de 600 mil trabalhadores. Pesquisas recentes sobre reestruturação em vários setores estão apontando para a intensificação do trabalho e não para conteúdos mais sofisticados e elaborados das atividades ou, para maior autonomia dos trabalhadores, que justificariam efetivamente maior escolaridade e qualificação. Os jovens no Brasil, assim como em outros países do mundo, constituem o grupo social mais escolarizado e mais desempregado, ou, mesmo, inserido em trabalhos precários. Observa-se a proliferação do subemprego com a denominação estágio. Também deve ser apontada a desigualdade entre homens e mulheres, brancos e negros com o mesmo tempo de escolaridade, no mercado de trabalho, tanto em rendimentos como em condições de trabalho. A qualificação (escolaridade e formação profissional) se transformou no fetiche capaz de romper esse processo. Somas vultosas estão sendo gastas no mundo inteiro para requalificar trabalhadores. Os resultados são pífios se mensurados a partir da reinserção no mercado de trabalho, como atestam pesquisas em vários países. Também no Brasil, através do Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor), com verbas do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT), constituído pelas contribuições do PIS e Pasep, foram despendidos 596,3 milhões de reais (45% na região Sudeste do país) para atender a 3,3 milhões de trabalhadores. No período enfocado (1985-1995), o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho (63,0%) é significativamente superior ao do homem (20,8%). Os índices de escolaridade das mulheres, a partir do 8o ano de estudo, superam a escolaridade masculina. Mas a segregação sexual no trabalho persiste como um fenômeno mundial. A desigualdade entre homens e mulheres se expressa de diferentes formas, como a posição ocupada pelas mulheres no mercado de trabalho ), perfazendo um percentual de 40% de postos de trabalho precários enquanto para os homens esse índice é de 10,7%. Mesmo entre as mulheres empregadas (41,9%) é possível observar que vários indicadores (rendimento, jornada de trabalho, registro em carteira e direitos no trabalho) apontam para a precária condição da maioria das mulheres na ocupação de postos de trabalho que demandam menor qualificação reconhecida efetivamente pela remuneração, como no setor de prestação de serviços onde trabalham 29,8% das mulheres e 12% dos homens. Em qualquer ocupação, as mulheres recebem salários menores que os homens. menor de horas. Precariedade no trabalho é um processo social que atinge homens e mulheres no atual momento do mercado de trabalho; porém, as mulheres já estavam em maior número nas ocupações precárias e continuam a vivenciar taxas maiores de informalidade e precariedade, apesar dos índices de escolaridade mais elevados. Nesse sentido, pode-se afirmar que as mulheres foram pioneiras em ocupar postos de trabalho precários, que estavam por vir para ambos os sexos, no contexto da reestruturação produtiva. Mesmo assim, elas continuam campeãs em informalidade e precariedade e começam a ser mais atingidas pelo desemprego em vários setores. Com o aumento das taxas de desemprego nos últimos anos, há uma elevação mais intensa para os homens. No entanto, historicamente, as taxas relativas às mulheres são mais altas, independentemente da região do país. Portanto, a qualificação para o trabalho é uma relação social (de classe, de gênero, de etnia, geracional), muito além da escolaridade ou da formação profissional, que se estabelece nos processos produtivos, no interior de uma sociedade regida pelo valor de troca e fortemente marcada por valores culturais que possibilitam a formação de preconceitos e desigualdades. Isso quer dizer que os conhecimentos adquiridos pelo trabalhador através de diferentes processos e instituições sociais – família, escola, empresa, etc. – somados às suas habilidades, também adquiridas socialmente e acrescidas de suas características pessoais, de sua subjetividade, de sua visão de mundo, constituem um conjunto de saberes e habilidades que significa, valor de uso, que só se transforma em valor de troca em um determinadomomento histórico se reconhecido pelo capital como sendo relevante para o processo produtivo. O reconhecimento do grau de qualificação do trabalhador pelas empresas se dá através de sua particular inclusão em diferentes níveis hierárquicos e salariais, em diferentes formas de relações empregatícias como trabalho assalariado (com ou sem registro), trabalho terceirizado, contratos temporários, trabalho sem remuneração. A qualificação assim compreendida expressa relações de poder no interior dos processos produtivos e na sociedade; implica também o reconhecimento que escolaridade e formação profissional são condições necessárias, mas insuficientes, para o desenvolvimento social. Isso porque se sabe que somente políticas e ações concretas, que possibilitem real desenvolvimento social e econômico (distribuição de renda, reforma agrária, reforma do sistema de saúde e educacional), podem estar superando desigualdades e construindo condições sociais que redundam em cidadania. →Aula 7: Novas formas de sentir, ver e estar no mundo na atual “sociedade da descartabilidade” Texto: Juventudes e produção de subjetividades no contexto de acumulação flexível do capital (Carlos Soares Barbosa). A expressividade numérica da população juvenil brasileira nem sempre se fez acompanhada por políticas públicas que visassem assegurar o desenvolvimento integral dos jovens. O ECA comtempla a faixa etária de 18 anos como idade limite da juventude. Os organismos internacionais, que por muitos anos se basearam na faixa etária de 18 a 24 anos para caracterizar o grupo considerado como jovem, nos últimos tempos têm ampliado esta faixa para 30 anos de idade. Para os autores, as categorias “juventude” e “velhice” são construídas socialmente; resultado de uma luta entre gerações que busca definir relações de poder. Neste sentido, o importante não é definir a partir de que idade os sujeitos se tornam “jovens” ou “velhos”, mas descrever os processos através dos quais são designados socialmente dessa forma. A juventude, portanto, pode ser compreendida como a “fase da vida em que se inicia a busca de autonomia, marcada tanto pela construção de elementos da identidade – pessoal e coletiva – como por uma atitude de experimentação” (SPOSITO, 2005, p. 89). Cada geração vive de forma diferente e decorre daí a impossibilidade em se comparar as juventudes entre gerações, fato que ocasiona uma série de preconceitos e estereótipos. Não há como identificar os jovens em um modelo único. Para Bourdieu (1983) existem diferentes atributos sociais que impedem a representação da juventude e dos jovens como uma unidade social. Os diversos e desiguais contextos sociais marcam a forma de “ser jovem”, tanto entre sociedades diversas, como no interior de uma mesma sociedade, o que faz com que a condição juvenil seja vivida de forma desigual. Os jovens vivenciam aspectos diferenciados, de acordo com suas condições econômico-sociais, gênero, etnia, sexualidade, local de moradia, entre outras variáveis. O estabelecimento do Ano Internacional da Juventude decretado pela ONU, em 1985, e a criação da Organização Ibero-Americana de Juventude (OIJ), em 1992, não foram capazes de estimular à formulação de programas ou organismos específicos de políticas para este grupo populacional, o que fez do Brasil o penúltimo país latino-americano a colocar as demandas da juventude na agenda governamental, ficando a frente somente de Honduras. Programas ou políticas para a juventude foram criados somente a partir de 1997, após a repercussão nacional do assassinato em Brasília do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, incendiado por cinco jovens de classe média enquanto dormia em uma parada de ônibus. Concebendo o ócio como o causador dos “desvios”, os programas de natureza esportiva, culturais e de trabalho orientaram-se no controle social do tempo livre dos jovens - daí terem sido executados em regiões marcadas por alto índice de violência e destinados aos jovens em maior estado de vulnerabilidade social, na maioria, pobres e negros. Como assinala Abramo (1997), o foco real da preocupação das referidas políticas era com a coesão moral da sociedade e não por reconhecer o jovem como sujeito de direito. Compreendemos a EJA muito mais do que processos escolares; corresponde a todos os processos formativos em que jovens, adultos e idosos vivenciam ao longo da vida, conforme concepção consolidada na V Conferência Internacional de Adultos (CONFINTEA), realizada em Hamburgo, em 1997. Por ser o Homem um ser social, produto e produtor das múltiplas relações sociais as quais participa, a escola é apenas um dentre muitos espaços na sociedade onde as pessoas constroem e partilham seus conhecimentos. No aspecto social, a maioria convive com a violência no seu cotidiano, entre ela, a própria violação de direitos por parte do Estado. Para 60% dos jovens pesquisados, grande parte de seus momentos de lazer e de demais formas de socialização ocorrem no próprio bairro onde residem, com exceção da socialização promovida pela a escola e/ou o trabalho. “Juventude e Cidade” foi o principal eixo temático da III Conferência Nacional de Juventude, realizada em Palmas, em 2010. Isto, porque é na cidade que se materializa a ação política dos seus habitantes; ela é o espelho da forma como a cidadania é vivenciada coletivamente. As denominadas políticas de ajustes estruturais implementadas no país, orientadas pelos organismos financeiros multilaterais, principalmente o Fundo Monetário internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial, produziram graves consequências sociais. Sob o argumento de reduzir custos e criar melhores condições de competitividade no mercado global uma nova engenharia na produção foi adotada, ocasionando desastrosas mudanças no mundo trabalho, tais como o aumento exponencial do desemprego conjugado com o crescimento do trabalho parcial, temporário e terceirizado, bem como a desregulamentação e o ataque as leis trabalhistas (ANTUNES, 2003; HARVEY, 1994). Os jovens foram os que mais sofreram com as transformações ocorridas na América Latina ao longo da década de 1990. No período entre 1993 e 2003, a taxa de desemprego juvenil ser o dobro da taxa geral. Na década de 1990 as ocupações por conta própria foram as opções mais viáveis de inserção dos jovens no mercado de trabalho. Ao final daquela década, a média entre dez ocupados com idade entre 15 e 24 anos era de quatro autônomos para seis assalariados vivendo toda a precariedade do trabalho autônomo: baixos rendimentos, instabilidade ocupacional, altas jornadas de trabalho, alta rotatividade e ausência de mecanismos de proteção social e trabalhista. Na sociedade da descartabilidade não apenas as mercadorias tornam-se facilmente descartáveis, mas também os próprios trabalhadores. E como assinala Harvey (1994, p.258), “mais do que jogar os bens produzidos, significa também ser capaz de atirar fora valores, estilo de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, lugares, pessoas, modos adquiridos de agir e ser”. Volatilidade e efemeridade constituem, assim, características marcantes dessa nova ordem societária. São produtos da globalização e da necessidade do capitalismo transnacionalizado em acelerar o tempo de giro na produção, na troca e no consumo, o que faz com que as pessoas apresentem maiores dificuldades de realizar planos a longos prazos e manterem qualquer sentido firme de continuidade/permanência (HARVEY, 1994; SENNETT, 2001). Valores tradicionais e históricos são rapidamente cancelados e, por conseguinte, as experiências de lutas organizadas são mais facilmente quebradas, pois a ênfase é dada ao individualismo e a fragmentação em detrimento do coletivo. Conforme os dados da pesquisa até o momento, constata-se que a política não é um assunto muito presente nas rodas de conversas dos estudantes da EJA das escolas investigadas. De acordocom o autor, a principal razão para a baixa mobilização dos jovens do programa reside na realidade por eles vivida, em que dada à precariedade da sua existência e das relações de trabalho na garantia da sobrevivência diária, a participação política e social deixa de ser uma prioridade. Dejours (1999) nos ajuda a compreender esse movimento ao explicitar o processo que culmina na negação do conflito e na tolerância às injustiças vigentes na sociedade. Evidencia que a generalização do sentimento de indiferença ao outro cresce em proporções e ritmos acelerados em contexto de desemprego estrutural. A indiferença ao seu próprio sofrimento acaba por levá-lo a uma atitude de indiferença ao sofrimento do outro, fazendo com que o silêncio, a cegueira e a surdez tornem-se estratégias defensivas dos efeitos da precarização do trabalho, uma vez que a felicidade do trabalhador só está garantida caso se adapte as mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Ainda que consideremos o baixo interesse dos jovens das camadas populares em participar das instituições que caracterizam a vida pública, sendo frequentemente comparados com os jovens das décadas de 1960-1980 e, consequentemente, estereotipados como “desinteressados” e “alienados” politicamente, o conjunto das transformações até aqui elencado nos ajuda a compreender o ceticismo que os jovens pesquisados nutrem à política, geralmente associada aos políticos, à corrupção e à impunidade. O resultado desse processo é a desconfiança e o desinteresse em participar dos espaços institucionalizados tradicionais, como partidos, sindicatos, conselhos, associações de moradores ou mesmo grêmios estudantis. Em contexto marcado pelos altos índices de desemprego, a ameaça constante da demissão produz o crescimento do individualismo. As classes dominantes e dirigentes justificam alto índice de desemprego, sendo concebido como um problema de ordem individual e não um fenômeno social. Assim, cabe aos indivíduos buscarem por sua conta própria os meios de inserção no mercado de trabalho, já que as mesmas condições de competição são dadas para todos. Neste sentido, o sucesso é uma questão de meritocracia, decorrência do empenho, dedicação, esforço e/ou qualificação dos indivíduos. Como assinala Harvey (1999) e Sennett (2001), o futuro passa a ser descontado do presente pelos jovens, principalmente os das camadas populares, diante da perda de um sentido de futuro ao longo prazo, produzido pelas incertezas e inseguranças vivenciadas, tanto no mundo do trabalho, mediante a ameaça da demissão ou por empregos temporários, quanto em outros campos da vida social, como a morte prematura a que estão mais vulneráveis. Assim, quanto mais jovem e maior o grau de precarização de deterioração das condições reais de existência, maior é o desconto do futuro, o que torna compreensivo o presentismo/imediatismo. No contexto de desemprego estrutural, são considerados privilegiados os trabalhadores que se encontram inseridos no mercado de trabalho formal, ainda que sejam, em certos casos, relações de trabalho de super exploração. E para manterem-se em condições de empregabilidade, além da aquisição de novas competências e habilidades flexíveis (GENTILI, 1998), é preciso evitar o conflito; apagar o sentimento de pertencimento e de solidariedade de classe, a fim de que não se percebam enquanto trabalhadores e sim “colaboradores” e “parceiros” que se esforçam para que a empresa não quebre. Essas subjetividades demonstram que o capital explora não só a força física dos trabalhadores, mas também seus corações e mentes, revestindo-se em uma exploração psicofísico, como salienta Gramsci (1995). As novas tecnologias, ao provocar a compressão do tempo-espaço de giro da produção, da troca e do consumo alteram as formas das pessoas se relacionarem, sentirem prazer, desejarem, se enxergarem a si e os outros e a viverem. A globalização e o ímpeto de expansão impelem o capital a eliminar as barreiras espaciais e subjetivas que possam pôr em risco a livre circulação e o consumo em escala planetária das mercadorias. Se a roldana que move o capitalismo é o consumo, mais do que nunca “falsas necessidades” são produzidas e é grande o poder da mídia neste sentido, “na organização do consumo e da produção, bem como na definição de desejos e necessidades integralmente novos” (HARVEY, 2004, p.90). Assim, no acelerado ritmo da vida urbana, em que as pessoas estão sempre ocupadas e a forma prática de conhecer e identificar umas às outras é a mais rápida e direta: pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que exibem, pelo modo e tom com que falam e pelo seu jeito que se comportam. Em outras palavras, como afirma Sevcenko (2001, p. 64), “sua visibilidade social e seu poder de sedução são diretamente proporcionais ao seu poder de compra”. Afinal, como afirma Sevcenko (2001), na atual sociedade as imagens tornam- se mais importante que os conteúdos. Os jovens da pesquisa são produtos e produtores desse mundo inseguro, incerto, efêmero e de contatos superficiais, em que pessoas, mercadorias e valores tornam-se obsoletos e descartáveis num ritmo alucinado. A nova configuração do padrão de acumulação do capital e as mudanças instituídas no mundo da produção e do trabalho produziram não só transformações objetivas na reprodução da existência dos trabalhadores, mas também subjetivas, tais como: a negação do sofrimento, a indiferença, a tolerância as injustiças, o individualismo exacerbado, o imediatismo, a insegurança, a incerteza, o consumismo e o ceticismo a política institucionalizada. Subjetividades essas que estão presentes, de forma direta ou indireta, nas narrativas dos jovens pesquisados e na forma que concebem a relação trabalho e educação. Assim, mais do que tecer julgamentos sobre o comportamento dos jovens e qualificá-los com base em imagens estereotipadas, é preciso apreender tais mediações. →AULA 8: A POLÍTICA NEOLIBERAL E A CONTRARREFORMA NA EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (Carlos Soares Barbosa) O Brasil inicia a década de 1990 entre a frustração e a esperança. Esperança pelo cenário de eleições diretas para presidente e da nova Constituição, como vivia-se a frustração do fracasso de vários planos econômicos ao tentar dar fim a uma crise que se arrastava por quase duas décadas. A adoção da política neoliberal no Brasil ocorreu no governo Collor de Melo, após este aceitar as condicionalidades presentes no Consenso de Washington para a renegociação da dívida e o retorno do país ao sistema financeiro internacional, do qual estava afastado desde 1982. Reformas administrativas propostas: equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos públicos; abertura comercial, por meio de redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras não tarifárias; liberalização financeira, por meio de reformulação das normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro; desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos etc.; privatização das empresas e dos serviços públicos (SILVA JUNIOR; SGUISSARDI, 1998). O compromisso assumido foi de colocar em prática um pacote de reformas – estrutural e fiscal – com vistas à estabilização monetária. No decorrer deste texto, buscamos demarcar os impactos provocados pela contrarreforma executada durante os governos Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, quando se passou a exigir da educação maior produtividade e eficiência, mas com menor impacto possível nos gastos do setor público. Regidas por premissas econômicas, com base na relação custo-benefício, ao longo da década de 1990, foi se enfraquecendo a perspectiva de uma formação humana, cidadã e integral a ser ofertada aos jovens e adultos trabalhadores e fortalecendo-se a perspectiva instrumental, isto é, como meio de ajustá-los às novas demandasda flexibilização e às demais mudanças do capitalismo, conforme orientações do Banco Mundial e demais agências internacionais de fomento. Este é o papel econômico-social da escola capitalista, retroalimentada pelo discurso neoliberal; em síntese, foi este o objetivo das reformas educacionais operadas no currículo, no financiamento, no controle e na gestão durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Os impactos da contrarreforma se fazem presentes na atualidade e têm se intensificado após o conturbado processo de impeachment de Dilma Roussef e a posse definitiva de Michel Temer como presidente da República. Este retoma o projeto iniciado na década de 1990 e interrompido durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). No discurso do atual governo e das frações de classes dominantes e dirigentes, justifica-se a necessidade das chamadas reformas administrativas, fiscais, previdenciárias e trabalhistas, tal como na década de 1990, como condição necessária para a retomada do equilíbrio orçamentário, o crescimento econômico, a redução do desemprego e o aumento do grau de competitividade da economia brasileira no mercado global. O projeto político posto em execução pelo atual governo federal – e seguido pelos entes federativos – retoma a reconfiguração do Estado mínimo, o que significa, na prática, a redução dos gastos públicos com as políticas sociais, o violento ataque aos direitos sociais (e trabalhistas) conquistados nos últimos anos, a desregulamentação da relação entre capital e trabalho, a lógica da privatização e o fortalecimento das parcerias público-privadas. Mais uma vez, a educação não tem passado ilesa a este processo, e uma nova reforma curricular (para o Ensino Médio) tem sido implementada. Inicialmente exarada pela Medida Provisória (MP) n.º 746, de setembro de 2016, e cinco meses depois transformada na Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, as mudanças propostas podem ser agrupadas em dois eixos: carga horária e flexibilização curricular. Além da Base Nacional Comum Curricular (BCNN), em que somente Língua Portuguesa e Matemática são disciplinas obrigatórias ao longo de três anos, 40% da carga horária do novo currículo é destinada aos conteúdos optativos, chamados de itinerários formativos, a saber: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciência da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional. As escolas não são obrigadas a oferecer todas as cinco áreas, mas ao menos uma. Caso haja a oferta de todas as áreas, o que dificilmente ocorrerá devido à precária estrutura das redes de ensino no país, o estudante poderá se concentrar em uma das cinco áreas mencionadas, conforme seu interesse; não obstante, seja conferido um novo peso ao ensino técnico. Ao permitir a escolha de apenas um dos itinerários formativos, a nova organização curricular reduz a formação integral ao pragmatismo utilitarista, orientando-se, desta forma, na contramão das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), de 2012, que têm como proposição principal a integração curricular em torno do eixo ciência, cultura, trabalho e tecnologia e apresentam como fundamento o princípio educativo do trabalho. Alvo de inúmeras críticas, tanto pela forma autoritária que orientou o processo de sua implementação, quanto pelo seu conteúdo (redução da formação comum e hierarquização das disciplinas, entre outras), a Lei n.º 12.415/2017 reforça o caráter minimalista da educação, reduzindo os conhecimentos escolares às necessidades imediatas da sociedade capitalista contemporânea, com o objetivo de dar prosseguimento à formação de trabalhadores flexíveis, polivalentes e facilmente adaptáveis às flutuações do mercado. Segundo Kuenzer (2017), as novas diretrizes curriculares para o Ensino Médio integram a pedagogia da acumulação flexível, baseada na metodologia da aprendizagem flexível – mediada na tecnologia e nas mídias interativas, difundidas na Educação a Distância (EaD) –, com a finalidade de formar trabalhadores com subjetividades flexíveis: pragmatistas, presentistas e fragmentadas. Ao criticar o academicismo, a referida autora salienta que a aprendizagem flexível acaba por reduzir a necessidade de domínio da teoria. Este processo é de tal monta que a nova lei admite a certificação de competências comprovadas por exercício profissional supervisionado, tanto do estudante adolescente/jovem quanto do docente, que pode ser admitido para ministrar conteúdos em áreas afins à sua formação e experiência profissional, após reconhecido seu notório saber pelo sistema de ensino. Não obstante as especificidades dos distintos contextos históricos, na atualidade os postos estratégicos do Ministério da Educação (MEC) estão ocupados pelas mesmas pessoas que lá estiveram na década de 1990 e que defenderam a contrarreforma educacional neoliberal. Não por acaso assistimos, na política ministerial, ao esvaziamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), reforçando a concepção da EJA como uma educação de segunda classe no rol das políticas educacionais, em virtude da falta de iniciativa do Estado para com a modalidade e a criação das condições de permanência de jovens e adultos na escola, além da separação da educação básica da formação profissional, remontando ao Decreto n.º 2.208/1997, do governo de Fernando Henrique Cardoso. Ademais, o rompimento do princípio da universalidade dos direitos e a implementação de políticas sociais segmentadas de cunho neoliberal fizeram com que a EJA e a qualificação profissional se conduzissem pela lógica do apartheid social, ocasionando a reprodução, o aprofundamento e a naturalização das desigualdades existentes. Algo que não se romperá com o novo Ensino Médio, pois, ao flexibilizar os percursos, institucionaliza o acesso desigual e diferenciado ao conhecimento, o que, certamente, contribuirá para acirrar a dualidade que historicamente tem estruturado o sistema educacional brasileiro. Nos limites determinados para a escrita do presente texto, ao contextualizar a contrarreforma educacional implementada no governo Fernando Henrique Cardoso e os seus nexos com as orientações das agências multilaterais, buscamos refleti-la no conjunto de relações e mediações que as constituíram, por entender que há determinações da sociedade brasileira que não podem ser apreendidas nos limites nacionais. Neste aspecto, afirmamos que a contrarreforma educacional iniciada na década de 1990, bem como as alterações estabelecidas na Lei n.º 13.415/2017, do governo Temer, reitera a subalternidade brasileira e dá continuidade à nossa especificidade de capitalismo dependente, uma economia de mercado capitalista duplamente polarizada – setores arcaicos e modernos –, destituída de autossuficiência, ou então possuidora, no máximo, de uma autonomia limitada, promovida pela associação das formas nacionais e estrangeiras de capitalismo financeiro (FERNANDES, 1975). Na mesma lógica do período aqui analisado, as denominadas “reformas” presentes na agenda política do atual governo Temer possuem sua matriz no projeto iniciado na década de 1990, mas temporariamente interrompido nos governos Lula da Silva e Dilma Roussef. Compreender a gênese deste projeto, proposta que orientou a escrita deste artigo, soma-se a tantas outras ações que se colocam na perspectiva de resistência ao desmonte de direitos e à regressão da democracia, com o intuito de restaurar a total prevalência do capital sobre o trabalho. Afinal, em diálogo com Coutinho (2012), entendemos que, na atual conjuntura, a luta de classes, que certamente continua a existir, não se trava tão somente em nome da conquista de novos direitos, mas da defesa daqueles já conquistados. →AULA 9: Qualificação Profissional de Jovens e Adultos Trabalhadores: O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego em Discussão(Carlos Soares Barbosa e Neise Deluiz) São os jovens na faixa etária de 15 a 24 anos das camadas populares os mais atingidos pelas mudanças no mundo do trabalho, pelas fragilidades do sistema educacional e os mais destituídos de apoio de redes de proteção, encontrando-se em maior estado de vulnerabilidade social. Entre os principais problemas com os quais os jovens brasileiros se deparam hoje estão: o acesso restrito à educação de qualidade, as frágeis condições para a permanência no sistema escolar, a dificuldade de se inserirem no mercado de trabalho formal, a luta pelo primeiro emprego e a inadequada qualificação profissional. Tais dificuldades reforçam a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para o aumento da escolaridade do jovem, a qualificação profissional, a participação social, a garantia do primeiro emprego – a fim de proporcionar-lhe experiência profissional –, além de uma política integrada de proteção social. Entre as políticas públicas do atual Governo Federal em relação à qualificação profissional de jovens trabalhadores, privilegiamos como foco de estudo o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE)1 , que em uma de suas linhas de ação – o Consórcio Social da Juventude (CSJ)2 –, promove ações de qualificação profissional através de uma rede de organizações não-governamentais em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O PNPE vincula-se ao Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e é uma ação do Governo Lula com vistas ao estímulo ao primeiro emprego de jovens trabalhadores da faixa etária de 16 a 24 anos que estão fora do mercado de trabalho, preferencialmente para aqueles que não tiveram ainda uma experiência de emprego formal. Criado pela Lei nº 10.748/2003, regulamentado pelo Decreto 5.199/2004, e estabelecido em regime de parceria público-privado, o PNPE recebe recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); de diversos órgãos governamentais, como os Ministérios da Cultura, da Educação, do Desenvolvimento Agrário; e da iniciativa privada, como o “Sistema S”, direcionados para a qualificação social e profissional do jovem no seu primeiro emprego. Apesar de o PNPE não apresentar diferenças marcantes da política de qualificação profissional do governo anterior, é preciso estar atento às contradições a fim de vislumbrar os espaços de luta e as possibilidades existentes. Estas não suplantam, porém, a compreensão de que os cursos aligeirados e de curta duração oferecidos pelo PNPE reforçam o apartheid social, reproduzindo e aprofundando as desigualdades sociais existentes, uma vez que, de forma unilateral, destinam aos jovens das camadas populares uma qualificação voltada para o segmento do trabalho repetitivo, de execução e operacionalização, ao passo que o trabalho criativo, de concepção e elaboração fica reservado para um outro grupo social. Transmitido pelas entidades executoras não como um dever do Estado e um direito dos jovens, mas como uma oportunidade dada a eles pelo governo, o PNPE é concebido como benesse pelos jovens, que agradecem pela oportunidade dada. Pelo exposto, observamos que, se anteriormente os movimentos sociais necessitavam da participação popular para o seu fortalecimento, atualmente, para as ONGs, em face da sua parceria com o Estado, essa participação já não é mais vital, ocasionando, assim, uma mudança na compreensão acerca da cidadania. Esta deixa de ser compreendida como participação política dos sujeitos na esfera pública, passando a ser concebida por meio da colaboração, da co-responsabilidade e da “solidariedade social”. A educação não ficou ilesa ao contexto de reformas do cenário político do governo Collor e posteriormente de Fernando Henrique Cardoso. As políticas educacionais passaram a exigir da educação produtividade, eficiência e qualidade, obtidas por meio da relação custo benefício. Para os experts das agências internacionais, os países pobres deveriam investir naquilo que auferisse maiores ganhos futuros. Para eles, o maior retorno não viria com o investimento na escolarização de jovens e adultos, ou no ensino médio, tecnológico e superior, mas sim na educação básica de crianças e adolescentes e na qualificação profissional inicial. Mas não em uma formação profissional cara e prolongada. Muitas mudanças marcaram a educação de jovens ao longo da década de 1990, período em que essa modalidade foi se esvaziando como política de Estado. Tal esvaziamento faz parte de um projeto que desloca uma parcela do atendimento de jovens e adultos para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ampliando sua linha de atuação com a escolarização e a formação profissional do trabalhador. Isso foi uma das consequências das alterações efetuadas na formação profissional e na educação de jovens e adultos, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 e do Decreto nº 2208/97. Através do Plano Nacional de Qualificação Profissional (Planfor), o atendimento às demandas por qualificação de uma população jovem e adulta de baixa escolaridade se deu por uma rede de qualificação profissional formada por cursos de nível básico, fragmentados e de curta duração, dissociados da educação básica e de uma política de formação continuada, tendo sua execução deixada a cargo de diversas instituições da sociedade civil como ONGs, sindicatos, entidades religiosas, entre outras. Com a mudança do governo federal, o Planfor foi substituído, em 2003, pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ), que buscava a superação da condição de política compensatória (BRASIL/ MTE/SPPE/DEQ, 2003)15. Para isso, o governo, através do MTE, admite o problema do emprego como uma questão social e a qualificação profissional na perspectiva do direito social, devendo ser objeto de uma política nacionalmente articulada e controlada socialmente. Mais do que uma ação formativa de conteúdo técnico, visando tão somente uma inclusão produtiva, a qualificação deveria orientar-se para a busca de uma inclusão cidadã. Gramsci (1995)26 denuncia que as escolas “preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos tomam a frente da escola formativa”. Neste sentido, defende a educação politécnica, isto é, uma educação que se apóia na concepção de que as relações de trabalho são também relações pedagógicas, não se reduzindo a um mero instrumento útil de preparação para o trabalho, mas sim a um processo de busca com fins à superação da alienação do trabalho. Para tanto, a escola deve assegurar “a cada governado a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica geral, necessária ao fim de governar”27 e se orientar para a formação de intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, com vistas à construção de projetos contra-hegemônicos. Os objetivos do Consórcio Social da Juventude, a promoção de atividades autônomas e o despertar do espírito empreendedor são as finalidades principais da qualificação profissional para as entidades investigadas. Observando os cursos oferecidos – serigrafia, manicure, artesanato, marcenaria, construção civil, gastronomia, fotografia, dança, teatro, educadores sociais –, percebe-se que eles conduzem para esse fim, dando a ideia que o empreendedorismo é a chance de estarem no mercado de trabalho. Tal discurso alimenta a falsa crença de que o problema do desemprego reside na desqualificação dos trabalhadores, isto é, de que trabalho não falta, o que falta são trabalhadores qualificados, atribuindo-se, assim, a responsabilidade pela inserção profissional aos próprios indivíduos. Sem questionar as causas estruturais do desemprego e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, e sem mencionar a falta de uma política pública efetiva de geração de empregos, trabalho e renda, parte-se do pressuposto que as dificuldades de inserção no mercado para os jovens são proporcionalmente minimizadas quanto mais eles se qualificam. A idéia fomentada é a de que eles estão se auto-investindo,posto que os indivíduos devem se capacitar para serem empregáveis. Desse ponto de vista, não há mais mercado de trabalho, mas sim “mercado de capital humano”42, onde cada trabalhador é um empreendedor: ganha mais se investe mais. Analisando as políticas de educação profissional do Governo Lula, Leher (2005)49, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005)50 evidenciaram que apesar da edição do Decreto nº 5154/0451 a política de integração entre a educação básica e a educação profissional não é prioridade do novo Governo. Logo, o estímulo ao aumento da escolaridade é tão somente um princípio norteador na perspectiva do capital humano, onde o conhecimento torna-se a variável estratégica do mercado e da competição capitalista. No entanto, apesar das possibilidades apontadas, em geral, as ações das entidades executoras participantes do PNPE/CSJ cumprem o papel reservado à educação básica, formação técnico-profissional e dos processos de qualificação e requalificação orientados pelo Banco Mundial, que é de “mormente, produzir cidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do/no trabalho, mas cidadãos ‘participativos’, não mais trabalhadores, mas colaboradores” (FRIGOTTO, 199877). →AULA 10: A Manutenção da Dualidade Educacional na Reforma do Ensino Médio no Governo de Michel Temer: uma ponte para o futuro sob os pilares do passado (Carlos Soares Barbosa) Na sociedade capitalista, em síntese, a educação destinada aos trabalhadores possui a função de formar a mão-de-obra (minimamente) qualificada com vista a garantir a produtividade do trabalho, e disciplinar/conformar os trabalhadores aos valores do capitalismo, como meio de assegurar o consenso passivo/ativo na manutenção da sociedade de classe. A dualidade estrutural da educação brasileira é de fácil constatação histórica e se expressa na existência de dois percursos formativos - formação propedêutica e formação profissional -, que apresentam objetivos e métodos distintos. Essa distinção era de tal modo que durante décadas não houve equivalência entre ambas as formações; fato este que impedia os egressos da formação profissional de ingressarem no Ensino Superior. Embora a ―Lei Orgânica‖ de 1942 (Decreto nº 4.078) tenha instituído a formação profissional em nível médio de segundo ciclo (o agrotécnico, o comercial técnico, o industrial técnico e o normal), os cursos técnicos profissionais continuaram a não dar acesso ao Ensino Superior. A plena equivalência dos cursos só ocorreu com a edição da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei nº 4024/61. Esta, porém, não foi capaz de superar a dualidade educacional. Todavia, a redemocratização brasileira e o fortalecimento dos movimentos e organizações sociais na década de 1980 reacenderam as perspectivas de mudanças e a possibilidade de se construir a educação dos trabalhadores na perspectiva do pensamento histórico-crítico. As idéias de matrizes marxianas e gramscianas - como ―formação integral‖, ―educação unitária‖, ―politécnica‖ e ―trabalho como princípio educativo‖ -, disputaram o consenso durante a elaboração do texto dedicado à educação na nova Constituição e durante a elaboração da nova LDB (Lei n° 9394/96). Entretanto, a adoção do país a agenda neoliberal, iniciada no governo Fernando Collor de Mello e intensificada nos dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso, desvelou mais uma vez o lugar reservado aos trabalhadores na ótica das classes dominantes-dirigentes brasileiras. A separação entre a educação básica e a educação profissional, ocorrida por meio do Decreto n° 2208/97, e, posteriormente, a edição do Sistema Nacional de Educação Profissional em paralelo ao Sistema Nacional de Educação, por meio do Decreto n. 2209/97, legitimou mais uma vez a dualidade da estrutura educacional brasileira, suprimindo, inclusive, o Ensino Técnico Integrado oferecido pelas escolas da rede federal (BARBOSA, 2017). Ainda que a composição política e a coalizão de classes de sustentação dos governos de Lula da Silva e Dilma Roussef (2003-2016) tenham se orientado pela perspectiva do Projeto da Terceira Via (GIDDENS, 2005), sem confrontar a nossa especificidade de ―capitalismo dependente‖ (FERNANDES, 1975), as classes trabalhadoras obtiveram relativo avanço na conquista/ampliação de direitos sociais no decurso de tais governos. No campo educacional, os avanços se materializaram, entre outras, nas seguintes ações: (i) revogação do Decreto 2208/97, por meio do Decreto nº 5154/2004, o que abriu caminho para uma nova política no Ensino Médio e Ensino Técnico, com ênfase no Ensino Técnico Integrado, nas modalidades concomitante e subsequente ao Ensino Médio; (ii) elaboração de novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) – Resolução nº CNE/CEB 02/2012 – que tem como proposição principal a integração curricular em torno dos eixos ciência, cultura, trabalho e tecnologia, e possuem como fundamento o princípio educativo do trabalho; (iii) construção de novas universidades e ampliação das vagas por meio do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI); (iv) reformulação do Fundo de Financiamento Estudantil do Ensino Superior (FIES), que no governo Dilma contou com o aumento de recursos e condições de financiamento facilitadas; (v) criação de programas destinados aos jovens e adultos, como o Projovem (Urbano, Campo, Trabalhador e Adolescente) e o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). As classes dominantes-dirigentes brasileiras, porém, não suportaram por muito tempo o avanço das conquistas dos trabalhadores e após a perda de seu projeto político e societário nas urnas em 2014 iniciaram o ataque contra os direitos sociais e trabalhistas recém conquistados, o que foi consolidado com o golpe parlamentar, jurídico, civil e midiático ocorrido em agosto de 2016. A partir de então, retoma-se a implementação da ortodoxia neoliberal no Brasil, apresentando a flexibilização, a privatização, o ajuste fiscal, a redução do Estado e o enxugamento dos gastos públicos (leia-se, redução dos gastos com as políticas sociais: saúde, educação, profissionalização, cultura etc) como ―a solução‖ para a retomada do crescimento econômico do país. Mais uma vez a educação não tem passado ilesa à retomada da agenda neoliberal e uma nova reforma curricular para o Ensino Médio é aprovada. Como toda política, a reforma curricular do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) aprovada no governo Michel Temer tem sido alvo de disputa e tem recebido intensas críticas por parte dos estudiosos de diversas linhas do campo da educação, entre eles, os pesquisadores da linha ―Trabalho e Educação. A nova reforma determina a flexibilização do currículo sob o argumento de que o Ensino Médio é extenso, superficial e fragmentado, o que ocasiona o desinteresse, não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências. O resultado desse processo é o baixo desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática, como demonstram os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e das avaliações nacionais e internacionais - o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). O novo desenho curricular reserva 60% da carga horária para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que contém o conteúdo comum a ser apresentado a todos, e destina os demais 40% da carga horária aos conteúdos optativos, chamados de "itinerários formativos específicos”, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Formação Técnica e Profissional. Apenas Matemáticae Língua Portuguesa se constituírem disciplinas obrigatórias ao longo dos três anos do Ensino Médio, conjugada com o fim da obrigatoriedade da oferta das disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia. A crítica a esse sistema se faz na medida em que as escolas (visto o baixo investimento) não oferecem as cinco modalidades formativas para a escolha dos alunos, onde eles ficam cada mais, reféns de uma educação discriminatória e que prepara apenas para a mão de obra. Ao separar a formação propedêutica da formação profissional, a proposta do novo Ensino Médio inviabiliza a possibilidade de se promover a formação integral das classes trabalhadoras. Observa-se, assim, que a reforma proposta não ataca o problema do Ensino Médio na sua raiz. Seus defensores, ao criticar o excesso de disciplinas - ―treze disciplinas obrigatórias que não se alinham ao mundo do trabalho‖ – propõem não só o enxugamento dos conteúdos, mas, sobretudo, a redução da formação crítica. Alinham- se ao projeto de educação defendido pela classe empresarial aos trabalhadores por meio de organizações como o ―Movimento Todos pela Educação‖. Isso fica claro no discurso de Olavo Nogueira Filho, integrante do ―Movimento Todos pela Educação‖, durante as audiências públicas que debateram a Medida Provisória até sua conversão em Projeto de Lei. Para os críticos, a reforma visa implementar uma formação minimalista, instrumental, acrítica e de adaptação aos ditames do mercado, em detrimento de uma educação cuja finalidade seja a de promover a maturidade intelectual do educando, a autonomia e a luta contra alienação, como defendem Marx, Gramsci, Paulo Freire e demais pensadores da matriz histórico-crítica. Daí a reforma não considerar o pouco investimento na formação docente (inicial e continuada), as péssimas condições de infra-estrutura na maioria das escolas públicas, muitas das quais sem laboratórios de ciências, laboratórios de informática, quadras de esportes (decentes), bibliotecas, merenda digna, professores bem qualificados e bem remunerados. Ao criticar o currículo vigente, de que ―não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI‖, o que incide de os ―jovens de baixa renda não verem sentido no que a escola ensina‖, as premissas da nova reforma alinha-se às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF). Contrapondo-se a essa perspectiva instrumental, defendemos uma educação construída com base no pensamento da matriz histórico-crítica, materializada em experiências históricas, como, por exemplo, a Escola Politécnica Joaquim Venâncio Flores, filiada a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/RJ), e nos Institutos Federais Tecnológicos, alicerçados no compromisso ético-político da formação humana e integral, por meio da integração curricular em torno dos eixos da ciência, cultura, trabalho e tecnologia. Formação esta que, tendo o trabalho como princípio educativo, destina-se a promover nos jovens e adultos trabalhadores a compreensão crítica do trabalho e da sociedade e, consequentemente, leve-os a uma ação política com vista à desalienação, a transformação social e prevalência dos interesses do trabalho em detrimento do capital.
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