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10. TRANSPORTE 10.1. Base legal: O transporte é serviço público passível de concessão ou permissão pela Administração Pública, que, por meio de leis especiais, estabelece as regras que orientam a prestação do serviço. De acordo com o art. 731 do CCB: Art. 731. O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código. Portanto, o CCB estabelece as regras gerais do contrato de transporte, dialogando, contudo, com as normas que regulam de modo mais específico, o transporte aéreo, marítimo, rodoviário, ferroviário etc. Há, por assim dizer, um diálogo entre as diversas fontes normativas existentes, dentre as quais mencionamos as seguintes: a) Código Civil Brasileiro (arts. 730 a 756), que estabelece regras gerais do contrato de transporte; b) Código de Proteção e Defesa do Consumidor, porquanto, geralmente, os contratos de transporte são de natureza consumerista; Inclusive, conforme enunciado 369, firmado na IV Joranada de Direito Civil promovida pelo CJF e STJ: 369 – Diante do preceito constante no art. 732 do Código Civil, teleologicamente e em uma visão constitucional de unidade do sistema, quando o contrato de transporte constituir uma relação de consumo, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor que forem mais benéficas a este. c) Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA – Lei 7.566/1986), suplementando as regras referentes ao transporte aéreo; d) Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas; e) Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001; Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, estas regulamentadas pelo Decreto nº 2.521, de 20 de março de 1998, referentes ao transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) Decreto nº 1.832, de 4/3/96, que aprova o Regulamento dos Transportes Ferroviários; g) Regulamento de Tráfego Marítimo, aprovado pelo Decreto nº 87.648, de 24 de setembro de 1982; h) DECRETO Nº 5.910, DE 27 DE SETEMBRO DE 2006, que promulga a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999. Deve ser observado, contudo aquilo que dispõe o art. 732 do CCB. Vejamos: Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais. Sílvio Venosa, comentando o dispositivo acima, afirma que: Desse modo, foi intenção do legislador do Código Civil de 2002 estabelecer as regras gerais do contrato de transporte, que deverão ser aplicadas em derrogação aos princípios que contrariarem a vasta legislação pretérita sobre transportes. Assim, qualquer que seja a modalidade de transporte, a cartilha básica a ser procurada para aplicação é a constante desse capítulo do Código. Somente norma posterior à vigência do Código poderá modificar esse entendimento. 10.2. Conceito: Contrato por meio do qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar de um lugar para outro, pessoas ou coisas, por meio aéreo, aquático ou terrestre. Nesse sentido o art.730 do CCB. Verbis: Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. 10.3. Natureza Jurídica: a) Bilateral; b) Oneroso; Inclusive, estabelece o CCB que: Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia. Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas. c) Comutativo; e d) Consensual; e) Consumo; f) Não solene; g) Evolutivo; h) Caracterizado por uma obrigação de resultado, que impõe ao transportador o dever de levar a pessoa ou mercadoria ao destino com absoluta segurança1, podendo-se falar que há uma cláusula de incolumidade intrínseca a esse tipo de contrato. 10.4. Espécies: O transporte pode ser de pessoas ou coisas. 10.5. Sujeitos: a) Remetente/expedidor ou carregador: Entrega a coisa ao transportador para ser deslocada; b) Transportador ou condutor: O que se obriga a transportar, entregando a coisa ou a pessoa; c) Comissário de transporte ou agência de viagens: O que se obriga a transportar mercadoria ou pessoa, respectivamente, apesar de não o fazer pessoalmente, mas por intermédio de um transportador. d) Destinatário ou consignatário: Não é parte do contrato. Trata-se da pessoa designada para receber a mercadoria. e) Passageiro: Pessoa transportada. 10.6. Objeto: É a obrigação de fazer (transportar) mercadorias ou pessoas. 10.7. Responsabilidade do transportador: Vale destacar inicialmente aquilo que deixamos assentado quando dos estudos relativos à Unidade XIII: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL Decorre de um dever geral negativo, de não causar dano a outrem; Decorre do dever de adimplir determinada prestação; Decorre do descumprimento da lei; Decorre do descumprimento de um dever pactuado; Não requer a preexistência de uma relação jurídica entre os sujeitos envolvidos; Requer a existência prévia de uma relação jurídica entre os envolvidos; A culpa do réu deve, em regra, ser provada pela vítima, excetuadas as hipóteses em que a própria lei determina a responsabilidade objetiva ou a culpa presumida do agente; De acordo com o CCB: Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, 1 Tal ideia não é exclusividade do contrato de transporte. Conforme estudado ao longo da Unidade I, o Princípio da Boa-fé Objetiva impõe aos contratantes de um modo geral a observância do dever anexo de proteção ou segurança. responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. Portanto, a responsabilidade subjetiva também é a regra da responsabilidade civil contratual. Nos contratos benéficos ou gratuitos o contratante onerado responde apenas por dolo no descumprimento do pacto. Já nos contratos onerosos, ambos os contratantes respondem por culpa, salvo, hipótese de responsabilidade objetiva. Segundo Venosa: “Como regra geral, para fins de apuração da responsabilidade civil, no âmbito civil não se distingue culpa ou dolo. [...] Aqui, porém, há uma exceção no sistema geral de culpa civil, para a proteção dos contratantes benéficos ou unilaterais”. Assim, o contratante onerado [como é o caso do doador e da pessoa que dá coisa em comodato gratuito] só responde pelo dano causado dolosamente, isto é, deliberadamente, decorrendo, esse raciocínio, da equidade. No entanto, adverte a doutrina que na apuração da responsabilidade contratual, à vítima cumpre apenas a comprovação do descumprimento do contrato, cabendo ao inadimplente, a demonstração da inexistência de culpa ou a ocorrência de alguma excludente de responsabilidade. Há, portanto, segundo Stolze, no mínimo uma presunção de culpa em detrimento do inadimplente. Não é correto, portanto, tratar a responsabilidade civil contratual como sendo objetiva. A capacidade para assumir e responder pelos danos causados é disciplinada pelo art. 928 do CCB: O menor somente pode ser responsabilizado contratualmente se, relativamente capaz [menor púbere], houver contratado devidamente assistido Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízosque causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. ou, de modo excepcional, quando, dolosamente, houver se declarado maior, cf. art. 180 do CCB. Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. Feita essa recordação inicial, propomos outro quadro esquemático, este específico para os contratos de transporte, a fim de melhor orientar os estudos do leitor. TRANSPORTE DE PESSOAS TRANSPORTE DE COISAS Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização. Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto. Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado. Flávio Tartuce2 entende que a responsabilidade do transportador independe de culpa (é objetiva, pois), primeiramente em razão do tratamento que sempre foi dado à matéria, e ainda: a) em razão da existência de uma cláusula implícita de incolumidade; b) por conta da vedação da cláusula de não indenizar, conforme previsão do art. 734 do CCB; c) por se tratar de contrato potencialmente enquadrado numa relação de consumo. Venosa, por sua vez, afirma peremptoriamente que: “A responsabilidade do transportador é objetiva. [...] Não há necessidade de a vítima provar culpa do 2 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. V.2. São Paulo: Grupo GEN. 2012, p. 534 e seguintes. transportador, que somete se exonera de indenizar, na hipótese de caso fortuito ou força maior, ou de culpa exclusiva da vítima3, justificando seu posicionamento em digressão histórica e na cláusula de incolumidade que é ínsita a toda e qualquer modalidade de contrato de transporte. Deve ser observado que, embora não tenha sido expressamente mencionada, a culpa exclusiva da vítima deve ser igualmente admitida como excludente da responsabilidade, na medida em que exclui o nexo causal. A doutrina informa, ainda, que não obstante a redação doa art. 735 do CCB, o fato exclusivo de terceiro também pode ser considerado como excludente da responsabilidade do transportador, conforme o caso concreto. Entenda: O fato exclusivo de terceiro pode decorrer de ato doloso ou culposo. Caso se configure como ato doloso, ou seja, se o terceiro agiu deliberadamente para atingir determinado resultado prejudicial aos sujeitos do contrato de transporte, esse ato será considerado um fortuito externo, é dizer, alheio ou estranho à execução do serviço, excluindo, portanto, a responsabilidade do transportador. De outro modo, se o fato exclusivo de terceiro decorrer de ato culposo, haverá responsabilidade do transportador, estando inserido nos riscos da atividade do transportador. Nesse sentido Ana Lucia Porto de Barros e outros, in. O Novo Código Civil Comentado, São Paulo: Freitas Bastos Editora, 2002, p. 589: Sustenta de forma brilhante o Desembargador Cavalieri o fato culposo de terceiro se liga ao risco da atividade de transportar o que caracterizaria o chamado fortuito interno que não afasta a responsabilidade da transportadora que terá em seu favor a possibilidade de ação regressiva, de forma diferente do fato doloso de terceiro que não poderia ser caracterizada como fortuito interno, sendo verdadeiro fortuito externo, ou seja, desvinculado da atividade do transportador. Quanto à limitação da responsabilidade do transportador ao valor especificado no conhecimento de transporte ou na declaração do valor da bagagem, a doutrina critica a redação dos arts. 750 e 734, parágrafo único do CCB, por não ressalvarem os danos morais. TRANSPORTE PURAMENTE GRATUITO OU DESINTERESSADO Puramente gratuito é o transporte absolutamente desinteressado, em troca do qual não é devida qualquer vantagem patrimonial. Quanto à natureza jurídica do transporte gratuito e à responsabilidade civil derivada dessa circunstância, a doutrina chega a divergir diametralmente. Segundo Pablo Stolze e Flávio Tartuce o transporte desinteressado não deve ser 3 VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. v. 3. São Paulo: Atlas, 2012, p. 342/343. encarado como ato negocial, desafiando, portanto, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Havendo acidente e dano causado ao tomador da carona, entendemos dever ser aplicado o sistema de regras da responsabilidade aquiliana do Código Civil, o que significa dizer que o juiz, nos termos do art. 186, deverá perquirir a culpa (em sentido lato) do condutor para efeito de lhe impor a obrigação de indenizar. [...] negamos a natureza contratual da relação jurídica travada entre condutor e “caronista”, pela idêntica razão de não encontrar respaldo legal. Trata-se, pois, a carona em si, de um ato jurídico não negocial que, se causar dano ao passageiro por má atuação do condutor, poderá se converter em ato ilícito4. [...] no transporte por cortesia não há responsabilidade contratual objetiva daquele que dá a carona. A responsabilidade deste é extracontratual, subjetiva, dependendo da prova de culpa5. Venosa faz um contraponto: Sobre a natureza do transporte gratuito muito se discutiu. Inserido no contexto da responsabilidade aquiliana, o transportador responderia pelo art. 186 do Código, por culpa em sentido amplo. Assim, mesmo a culpa leve o brigaria a indenizar, A solução não seria satisfatória, porque seria injusta e atécnica. Solução mais recentemente aceita concebe o transporte como contrato gratuito, porque, em síntese, o preço não é figura essencial desse negócio. Assim configurado, o transporte desinteressado seria regulado pelo art. 392: [...] trata-se de referência aos contratos benéficos. Desse modo, afastar-se-ia a peremptoriedade da responsabilidade objetiva destinada apenas ao contrato oneroso e o rigor da responsabilidade aquiliana do art. 186, extracontratual. Não se trata de discussão estritamente acadêmica. A definição da natureza jurídica do transporte gratuito pode ser decisiva em um caso concreto envolvendo a responsabilidade civil do envolvidos. Vejamos. Não se considerando o transporte gratuito como ato negocial responderia, o transportador, por mera culpa, conforme as regras da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual. De outro modo, considerando-o como contrato gratuito, responderia apenas por dolo, nos termos do art. 392, primeira parte. Em mais. Acatando-se a regra da responsabilidade civil extracontratual, o ônus da prova recairia sobre a pessoa prejudicada que, além da conduta do transportador, do dano e do nexo causal existente entre esses dois elementos, deveria demonstrar a culpa do agente.4 STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 449. 5 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. v.3. São Paulo: Grupo GEN. 2012, p. 547. Noutro passo, adotando-se as regras da responsabilidade civil contratual, persistiria a discussão em torno da culpa, já que se trata de responsabilidade subjetiva. Contudo, tratando-se de contrato gratuito, o transportador responderia apenas por dolo, recaindo o ônus da prova sobre ele mesmo, que estaria incumbido da demonstração de que o resultado danoso não ocorreu em razão de sua culpa. DIREITO CIVIL. VALOR DE INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO DE MERCADORIAS EM TRANSPORTE AÉREO. Independentemente da existência de relação jurídica consumerista, a indenização pelo extravio de mercadoria transportada por via aérea, prévia e devidamente declarada, com inequívoca ciência do transportador acerca de seu conteúdo, deve corresponder ao valor integral declarado, não se aplicando, por conseguinte, as limitações tarifadas prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia. De fato, a jurisprudência do STJ já entende que, estabelecida relação jurídica de consumo entre as partes, a indenização pelo extravio de mercadoria transportada por via aérea deve ser integral, não se aplicando, por conseguinte, a limitação tarifada prevista no Código de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia. Em verdade, tem-se pela absoluta inaplicabilidade da indenização tarifada contemplada na Convenção de Varsóvia, inclusive na hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as partes não se qualifique como de consumo. Isso porque, em matéria de responsabilidade civil no serviço de transporte aéreo, pode-se identificar a aparente colisão entre as seguintes normas: de um lado, a Convenção de Varsóvia de 1929 e o Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986 (normas especiais e anteriores à própria Ordem Constitucional inaugurada pela CF/1988), e, de outro, o Código Civil de 2002 (norma geral e posterior), que preconiza que a indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944), em consonância com a Ordem Constitucional inaugurada pela CF/1988, que traz, em si, como direito fundamental, o princípio da indenizabilidade irrestrita (art. 5º, V e X). Nesse contexto, o critério da especialidade, como método hermenêutico para solver o presente conflito de normas (Convenção de Varsóvia de 1929 e Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986 versus Código Civil de 2002), isoladamente considerado, afigura-se insuficiente para tal escopo. Deve-se, para tanto, mensurar, a partir das normas em cotejo, qual delas melhor reflete, no tocante à responsabilidade civil, os princípios e valores encerrados na ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988. E inferir, a partir daí, se as razões que justificavam a referida limitação, inserida no ordenamento jurídico nacional em 1931 pelo Decreto 20.704 (que ratificou a Convenção de Varsóvia), encontrar-se-iam presentes nos dias atuais, com observância ao postulado da proporcionalidade. A limitação tarifária contemplada pela Convenção de Varsóvia aparta-se, a um só tempo, do direito à reparação integral pelos danos de ordem material injustamente sofridos, concebido pela Constituição Federal como direito fundamental (art. 5º, V e X), bem como pelo Código Civil, em seu art. 994, que, em adequação à ordem constitucional, preceitua que a indenização mede-se pela extensão do dano. Efetivamente, a limitação prévia e abstrata da indenização não atenderia, sequer, indiretamente, ao princípio da proporcionalidade, notadamente porque teria o condão de esvaziar a própria função satisfativa da reparação, ante a completa desconsideração da gravidade e da efetiva repercussão dos danos injustamente percebidos pela vítima do evento. Tampouco se concebe que a solução contida na lei especial, que preceitua a denominada indenização tarifada, decorra das necessidades inerentes (e atuais) do transporte aéreo. Isso porque as razões pelas quais a limitação da indenização pela falha do serviço de transporte se faziam presentes quando inseridas no ordenamento jurídico nacional, em 1931, pelo Decreto 20.704, não mais subsistem nos tempos atuais. A limitação da indenização inserida pela Convenção de Varsóvia, no início do século XX, justificava- se pela necessidade de proteção a uma indústria, à época, incipiente, em processo de afirmação de sua viabilidade econômica e tecnológica, circunstância fática inequivocamente insubsistente atualmente, tratando-se de meio de transporte, estatisticamente, dos mais seguros. Veja-se, portanto, que o tratamento especial e protetivo então dispensado pela Convenção de Varsóvia e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica ao transporte aéreo, no tocante à responsabilização civil, devia-se ao risco da aviação, relacionado este à ocorrência de acidentes aéreos. O art. 750 do CC, por sua vez, não encerra, em si, uma exceção ao princípio da indenizabilidade irrestrita. O preceito legal dispõe que o transportador se responsabilizará pelos valores constantes no conhecimento de transporte, ou seja, pelos valores das mercadorias previamente declaradas pelo contratante ao transportador. Desse modo, o regramento legal tem por propósito justamente propiciar a efetiva indenização da mercadoria que se perdeu - prévia e devidamente declarada, contando, portanto, com a absoluta ciência do transportador acerca de seu conteúdo -, evitando-se, com isso, que a reparação tenha por lastro a declaração unilateral do contratante do serviço de transporte, que, eventualmente de má-fé, possa superdimensionar o prejuízo sofrido. Ressalta-se que a restrição ao direito à reparação integral pelos danos de ordem material e moral injustamente percebidos somente poderia ser admitida, em tese, caso houvesse previsão nesse sentido no próprio diploma legal do qual tal direito emana. Esta contemporização do direito à integral reparação, todavia, não se verifica do tratamento ofertado à questão pelo Código Civil. Vislumbra-se, quando muito, como hipótese de incidência subsidiária, o caso em que o transportador não detém conhecimento prévio sobre o conteúdo da mercadoria a ser transportada e, embora incontroverso a ocorrência do dano, não se tem elementos idôneos a demonstrar seu valor (ante o extravio da mercadoria, por exemplo), circunstâncias diversas da presente hipótese. Assim, tem-se pela absoluta inaplicabilidade da indenização tarifada contemplada na Convenção de Varsóvia, inclusive na hipótese em que a relação jurídica estabelecida entre as partes não se qualifique como de consumo. REsp 1.289.629-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/10/2015, DJe 3/11/2015. 10.8. Transporte Cumulativo: Possível tanto em relação ao transporte de pessoas ou coisas. Hipótese em que o contrato é cumprido por mais de um transportador (cada um obrigado por uma fração do percurso). Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas. §1º. O dano, resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da totalidade do percurso. §2º. Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto. Art. 756. No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano. Portanto, o transporte é considerado único, independentemente de quantos transportadores hajam participadoda operação, sendo, todos eles, solidariamente responsáveis pelos danos causados ao remetente. 10.8. Transporte de coisas ou mercadorias. Arts. 743 e ss, CCB: Remetente Transportador Destinatário Obs. O destinatário, dependendo da situação, pode coincidir com a figura do remetente. Obs. A remuneração do transportador é denominada de frete. A. Necessidade de individualização da coisa e do destinatário: A fim de possibilitar o perfeito cumprimento da obrigação. Art. 743. A coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço. B. Conhecimento de transporte: Documento que contém os dados relativos à mercadoria, comprovando seu recebimento e a obrigação de transportá-la. Trata-se, segundo Tartuce, de título de crédito atípico, inominado ou impróprio, sendo tutelado, pois, pelas normas estabelecidas a partir do art. 887 do CCB. É importante no que tange à responsabilidade civil do transportador, conforme será explicado no momento oportuno. Art. 744. Ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o disposto em lei especial. Parágrafo único. O transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em duas vias, uma das quais, por ele devidamente autenticada, ficará fazendo parte integrante do conhecimento. C. Direitos e obrigações do remetente: I) Entregar a mercadoria em condições de envio; Art. 746. Poderá o transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens. Se o transportador deve diligenciar no sentido de entregar a mercadoria ao destinatário em perfeito estado, nada mais razoável do que lhe garantir o direito de exigir do remetente que, em respeito aos deveres anexos de cooperação e proteção, providencie o adequado acondicionamento da coisa a ser transportada. Perceba que o contrato pode ser rescindido por com base nesse dispositivo legal. Questão das normas técnicas II) Pagamento do preço convencionado (frete): Salvo hipótese de estipulação em favor do terceiro que assume a responsabilidade pelo pagamento; III) Declarar com exatidão a mercadoria e o seu preço; Art. 745. Em caso de informação inexata ou falsa descrição no documento a que se refere o artigo antecedente, será o transportador indenizado pelo prejuízo que sofrer, devendo a ação respectiva ser ajuizada no prazo de cento e vinte dias, a contar daquele ato, sob pena de decadência. Destaque-se inicialmente a atecnia do legislador ao considerar como decadencial a natureza jurídica do prazo estabelecido nesse dispositivo. Ora, sendo, a ação indenizatória, tipicamente condenatória, o prazo para a sua interposição é, necessariamente, prescricional, uma vez que os decadenciais são próprios das ações constitutivas (positivas ou negativas), relacionadas ao exercício de um direito potestativo. A presente regra decorre do descumprimento do dever anexo de informação. No contrato de transporte rodoviário há uma regra específica para a ação de reparação de danos. De acordo com o art.18 da Lei 11.442/2007 Art. 18. Prescreve em 1 (um) ano a pretensão à reparação pelos danos relativos aos contratos de transporte, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano pela parte interessada. IV) Recolhimento de tributos e demais valores relativos ao transporte. V) Desistir do transporte ou alterar o destinatário, arcando, contudo, com as despesas devidas. Art. 748. Até a entrega da coisa, pode o remetente desistir do transporte e pedi-la de volta, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes da contraordem, mais as perdas e danos que houver. E. Direitos e obrigações do Transportador: I) Agir com diligência: Reflete a já mencionada ideia da cláusula de incolumidade. Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá- la no prazo ajustado ou previsto. II) Receber a coisa a ser transportada na forma convencionada: Ver observações feitas aos arts. 743/746 do CCB. III) Emitir conhecimento de transporte: Conforme anotações feitas ao art. 744 do CCB, no “item B” supra. IV) Entregar a mercadoria ao destinatário, mediante apresentação do respectivo documento (conhecimento de transporte). Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. V) Entregar a coisa em domicílio e comunicar ao remetente o cumprimento da prestação, se isso for pactuado; Art. 752. Desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio. O presente dispositivo é criticado pela doutrina mais atenta, na medida em que contraria o princípio da Boa-Fé Objetiva, notadamente no que diz respeito ao dever anexo de informação, “ínsito a qualquer negócio patrimonial, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento”, cf. Flávio Tartuce. VI) Seguir o itinerário ajustado, salvo motivo de força maior ou caso fortuito ou, ainda, quando oferecer perigo ou estiver impedido; VII) Recusar mercadoria inconvenientemente embalada: Cf. anotações ao art. 746, CCB; VIII) Recusar coisa cuja comercialização ou transporte sejam proibidos ou que estejam desacompanhadas de documentos exigidos legalmente. Art. 747. O transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento. IX) Reter a mercadoria até o pagamento do frete: Consequência da teoria da exceção do contrato não cumprido. Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso. Tal dispositivo, apesar de localizado na seção que trata do transporte de pessoas, também pode ser invocado em relação ao transporte de coisas. X) Reajustar o preço caso haja variação do itinerário, motivo porque pode ser considerado como contrato evolutivo: Decorrência do art. 748 do CCB. XI) Recorrer a outros transportadores: Nessa hipótese, em que o contrato será cumprido por mais de um transportador (cada um obrigado por uma fração do percurso), caracterizado estará o contrato de transporte cumulativo, previsto no art. 756 do CCB. F. Direitos e obrigações do destinatário ou consignatário: I) Protestar contra o transportador, na hipótese de avaria ou perda da coisa transportada; Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptívelà primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega. De acordo com Venosa, o protesto pode ser feito mediante anotação no próprio conhecimento de transporte, ou em outro instrumento em separado, devendo sempre constar a ciência do transportador ou de quem o represente. Pode ser feito, ainda, por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos ou mesmo judicialmente (arts. 867 e seguintes do CPC). Mais uma vez, deve ser observado que é prescricional a natureza do prazo referido no artigo sob comento, uma vez que se refere a ação indenizatória. II) Endossar o conhecimento de transporte, se isso não for vedado na própria cártula: A possibilidade de endosso do conhecimento de transporte está prevista no texto do art. 754 do CCB, anteriormente comentado. Como vimos, o conhecimento de transporte é título de crédito atípico, sendo próprio de sua natureza, a transmissibilidade e circulação no mercado mediante endosso, que nada mais é do que “o ato cambiado que opera a transferência do crédito representado por título à ordem”, cf. definição de Fábio Ulhoa Coelho (in. Manual de Direito Comercial, 18ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007, p.250). III) Entregar o conhecimento de transporte, no ato do recebimento da mercadoria: O conhecimento de transporte deve ser devolvido ao transportador no momento em que a mercadoria é entregue ao destinatário, servindo como prova desse fato. IV) Pagar o frete, se assim foi convencionado, bem como a taxa de armazenamento se o depósito se prolongar por sua conduta: Caso fique acordado que o pagamento do transporte, isto é, o frete será arcado pelo destinatário, aplicam-se as regras da estipulação em favor de terceiros. 10.8. Transporte de pessoas: Transportador Passageiro Normalmente esse contrato está inserido numa relação de consumo, fato que implica, necessariamente, em responsabilidade civil objetiva; No entanto, ainda que não se trate de relação de consumo, o CCB também impõe a responsabilidade civil objetiva para essa espécie de contrato, na medida em que constitui atividade de risco, cf. preceitua o art. 927, p. único do CCB. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A) Direitos e obrigações do transportador: I) Cumprir o itinerário e horários previstos Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior. II) Recusar passageiros nos casos previstos normativamente Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. III) Reter o valor correspondente a 5% da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória, quando este não embarcar ou desistir oportunamente do transporte Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada. § 1º. Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar. § 2º. Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado. § 3º. Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória. IV) Adotar as medidas necessárias à conclusão do transporte quando, por motivo imprevisível, não puder fazê-lo em seu próprio veículo. Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em conseqüência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte. Essa regra decorre da constatação de que o contrato de transporte encerra uma obrigação de resultado. V) Direito de retenção das bagagens do passageiro para garantir o pagamento do valor da passagem. Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso. B) Direitos e obrigações do passageiro: I) Pagamento do preço da passagem até o fim da execução do percurso, conforme o contratado. Do contrário, aplicar-se-á o disposto no art. 742 mencionado anteriormente II) Agir com respeito às normas de segurança e conforme a boa-fé objetiva. Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço. Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá eqüitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. O parágrafo único trata da culpa concorrente da vítima, causa que reduz a responsabilidade civil do transportador. II) Desistir do transporte, com direito à restituição do valor da passagem, na forma e nas condições legais. Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada. § 1º. Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar. § 2º. Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado. § 3º. Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória. III) Assistência do transportador em caso de imprevisto que impossibilite o cumprimento do contrato: Cf. anotações feitas ao art. 741, CCB
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