Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
● JURÍDICA v. 12, n. 23, jan./jun. 2018 ISSN 1982-3924 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: MANUTENÇÃO DA COLETIVIDADE NO MUNDO MODERNO Ana Gabriela Dutra da Silva1 Caroline Valentino Marins2 Cristian Uill Rocha Barbosa3 Juliana de Souza Lázaro4 Oreonnilda de Souza5 RESUMO A Constituição Federal de 1988 foi promulgada elevando a importante questão dos direitos fundamentais como garantia do princípio de isonomia. Para tanto, até que se alcançasse de forma expressa os direitos e garantias essenciais para a dignidade humana, foi impreterível que os direitos fundamentais protagonizassem inúmeras conquistas históricas, refletidas em suas dimensões. Assim, a Lei Maior de 1988 desempenha papel primordial, nas relações entre indivíduos e Estado, ao se tornar a responsável por assegurar a garantia da solidariedade e fraternidade em uma sociedade na qual a inquietude e o tormento se instauram no indivíduo moderno. Palavras-chave: Constituição Federal. Dimensões. Direitos fundamentais. Modernidade. 1 Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Londrina (2014); Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2011); Graduanda em Direito, atualmente cursando o 5º período no Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP; E-mail: anagabriela.ds@hotmail.com 2 Graduanda em Direito, atualmente cursando o 5º período no Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP; E-mail: carol-k-3@hotmail.com 3 Graduando em Direito, atualmente cursando o 5º período no Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP; E-mail: cwrochab@gmail.com 4 Graduanda em Direito, atualmente cursando o 5º período no Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP; E-mail: jusouza_85@hotmail.com 5 Mestre em Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, linha de pesquisa Relações Empresariais, Desenvolvimento e Demandas Sociais pela Universidade de Marília (2017); Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela UNIRP (2011); Pedagoga (UNIRP/2016); Professora pesquisadora vinculada ao Núcleo de Iniciação Científica do Curso de Direito – NICDir; Editora da Revista Eletrônica Jurídica da UNIRP – Universitas. Advogada. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da 22ª Subseção da OAB/SP. E-mail: oreonnilda@unirp.edu.br 36 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. THE FEDERAL CONSTITUTION OF 1988 AND THE FUNDAMENTAL RIGHTS: COLLECTIVITY MAINTENANCE IN THE MODERN WORLD ABSTRACT The Federal Constitution of 1988 was promulgated raising the important issue of the fundamental rights as a guarantee of the principle of isonomy. Therefore, until the essential rights and guarantees for human dignity were attained, it was imperative that the fundamental rights should lead to countless historical achievements, reflected in their dimensions. Thus, the Greater Law of 1988 plays a primordial role in relations between individuals and the State, as it becomes responsible for ensuring the guarantee of solidarity and fraternity in a society in which instability and torment are established in the modern individual. Keywords: Federal Constitution. Dimensions. Fundamental rights. Modernity. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988, após um período árduo de grandes prejuízos individuais e coletivos ocasionados por algumas das constituições anteriores, a exemplo das Constituições de 1937 e a de 1967, trouxe a importante questão dos direitos fundamentais como garantia do princípio da isonomia. Em 1937, com o golpe de Estado pelo Presidente Getúlio Vargas, outorgou-se uma Constituição de cunho extremista tanto pela direita quanto pela esquerda. Inspirada na Constituição Polonesa, seguia o modelo fascista, antiliberal, suprimiu direitos individuais e elevou o presidente como autoridade máxima, por isso o período é conhecido como a ditadura de Vargas (1937 a 1945). Outra Constituição outorgada, a de 1967, centralizadora, que conferia excesso de poderes ao presidente, época da ditadura militar, suprimiu inúmeros direitos sociais e individuais. Em 1988, com a promulgação da Constituição cidadã, estabeleceu-se o regime democrático e a garantia de direitos fundamentais – direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e os direitos relacionados 37 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. aos partidos políticos. Foi a primeira Constituição brasileira a fixar os direitos fundamentais antes da organização do próprio Estado. Sem dúvidas, uma grande evolução no Direito brasileiro, que, “por meio de suas instituições, teve de se adaptar ao novo cenário constitucional, reformulando conceitos, substituindo institutos e implementando o novo regime constitucional. E esta evolução há de ser constante” (TAVARES, 2017, p. 115-116). É notório que, antes dos direitos fundamentais conceituarem-se como “um conjunto indispensável de prerrogativas” (GONÇALVES, 2012), uma existência digna e igual ainda não era assegurada formalmente para todas as pessoas. Desta forma, torna-se de extrema importância que o foco da análise seja mantido, de maneira mais profunda, nos direitos coletivos e sociais como forma de assegurar a igualdade entre os cidadãos. Para tanto, o presente artigo versará acerca da evolução dos direitos fundamentais juntamente com a transformação do indivíduo moderno ao longo dos séculos; da evolução histórica das constituições brasileiras até a Carta Magna de 1988; e, em seguida, apresentará uma breve análise interpretativa do preâmbulo e do artigo 3º da Constituição Federal atual. Torna-se de suma importância apontar que o presente estudo, em alguns momentos, extrapola o âmbito teórico-jurídico e também menciona, em seu referencial, autores da teoria literária. Tal método é utilizado para que o tema sobre a coletividade seja ainda mais aprofundado e para que a compreensão acerca das relações entre indivíduos, Estado e mundo exterior seja mais facilmente alcançada. Afinal, como discutido por Thais Rodegheri Manzano (2011 passim), não seria a própria literatura expressão máxima da sociedade de sua época e, consequentemente, exemplo verossímil dos direitos que acompanham a transformação histórica do ser humano? Ademais, ao longo do texto, as equiparações entre as evoluções dos direitos fundamentais – primordialmente os coletivos – e do próprio gênero romanesco – como representação do indivíduo – mostram-se amplamente possíveis ao se considerar que mesmo que “o direito não possa ser considerado uma práticaartística”, a maneira pela qual a prática jurídica é interpretada engloba “muitos dos parâmetros utilizados na análise de textos literários”, como já demonstrado por Ronald Dworkin (apud 38 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. SÁNCHEZ; SOARES, 2013, p. 257) em sua teoria acerca do “romance em cadeia”, na qual “as interpretações literária e jurídica são confrontadas”. EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTEXTUALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO MODERNO Os direitos fundamentais podem ser definidos como “uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões”. Por conseguinte, “possuem natureza poliédrica, prestando-se ao resguardo do ser humano na sua liberdade [...], nas suas necessidades [...] e na sua preservação” (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2014, p. 153). Interessante apontar, ainda, que várias expressões são utilizadas para se referir a essa gama de direitos (direitos do homem, direitos humanos, direitos fundamentais do homem etc.), entretanto, de acordo com André Ramos Tavares (2017, p. 354), a expressão “direitos fundamentais” por englobar os direitos individuais, os direitos políticos, os direitos sociais, econômicos e os direitos de solidariedade é tecnicamente a mais correta, inclusive podendo ser utilizada em nível interno como em nível internacional. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece, em seu Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que todos os seres humanos nascem livres e iguais na dignidade e nos direitos, devendo agir uns com os outros em espírito de fraternidade, já que são dotados de razão e de consciência. Sendo assim, atualmente, para que seja assegurada uma existência digna e igual para todas as pessoas, a existência dos direitos fundamentais mostra-se essencialmente necessária (GONÇALVES, 2012). Entretanto, é possível perceber que para que fossem viáveis, aceitos e constitucionalizados, foi impreterível que os direitos fundamentais protagonizassem inúmeras conquistas históricas, o que justifica a significância da menção de suas 39 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. principais dimensões6, sendo elas: Primeira Dimensão – Liberdades Públicas; Segunda Dimensão – Igualdade; Terceira Dimensão – Fraternidade7. A primeira dimensão engloba os direitos civis e políticos e, segundo Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2014, p. 159), é considerada [...] o primeiro patamar de alforria do ser humano reconhecido por uma Constituição. [...]. São os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. [...]. Trata-se de direitos que representavam uma ideologia de afastamento do Estado das relações individuais e sociais. O Estado deveria ser apenas o guardião das liberdades, permanecendo longe de qualquer interferência no relacionamento social. É fundamental observar que tal abstenção de interferência do Estado é o que qualifica os direitos fundamentais de primeira geração como “liberdades públicas negativas” ou “direitos negativos” (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2014, p. 159). Em relação a essa abstenção estatal, GONÇALVES (2012) atesta que os direitos de primeira dimensão estabelecem limites para o Estado, ao mesmo tempo que resguarda os direitos considerados indispensáveis ao ser humano. Sendo assim, tais direitos consolidam-se em “um não fazer do Estado em favor do cidadão” (GONÇALVES, 2012). Ademais, a autora reitera que o surgimento desses direitos se deu devido às revoluções ocorridas no final do século XVIII e foram protagonizadas pela nova classe que se consolidava – a burguesia (GONÇALVES, 2012). Tal fato é indissociável do paralelo de que a conquista dos direitos fundamentais de primeira dimensão acompanhou a tendência romanesca em voga no século XVIII. Afinal, tal tendência tinha como maior objetivo a glorificação do indivíduo situado em uma época na qual o individualismo era a estrutura da consciência de uma burguesia que construía uma nova sociedade e que, de modo consequente, se encontrava no mais alto nível de sua eficácia histórica (GOLDMANN, 1976). 6 Há uma divergência acerca da nomenclatura a ser utilizada para se referir à evolução histórica de inserção dos direitos fundamentais, como aponta DIÓGENES JÚNIOR (2012), optaremos pelo termo “dimensão”. 7 Importante mencionar que ainda há uma 4ª, uma 5ª e uma 6ª Dimensão em discussão atualmente por estudiosos como BOBBIO (2004) e BONAVIDES (2004), sendo elas referentes à Tecnologia, à Paz/Internet e ao direito ao acesso à água potável, respectivamente. No entanto, não as aprofundaremos no presente artigo. 40 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. Em outras palavras, é concebível notar como o ideal de liberdade que abrange os direitos individuais e políticos do cidadão no século XVIII, exaltado pela Revolução Americana (1776) e pela Revolução Francesa (1789), também aparece como a máxima no que diz respeito ao sentimento de libertação do próprio indivíduo representado pela personagem romanesca, como se pode notar no romance Robinson Crusoé (1719), de Defoe – o homem que sozinho, sem necessitar sequer do auxílio do Estado, vence até mesmo a própria natureza. Inclusive, é possível ratificar a questão ao se salientar que o homem moderno é um ser absolutamente autônomo, seu significado não depende mais simplesmente das instituições; sendo a personagem romanesca a representação do “grande anseio da civilização moderna: a absoluta liberdade econômica, social e intelectual do indivíduo” (WATT, 1990, p. 77). Por sua vez, a segunda dimensão compreende os direitos econômicos, sociais e culturais, que revelam “uma etapa da evolução na proteção da dignidade humana” (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2014, p. 159). Os direitos dessa dimensão apresentam uma preocupação com uma nova forma de proteção da dignidade, colocando o Estado em uma nova posição, diferente daquela que ocupava na dimensão anterior. Sendo assim, esses direitos exigem uma atuação prestacional do Estado, no que concerne à busca de superação das carênciasindividuais e sociais. Consequentemente, os direitos fundamentais de segunda dimensão são chamados de direitos positivos, em contraposição aos direitos chamados negativos na primeira dimensão, pois não reivindicam a abstenção estatal, mas sim a presença do Estado para que seja possível minorar os problemas sociais; afirmando, assim, sua participação ativa (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2014, p. 159-160). A Revolução Industrial europeia, iniciada no final do século XVIII e que perdurou até a segunda metade do século XIX, impulsionou os direitos fundamentais de segunda dimensão, ocasionando uma “evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como dos direitos coletivos, ou de coletividade, correspondendo aos direitos de igualdade” (GONÇALVES, 2012). Novamente, o paralelo entre a conquista dos direitos fundamentais e a literatura mostra-se evidente. No mesmo momento em que há uma necessidade de obtenção dos direitos coletivos, ocorre um declínio do individualismo com o advento do moderno capitalismo industrial. Tal acontecimento é muito bem retratado pelos romances que tentam resgatar o sentimento de comunidade antes abrigado pelo épico. Aliás, tal tentativa de retomada 41 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. do coletivo, seja em relação aos direitos fundamentais relacionados ao trabalho, à habitação, à saúde ou na crise existencial do indivíduo que se sente desamparado, o Estado desempenha papel fundamental, afinal A pátria deixa de ser uma comunidade, uma terra, algo concreto e palpável e se converte em uma ideia a que todos os valores humanos se sacrificam: a nação. Ao antigo senhor – tirânico ou clemente, mas a quem se pode assassinar – sucede o Estado, imortal como uma ideia, eficaz como uma máquina [...] (PAZ, 1976, p. 65-66). Os direitos de terceira dimensão, por seu turno, representam “uma nova convergência de direitos, volvida à essência do ser humano, sua razão de existir, ao destino da humanidade, pensando o ser humano enquanto gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2014, p. 160). Destarte, abarcam o direito à solidariedade e à fraternidade, o que constitui mais uma conquista da humanidade para ampliação dos horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos, ou seja, o enfoque é o ser humano relacional, em conjunção com o próximo, sem a presença de fronteiras, sejam elas físicas ou econômicas (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2014, p. 160). Simultaneamente aos tradicionais direitos, o Estado passa a proteger outras modalidades de direitos “decorrentes de uma sociedade de massas [...], em que os conflitos sociais não eram mais adequadamente resolvidos dentro da antiga tutela jurídica voltada somente para a proteção de direitos individuais” (PINHO, 2010, p. 98 apud GONÇALVES, 2012). Assim sendo, os direitos aqui conquistados sobrepujam os interesses individuais e passam a ter como preocupação a proteção do gênero humano, com enfoque no humanismo e na universalidade (LENZA, 2012, p. 960). Mais uma vez, a analogia entre os direitos aqui adquiridos e a literatura se faz presente, visto que a Constituição se torna a responsável por assegurar a garantia da solidariedade e fraternidade em uma sociedade na qual a inquietude e o tormento se instauram no homem moderno e se refletem nas relações entre indivíduos, visto que a liberdade traz a responsabilidade de se fazer escolhas, mas a tomada de consciência da liberdade é acompanhada do receio de usá-la de maneira equivocada (FONTES, 2010 passim). 42 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. Essa insegurança do homem moderno é refletida na personagem romanesca denominada “herói problemático” (LUKÁCS, 2009), que se revela na ausência de correspondência transcendental entre alma e mundo exterior, o que acarreta “a solidão e a problemática do indivíduo”, o qual tem seus ideais ampliados ao mesmo tempo em que a totalidade se torna cada vez mais perdida (FONTES, 2010, p. 38). Dessa forma, a responsabilidade e importância dos direitos fundamentais constitucionalizados é novamente evidenciada para estabelecer limites não somente nas relações verticais, mas também, e principalmente, nas horizontais, afinal, “os direitos fundamentais nascem juntamente com o ser humano e estabelecem a convivência do homem em sociedade” (GONÇALVES, 2012). EVOLUÇÕES CONSTITUCIONAIS BRASILEIRAS A Constituição Federal de 1988 demonstrou sua inovação em relação às anteriores, baseada em valores igualitários e humanistas, foi denominada “Constituição Cidadã”, visando à redemocratização do país, “estabelecendo como cláusula pétrea o voto direito, secreto, universal e periódico, bem como na priorização dos direitos fundamentais”, com substancial aplicação pelo legislador constituinte (NUNES JÚNIOR, 2018, p. 337). No entanto, até que o Brasil pudesse alcançar satisfatoriamente uma Constituição do Estado social, foi inevitável que as anteriores não contemplassem de forma plena e suficiente os direitos fundamentais. Bonavides (2004, p. 361) distingue três fases históricas divididas de acordo com os valores políticos, jurídicos e ideológicos predominantes nas constituições brasileiras, sendo elas: 1) constitucionalismo do Império, com inspiração francesa e inglesa; 2) constitucionalismo da Primeira República, com a adoção do modelo americano, bem como do federalismo e do presidencialismo; e 3) constitucionalismo do Estado social, com a influência de Weimar e Bonn. A primeira fase constitucional se inicia em 1822 e vai até 1889, com o colapso monárquico e, subsequentemente, o advento da república (BONAVIDES, 2004, p. 362). A Constituição de 1824, outorgada na vigência de Dom Pedro I, apresentava como principais características a monarquia como forma de governo hereditário, 43 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. obviamente; um novo poder além do Executivo, Legislativo e Judiciário, denominado Poder Moderador – o qual concedia ao Imperador “a chave de toda a organização política do Império” (BONAVIDES, 2004, p. 364); o catolicismo como religião oficialdo Império; o voto censitário, aberto e indireto; vitaliciedade dos senadores; e as capitanias existentes transformadas em províncias (LIMA, 2008). Nesse período, ocorreu uma disputa árdua entre radicais e conservadores na Assembleia Constituinte; a elite latifundiária escravista desejava limitar os poderes do Imperador; que, desejando obter o poder de veto sobre as decisões do Legislativo, dissolveu a Assembleia e outorgou a Constituição com a mais longa duração da história brasileira (65 anos). Ao mesmo tempo, consolidava-se o Romantismo no Brasil, um movimento literário que tinha como principal objetivo a criação de uma nova história brasileira por meio da criação de uma cultura própria, da busca por uma identidade e consciência nacional que se desvinculasse da portuguesa – o mesmo desígnio buscado pelos indivíduos com a Independência. No entanto, assim como a primeira fase constitucional brasileira não consegue se desvincular totalmente do poder do Imperador, os propósitos românticos também não são alcançados de forma plena em um contexto no qual a nacionalidade buscada não consegue se libertar dos modelos europeus, o que torna os ideais românticos saturados e, posteriormente, suplantados. É claro que, paralelamente ao movimento romântico, a carência de autonomia provincial e a falta de descentralização dos poderes acabam por culminar em uma desintegração política da monarquia, que foi substituída pelo sistema republicano governamental (BONAVIDES, 2004, p. 364). Afinal, com as rápidas transformações e com o surgimento de novos desafios atrelados à reorganização do mundo do trabalho, a Constituição de 1824 torna-se um descompasso a ser superado. O segundo período constitucional, após a proclamação da República, é marcado pelos valores e princípios de organização formal do poder, com uma forte influência do modelo norte-americano. O trabalho escravo africano foi substituído pelo trabalho livre do imigrante; afinal, “o novo Estado constitucional já não pretendia pois oscilar formalmente como um pêndulo entre as prerrogativas do absolutismo decadente e as franquias participativas do governo representativo”, transformando- 44 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. se, assim, em um Estado com a plenitude formal das instituições liberais explicitada na promulgação da Constituição de 1891 (BONAVIDES, 2004, p. 364-365). As principais características dessa Constituição são: abolição do governo monárquico; transformação das províncias em Estados da Federação; sistema presidencialista conforme o modelo americano; regime representativo; extinção do Poder Moderador, com a presença apenas dos Três Poderes; concessão de maior autonomia aos Estados da Federação por meio de constituições organizadas; abolição da vitaliciedade dos senadores; Presidente da República como chefe do Executivo; sufrágio aberto e direto, mas com restrição aos mendigos e analfabetos; duração de quatro anos para os mandatos; inexistência de reeleição; exercício do Poder Legislativo pelo Congresso Nacional; Estado laico; instituição do habeas corpus; e concessão de vitaliciedade aos juízes federais (LIMA, 2008). Sendo assim, fizeram-se presentes [...] todas aquelas técnicas de exercício da autoridade preconizadas na época pelo chamado ideal de democracia republicana imperante nos Estados Unidos e dali importadas para coroar uma certa modalidade de Estado liberal, que representava a ruptura com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em valores de estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade (BONAVIDES, 2004, p. 365). Entretanto, os princípios fundamentais projetados da Constituição americana foram suprimidos pelos interesses da oligarquia latifundiária por meio da corrupção eleitoral (LIMA, 2008); o que, posteriormente, culminou no desmoronamento da Primeira República pela desmoralização oligárquica dos poderes (BONAVIDES, 2004, p. 366). Inclusive, o Realismo e o Naturalismo – movimentos literários da época – ilustram magistralmente o contexto com uma literatura de caráter mais objetivo e mais crítico da realidade brasileira. A representação do indivíduo da época é feita por meio de personagens totalmente influenciadas pelo ambiente sociocultural, ético e moral em que vivem, o qual só proporciona sentimentos como inveja, culpa, cobiça e desejo por ascensão social. Tais movimentos, subsequentemente, são sucedidos pelo Simbolismo, que espelha a crise de valores, a desconfiança e a desilusão em relação à ausência de 45 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. progresso imediato refletida por uma sociedade arcaica e pré-industrial, na qual os direitos de igualdade e civilidade ainda não são garantidos a todos os brasileiros. Ademais, o pré-Modernismo também problematiza o Brasil republicano, buscando retratar a incapacidade da República de atender às necessidades das diferentes regiões brasileiras, o que resulta em um grande descontentamento por parte da sociedade. Posteriormente, a geração modernista de 22 tenta superar o descompasso entre a modernização e a sobrevivência de padrões considerados arcaicos por meio de um nacionalismo crítico. Em uma época conturbada, a terceira fase constitucional inicia-se com o governo provisório de Getúlio Vargas por meio da Revolução de 30 e da criação das Cartas Magnas de 1934; de 1937; de 1946; de 1967; até culminar na atual Constituição de 1988. O novo texto constitucional de 1934 trouxe uma nova corrente de princípios que consagravam um pensamento divergente no que diz respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, ressaltando aspectos sociais ofuscados pelas constituições anteriores; aliás, é nessa Carta Magna que, pela primeira vez, o direito ao sufrágio é concedido expressamente às mulheres, por exemplo (PORTO, 2000). Não obstante, é possível observar, já em 1934, o início de uma fase de grandes conflitos ideológicos, que resultaram na suspensão das garantias constitucionais por meio do estado de sítio, proclamado em 1935, por Getúlio Vargas. Como consequência, em 1937, uma nova Lei Maior foi outorgada com um incontestável caráter autoritário, pleiteando os interesses de grupos políticos dominantes (LIMA, 2008). Interessante apontar que, nesse período de profundas transformações e contradições nos campos político, econômico, social e cultural, as dúvidas e questionamentos do homem moderno se tornaram ainda mais evidentes, o que não poderia ser diferente, afinal o Brasil passava por um período de inseguranças ocasionadas pelo ápice do governo centralizador do regime do Estado Novo, que apresentava um forte vínculo com os ideais fascistas. Por conseguinte,a geração literária de 30 buscou estudar e compreender as cisões que marcavam a sociedade de um Brasil retrógrado e socialmente injusto. 46 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. Porém, e felizmente, com o ingresso do Brasil na II Guerra Mundial ao lado dos aliados, a sucessão do Estado Novo foi dificultada, o que ocasionou o seu declínio e sua extinção em 1945 (LIMA, 2008). Logicamente que, devido à queda do regime ditatorial de Vargas, uma nova Carta Política era mais do que necessária para que se alcançasse uma redemocratização. Logo, por meio de uma Assembleia Constituinte, promulgou-se a Constituição dos Estados Unidos do Brasil em 1946; iniciando-se, assim, a Terceira República, que perdurou até 1964 com a chamada “revolução dos militares” (BONAVIDES, 2004, p. 367). Torna-se pertinente frisar que a Carta Magna de 1946 teve fundamental importância no que diz respeito aos direitos fundamentais, visto que é considerada um progresso para a democracia com a inserção da igualdade de todos perante a lei; da inviolabilidade do sigilo de correspondência; da inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo; da prisão somente mediante flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente; e da garantia de ampla defesa do acusado (LIMA, 2008, n.p). Entretanto, ainda que conquistados todos esses direitos após um período arbitrário, os chamados “anos dourados” da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek não significaram, contrariando a generalidade, um bem-estar social para todos os cidadãos, o que se comprovou pelo aumento da desigualdade na década de 50. Nas palavras de Mayara Faggion Grigoletto (2014, p. 4), nos Anos Dourados, Foi fato que a economia mundial cresceu muito [...], alcançando índices de empregabilidade, trocas, produtividade, industrialização, e urbanização realmente impressionantes. Desta maneira, foi fato também o grande aumento da concentração de capital; do tamanho das cidades; da deterioração ambiental; da dependência dos países periféricos; das desigualdades econômicas [...]. Para ratificar, a terceira geração modernista apresenta um cenário conturbado e profundamente fraturado, com rupturas e indefinições, avanços e recuos a partir de obras literárias que visam promover questionamentos acerca da identidade e do papel do indivíduo inserido em uma multiplicidade fragmentada da vida contemporânea. Guimarães Rosa, por exemplo, registra os valores culturais de uma população regional que sente seu cotidiano ameaçado pelo progresso. 47 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. Torna-se pertinente apontar, ainda, que posteriormente, até o Golpe Militar, o Brasil parece adentrar um “estado de graça”, visto que, tanto no âmbito jurídico, quanto no literário, é dificultoso encontrar aparato teórico minucioso acerca do período. As principais doutrinas, inclusive, aparentemente ignoram esse lapso temporal. Após a geração de 45, nas palavras de ROCHA (2002), “quando se iniciou o governo JK, na segunda metade da década de 50, fazia algum tempo que não se identificavam novos movimentos ou correntes literárias no Brasil. [...] as polêmicas pareciam ter cessado, e os manifestos, desaparecido”. A Constituição de 1967, por sua vez, marca o início da ditadura dos militares no Brasil, ampliando os poderes do Executivo em detrimento do Legislativo e do Judiciário, visto que o Poder Executivo tinha a liberdade de criação de Emendas Constitucionais sem a concordância dos outros poderes. Nas palavras de José Afonso da Silva (2005, p. 87), a Carta de 1967 “reduziu a autonomia individual, permitindo suspensão de direitos e de garantias constitucionais, no que se revela mais autoritária do que as anteriores”. Além disso, em 1969, foi criada uma Emenda que aumentou o mandato presidencial para cinco anos; determinou eleições indiretas para governador do Estado; extirpou as imunidades parlamentares; estabeleceu a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa. Inclusive, esta Emenda é considerada por parte da doutrina como um novo texto constitucional, o que é ratificado por Silva (2005, p. 87) na afirmação de que “teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu de mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado”. É nítido que, com a ditadura militar, a censura à liberdade de expressão e opinião praticamente anula, por meio da coerção e da limitação, as várias manifestações artísticas de vozes discordantes (REIMÃO, 2014, p. 75). Tal ato censório é uma agressão à cidadania, o que leva a ações de resistência praticadas por alguns escritores, como Jorge Amado e Érico Veríssimo, leitores e anônimos que “atuaram com dignidade e em prol da liberdade, mesmo em tempos sombrios” (REIMÃO, 2014, p. 88). Infelizmente, foi apenas em 1985 que o poder estatal foi devolvido a um civil, assim, os valores democráticos foram aos poucos se restabelecendo aos brasileiros 48 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. e, com a Nova República, finalmente se extinguem as ditaduras militares em território nacional. Dessa maneira, a Constituição Federal de 1988 consolidou sua pertinência ao assegurar os princípios fundamentais inerentes à pessoa humana, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana; o direito ao voto aos analfabetos e brasileiros maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos; repúdio ao racismo como crime inafiançável; posse permanente de suas terras aos índios; e novos direitos trabalhistas (LIMA, 2008). Evidentemente, não é por menos que a Lei Maior de 1988 é chamada de Constituição-cidadã por Ulysses Guimarães, visto que assevera as mudanças essenciais na legislação arbitrária, nas formas ilegítimas de representação e na estrutura federal com ampla participação popular em sua elaboração. Tal fase é definida pela extinção dos resíduos autoritários e pelo começo das transformações de caráter social, administrativo, econômico e político voltadas à realização plena da cidadania (SILVA, 2005, p. 88-90). O novo texto constitucionalnão poderia ser diferente, afinal os conflitos de um mundo globalizado e fragmentado, a urbanização caótica e o processo de dissolução das identidades resultantes de um contexto repressor precisavam ser superados pelo nascimento de uma esperança que fosse capaz de exacerbar o sentimento de coletividade no cidadão moderno. Por esse motivo, em relação ao valor incontestável dos direitos fundamentais presentes nas Cartas Magnas de 1934, 1946 e, principalmente, 1988, Bonavides (2004, p. 368) constata que [...] em todas essas três Constituições domina o ânimo do constituinte uma vocação política, típica de todo esse período constitucional, de disciplinar no texto fundamental aquela categoria de direitos que assinalam o primado da Sociedade sobre o Estado e o indivíduo ou que fazem do homem o destinatário da norma constitucional. [...]. [...]. O constitucionalismo dessa terceira época fez brotar no Brasil, desde 1934, o modelo fascinante de um Estado social de inspiração alemã, atado politicamente a formas democráticas, em que a Sociedade e o homem- pessoa – não o homem-indivíduo – são os valores supremos. Tudo porém indissoluvelmente vinculado a uma concepção reabilitadora e legitimante do papel do Estado com referência à democracia, à liberdade e à igualdade. 49 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. Como visto, o processo de constitucionalização do Brasil foi gradativo, a elaboração de atos normativos capazes de limitar o poder do Estado tem sido essencial para garantia e efetividade dos direitos fundamentais. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: PRIMAZIA DA COLETIVIDADE Após anos de repressão e violações dos direitos humanos, a Constituição Federal de 1988 é promulgada como resposta à necessidade de uma Lei Maior comprometida “com os preceitos democráticos e com a proteção dos direitos humanos” (MIRANDA; STANSKI; STANSKI, 2013, p. 955). Por esse motivo, é considerada como “aquela que mais procurou inovar tecnicamente em matéria de proteção aos direitos fundamentais” (BONAVIDES, 2004, p. 547). Tal premissa está muito bem comprovada pelo próprio preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual afirma que Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Assim, evidencia-se a incontestabilidade de que há somente uma interpretação possível para o preâmbulo constitucional – a de que a supremacia dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento e da igualdade e justiça é um bem indispensável para que se alcance uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, na qual devem estar garantidos o comprometimento e a harmonia social com a solução pacífica das dissidências. ARAUJO e NUNES JÚNIOR (2014, p. 140) salientam que, apesar de estar expresso 50 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. que a promulgação ocorreu sob a proteção de Deus, “não significa que o Estado brasileiro seja religioso”. Além disso, no artigo 3º da referida Carta Magna, os objetivos ditos fundamentais da República Federativa são elencados, sendo eles: [...] I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Em relação a esse artigo, David Araujo e Nunes Júnior (2014, p. 146) sustentam que “o propósito é o de aparelhar ideologicamente o texto constitucional, revelando que todo o conjunto ordenamental que irá se levantar nos dispositivos subsequentes se prende à realização” desses objetivos básicos, que simplesmente traduzem a noção de justiça social. Para que essa questão se torne mais compreensível, é importante salientar que o inciso I atesta a necessidade do Estado de edificar os meios para que a democracia seja exercida, sempre visando o bem-estar, a qualidade de vida e a harmonia social. A importância da garantia do desenvolvimento nacional está contida no inciso II, o que compreende o aperfeiçoamento do indivíduo, das propriedades e das instituições para que todas as áreas de atuação humana integrem o progresso da nação. O inciso III, por sua vez, evidencia o objetivo da República de erradicar a pobreza e a marginalização ao adotar medidas governamentais que possibilitem uma igualdade de condições para todos os cidadãos, trazendo melhorias para as áreas da saúde, educação e emprego; possibilitando, assim, a redução das desigualdades sociais e regionais ao permitir que as classes mais pobres também tenham acesso às condições básicas da condição humana. O inciso IV, por último e não menos importante, legitima o Brasil como um país de respeito ao afirmar, como objetivo fundamental, a consumação do bem coletivo, 51 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. acentuando que o preconceito e a discriminação são obstáculos ao respeito do direito do próximo, bem como das normas constitucionais. Torna-se relevante apontar, ainda, que os direitos fundamentais, por apresentarem rol exemplificativo (numerus apertus) aparecem ao longo de toda a Constituição de 1988 e, consequentemente, devem ser assegurados e respeitados pelas leis infraconstitucionais em consonância com os direitos e deveres individuais e coletivos, mais aprofundados no artigo 5º em cada um de seus incisos. Dessa maneira, situada na “era da ansiedade” (MANZANO, 2011, p. 74), na qual o indivíduo contesta a si mesmo e aos outros, em uma “desesperadaangústia”, ao viver “o tempo do pesadelo” (ROSENFELD, 1973, p. 81-83) como consequência de regimes ditatoriais, da globalização da economia, da urbanização caótica, da massificação da cultura e das inúmeras tentativas de favorecimentos de certas classes em detrimento de outras, a Constituição Federal de 1988 nasce como protagonista na manutenção da coletividade nas relações horizontais e verticais que, sem a presença de uma Lei Maior essencialmente democrática, apenas refletiriam a perda da totalidade do sentido imanente de comunidade. CONCLUSÃO A partir do presente artigo, foi possível demonstrar como os Direitos Fundamentais do Homem referem-se aos princípios que resumem as concepções do mundo modificadas e conquistadas ao longo dos séculos, e que funcionam, primordialmente, como ferramentas para a concretização das garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas. Além disso, distinguem-se três fases históricas divididas de acordo com os valores políticos, jurídicos e ideológicos vigentes em cada umas das constituições brasileiras, até que fosse possível alcançar o constitucionalismo do Estado social, representado rigorosamente pela Constituição Federal de 1988. Portanto, conclui-se que a última Carta Magna, promulgada em 1988 e vigente atualmente no país, desempenha papel fundamental no que diz respeito à 52 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. manutenção da coletividade no mundo moderno para evitar, assim, por meio de uma eficácia irradiante, que o individual sobrepuje o coletivo nacional. No entanto, apesar dos direitos fundamentais pleitearem-se formalmente ao longo de todo o texto constitucional como garantia máxima da igualdade entre os indivíduos, surge o questionamento: a aplicabilidade desses direitos realmente tem ocorrido de forma satisfatória no plano material? Assunto significativo para ser discutido, todavia, em um outro artigo. REFERÊNCIAS ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18. ed., rev. e atual. São Paulo: Verbatim, 2014. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 4 fev. 2018. DIÓGENES JÚNIOR, José Eliaci Nogueira. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? Revista Âmbito Jurídico. Rio Grande-RS, ano 15, n. 100, maio 2012, ISSN 1518-0360. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=117 50&revista_caderno=9>. Acesso em: 26 jan. 2018. FONTES, R. L. M. O romance como epopéia de uma era: um estudo do romance Angústia, de Graciliano Ramos. 2010. 107 f. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura) – Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. GONÇALVES, Susély Aparecida Fonseca. Os direitos e garantias fundamentais à luz da Constituição Federal. Boletim Jurídico, Uberaba-MG, a. 5, n. 1015, 2012, ISSN 1807-9008. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2641>. Acesso em: 25 jan. 2018. GRIGOLETTO, Mayara Faggion. Tranformações nos anos dourados: o desenvolvimento do precariado. 2014. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso 53 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. (Bacharel em Ciências Econômicas) – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, 2014. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. LIMA, Wesley de. Da evolução constitucional brasileira. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande-RS, ano 11, n. 49, jan. 2008, ISSN 1518-0360. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4037&revista _caderno=9>. Acesso em: 27 jan. 2018. LUKÁCS, Georg. A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades, 2009. MANZANO, Thais Rodegheri. E se a literatura se calasse? Os impasses do romance da Antiguidade ao século XX. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. MIRANDA, João Irineu de Resende; STANSKI, Fabiane; STANSKI, Kátia. A análise do §3º do artigo 5º da Constituição Federal brasileira a partir do Direito argentino. Revista Eletrônica Direito e Política [do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI]. Itajaí, v. 8, n. 2, p. 954-980, 2. quadrimestre de 2013, ISSN 1980-7791. Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica>. Acesso em: 27 jan. 2018. NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2018. PAZ, Octavio. A ambiguidade do romance. In: ______ . Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 63-74. PORTO, Walter Costa. Voto da mulher. Dicionário do voto. Brasília: UnB, 2000. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-da-mulher>. Acesso em: 15 jan. 2018. REIMÃO, Sandra. "Proíbo a publicação e circulação..." - censura a livros na ditadura militar.Estudos Avançados. São Paulo, v. 28, n. 80, p. 75-90, abr. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 40142014000100008>. Acesso em: 4 fev. 2018. ROCHA, Dora. Cem anos de JK. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). São Paulo, CPDCO/FGV, 2002. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/apresentacao>. Acesso em: 4 fev. 2018. 54 Rev. Eletr. Jur. (on-line) São José do Rio Preto/SP, v. 12, n. 23, jan./jun. 2018. ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In: ______ . Texto/Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 75-97. SÁNCHEZ, Nathália Mariáh Mazzeo; SOARES,Marcos Antônio Striquer. Direito e Literatura: paralelo ou paradoxo? Direito, Arte e Literatura, Curitiba-PR, maio/jun., 2013, ISBN 978-85-7840-169-6. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=91394d0fbf2b331b>. Acesso em: 20 dez. 2017. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017. WATT, Ian. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Informações de publicação: Recebido em 06/11/2017 Aprovado em 07/05/2018 Avaliado pelo método Double Blind Review
Compartilhar