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CAPÍTUlO 1 HiStórico e evolução da educação eSpecial incluSiva A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer a história da educação especial. 3 Compreender a mudança dos papéis da escola especial e da escola regular. 3 Diferenciar as fases históricas da educação especial. 3 Distinguir as funções da escola especial e da escola regular. 1111 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 contextualização neste capítulo, você conhecerá um breve histórico da trajetória da Educação Especial. Conhecer os caminhos e a evolução da Educação Especial é importante, pois fará com que você reflita e compreenda os vários enfoques atribuídos pela sociedade às pessoas com deficiência, de acordo com os valores morais e éticos de cada época. Além disso, este capítulo pretende esclarecer quanto aos modelos de educação oferecidos às pessoas com deficiência, desde o período em que eram preteridas no que se refere a qualquer forma de educação escolar até os dias atuais, em que as políticas garantem a todos o direito à educação na escola regular. Por último, você refletirá sobre as funções da escola especial, cujo ensino não é mais substitutivo da escola regular. isto porque a escola especial recebeu novos papéis após a implementação de leis que garantem a inclusão de todos na escola regular, principalmente o de cooperar com a educação inclusiva. trajetória da educação eSpecial: da excluSão à incluSão eScolar Antes de conhecer o modelo de educação inclusiva, hoje almejada nas escolas de todo o país, é importante saber que a mesma se derivou de uma longa trajetória historicamente produzida. Em outras palavras, a Educação inclusiva é fruto de mudanças históricas que foram constituídas socialmente. Para entender a gênese histórica desse modelo, é essencial que você faça uma análise das acepções e práticas que a ele servem de base. Embora os fenômenos históricos aconteçam de forma não-linear, ou seja, não ocorram de maneira contínua, no que concerne à história da Educação Especial, conforme sassaki (1997), esta pode ser dividida em quatro fases: exclusão, segregação ou separação, integração e inclusão. Ressaltamos que, por se tratar de mudanças de paradigmas, essas fases não ocorreram ao mesmo tempo para todos os grupos sociais, já que cada população tem seu próprio momento cultural e histórico. Em relação a isso, sassaki (1997, p. 16) nos explica que 12 Educação Especial e inclusão Escolar 12 A sociedade, em todas as culturas, atravessou diversas fases no que se refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas que – por causa das condições atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria da população. Em seguida, desenvolveu o atendimento segregado dentro de instituições, passou para a prática da integração social e recentemente adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais (grifos no original). Entretanto, não podemos pensar nas fases mencionadas por sassaki (1997) desvinculadas de seus momentos históricos, pois as mesmas foram norteadas por políticas públicas que enfatizavam as visões de mundo concebidas em tais momentos. Além disso, as quatro fases se referem às práticas sociais. Portanto, a educação, que é uma dessas práticas, está diretamente atrelada a essas mudanças. Dessa forma, quando falarmos em exclusão, segregação, integração e exclusão nesse texto, estaremos nos referindo ao acesso à educação. O modelo de exclusão, se comparado com os demais – da segregação, da integração e da inclusão –, foi o que predominou por mais tempo no que diz respeito à história social das pessoas com deficiência. Nessa fase, era natural pensar em abandono e, até, na morte dos “débeis”, pois dessa forma, o sujeito deficiente não contaminaria o resto da sociedade. Essa maneira de pensar modificou-se à medida que o Cristianismo se difundiu, gerando o pressuposto de que o deficiente é um indivíduo dotado de alma e que, portanto, necessita ser socorrido. Esse reconhecimento da deficiência aos poucos transformou a fase de exclusão em fase de segregação ou separação, quando ocorreu a institucionalização da deficiência. Institucionalização da deficiência: significa, neste caso, oferecer ensino às pessoas com deficiência em locais especializados, fora das escolas regulares. A fase de segregação ficou caracterizada pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e pela manutenção das mesmas em instituições residenciais segregadas ou em escolas especiais, situadas longe da localidade de suas famílias. Em outras palavras, as pessoas com deficiência tiveram acesso à educação, mas de forma segregada. Foi nessa época, mais especificamente no século XIX, que a escola especial passou a exercer um papel importante para as pessoas Escola Especial não foi criada para segregar as pessoas com deficiência, e sim para dar a oportunidade de ensino que o sistema regular negava a essas pessoas. 1313 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 com deficiência, pois, segundo Beyer (2005, p. 14), essas escolas “integraram, pela primeira vez, as crianças com deficiência no sistema escolar”. Diferentemente do que imaginamos, a Escola Especial não foi criada para segregar as pessoas com deficiência, e sim para dar a oportunidade de ensino que o sistema regular negava a essas pessoas. sobre a escola especial, Glat (1998, p. 11) explica que Tradicionalmente o atendimento aos portadores de deficiências era realizado de natureza custodial e assistencialista. Baseado em um modelo médico, a deficiência era vista como uma doença crônica e o deficiente como um ser inválido e incapaz, que pouco poderia contribuir para a sociedade, devendo ficar ao cuidado das famílias ou internado em instituições ‘protegidas’, segregado do resto da população. Em relação ao exposto por Glat (1998), Beyer (2005, p. 15) adverte que “as escolas especiais foram importantes historicamente, mas uma solução transitória não tem ou não deve ter caráter permanente”. Dessa forma, é essencial termos consciência da importância histórica da Educação Especial, como um meio de acesso à educação pelas pessoas com deficiência. No entanto, precisamos estar cientes de que foi uma solução passageira. note: na citação de Beyer (2005), aparece o termo “integraram”. Cabe lembrar que a integração mencionada por Beyer (2005) é diferente da fase de integração em escolas regulares, pois, apesar de as pessoas com deficiência estarem integradas em um sistema de ensino, esse sistema funcionava separado do convívio social. O processo de desinstitucionalização teve início com as mudanças socioeducacionais que ocorreram nos anos de 1970, dando um novo rumo à educação de pessoas com deficiência. Desinstitucionalização: foi o processo que marcou a transferência gradual das pessoas com deficiência das instituições especiais para as escolas regulares. A Comissão de Warnock, que aconteceu em londres, em 1978, deu o seu apoio ao princípio da integração para alunos com necessidades educacionais especiais, distinguindo três formas principais de integração, que descreveu como: situacionais, em que unidades ou turmas especiais se encontram ligadas a escolas do ensino regular; sociais, nas quais os alunos da unidade convivem com as outras crianças e, se possível, 14 Educação Especial e inclusão Escolar 14 partilham atividades organizadas fora da sala de aula; e funcionais, nas quais aqueles que têm necessidades educacionais especiais assistem às aulas da escolaridade regular em regime de tempo inteiro ou de tempo parcial.(RElATÓRiO WARnOCK, 1978). nos anos subsequentes à publicação do Relatório Warnock (1978), tornou-se claro que seriam necessárias alterações substanciais no pensamento que se refere às três dimensões citadas, ou seja, situacionais, sociais e funcionais. A insatisfação com uma interpretação estreita da integração enquanto problema da minoria, na qual o sucesso significava adequar uma criança a um sistema que não fora concebido tendo em conta as suas necessidades, conferiu um impulso significativo a uma mudança na utilização da terminologia, passando a ser usado o termo inclusão em vez de integração. Diferente da proposta da integração que almejava modificar os alunos até que pudessem se encaixar no perfil das escolas regulares, a inclusão visa que a escola se molde para atender as necessidades de cada aluno. Além disso, o termo inclusão implica o reconhecimento de que todos estão abrangidos, ou seja, o princípio da prática educativa inclusiva se aplica a todos os alunos. A figura 1, elaborada por Beyer (2006), ilustra as quatro fases mencionadas nos parágrafos anteriores: exclusão, segregação ou separação, integração e exclusão. Figura 1 - Os processos de exclusão, separação e integração e inclusão sob a ótica de Beyer (2006) Fonte: Beyer (2006, p. 279). 1515 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 A figura 1 contém círculos e “pontinhos” que, conforme a legenda, representam, respectivamente, o ensino tanto na escola regular quanto na escola especial e as pessoas com necessidades especiais e as ditas normais. Com essa figura, Beyer (2006) procurou esclarecer quanto aos diferentes momentos históricos que marcaram as ações do sistema de ensino. Vamos entender melhor a figura 1? na fase de exclusão, as pessoas com necessidades especiais não estão inseridas em nenhum tipo de instituição de ensino. Isto significa que, nessa fase, as pessoas com deficiência estavam excluídas de todos os tipos de educação. na fase de segregação ou separação, as pessoas com necessidades especiais estão inseridas em escolas especiais e as pessoas ditas normais, no ensino regular. Podemos compreender então que, nessa fase, foram criadas as primeiras instituições de ensino para pessoas com deficiência, mas que ficavam separadas do convívio social. na fase de integração, as pessoas com necessidades especiais estão na mesma instituição de ensino que as pessoas ditas normais, mas em grupos separados. Isto quer dizer que as pessoas com deficiência tinham acesso à mesma escola que as pessoas ditas normais, mas frequentavam classes separadas. note: será que podemos considerar que a segregação e a integração são formas de exclusão? Sim. A segregação pode ser considerada uma forma de exclusão, pois, apesar de os alunos com deficiência estarem em uma instituição de ensino, esta era separada das escolas comuns, ou seja, os alunos estavam excluídos do ensino regular. Da mesma forma, podemos considerar que a integração seja uma forma de exclusão, já que os alunos, mesmo incluídos na escola regular, ficam excluídos dos grupos de alunos ditos normais. Finalmente, na fase de inclusão, as pessoas com necessidades especiais estão inseridas na mesma escola e no mesmo grupo das pessoas ditas normais. Com isso, podemos compreender que o modelo de inclusão requer mais da escola do que o modelo de integração, pois prevê um ensino que abranja todos em uma mesma classe dentro de uma mesma escola. O modelo de inclusão requer mais da escola do que o modelo de integração, pois prevê um ensino que abranja todos em uma mesma classe dentro de uma mesma escola. 16 Educação Especial e inclusão Escolar 16 Atividade de Estudos: Você considera que a escola como está configurada atualmente está preparada para se encaixar nos moldes do paradigma da inclusão? Aproveite este momento de reflexão e responda de acordo com as experiências vivenciadas em sua realidade, justificando sua resposta. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ independente de sua resposta, podemos considerar que novos projetos requerem mudanças e que isso não é diferente quando tratamos do ambiente educacional. na próxima seção, discutiremos sobre as mudanças que a última fase – inclusão – trouxe para as escolas, tanto especiais quanto regulares. Romeu Kasumi sassaki, o qual citamos no início desta seção, é consultor e atua há 43 anos na promoção e na inclusão social de pessoas com deficiência. Leia um trecho da entrevista concedida por sassaki na qual aborda o tema que estamos estudando. Essa entrevista está disponível no site www.educacaoonline.pro.br. Fala-se muito também na integração do portador de deficiência. Existe diferença entre inclusão e integração? sim, existe, embora ambas constituam formas de inserção. A prática da integração, principalmente nos anos sessenta e setenta, baseou- se no modelo médico da deficiência, segundo o qual tínhamos que modificar (habilitar, reabilitar, educar) a pessoa com deficiência para torná-la apta a satisfazer os padrões aceitos no meio social (familiar, escolar, profissional, recreativo, ambiental). Já a prática da inclusão, incipiente na década de oitenta, porém consolidada nos anos noventa, vem seguindo o modelo social da deficiência, segundo o qual a nossa tarefa é a de modificar a sociedade (escolas, empresas, programas, serviços, ambientes físicos etc.) para torná-la capaz de acolher todas as pessoas que, uma vez incluídas nessa sociedade em modificação, poderão ter atendidas em suas necessidades, comuns e especiais. 1717 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 Que tipo de ação o Senhor sugere no sentido de tomar eficaz a inclusão do aluno com deficiência na escola regular? As ações são de vários tipos e devem ser, em sua maioria, implementadas simultaneamente. será necessária uma ampla e contínua campanha de esclarecimento do público em geral, das autoridades educacionais e dos alunos das escolas comuns e especiais e de seus familiares. serão imprescindíveis os treinamentos dos atuais e futuros professores comuns e especiais. Esses treinamentos deverão enfocar os conceitos inclusivistas (autonomia, independência, empowerment, equiparação de oportunidades, inclusão social, modelo social da deficiência, rejeição zero e vida independente), a Declaração de salamanca, os preceitos constitucionais brasileiros pertinentes ao direito à educação no ensino regular, os princípios da inclusão escolar, os procedimentos em sala de aula e as atividades extracurriculares que constituem as melhores práticas de ensino-aprendizagem já comprovadas por escolas inclusivas bem-sucedidas. Durante e após os treinamentos, deverá ser garantido aos professores o seu acesso à literatura (livros, manuais, apostilas, relatórios e outros materiais impressos e/ou audiovisuais) sobre educação inclusiva. Deverá também ocorrer uma série de modificações nos ambientes escolares e nos materiais de ensino-aprendizagem, além de mudanças nos critérios de avaliação do rendimento escolar e de promoção nas séries. Onde se encontram as principais resistências no sentido de se conseguir uma efetiva inclusão? Tanto no âmbito escolar como em outros setores, as principais resistências têm como origem o desconhecimento e/ou as informações equivocadas a respeito do paradigma da inclusão. Quanto à inclusão escolar, as resistênciasestão presentes entre as autoridades educacionais de todos os níveis, entre os professores comuns e especiais e entre famílias e alunos com e sem deficiências. Uma das grandes barreiras a serem derrubadas está nos preconceitos em relação ao tema. Como o Senhor vê o problema? Os preconceitos em relação à inclusão poderão ser eliminados ou, pelo menos, reduzidos por meio das ações de sensibilização da sociedade e, em seguida, mediante a convivência na diversidade humana dentro das escolas inclusivas, das empresas inclusivas, dos programas de lazer inclusivo. Resultados já existem que comprovam a eficácia da educação inclusiva em melhorar os seguintes aspectos: comportamentos na escola, no lar e na comunidade; resultados 18 Educação Especial e inclusão Escolar 18 educacionais; senso de cidadania; respeito mútuo; valorização das diferenças individuais e aceitação das contribuições pequenas e grandes de todas as pessoas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem, dentro e fora das escolas inclusivas. Atividade de Estudos: 1) sugiro a você que aponte os aspectos mais interessantes da entrevista de sassaki e comente sobre eles. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ 2) Diferencie, com suas palavras, as fases de exclusão, segregação ou separação, integração e inclusão. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ escola regular e escola especial: reinterpretando papéis na seção anterior, vimos que as escolas especiais surgiram para oferecer ensino às pessoas com deficiência, já que estas, até o final da década de 1980, não tinham o direito de frequentar as escolas regulares. nesse sentido, as escolas especiais inicialmente possuíam um caráter substitutivo do ensino regular. você pode estar se perguntando: se todos os alunos devem estar incluídos nas escolas regulares, qual o papel da escola especial nesse processo? As escolas especiais deixaram de existir? A Escola Especial deve trabalhar de forma cooperativa com as escolas regulares e auxiliar no processo de inclusão de alunos com necessidades especiais 1919 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 Após a implantação da lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional – Educação Especial, lei nº 9.394/96, a qual previu, no art. 58, parágrafo i, que, quando necessário, haveria “[...] serviço de apoio especializado, na escola regular, para atender a peculiaridades da clientela de educação especial” (BRAsil, 2008) –, as escolas especiais ficaram encarregadas de assumir um novo papel na educação: trabalhar de forma cooperativa com as escolas regulares e auxiliar no processo de inclusão de alunos com necessidades especiais. Dessa forma, as escolas especiais não deixaram de existir, mas assumiram uma nova tarefa diante das pessoas com deficiência ou síndrome. Deficiência ou Síndrome: É importante destacar que deficiência e síndrome são duas patologias diferentes. Uma pessoa com síndrome pode ter uma deficiência, mas isso não é uma regra e vice-versa. De que forma isso vai acontecer? A escola especial, serviço de apoio especializado ou atendimento educacional especializado, passará a oferecer serviços diferentes do proporcionado pelo ensino escolar, tendo como função atender às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais, estando disponível como complemento, e não como substitutivo do ensino regular. Mantoan (2004) nos lembra de que, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, o atendimento prestado pela escola especial “existe para complementar e não para substituir o ensino escolar comum e para que os alunos com deficiência tenham acesso e frequência à escolaridade, em escolas comuns”. Isto significa que a escola especial deve complementar o ensino regular, oferecendo suporte tanto para os alunos com deficiência ou síndrome quanto para as escolas regulares. Quando falamos em suporte aos alunos com deficiência ou síndrome, não nos referimos à aula de reforço ou a atendimentos que preencham as lacunas deixadas pela escola regular. segundo Batista (2006, p. 17), o suporte existe “[...] para que os alunos possam aprender o que é diferente do currículo do ensino comum e que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência”. Por exemplo, quando um aluno com deficiência visual é incluído na escola regular, o atendimento especializado da escola especial, além de outras atividades, pode ensinar o Braille. Dessa forma, o aluno terá acesso à linguagem escrita, podendo participar das atividades na escola regular que, por sua vez, adaptará o material didático e as avaliações para o Braille. 20 Educação Especial e inclusão Escolar 20 O suporte oferecido pela escola especial às escolas regulares pode acontecer de várias maneiras. Uma delas é a orientação oferecida aos professores e aos gestores educacionais por profissionais itinerantes que esclarecem sobre como garantir a permanência e a aprendizagem de todos os alunos. sobre isso, Mantoan (2003, p. 55) argumenta que “não adianta, contudo, admitir o acesso de todos às escolas, sem garantir o prosseguimento da escolaridade até o nível que cada aluno for capaz de atingir”. neste sentido, podemos considerar que a inclusão não termina na garantia de matrícula aos alunos com deficiência ou síndrome, mas também requer a garantia da continuidade do aluno na escola. no tocante à itinerância, Mantoan (2003, p. 87) chama a atenção para o seguinte: O professor itinerante/especialista tende a acomodar o professor comum, tirando-lhe a oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar soluções e não aguardar para que alguém de fora venha regularmente, para resolver seus problemas. Esse serviço reforça a idéia de que os problemas de aprendizagem são sempre do aluno e de que só o especialista consegue removê-lo com adequação e eficiência. A autora nos alerta que, ao contrário do que muitos pensam, os professores itinerantes não estão na escola para resolver os problemas dos professores regentes e acomodá-los, mas para auxiliá-los, criando a autonomia necessária para desenvolver um trabalho inclusivo. (MAnTOAn, 2003). Conforme já mencionamos, o professor itinerante tem o papel de orientar os profissionais das escolas regulares quanto à inclusão de seus alunos, e não de assumir as responsabilidades do professor comum. Ante o exposto, perguntamos: qual o papel da escola regular diante do modelo de inclusão? Assim como a escola especial, a escola regular também deve reinterpretar seu papel diante do paradigma da inclusão, assumindo as responsabilidades impostas pelas leis e modificando seu sistema de acordo com as orientações propostas pelas políticas de inclusão. nos próximos capítulos, discutiremos mais atentamente as questões legais e teóricas que embasam a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares. O professor itinerante tem o papel de orientar os profissionais das escolas regulares quanto à inclusão de seus alunos, e não de assumir as responsabilidades do professor comum. 2121 Histórico e evolução da educação especialinclusiva Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Complete o quadro a seguir de acordo com o que você estudou a respeito das características das escolas especiais e das escolas regulares. 2) De que forma a escola especial pode cooperar com a escola regular para promover a inclusão dos alunos com deficiência ou síndrome? Crie uma situação para exemplificar sua resposta. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ sugiro que você leia a entrevista intitulada “inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças” que Mantoan concedeu ao site www. novaescola.com.br. nessa entrevista, a educadora comenta sobre a importância de conviver com as diferenças na escola. 22 Educação Especial e inclusão Escolar 22 inclusão é o privilégio de conviver coM as diFerenças Maria Teresa Eglér Mantoan O que é inclusão? É a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção. É para o estudante com deficiência física, para os que têm comprometimento mental, para os superdotados, para todas as minorias e para a criança que é discriminada por qualquer outro motivo. Costumo dizer que estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até na sala de aula com pessoas que não conhecemos. Já inclusão é estar com, é interagir com o outro. Que benefícios a inclusão traz a alunos e professores? A escola tem que ser o reflexo da vida do lado de fora. O grande ganho, para todos, é viver a experiência da diferença. se os estudantes não passam por isso na infância, mais tarde terão muita dificuldade de vencer os preconceitos. A inclusão possibilita aos que são discriminados pela deficiência, pela classe social ou pela cor que, por direito, ocupem o seu espaço na sociedade. se isso não ocorrer, essas pessoas serão sempre dependentes e terão uma vida cidadã pela metade. você não pode ter um lugar no mundo sem considerar o do outro, valorizando o que ele é e o que ele pode ser. Além disso, para nós, professores, o maior ganho está em garantir a todos o direito à educação. O que faz uma escola ser inclusiva? Em primeiro lugar, um bom projeto pedagógico, que começa pela reflexão. Diferentemente do que muitos possam pensar, inclusão é mais do que ter rampas e banheiros adaptados. A equipe da escola inclusiva deve discutir o motivo de tanta repetência e indisciplina, de os professores não darem conta do recado e de os pais não participarem. Um bom projeto valoriza a cultura, a história e as experiências anteriores da turma. As práticas pedagógicas também precisam ser revistas. Como as atividades são selecionadas e planejadas para que todos aprendam? Atualmente, muitas escolas diversificam o programa, mas esperam que no fim das contas todos tenham os mesmos resultados. Os alunos precisam de liberdade para aprender do seu modo, de acordo com as suas condições. E isso vale para os estudantes com deficiência ou não. 2323 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 Como está a inclusão no Brasil hoje? Estamos caminhando devagar. O maior problema é que as redes de ensino e as escolas não cumprem a lei. A nossa Constituição garante desde 1988 o acesso de todos ao Ensino Fundamental, sendo que alunos com necessidades especiais devem receber atendimento especializado preferencialmente na escola, que não substitui o ensino regular. Há outra questão, um movimento de resistência que tenta impedir a inclusão de caminhar: a força corporativa de instituições especializadas, principalmente em deficiência mental. Muita gente continua acreditando que o melhor é excluir, manter as crianças em escolas especiais, que dão ensino adaptado. Mas já avançamos. Hoje todo mundo sabe que elas têm o direito de ir para a escola regular. Estamos num processo de conscientização. A escola precisa se adaptar para a inclusão? Além de fazer adaptações físicas, a escola precisa oferecer atendimento educacional especializado paralelamente às aulas regulares, de preferência no mesmo local. Assim, uma criança cega, por exemplo, assiste às aulas com os colegas que enxergam e, no contraturno, treina mobilidade, locomoção, uso da linguagem braile e de instrumentos, como o soroban, para fazer contas. Tudo isso ajuda na sua integração dentro e fora da escola. Como garantir atendimento especializado se a escola não oferece condições? A escola pública que não recebe apoio pedagógico ou verba tem como opção fazer parcerias com entidades de educação especial, disponíveis na maioria das redes. Enquanto isso, a direção tem que continuar exigindo dos dirigentes o apoio previsto em lei. na particular, o serviço especializado também pode vir por meio de parcerias e deve ser oferecido sem ônus para os pais. Estudantes com deficiência mental severa podem estudar em uma classe regular? sem dúvida. A inclusão não admite qualquer tipo de discriminação, e os mais excluídos sempre são os que têm deficiências graves. No Canadá, vi um garoto que ia de maca para a escola e, apesar do raciocínio comprometido, era respeitado pelos colegas, integrado à turma e participativo. Há casos, no entanto, em que a criança não consegue interagir porque está em surto e precisa ser tratada. Para 24 Educação Especial e inclusão Escolar 24 que o professor saiba o momento adequado de encaminhá-la a um tratamento, é importante manter vínculos com os atendimentos clínico e especializado. A avaliação de alunos com deficiência mental deve ser diferenciada? não. Uma boa avaliação é aquela planejada para todos, em que o aluno aprende a analisar a sua produção de forma crítica e autônoma. Ele deve dizer o que aprendeu, o que acha interessante estudar e como o conhecimento adquirido modifica a sua vida. Avaliar estudantes emancipados é, por exemplo, pedir para que eles próprios inventem uma prova. Assim, mostram o quanto assimilaram um conteúdo. Aplicar testes com consulta também é muito mais produtivo do que cobrar decoreba. A função da avaliação não é medir se a criança chegou a um determinado ponto, mas se ela cresceu. Esse mérito vem do esforço pessoal para vencer as suas limitações, e não da comparação com os demais. Um professor sem capacitação pode ensinar alunos com deficiência? sim. O papel do professor é ser regente de classe, e não especialista em deficiência. Essa responsabilidade é da equipe de atendimento especializado. não pode haver confusão. Uma criança surda, por exemplo, aprende com o especialista libras (língua brasileira de sinais) e leitura labial. Para ser alfabetizada em língua portuguesa para surdos, conhecida como l2, a criança é atendida por um professor de língua portuguesa capacitado para isso. A função do regente é trabalhar os conteúdos, mas as parcerias entre os profissionais são muito produtivas. se na turma há uma criança surda e o professor regente vai dar uma aula sobre o Egito, o especialista mostra à criança com antecedência fotos, gravuras e vídeos sobre o assunto. O professor de l2 dá o significado de novos vocábulos, como pirâmide e faraó. Na hora da aula, o material de apoio visual, textos e leitura labial facilitam a compreensão do conteúdo. Como ensinar cegos e surdos sem dominar o braile e a língua de sinais? É até positivo que o professor de uma criança surda não saiba libras, porque ela tem que entender a língua portuguesa escrita. Ter 2525 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo1 noções de libras facilita a comunicação, mas não é essencial para a aula. no caso de ter um cego na turma, o professor não precisa dominar o braile, porque quem escreve é o aluno. Ele pode até aprender, se achar que precisa para corrigir textos, mas há a opção de pedir ajuda ao especialista. só não acho necessário ensinar libras e braile na formação inicial do docente. O professor pode se recusar a lecionar para turmas inclusivas? não, mesmo que a escola não ofereça estrutura. As redes de ensino não estão dando às escolas e aos professores o que é necessário para um bom trabalho. Muitos evitam reclamar por medo de perder o emprego ou de sofrer perseguição. Mas eles têm que recorrer à ajuda que está disponível, o sindicato, por exemplo, onde legalmente expõem como estão sendo prejudicados profissionalmente. Os pais e os líderes comunitários também podem promover um diálogo com as redes, fazendo pressão para o cumprimento da lei. Há fiscalização para garantir que as escolas sejam inclusivas? O Ministério Público fiscaliza, geralmente com base em denúncias, para garantir o cumprimento da lei. O Ministério da Educação, por meio da secretaria de Educação Especial, atualmente não tem como preocupação punir, mas levar as escolas a entender o seu papel e a lei e a agir para colocar tudo isso em prática. Atividade de Estudos: sugiro a você que aponte os aspectos mais interessantes da entrevista de Mantoan e comente sobre eles. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ 26 Educação Especial e inclusão Escolar 26 alguMas considerações Caro(a) pós-graduando(a)! neste capítulo, você conheceu a história da educação especial, antes mesmo de seu surgimento. Da mesma forma, compreendeu a mudança dos papéis da escola especial frente aos desafios da inclusão escolar. Em suma, refletimos sobre: • as quatro fases da inclusão escolar: exclusão, segregação ou separação, integração e inclusão; • a diferença entre as propostas de integração e de inclusão escolar; • as mudanças requeridas pela inclusão escolar tanto nas escolas regulares quantos nas escolas especiais; sinopse: Um homem com síndrome de Down cuja mãe morreu e um ocupado homem de negócios, divorciado e sem a posse dos filhos que não querem mais vê-lo. Os dois acabam desenvolvendo uma amizade especial quando se encontram acidentalmente. O OITAVO DIA. Direção de Jaco van Dormael. França: Polygram / Europa Carat Home vídeo, 1996. 1 filme (118 min), legendado. Sugerimos que você assista ao filme “O oitavo dia”. O filme retrata a época em que pessoas com deficiências ou síndromes eram deixadas por suas famílias em instituições separadas do convívio social. Além disso, o filme trata do preconceito existente no contato e no relacionamento de pessoas com deficiência com pessoas ditas normais. 2727 Histórico e evolução da educação especial inclusiva Capítulo 1 • o antigo papel das escolas especiais, que era acolher e oferecer ensino às pessoas com deficiência ou síndrome; • a atual função das escolas especiais, ou seja, oferecer suporte às escolas regulares para promover a inclusão de todos; • o desafio lançado às escolas regulares, isto é, receber, acolher e ensinar a todos os alunos. referênciaS BATisTA, Cristina Abranches Mota. Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para a deficiência mental. 2. ed. Brasília: MEC – sEEsP, 2006. BEYER, Hugo Otto. inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005. ______. Educação inclusiva ou integração escolar? implicações pedagógicas dos conceitos como rupturas paradigmáticas. in: Ensaios Pedagógicos. Brasília: MEC – sEEsP, 2006. p. 277- 280. BRAsil. Educação Especial, legislação. Disponível em: <www.mec.gov.br> Acesso em: 15 out. 2008. GlAT, Rosana. A integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. MAnTOAn, Maria Teresa Égler.. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. ______. O direito à diferença nas escolas – questões sobre a inclusão escolar de pessoas com e sem deficiências. Revista Educação Especial, santa Maria, n. 23, 2004. Disponível em: <www.ufsm.br/ce/revista>. Acesso em: 22 out. 2007. RElATÓRiO WARnOCK. Special educational needs report of commite of enquiry into the education of handicapped children and young people. Londres: Her Magestys Office, 1978. 28 Educação Especial e inclusão Escolar 28 sAssAKi, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. ed. Rio de Janeiro: WVA, 1997.