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Falar com o Corpo - Textos do VI ENAPOL

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Textos do VI ENAPOL
www.enapol.com
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2
Falar com o corpo
Conclusão do PIPOL V
Jacques-Alain Miller
ÍNDICE
ARGUMENTO
Falar com seu sintoma, falar com seu 
corpo
Eric Laurent
APRESENTAÇÃO ENAPOL
Falar com o corpo. A crise das normas e 
a agitação do real
Elisa Alvarenga
Presidente da FAPOL
Apresentar o corpo
Ricardo Seldes
Presidente do VI ENAPOL
Falar com qual corpo?
Patricio Alvarez
Diretor do VI ENAPOL
Falar com o corpo, sem saber
Miquel Bassols
Vicepresidente AMP
Falar com o corpo, um solilóquio e a 
experiência analítica
Sérgio Laia
Diretor Executivo ENAPOL (EBP)
O corpo entre a certeza do gozo e as 
servidões da época
Piedad Ortega de Spurrier
Diretora Executiva do VI ENAPOL (NEL)
Corpos do século XXI
Mario Goldenberg
Violência e drogas, nem sexo nem rock 
and roll
Elvira María Dianno
Pontuações sobre o texto-argumento de 
Laurent que apresenta o VI ENAPOL
Margarida Elia Assad
Imaginar o real
Vera Gorali
O corpo do delito
Juan Pablo Mollo
Corpos zumbis, mortos vivos
Diana Paulozky
Japão: de volta para o futuro
Anaëlle Lebovits-Quenehen
A interpretação como Witz tendencioso e 
os fenômenos de época
Raúl Vera Barros
O corpo no despertar
Inés Sotelo
DEBATE
EIXO 1 - MAIS LONGE DO INCONSCIENTE, MAIS PERTO DOS CORPOS
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3
Feminicídio
Marisa Morao
Corpo e sintoma
Betty Abadi
Crise das normas, excesso da violência
María Elena Lora
Hablar con el cuerpo: ¿retorno a la 
pulsión como una “ficción fundamental”?
Cleide Pereira Monteiro
Da temporalidade do sujeito ao tempo do 
falasser
Viviana Mozzi
EIXO 2 - AS ESTRUTURAS CLÍNICAS ÓRFÃS DO NOME-DO-PAI
Falam no corpo
Miguel Furman
As novas nomeações e seus efeitos nos 
corpos
Nieves Soria Dafunchio
”Depois do Édipo?” O que quer dizer?
Gil Caroz
Todos nascemos órfãos
Celeste Viñal
Elucidar um corpo
Diana Wolodarsky
O impronunciável do corpo na 
experiência analítica
Cristiano Alves Pimenta
Relação do falasser com seu corpo
Alejandra Breglia
A solução pela arte moderna: a criação 
da artista Marina Abramović
Ruzanna Hakobyan
O corpo na mania
Darío Galante
Fragmentos da alma: o corpo na neurose 
obsessiva
Vilma Coccoz
A histeria hoje
Marina Recalde
Corpo sem texto?
Mayra Hanze
Acontecimento de corpo e transferência 
na clínica com autistas
Tânia Abreu
Histeria sem interpretante
Cecilia Rubinetti
O corpo se anima
Marcela Antelo
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4
EIXO 4 - A INFÂNCIA HOJE, OS AUTISTAS, OS CORPOS E MAIS ALÉM
EIXO 5 - CORPO E TECNOCIÊNCIA NO SÉCULO XXI
O autismo como modelo da civilização
Liliana Cazenave
Crianças e pais “em apuros”
Mirta Berkoff
As Crianças Mestres
Adela Fryd
O corpo e a orfandade do Outro
Graciela Lucci
Corpo e autismo
Angélica Marchesini
Não há dieta para a pulsão de morte
Cristina Drummond
O corpo, gozável e literável
Gerardo Arenas
Vestígios do afeto no corpo
Beatriz Gomel
O outro corpo
Notas para um trabalho em andamento
Carmen González Táboas
O ar, como objeto, causa o corpo com 
que se fala
Samuel Basz
Marcas genéticas nos corpos cifrados 
pela linguagem biológica
Mirta Zbrun
Corpo cosmético
Gabriela Basz
EIXO 3 - A DIFERENÇA DOS SEXOS NO MUNDO DA IGUALDADE E DA 
DIVERSIDADE DOS SEXOS
Saber, real, corpos
Gustavo Stiglitz
Corpo de mulher
Fernando Vitale
O sexo como ritual, o sexo como arte: 
Subcultura e Sinthoma
Tom Ratekin
O corpo na hipermodernidade
Silvia Ons
O psicanalista frente a uma encruzilhada
Alejandra Antuña
Corpo e biopolítica
Laura Arias
Corpo de homem: Homem, um dos 
sentidos do corpo
Raquel Vargas
A anatomia é um destino para os 
acreditam na natureza
Tania Coelho dos Santos
O que J. Money ignorou no caso de 
John/Joan
Inés Ramírez
Transexualismo
Néstor Yellati
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5
Atormentados pela prevenção
Heloisa Caldas
“Bipolaridade”: Mania, Melancolia
Guillermo Belaga
Uma nota
Alejandro Daumas
Cosmos cosmética
Jorge Castillo
A fibromialgia, uma dor “muda”
Marta Goldenberg
Qual medida o supereu oferece hoje? 
Acerca do corpo cosmético
Clara María Holguín
Sobre o debate filosófico e científico em 
torno do corpo que fala
José Fernando Velásquez
Até que me dê o corpo
Rosa Edith Yurevich
Neurociência (ficção): Neuromancer
Gabriel Vulpara
Transhumanismo, como será o corpo do 
século XXI?
Jorge Asseff
Corpo cosmético. Cinco notas para um 
relato
Ennia Favret
O “grande homem” e o corpo convulsivo
Lúcia Grossi
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6
ARGUMENTO
Falar com o corpo 
Conclusão do PIPOL V 
Jacques-Alain Miller
Nós nos reencontraremos dentro de dois anos, no 
Pipol 6. E, tal como hoje, será em torno de uma fór-
mula. O significante que nos reuniu aqui é o da saúde 
mental. A questão é saber qual será o significante que 
lhe dará continuidade, em 2013. Vou explicar minhas 
reflexões a este respeito no encerramento deste Con-
gresso.
A Saúde mental, sejamos francos, nela não cremos. 
Se nós utilizamos o termo é porque, todavia, nos pa-
receu que ele podia mediar o discurso analítico e o 
discurso comum, o da massa. Por isso, o eco que o 
tema do Congresso teve na imprensa belga mostra bem que este ponto de vista estava bem pensado. 
Todo mundo compreende o que colocamos em questão. Ainda que, evidentemente, para chegar até aí 
tivemos que trabalhar com astúcia. Localizamos o termo saúde mental em uma pergunta para a qual 
já tínhamos a resposta. Não, a saúde mental não existe. Sonha-se com ela, é uma ficção. Para essa 
pergunta tínhamos nossa resposta.
Cada um tem sua veia de louco e o testemunhamos ao localizar essa veia de loucura em nossa prática, 
não em nosso paciente, mas, em nós mesmos, analistas, terapeutas. É como uma lição que nos demos 
a nós mesmos. Uma lição que é bom não esquecer daqui pra frente: em psicanálise, o caso clínico não 
existe, não mais que a saúde mental. Expor um caso clínico como se fosse de um paciente é uma fic-
ção; é o resultado de uma objetividade que é fingida porque estamos implicados, ainda que seja pelos 
efeitos da transferência.
Estamos dentro do quadro clínico e não saberíamos abater nossa presença nem prescindir de seus 
efeitos. Tratamos, sem dúvida, de comprimir essa presença, de esmerilhar suas particularidades, de 
alcançar o universal do que chamamos o desejo do analista. E o controle, a prática do que se chama 
supervisão serve para isso: para lavar as escórias remanescentes que interferem no tratamento. Mas, 
a partir do momento que conseguimos apagar o que nos singulariza como sujeito, então é o analizante 
quem sonha; quem sonha conosco, seu interlocutor, com os rodeios de seu fantasma e com a identida-
de que atribui a esse interlocutor, que não saberiam não figurar no quadro.
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Em uma palavra, isso lhes obriga a pintar vocês mesmos no quadro clínico. É como Velázquez, ao 
representar a ele mesmo, com o pincel na mão, junto aos demais seres, com que povoa a tela As 
Meninas, o que é algo que produz desorientação. Isso porque, fica claro que ele não pode se situar a 
não ser que veja retratado como dividido. Vocês sabem que é um quadro que chamou a atenção de 
Lacan, seguindo a esteira de Michel Foucault. Eu diria que, em psicanálise, todo caso clínico deveria 
ter a estrutura de As meninas. E continuarei o apólogo até chegar a assinalar que aquilo nos oferece o 
quadro de Velázquez, aquele que podemos ver em Madri, mas, também em uma reprodução, é o que 
vê o mestre. A saber, a parceria real, precisamente um mestre não representado, esfumado, esvaneci-
do, degradado no reflexo que se perfila ao fundo do quadro; desse mestre não fica mais que seu lugar, 
lugar em que cada espectador, tudo o que chega se inscreve.
Bem, eu diria que acontece o mesmo na experiência analítica. O lugar do mestre subsiste, mas, o mes-
tre não está ali para ocupá-lo.
O que resta da saúde mental quando o mestre já não está?
A filosofia não cessou de deplorar inexistência da saúde mental no homem. Ele foi desenhado como 
servo de suas ilusões, de suas paixões,de seus apetites. Ele foi pintado fundamentalmente desequi-
librado, no empenho de restituir-lhe a ordem e a medida. Antigamente a saúde mental se chamava 
sabedoria ou virtude. Para estabelecê-la a colocavam em relação com o amor pelo outro, com o amor 
pelo Outro divino. O que não era má ideia, porque poderíamos dizer que a saúde mental é uma ideia 
teológica que supõe a boa vontade da natureza, benevolência que se abria em direção ao bem estar 
e a saúde de todo aquele que existe. Basta percorrer, no entanto, a vasta literatura a que rapidamente 
acabo de aludir, para inteirar-se que essa saúde mental sempre supõe, sempre, algo que vem domi-
nar uma parte da alma, sua parte racional ou divina. A saúde mental tem a ver, desde sempre, com 
o discurso do mestre e é, desde sempre, um assunto de governo. E é seu destino imemorável o que 
se consuma, hoje em dia, a partir da consideração que lhe é dada por parte de todos os aparatos de 
domínio político. O domínio da parte racional da alma adquire, hoje, a forma do discurso da ciência. E, 
é através da ciência que o mestre promove a saúde mental e se preocupa em protegê-la, restabelecê
-la, difundi-la entre o que chama populações, termo que David Tarizzo fazia ressoar, de modo potente, 
instante atrás nesta sala.
Pensa-se que a ciência concorda com o real e que o sujeito também é apto para concordar com seu 
corpo e com seu mundo, como faria com o real. O ideal da saúde mental traduz o imenso esforço que, 
hoje em dia, é feito para levar a cabo o que chamarei de “retificação subjetiva de massas”, destinada 
a harmonizar o homem com o mundo contemporâneo. E dedicada, em suma, a combater e a reduzir 
o que Freud nomeou, de maneira inesquecível, de mal estar na cultura. Desde Freud esse mal estar 
cresceu, em tais proporções, que o mestre teve que mobilizar todos seus recursos para classificar os 
sujeitos segundo a ordem e as desordens desta civilização. Agora é como se a enfermidade mental 
estivesse por todos os lados; em todos os casos, o psi já se converteu em fator da política. Ao longo 
dos últimos anos, nos países que interessam a este Congresso, o discurso do mestre penetrou de 
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maneira profunda na dimensão psi, no campo chamado de mental. Já se consegue o amplo acesso 
aos psicotrópicos, e a psicoterapia se expande em seus modos autoritários. Trata-se, sempre, de uma 
aprendizagem do controle.
Este domínio, que ontem escapava em grande parte aos governos, agora é objeto de regulações com 
exigências cada vez maiores. Isso acontece paralelamente ao reconhecimento público da psicanálise, 
mas, com a intenção de desvirtuá-la, ainda essa seja desconhecida por seus promotores.
O discurso analítico, no entanto, por pequena que seja sua voz no estrondo contemporâneo, faz obje-
ção e não carece de potência. Sua potência é dada, de saída, pelo fato de que ele não é massificador; 
e, à medida que a massificação se estende e cresce, cresce também a aspiração e a não massificação. 
A exigência de singularidade, que o discurso analítico torna um direito, está dada de saída, porque ele 
age um a um. Eu diria que isso o faz harmônico com o individualismo democrático que difunde a civili-
zação contemporânea. Falava-se, antigamente, de “indicações para a psicanálise” quando se pensava 
que era possível selecionar os sujeitos em função de sua aptidão clínica para o discurso analítico. Este 
tempo passou. Atualmente, ser escutado por um psicanalista equivale a um direito do homem. Cabe ao 
psicanalista arranjar-se com isso e modelar sua prática em relação ao que lhe é requerido. A psicanáli-
se acompanha o sujeito no que ele delineia como protestos contra o mal estar na civilização. Para essa 
ocasião se faz acompanhar do que melhor têm o humanismo ou a religião. Qualquer um sabe, hoje em 
dia, que encontrará na psicanálise uma ruptura com as ordens conformistas que urgem por todas as 
partes. Qualquer um sabe que, se acudir ao discurso analítico, este discurso se colocará em marcha 
somente para ele: Para ele, o Um sozinho, como dizia Lacan, separado de seu trabalho, de sua família, 
de seus amigos e seus amores. O que o sujeito encontra na psicanálise é sua solidão e seu exílio. Sim, 
seu estatuto de exilado em relação ao discurso do Outro. Não é o Outro com A maiúscula o que está no 
centro do discurso analítico, é o Um sozinho.
Sem dúvida Lacan começou a ordenar a experiência analítica pelo campo do Outro, mas, isso foi para 
demonstrar que, definitivamente, esse Outro não existe, não mais que a saúde mental. O que existe é o 
Um sozinho. Uma análise começa por ai, pelo Um sozinho, quando alguém não tem mais remédio que 
se confessar exilado, deslocado, indisposto, em desequilíbrio no seio do discurso do Outro. Em uma 
análise busca-se um outro do Outro, que desta vez alguém tenha o prazer de inventar, à sua medida, 
outro suposto saber o que atormenta o Um sozinho. Por isso, nós sabemos que este Outro está desti-
nado a dissipar-se, a esvanecer-se até que somente reste o Um sozinho; já instruído sobre o que lhe 
atormenta, esclarecido, como dizemos, acerca do sentido de seus sintomas.
Poder-se-ia dizer, portanto, que ao final da experiência analítica já não sou incauto em relação a meu 
inconsciente e seus artifícios? E isso porque o sintoma, uma vez esvaziado de seu sentido nem por 
isso deixa de existir, ainda que sob uma forma que já não tem mais sentido? Darei um passo a mais na 
ironia em que me comprometi se digo que essa é a única saúde mental que sou capaz de conseguir. 
Supõe, precisamente, que advenha o campo em que o mental tenha esvaziado para deixar o real nu. 
Para alcançar esse campo, esse campo último, há que se franquear o imaginário, o mental do imaginá-
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rio. O mental do imaginário está sempre condicionado pela percepção da forma do semelhante. É essa 
a unidade fundamental. Evito o chiste “funda-mental” porque ele não se traduz para todas as línguas. 
Esta é a unidade fundamental que Lacan ilustra com o estádio do espelho.
Para Aristóteles, a alma é a unidade suposta das funções do corpo, e esta é a que nós traduzimos na 
experiência do espelho como uma alma especular. Ela se encontra sempre transitada por uma tensão 
essencial na qual se intercambiam, sem cessar, os lugares do mestre e do escravo. No estádio do 
espelho se arraigam, por sua vez, a prevalência do discurso do mestre e sua paranoia territorial, que 
fazem do eu uma instância grosseira de delírio que não saberia reduzir nenhuma retificação autoritá-
ria. Mas, para alcançar o campo que chamo “campo último”, também há que atravessar o simbólico e 
o mental do simbólico. O mental do simbólico é a refração do significante na alma especular. A essa 
refração é o que se chama significado. A esse significado essencialmente fugidio, nebuloso, indetermi-
nado, metonímico e susceptível, sem dúvida, a dar lugar a metáforas e efeitos de significação, se pode 
chamar pensamento.
Seu pensamento, o meu, tem sua rotina, gira redondamente, é reprimido, retorna. Diz-se que é o in-
consciente quando é decifrável e se diz, então, que no deciframento se alcança uma verdade. Mas, 
atenção! Trata-se sempre de sentido, ou seja, de mental, de ideias que produzem! Por isso Lacan uniu 
com um laço essencial a verdade com a mentira. O campo último a que me refiro está mais além da 
mentira do mental. A parte mais opaca do que Freud chamava libido se descobre precisamente aí. Esse 
sentido da libido é o desejo. O desejo está articulado com o simbólico; ele se solta dos significantes 
como seus significados. Enlouquece a alma especular, anima os sintomas. Uma análise, no entanto, 
introduz uma deflação do desejo, que se desinfla e estaciona como acontece com esse semblante que 
chamamos falo, e que serve para pensar a relação entre os sexos. Mas, tanto o desejo como a relação 
sexual são verdades mentirosas, mentiras do mental. Debaixo do desejo, uma vez atravessada sua 
tela fantasística, há o que não mente semque seja uma verdade. É o que chamamos gozo. O desejo 
é o sentido e o semblante da libido, sua mentira mental. O gozo é o que da libido é real. É o produto 
de um encontro azarado do corpo com o significante. Esse encontro mortifica o corpo, mas, também 
recorta uma parcela de carne cuja palpitação anima todo o universo mental. O universo mental não faz 
senão refratar, indefinidamente, a carne palpitante a partir das mais carnavalescas maneiras e, também 
a dilata até proporcionar-lhe a forma articulada dessa ficção maior que chamamos o campo do Outro.
Comprovamos que esse encontro marca o corpo com um traçado inesquecível. É o que chamamos 
acontecimento de corpo. Este acontecimento é um acontecimento de gozo que não volta jamais ao 
zero. Para saber fazer com esse gozo é preciso tempo, tempo de análise. E, sobretudo, para saber fa-
zer com esse gozo sem a muleta, a tela e os artifícios do inconsciente simbólico e suas interpretações. 
Por isso falamos que se trata de inconsciente real, o que não se decifra. Aquele que, pelo contrário, mo-
tiva o ciframento simbólico do inconsciente. Esse corpo não fala, goza em silêncio, nesse silêncio que 
Freud atribuía às pulsões; mas, é com esse corpo com que se fala a partir desse gozo fixado de uma 
vez por todas. O homem fala com seu corpo. Em expressão de Lacan, ele é ser falante por natureza. 
Pois bem, esse corpo que não fala, mas serve para falar, esse corpo como meio da palavra, é justa-
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mente o que se emparelha, a rigor, com a saúde mental que não existe. Se a saúde mental não existe é 
porque o corpo gozante, a carne, exclui o mental ao mesmo tempo em que o condiciona, o enlouquece, 
o extravia. Se o homem inventou a relação sexual, é para velar o horror dessa carne percorrida por um 
estremecimento que não cessa, que é o que é, como dizia Angelus Silesius: sem porquê.
Esse “falar com seu corpo” é traído por cada sintoma e cada acontecimento de corpo. Esse falar com 
o seu corpo está no horizonte de toda interpretação e de toda resolução dos problemas do desejo. Os 
problemas do desejo, como sabemos, podem ser colocados em forma de equação; sabemos disso 
desde Lacan, que se esforçou para fazê-lo. E essa equação tem, sem dúvidas, soluções que são o que 
Lacan chamou o passe.
O gozo no nível do inconsciente real, todavia, não teria como ser situado em uma equação e permane-
ce insolúvel. Freud soube disso antes que Lacan o anunciara. Há sempre um resto com os sintomas. 
Por isso não há final absoluto para uma análise, que durará tanto quanto o insolúvel continue sendo 
insuportável. Ela acaba quando o homem simplesmente encontra ai uma satisfação.
Até aqui está, portanto, o que pude extrair de uma reflexão sobre a inexistência da saúde mental, tor-
turando-me os miolos; falando com propriedade, o que se emparelha com o significante é “falar com 
o corpo”. Vocês poderão dizer que esse assunto é muito difícil para o PIPOL VI. Mas, se é assim, não 
temam, encontraremos outra coisa. Espero, então, sugestões.
Tradução: Ilka Franco Ferrari
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ARGUMENTO
Falar com seu sintoma, falar com seu 
corpo 
Eric Laurent
A escolha do título do VI ENAPOL[1]: “Falar com seu 
corpo” indica uma inquietação e corresponde a um 
fato. As palavras e os corpos se separam na dispo-
sição atual do Outro da civilização. O subtítulo “a cri-
se das normas e a agitação do real” remete-nos a 
uma dupla série causal. Por um lado, as normas nem 
sempre conseguem fazer com que os corpos, por sua 
inscrição forçada, se insiram em usos padronizados, 
nessa máquina infernal na qual o significante-mestre 
instala suas disciplinas de fazer marcas identificató-
rias (marquage)e de educação. Os corpos são muito 
mais deixados por sua própria conta, marcando-se 
febrilmente com signos que não chegam a lhes dar consistência. Por outro lado, a agitação do real 
pode ser lida como uma das consequências da “ascensão ao zênite” do objeto a. A apresentação da 
exigência de gozo em primeiro plano submete os corpos a uma “lei de ferro”[2] cujas consequências é 
preciso acompanhar.
Os corpos parecem ocupar-se deles mesmos. Se alguma coisa parece se apoderar deles, é a lingua-
gem da biologia. Ela opera sobre o corpo, recortando-o em suas próprias mensagens, suas mensagens 
sem equívoco, diversas daquelas da língua. Produz corpos operados, terapeutizados, geneticamente 
terapeutizados ou geneticamente modificados (em pouco tempo, todos seremos organismos genetica-
mente modificados), alvos de uma operação cosmética que segue a mesma via desses recortes – real 
cuja efetividade foi sublinhada por Jacques-Alain Miller em seu pequeno tratado sobre a “biologia laca-
niana”.
A psicanálise apreendeu a junção das palavras com os corpos por um viés preciso, o do sintoma. 
Freud, baseado no espetáculo clínico de Charcot, extrai o rébus da formação do sintoma histérico. 
Lacan pode dizer: “Freud chegou em uma época na qual apreendeu que não havia nada mais que o 
sintoma pelo qual cada um se interessava”, que tudo aquilo que havia sido sabedoria, modo de fazer, 
e mesmo, justamente, representação sob um olhar divino, tudo isso se distanciava; restava o sintoma 
na medida em que ele interroga cada um sobre o que vem incomodar-lhe o corpo. Esse sintoma, por 
ser presença do significante do Outro em si, é marca identificatória (marquage), corte. Nesse lugar, o 
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surgimento traumático do gozo se dá. Baseado no sintoma histérico, Freud reconhece a via na qual 
se impõe o incômodo do corpo que vem, pelas palavras, recortar mais uma vez, marcar as vias pelas 
quais o gozo advém. O que constitui o eixo em torno do qual gira a constituição do sintoma histérico é 
o amor ao pai. Trata-se do que faz com que o corpo histérico esteja sempre prestes a se desfazer, o 
que faz dele a ferramenta[3], segundo a expressão de Lacan. É precisamente isso que está em questão 
em nossa época. Por isso, precisamos conceber o sintoma não com base na crença no Nome-do-Pai, 
mas baseado na efetividade da prática psicanalítica. Essa prática obtém, através do seu manejo da 
verdade, alguma coisa que toca o real... A partir do simbólico, alguma coisa ressoa no corpo, e faz com 
que o sintoma responda.
O que se colocará para nós como questão é como “falam os corpos” para além do sintoma histérico, 
que supõe no horizonte o amor ao pai.
O inconsciente e o sintoma histérico
No inconsciente, trata-se de algo diverso de inconsciência. O inconsciente freudiano não é o incons-
ciente automático, não é o inconsciente da inconsciência, não é proveniente dos automatismos inscritos 
sem que se tenha deles uma consciência no sentido cognitivo. De que se trata no inconsciente? Deste, 
temos uma ideia mais clara pelo que Lacan chama de “o grande quadro clínico da amnésia da identida-
de” – no qual o sujeito não sabe quem é, não pode absolutamente responder sobre nada concernente 
à sua identidade, suas lembranças, sua família, de onde ele vem... mas, em compensação, pode muito 
bem aceder aos saberes que adquiriu: línguas estrangeiras, o manejo de máquinas complicadas… E 
esse contraste entre o sujeito da enunciação e tudo o que é da ordem do enunciado – os enunciados 
possíveis – coloca um problema maior. Lacan propõe, nesse contexto, que o inconsciente freudiano é 
uma certa relação entre falas e escrita, da qual se dá conta a partir da nova escrita que propõe então, 
aquela dos nós. Ele o diz explicitamente na primeira aula do Seminário posterior ao 23, o Seminário 
24: “Tento introduzir alguma coisa que vai mais longe que o inconsciente”[4]. Não se trata do Lacan do 
retorno a Freud, mas do Lacan do adeus a Freud. Já era tempo, Lacan havia esperado muito tempo, 
ele próprio estava muito pressionado pelo tempo: disse isso em 1977, quando tinha mais quatro anos 
de vida. Propõe alguma coisa que vai “mais longe que o inconsciente”. É, de início, uma metáfora es-
pacial, e ela imediatamente se completa com uma questão sobreo tempo: “Por que obrigar-se, na aná-
lise dos sonhos, a se restringir ao que ocorreu na véspera?”. Para explicar o sonho, é necessário sem 
dúvida apelar para as coisas que remontam ao “próprio tecido do inconsciente”. Situar o inconsciente 
como tecido é também introduzir o que faz furo, ou seja, precisamente, a questão do trauma. Naqueles 
anos, Lacan enuncia uma série de proposições novas em psicanálise, dentre as quais a reformulação 
da questão da histeria é crucial. Após o Seminário sobre Joyce, Lacan propõe uma série de releitura 
dos Estudos sobre a histeria, mas pelo avesso. Pode-se seguir esse percurso por um ano, um ano de 
pontuações entre o dia 9 de março de 1976 e o dia 26 de fevereiro de 1977 (data, justamente, de uma 
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conferência, em Bruxelas, sobre a histeria). Vamos começar este ano, com Lacan, pela decifração do 
que ele nos propõe sobre a histeria no Seminário 23. Pelo que sei, no Seminário 23, há apenas uma 
referência direta à histeria, e é a propósito de uma evocação amigável, de uma mãozinha dada a uma 
de suas amigas, Hélène Cixous. Vocês a encontram na terceira parte do Seminário 23, cujo título é 
surpreendente: “A Invenção do Real”[5], e no capítulo 7 que tem também um título provocante: “De uma 
falácia que testemunha do real[6]”. “Falácia” é uma palavra antiga como “sinthoma”, pouca utilizada 
na língua moderna. O que permaneceu na língua contemporânea é o adjetivo “falacioso”. Este termo 
feminino antigo, falácia, corresponde ao novo lugar que Lacan dá ao falo: o falo é um semblante e o 
que dá testemunho do real. É muito diferente da maneira como o falo é representado nos Escritos. No 
texto que expõe a posição clássica, Die Bedeutung des Phallus (“A significação do falo”), o falo estava 
ali para testemunhar da significação, e mesmo para demonstrar todos os efeitos de significação. Agora, 
ele é reencontrado como uma falácia que dá testemunho do real. Essa nova posição do falo, fora da 
metáfora paterna, permite a Lacan retomar a questão da histeria. A peça “Retrato de Dora”[7], escrita 
por Hélène Cixous, que estava sendo encenada num pequeno teatro, permite a Lacan dizer: “algumas 
pessoas podem se interessar em ver como a peça é realizada”, “é realizada de um modo real”. A ques-
tão de ser “realizada de um modo real” é estranha e Lacan a explica: “quero dizer que a realidade, por 
exemplo a dos ensaios, no final das contas, foi o que dominou os atores”. Portanto, foi realizada de tal 
maneira que não é o texto que dominou os atores, mas a pragmática mesma do dizer. Isso ajuda a se 
desfazer da ideia de que o significante organiza um texto organizando os atores. Agora, são antes os 
atores que realizam o texto. Nesse espetáculo, “trata-se da histeria”, sublinha Lacan. Ele nota que, en-
tre os atores, a que interpreta Dora está bem embaraçada. Ela “não mostra suas manias de histérica”. 
O termo “manias” deve ser destacado. O ator que representa Freud está ainda mais embaraçado, “ele 
dá a impressão de estar chateado, e isso se vê por sua entonação”. Lacan diz: “Temos ali a histeria... 
que eu poderia dizer incompleta. Quero dizer que, com a histeria, é sempre dois, pelo menos desde 
Freud. Ela aparece ali reduzida a um estado que eu poderia chamar de material”. Essa estranha qualifi-
cação “estado material da histeria” é explicitada assim: “E é por isso que acaba combinando com o que 
vou lhes explicar. Falta ali esse elemento que foi acrescentado há algum tempo – no final das contas, 
desde antes de Freud –, a saber, como é que ela deve ser compreendida”. Com a compreensão, reen-
contramos nossas balizas clássicas sobre a histeria. O sintoma histérico é por excelência um sintoma 
que fala, que é endereçado. Ele é portador de um sentido. O material, no fundo, é o sintoma como tal, 
separado do sentido. E Lacan acha que o interessante na Dora de Cixous é que ela apresenta a histeria 
sem o sentido. O que faz com que não se a compreenda mais. É isso que ele considera importante. 
Lacan o diz de um modo muito surpreendente: “Isso constitui alguma coisa muito impressionante e 
muito instrutiva: é uma espécie de histeria rígida”. A histeria de Cixous apresenta Dora sem nenhuma 
aparelhagem de sentido, uma histeria sem seu parceiro. Quando Lacan diz “A histeria, desde antes de 
Freud, é sempre dois”, ele designa desse modo que a histérica é acompanhada de seu interpretan-
te, e isso começa com Josef Breuer, e mesmo antes, com as terapias de hipnose. Em A História do 
inconsciente, de Ellenberger[8], pode-se ver o catálogo de tudo o que, no final dos anos 1870, havia 
começado a animar o interpretante.
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Para compreender o que Lacan quer dizer quando ele diz “histeria rígida”, é preciso nos reportarmos 
ao Seminário. Ele apresenta ali uma cadeia borromeana “rígida”[9]. Com exceção do fato de que é 
representada por elos retangulares no lugar de redondos, por que ela é chamada de rígida? Nada é 
“rígido”, a não ser pelo fato de se manter sozinho, unido, ou seja, de ser um modo do sujeito em que 
não há necessidade de uma rodinha suplementar, o Nome-do-Pai, e esta é toda a questão. A histeria 
apresentada por Cixous é uma histeria sem este interpretante que é o Nome-do-Pai, é uma histeria que 
se mantém inteiramente sozinha. Lacan não representa esse estatuto “rígido” da cadeia apenas sob a 
forma retangular, mas também na forma da chamada esfera armilar. Como reescrita dos Estudos sobre 
a histeria baseada em Joyce, é o mínimo, mas essencial. Passa-se do sistema falante ao sintoma como 
escrita.
No fim do Seminário, na “Nota passo a passo” redigida por Jacques-Alain Miller, encontramos o seguin-
te: “Se o nó como suporte do sujeito segura, não há necessidade alguma do Nome-do-Pai: ele é redun-
dante. Se o nó não segura, o Nome exerce a função de sinthoma. Na psicanálise, ele é o instrumento 
para resolver o gozo pelo sentido[10]”. Era o que Lacan havia de início escrito com a metáfora paterna. 
O Nome-do-Pai permitia dar valor fálico ao Desejo da Mãe. O instrumento, o Nome, permitia dar a 
tudo o que se diz um valor fálico. Essa metáfora será generalizada por Lacan, com o gozo (J), que é o 
que vem se inscrever sob a barra, na linguagem, no lugar do Outro (A), para ser metaforizado – A/J. O 
Nome é o instrumento para resolver o gozo pelo sentido, da mesma maneira que, na metáfora paterna, 
o Nome resolve o significado do desejo materno dando-lhe a significação do falo.
É isso que é reformulado nas escritas da chamada cadeia rígida, aquela que se mantém inteiramente 
sozinha. Trata-se de uma cadeia tal que nela há uma apreensão do gozo e do sentido sem necessidade 
de passar pelo Nome-do-Pai, pelo amor ao pai, pela identificação ao pai.
Na primeira lição de L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre, o Seminário posterior ao 23, Lacan 
prossegue sua busca por um “para além do inconsciente”[11]. Ele ousa traduzir l’Unbewusste freudia-
no, o inconsciente, por l’Une-bévue (“Um-deslize”) que, em francês, é uma homofonia do termo alemão, 
e não uma tradução. Mas isso é extremamente fundamentado, pois o título, L’insu que sait, é um jogo 
de palavras formidável sobre o inconsciente como insabido (insu), um insabido que se sabe, que se 
sabe em alguma parte. Dentre as novas expressões da língua francesa, tornou-se famosa esta expres-
são usada por um ciclista surpreendido na prática de doping: “ao insabido da minha plena vontade” 
(à l’insu de mon plein gré). Ela é muito instrutiva quanto à questão do saber. Que saber é esse que se 
sabe? L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre se inquieta com isso.
Sintoma e identificação
Na primeira lição desse Seminário, Lacan levanta questões que se encadeiam diretamente ao capítulo 
7 do Seminário 23. Ele diz o seguinte na transcrição publicada em Ornicar?: “A identificação é o que se 
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cristaliza em uma identidade”… “embora tenha me dado conta de ter esquecido meu seminário sobre 
a Identifizierungde Freud, lembro-me muito bem de que, para Freud, há três modos de identificação, 
ou seja, uma identificação para a qual ele reserva, não se sabe bem por que, a qualificação de amor, é 
identificação ao pai”. Após ter-lhe dado sua versão lógica com a metáfora paterna, Lacan diz agora que 
não se sabe bem por que essa identificação é assim. Quanto ao que Freud chama o pai, há uma série 
de fantasias, Totem e tabu, as histórias darwinianas, a pré-história de tudo o se queira, e a crença fun-
damental de Freud no pai. Lacan apresenta o seguinte: “uma identificação à qual ele [Freud] reserva, 
não se sabe bem por que, a qualificação de amor, é a identificação ao pai; uma identificação constituída 
de participação que ele pinça como a identificação histérica; e depois aquela que ele fabrica a partir de 
um traço que traduzi outrora como traço unário”. A identificação participativa implica um parceiro, tem 
a ver com o dois. Ele o diz: a histeria tem a ver com o dois. Este dois não é apenas a ligação da histé-
rica com seu interpretante, mas designa também o fato de que a histérica extrai um sintoma do outro 
do qual está enamorada. O exemplo dado por Freud no capítulo 7 de Massenpsychologie é aquele de 
Dora que está afônica por identificar-se ao que ela pensa ser o gozo do pai consagrado ao cunnilin-
gus na Sra. K. A afonia coloca em jogo sua própria boca nessa participação no gozo do pai. O pai é 
objeto de amor, mas esse amor implica uma participação no gozo. Finalmente, a última identificação, a 
que era, antes de Lacan, totalmente negligenciada pela psicanálise e considerada como a mais banal. 
Seu exemplo é: em um pensionato de moças, uma delas recebe uma carta de seu namorado que a 
entristece. Todo o mundo chora no dormitório à noite, as jovens entram em rebuliço, é a epidemia histé-
rica. Elas não conhecem o namorado, aliás não sabem mesmo quem ele é, mas o sofrimento da amiga 
produz um rebuliço em todo o dormitório. Dessa última identificação, fundamento da epidemia histérica, 
Lacan faz uma chave. Quanto à segunda identificação, Freud diz que ela é construída “sobre um único 
traço desse pai”, e Lacan faz disso a intuição freudiana fundamental da redução da identificação ao 
traço, ao qual ele dá o valor fundamental de traço de escrita. O traço que aparece em seu Seminário 9 
é revestido de um peso totalmente especial. Ele retoma, a partir da segunda identificação, a primeira e, 
depois, a terceira. Além disso, é a partir da terceira identificação que ele se põe a interrogar a segunda, 
dizendo que a participação no gozo ao qual Dora se identifica é um traço. Questionará então a primeira 
identificação ao pai para remetê-la a um traço do pai, e não mais ao pai da horda e a toda a barafunda 
darwin-lamarckiana que, em certo momento, fascinava Freud. A questão que Lacan quer retomar para 
esclarecer a questão da histeria é a da identificação. Ele a retoma não a partir de um mito, mas a partir 
da experiência da psicanálise. Ele levanta a questão: “A que identificar-se no final da análise? Será 
identificar-se a seu inconsciente? Não acredito nisso”[12]. Diz que o inconsciente permanece o Outro. 
E diz: “Não creio que se possa dar um sentido ao inconsciente”. Percebe-se que “identificação” e “dar 
sentido a” se aproximam. O fim da análise produz uma impossibilidade de se identificar a seu incons-
ciente. Nesse sentido, a identificação ao sintoma é o avesso da identificação histérica. A identificação 
histérica é identificar-se ao sintoma do outro, por participação. A essa identificação, Lacan opõe a iden-
tificação concebida a partir dos fenômenos do passe e do final da análise.
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O real do sintoma analítico
É a partir do “identificar-se a seu sintoma” que Lacan vai interrogar a tensão entre o sintoma histérico 
e o sintoma analítico. Ele complica a oposição entre identificação histérica e identificação a “seu sin-
toma”, pois diz: “propus que o sintoma pode ser o parceiro sexual”. Trata-se do segundo tempo em 
relação à crítica da identificação histérica. Não se trata de uma participação no sintoma do outro, é o 
seu, mas o seu pode ser o outro. Seu sintoma, o que há mais de “si”, é efetivamente o parceiro sexual. 
Levanta então esta questão: o que é conhecer seu sintoma? E qual é a diferença entre conhecer e sa-
ber. Dizer “O parceiro sexual é um sintoma” quer dizer também que o parceiro sexual é aquele que não 
se conhece, que não há nenhum conhecimento possível do parceiro sexual. É preciso certamente se 
lembrar bem da oposição conhecer/saber, e não se esquecer de que o sintoma está do lado do saber, 
o que implica justamente não conhecer. “Propus que o sintoma pode ser o parceiro sexual... o sintoma 
tomado nesse sentido é o que... se conhece melhor. Esse conhecimento não vai muito longe, deve ser 
tomado no sentido que foi proposto de que bastaria um homem dormir com uma mulher para que ele 
a conheça[13]”. Trata-se da imagem bíblica: na bíblia, conhecer uma mulher significa ter uma relação 
sexual com ela. “Como, apesar de eu me esforçar para isso, é fato que não sou mulher, não sei o que 
uma mulher conhece de um homem, é mesmo bem possível que isso vá muito longe, mas não pode, 
contudo, chegar sequer à perspectiva de que a mulher criou o homem”. Temos, aí, desenvolvimentos 
complexos de um avesso da metáfora da criação divina. “E mesmo quando se trata de seus filhos, os 
filhos para uma mulher permanecem como parasitas. Trata-se ali de um parasita, de um parasitismo. 
No útero da mulher, a criança é parasita, e tudo o indica, inclusive o fato de que as coisas podem ir 
muito mal entre o parasita e o ventre”. Essa notação é muito útil para os psiquiatras de crianças e para 
os psiquiatras em geral quanto ao fato de que toda gravidez tem um pequeno lado de denegação da 
gravidez. Não há conhecimento da gravidez. Há sempre um ponto em que uma mulher não sabe que 
está grávida. Não há apenas os casos graves que provocaram alarde na crônica judiciária quanto a 
uma denegação radical da gravidez. Existem detalhes muito precisos, muito delicados, que apenas 
aparecem em uma análise, mas, se os levarmos em conta, poder-se-ia dizer que em todos os casos 
há alguma coisa que não se pode saber, no sentido de uma transparência do conhecimento a ele pró-
prio. O saber pode ser insabido, não o conhecimento. É o que Lacan diz nesse texto. Desde então, o 
que quer dizer conhecer? “Conhecer seu sintoma quer dizer savoir faire com ele, saber se virar com 
ele, manejá-lo”[14]. É o que se faz com o parceiro sexual; consegue-se, pouco a pouco, se virar com 
ele, manipulá-lo. “O que o homem sabe fazer com sua imagem corresponde de alguma forma a isso, e 
permite imaginar a maneira de como se virar com o sintoma”[15].
Lacan enuncia portanto que não se trata, assim, de saber como isso se dá em uma escrita simbólica. A 
gente se vira com o parceiro sexual como se vira com a própria imagem. Há sempre um narcisismo na 
escolha do parceiro sexual, não no nível da imagem, mas no nível da manipulação que se pode fazer 
dele. O papel do imaginário como tal toma um valor efetivamente importante. Não estamos mais na 
época do imaginário depreciado em relação ao simbólico, é o imaginário na medida em que ele nos dá 
as coordenadas fundamentais para viver nesse mundo. A gente se virar com a imagem é o que permite 
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pouco a pouco se virar com o parceiro sexual. Imaginário e real são, aqui, colocados em continuidade. 
É como na ciência que, também, tem necessidade da dimensão do imaginário. A prova disso, nos diz 
Lacan, é seu desvio pela teoria dos modelos: “Lord Kelvin por exemplo considerava que a ciência era 
alguma coisa na qual funcionava um modelo que permitia prever quais seriam os resultados do funcio-
namento do real’’. Na ciência, recorre-se então ao imaginário para se ter uma ideia do real.
Lacan avança em seu raciocínio dando ao imaginário uma consistência equivalente ao simbólico. Ele 
se coloca então a questão sobreo que seria a consistência do real. “Eu me dei conta de que consistir 
queria dizer que era necessário falar de corpo: há um corpo imaginário, um corpo simbólico – é a lingua-
gem – e um corpo real, do qual não se sabe como ele aparece[16]”. O corpo simbólico é a linguagem, 
o conjunto dos equívocos da língua. O imaginário é o que permite nos virarmos, o modelo. Mas o que 
pode ser o corpo real? Para Lord Kelvin é isso que a ciência se recusa a admitir; tem-se um modelo, 
mas não se sabe o que é o corpo real. A esse respeito, não há hipóteses.
O mesmo e o corpo real
Baseado na psicanálise, Lacan quer definir o corpo real. Introduz seu desenvolvimento a partir do 
mesmo: “como designar de modo análogo as três identificações distinguidas por Freud, a identifica-
ção histérica, a identificação amorosa chamada de identificação ao pai e a identificação que nomearei 
neutra, aquela que não é nem uma nem outra, a identificação um traço que chamei de qualquer um, a 
um traço que seja apenas o mesmo”[17]. No que concerne ao real, o importante é que o mesmo seja o 
mesmo materialmente, ‘‘a noção de matéria é fundamental, já que ela funda o mesmo”[18]. Entende-se 
porque ele estava muito contente de dizer que Hélène Cixous apresentava uma histeria ‘‘material’’. Ela 
apresentava alguma coisa na vertente de um mesmo que se refere ao fora-do-sentido, que não tem 
necessidade do sentido, lhe é disjunto. Em compensação, diz ele, o significante faz série, está sempre 
na oposição entre o mesmo e um outro, o S1 e o S2. Do lado do assinalamento (signalement), há uma 
série de outros, unidades dentre as quais sempre é possível um deslize (bévue). O real, em compensa-
ção, é a repetição material do mesmo na medida em que é o gozo que se repete. No nível do simbólico, 
há os “um” que fazem série, e na qual é possível se enganar. Dizer que há “deslizes” é igualmente dizer 
que há equívocos. O inconsciente de Lacan é feito de “um-deslize” (une-bévue) que são significantes
-um que sempre geram equívocos. EmDie Bedeutung des Phallus, Lacan situava o equívoco a partir 
da diferença entre sentido e referência segundo Frege. Vocês podem dizer que Vênus é a “estrela da 
manhã” ou a “estrela vésper”, trata-se da mesma Vênus. Essas duas descrições, essas duas significa-
ções, são ambas signo de Vênus. Vênus é o planeta que está ali quando, na língua, pode-se dizer “a 
estrela da manhã” ou “a estrela vésper”. No Seminário 23, “a falácia testemunha do real” está bem mais 
do lado do signo. O falo não se situa mais nos efeitos de deslizamento (glissement)da significação. Tal 
deslizamento (glissement)vem marcar um modo de gozo que permanece sempre o mesmo e que pode 
ser nomeado na língua através dos “um” significantes pelos quais a gente sempre pode se enganar.
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A consequência disso é a apresentação do corpo do falasser, do vivo, sem passar pela identificação 
histérica que mistura sintoma e sentido. O corpo do sujeito histérico é retalhado pelo significante, já que 
os sintomas histéricos se apresentam sob o modo da perda. O corpo retalhado é aquele que perde seu 
braço pela paralisia histérica, o corpo que perde sua perna, que perde sua voz. A esse corpo retalhado 
se opõe o corpo tórico furado. O corpo como agenciamento do real, do simbólico e do imaginário se 
apresenta em torno de um ou dois furos, e se mantém sozinho. O corpo tórico é uma representação 
do corpo do vivo para além do corpo histérico. Nessa perspectiva, pode-se distinguir o sintoma como 
acontecimento de corpo e o sintoma histérico. Lacan o diz da seguinte maneira: “A diferença entre a 
histérica e eu é que a histérica é sustentada em sua forma de bastão (trique) por uma armadura distinta 
de seu consciente, que é seu amor por seu pai[19]”. Para se manter unido o sujeito histérico, é preciso 
acrescentar um Nome-do-Pai. Isso não é mais necessário na versão da histérica chamada rígida, à 
la Cixous. “Freud tinha apenas algumas poucas ideias do que era o inconsciente, mas parece que se 
pode deduzir que pensava que se tratava de efeitos de significante. Não lhe era fácil isso, ele não sabia 
lidar (il ne sait pas faire) com o saber. É sua debilidade mental, da qual não sou uma exceção, porque 
tenho a ver com o mesmo material que todo o mundo, com esse material que nos habita”[20]. Nesse 
contexto, “material” é ainda apreendido do real do gozo. Lacan propõe assim um inconsciente que não 
é mais constituído de efeitos dos significantes. Propõe outra versão de um inconsciente que não é 
constituído pelos efeitos do significante em um corpo imaginário, mas, sim, um inconsciente constituído 
desse nó entre o imaginário, o simbólico e o real. Inclui a instância do real que é a pura repetição do 
mesmo, o que Jacques-Alain Miller, em seu último curso, isolou na dimensão do Um-sozinho que se 
repete.
As três consistências e o acontecimento de corpo
Por isso, Lacan pode dizer, em “Joyce, o Sintoma”: “Deixemos o sintoma ao que ele é, um aconteci-
mento de corpo ligado a que se o tem, se tem ares de […] Assim, indivíduos que Aristóteles toma como 
corpos podem não ser nada além de sintomas, eles próprios, em relação a outros corpos. Uma mulher, 
por exemplo, é um sintoma de um outro corpo”[21]. Essa frase define a posição feminina como o an-
ti-‘sintoma histérico’. Tal definição da posição feminina permite diferenciá-la da histeria. Quando isso 
não acontece, “ela permanece sintoma como o chamado sintoma histérico, ou seja, paradoxalmente, 
só lhe interessa um outro sintoma”[22]. Este era de fato o caso de Dora que só se interessava por um 
outro sintoma, o do seu pai. Ela se identificava a seu pai, identificava-se à impotência de seu pai sendo 
afônica. Lacan continua a precisar a oposição: “O sintoma histérico está antes da questão do sintoma 
como tal”, o sintoma vem se inscrever no corpo ainda que seja, nessa ocasião, também exterior ao 
corpo. O sintoma está no corpo. Ele não é endopsíquico, está fora.
Em Bruxelas, Lacan começa assim: “O que aconteceu com as histéricas de outrora, essas mulheres 
maravilhosas, as Anna O., as Emmy von N.? Elas desempenhavam não apenas determinado papel, 
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mas um papel social determinado. O que substitui hoje esses sintomas histéricos de antigamente? A 
histérica não foi deslocada no campo social?”[23]: “A maluquicepsicanalítica a não teria substituído?”. 
Ao colocar em primeiro plano o simbólico, a psicanálise não só desmontou os artifícios do sintoma his-
térico, como também ocupa seu laço. E ele nota o seguinte: “O inconsciente se origina do fato de que 
a histérica não sabe o que diz ao dizer verdadeiramente alguma coisa pelas palavras que lhe faltam. 
O inconsciente é um sedimento de linguagem”. Lacan propõe então um horizonte da psicanálise que 
não é histérico – é o real como “ideia limite”, a ideia do que não tem sentido. É isso que fez com que 
Jacques-Alain Miller pudesse qualificar o real como um sonho de Lacan, alguma coisa como uma ideia 
limite, mas uma ideia limite necessária para contrabalançar uma tendência da psicanálise que é sua 
tendência delirante – “a tendência de uma preferência dada acima de tudo ao inconsciente”[24]. Por 
isso, nessa época, Lacan toca em alguma coisa de um real que, para ele, não é o real científico, mas 
o real da substância gozante e considera ainda mais urgente proteger a psicanálise de sua tendên-
cia delirante que ele chama de “preferir o inconsciente acima de tudo”. Nesse Seminário, ele dá um 
exemplo disso: Le Verbier de l’Homme aux loups, texto publicado por Nicolas Abraham e Maria Torok, 
psicanalistas franceses ou, se quiserem, neo-ferenczianos, que se propuseram a delirar com o homem 
dos lobos indo atrás de todos os ecos dos significantes que o atravessam, pelas homofonias e pelos 
equívocos em todas as línguas por ele conhecidas: o russo, o alemão, o dialeto vienense, etc…. São 
todas essas ressonâncias que eles chamam de Verbier (“Verbário”), termo que mescla verbiage (“ver-
borreia”) e herbier(“herbário”).É esse objeto que Lacan considera propriamente delirante. Ele diz: “Não 
considero, apesar de ter engajado as coisas nessa via, que este livro, nem seu prefácio, sejam de muito 
bom-tom. No gênero delírio é um extremo, e me assustei ao sentir-me mais ou menos responsável por 
ter aberto as comportas”[25]. Diante da abertura das comportas do significante, Lacan considera que 
a única coisa que poderia impedir a psicanálise de delirar era ter, senão uma ciência nela, ao menos a 
ideia de um real. Ele constata que ela pode tocar um tipo de real. Ele delimita um fora-do-sentido que 
garante uma detenção da cadeia, que permite não se deixar aspirar pelo inconsciente. O ‘‘material’’ não 
é uma representação, nem uma representações de palavras, mas palavras em sua materialidade. São 
palavras em seus equívocos fundamentais, o equívoco dos Um-deslize (Une-bévue) e que são somen-
te uma aproximação do real. Acompanhando Lacan, teríamos uma chance de impedir a psicanálise de 
delirar, com a condição de não preferir uma das três consistências em detrimento das outras. Trata-se 
de manter as três juntas, de não preferir uma em detrimento das outras, de não fazer de uma um todo.
O VI ENAPOL será a ocasião para desenvolver as consequências do novo status do sintoma e da iden-
tificação através de todo o campo psi. Uma lista desses aspectos já foi dada por Leonardo Gorostiza: 
“além da dimensão da psicanálise pura, os temas mais presentes na América – a violência ou agres-
sividade, o consumo generalizado de drogas, os chamados transtornos da alimentação, as mudanças 
de sexo nos corpos e da procriação, e seus efeitos nas normas, a crise das normas familiares e dos 
códigos civis para dar conta disso, a polêmica sobre a pertinência de psicanálise no campo do autismo”. 
A comissão de organização, com Ricardo Seldes, já está trabalhando para destacar as respostas que 
damos a essas diferentes questões através dos trabalhos dos participantes.
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27 de setembro de 2012
Tradução: Elisa Monteiro 
Revisão: Sérgio Laia
1. N.R.T.: ENAPOL é a sigla para Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana.
2. N.R.T.: No original, loi d’airain é uma expressão utilizada por Lassale, contemporâneo de Marx, para se referir à lei que, 
no capitalismo, reduz o salário do operário ao mínimo necessário à sobrevivência.
3. N.R.T.: no original, le manche, termo que, de modo mais frequente, designa o “cabo”, ou seja, a parte onde se pega em 
um instrumento. Entretanto, Rabelais, que é uma referência importante para o Lacan do Seminário 23, utiliza tal termo 
para se referir ao “membro viril”. Por isso, nossa opção de traduzi-lo por “ferramenta”.
4. LACAN, J., Le seminaire: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre (1976-77), aula de 16 de novembro de 1976, 
publicada emOrnicar? n°12, p. 5.
5. LACAN, J. O Seminário. Livro 23: o sinthoma (1975-1976). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007, p. 101.
6. LACAN, J. O Seminário. Livro 23: o sinthoma (1975-1976), op.cit., p. 102.
7. No dia 26 de fevereiro de 1976, no Teatro d’Orsay (Companhia Renaud-Barrault), aconteceu a primeira apresentação 
mundial de Portrait de Dora, peça escrita por Hélène Cixous.
8. ELLENBERGER, H. A la découverte de l’inconscient, SIMEP, 1974 (reeditado com o título Histoire de l’inconscient, Fayard, 
2001).
9. LACAN, J. O Seminário. Livro 23: o sinthoma (1975-1976), p. 103-105.
10. LACAN, J. O Seminário. Livro 23: o sinthoma (1975-1976), p. 238.
11. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de1976, Ornicar ? n°12, p. 5.
12. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p. 6.
13. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p. 6.
14. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p. 6.
15. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p. 6.
16. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p.7.
17. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 16 de novembro de 1976, Ornicar ? n°12, p. 9.
18. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 14 de dezembro de1976, Ornicar ? n°13 , p. 10.
19. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 14 de dezembro de 1976, Ornicar ? n°13 , p. 13.
20. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 11 de janeiro de 1977, Ornicar ? n°14, p. 5.
21. LACAN, J., Autres Écrits, Paris, Seuil, 2001, p. 569. N.R.T.: Na tradução para o português, foram feitas algumas alter-
ações com relação àquela publicada em: Outros escritos. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2003, p. 565.
22. LACAN, J. Outros escritos..., p. 565.
23. LACAN, J., “Propos sur l’hystérie”, Quarto n°2, setembro de 1981, p. 5.
24. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 14 de dezembro de1976, Ornicar ? n°13 , p. 15.
25. LACAN, J. Le séminaire 1976-77..., aula do dia 14 de dezembro de1976, Ornicar ? n°13 , p. 8.
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APRESENTAÇÃO ENAPOL
Falar com o corpo 
A crise das normas e a agitação do real 
Elisa Alvarenga - Presidente da FAPOL
“O que é um corpo? 
o corpo é o que sobrevive ao naufrágio do simbólico.” 
(Jacques-Alain Miller, citado por Eric Laurent na ENAPOL III, 2007, Belo Horizonte)[1]
Nos tempos de uma nova ordem sim-
bólica, que não da conta da desordem 
no real falaremos com o corpo frente à 
crise das normas e a agitação do real 
[2].
A crise das normas se manifesta, entre 
outras coisas, como crise das classi-
ficações, que para nos se apresenta 
com a clínica continuista no último en-
sino de Lacan. Trata-se de diferenciar 
esta clínica, por exemplo, da clínica di-
mensional do DSM V, que teremos no 
próximo ano.
Como se manifesta a agitação do real? Violência, infrações, agressividade, automutilações, sintomas 
alimentares, drogas, alcoolismo, pânico, solidão, passagens ao ato, hiperatividade. O mal-estar na 
civilização cresceu muito desde Freud. A desordem na civilização provoca o acesso excessivo aos psi-
cotrópicos, às psicoterapias autoritárias, aos intentos de regular, avaliar.
Frente a isso, qual é a potencia do discurso analítico? Embora seja filho da ciência e do capitalismo, sua 
potencia vem do fato de que é desmasificante, que rompe com os discursos conformistas. Na época do 
Outro que não existe, na análise se inventa um Outro à medida de cada um. Nem sempre esse Outro é 
suposto saber - temos aí o Um sozinho. Um exemplo é a epidemia de jovens que não saem das suas 
casas, que dormem durante o dia e passam a noite com seus computadores. Se no há inicialmente 
sujeito suposto saber, há sintoma. O sentido pode desaparecer, porém o real do sintoma permanece.
O encontro do significante com o corpo produz um acontecimento do corpo, o surgimento de um gozo 
que nunca retorna a zero. Para fazer com isso sem o inconsciente simbólico e suas interpretações, é 
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preciso tempo. Se trata ai de um novo conceito, o inconsciente real que não se decifra, senão que cau-
sa o ciframento simbólico do inconsciente.
Se o corpo não fala, senão que goza no silencio das pulsões, é com esse corpo que se tratará de falar, 
de fazer falar. Falar com o corpo está no horizonte de toda interpretação, e pode vir em seu lugar, tanto 
para o analisante como para o analista. O analista oferece o seu corpo para que o paciente aloje seu 
excesso de gozo e faça existir o inconsciente. A análise dura enquanto o insolúvel de cada um seja 
impossível de suportar. A análise termina quando o sujeito está feliz de viver, diz Lacan [3].
Invitamos a todos os aqui presentes a tomar suas perguntas e temas de trabalho, se organizando em 
cartéis com seus colegas, com colegas de outras Sedes e mesmo das outras duas Escolas de América, 
a EOL e a EBP. Encontraremos-nos, de novo, com nossos corpos, dentro de um ano, em Buenos Aires, 
renovando o prazer que tivemos de estar e trabalhar juntos aqui em Medellín.
Tradução: Laura Arias1. Cf. LAURENT, E. : A Classificação, in Opção Lacaniana 51 , SP, abril 2008, p. 120.
2. Cf. MILLER, J.-A. : Parler avec son corps, in Mental 27/28, Eurofédération de Psychanalyse, septembre 2012, p. 127-133, 
y MILLER, J.-A. O real no século XXI, in Opção Lacaniana 63, SP, junho 2012, p. 11-19.
3. Cf. LACAN, J. : Conférences et entretiens dans les universités nord-américaines, in Scilicet 6/7, Paris, Seuil, 1976, p. 15.
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APRESENTAÇÃO ENAPOL
Falar com o corpo, sem saber 
Miquel Bassols - Vicepresidente AMP
Falar com o corpo. A expressão não é 
óbvia e tem sua referência noSeminá-
rio 20, Mais, ainda, de Jacques Lacan, 
tal como oportunamente nos recordou 
Ricardo Seldes. [1] Vejamos o contex-
to: “Falo com meu corpo, e isto sem 
saber. Digo, portanto, sempre mais do 
que sei. É aí que chego ao sentido da 
palavra sujeitono discurso analítico. O 
que fala sem saber me faz eu, sujei-
to do verbo”[2]. O que é, então, aquilo 
que fala com meu corpo sem que eu 
saiba? Há, no texto em francês, uma 
homofonia que convém assinalar: o sujeito ‒sujet‒ inclui o sabido ‒su‒ e o eu –je‒, o sujeito do verbo, 
do enunciado. Tal como havia indicado o próprio Lacan, um pouco antes, no mesmoSeminário, aquilo 
que fala com meu corpo e no qual deverei reconhecer-me, finalmente como sujeito, como Eu, não pode 
ser outra coisa que o Isso freudiano, o Isso pulsional que fala, que goza e que não sabe nada disso. 
Este Isso é, aqui, o sentido da palavra “sujeito” no discurso analítico, assim referido por Lacan: “Lá 
onde o isso fala, isso goza, e isso (não) sabe nada”. É conveniente, efetivamente, forçar um pouco a 
gramática em cada língua para aproximar-se daquilo que fala com meu corpo como sujeito, aquilo com 
que acabarei identificando-me como Eu, no melhor dos casos. Há clínica que nos mostra que isso nem 
sempre é possível, nem necessário. Em algumas psicoses, por exemplo, o sujeito pode muito bem não 
se identificar com aquilo que fala em seu corpo. O corpo, então, vai por um lado e o sujeito por outro. 
Como alguém acaba por se identificar como sujeito, como Eu, com aquilo que fala com seu corpo? É 
um processo que sempre tem algum desajuste, lá por onde o Isso fala sem que Eu saiba, dizendo mais 
do que Eu sei, geralmente no sintoma.
Tudo isso supõe, em primeiro lugar, que um corpo não fala por si mesmo, pelo contrário, que um corpo 
é aquilo com que o Isso fala, com o que fala o sujeito pulsional, se essa expressão tem sentido, na 
medida em que a pulsão é acéfala, sem sujeito. Um corpo não fala por si mesmo, é preciso que esteja 
habitado, de alguma forma, pelo que escutamos como o desejo do Outro. Pode parecer óbvio nova-
mente assinalar, mas, não o é, de modo algum, pelo menos para a ciência de nosso tempo para a qual 
os corpos dizem, falam por si mesmos, significam coisas com um saber já escrito neles, seja no gene 
ou no neuroma. O sentido que tem o termo “sujeito”, para a psicanálise, implica, ao contrário, que um 
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corpo não fala por si mesmo, mas, que ele é, antes, falado pelo Isso, pelo sujeito do gozo, sem saber 
nada disso.
Falar com o corpo é, então, uma experiência muito precisa se pensamos, ademais, que um dos ideais 
da ciência de nosso tempo é, precisamente, pode falar sem o corpo.
Vejamos, por exemplo, o que disse o cientista Kevin Warwick, engenheiro, professor de Cibernética 
na Universidade de Reading, conhecido por suas pesquisas em robótica e sobre a interface corpo-
computador. São pesquisas deste tipo que marcam o horizonte em que o sujeito deste século já faz 
a experiência de seu corpo como algo separado; dele separável enquanto sujeito, anexável em toda 
série de artifícios técnicos, aprimorável em todas suas qualidades e, finalmente, parcializado no que 
conhecemos como o corpo despedaçado anterior ao estádio do espelho. Em sua recente passagem 
por Barcelona, Kevin Warwick, apelidado Capitão Cyber, que agora tomamos como porta voz de um 
cientificismo em alta, afirmou sem nenhuma sombra de dúvida: “Nosso corpo já é somente um estorvo 
para nosso cérebro”.[3] Evidentemente, a primeira pergunta que poderíamos lhe fazer é se ele deixou 
de considerar “nosso cérebro” como uma parte de “nosso corpo”. O problema não é banal, está no 
centro das neurociências atuais, quando tentam definir os limites do corpo em relação à mente, em 
dualismo que retorna, sem cessar, apesar de considerá-lo resolvido. Mas, veremos que esse “nosso”, 
termo simbólico que deveria fundar a unidade do corpo em questão, termo criado, por sua vez, em iden-
tificação com aquilo que fala com “nosso” corpo, esse “nosso” é antes vacilante e, no final das contas, 
absolutamente prescindível para a ciência. Depois que o corpo está fragmentado em diversas partes, 
nenhuma das quais inclui necessariamente a identidade do ser que fala, o conjunto ou a unidade que 
podemos recompor com técnicas cada vez mais sofisticadas não assegura tampouco algum tipo de 
identificação nem de identidade: “Ai está o problema! A grande incógnita do futuro é nossa identidade”, 
exclama então o cientista que crê ‒é uma crença‒ que a identidade do sujeito é um dado inscrito no 
real do organismo, como se fosse uma qualidade inerente à sua natureza.
A imagem que se desenha, no horizonte do avanço tecnocientífico, embora pareça mais uma realidade 
de ficção ciência é, então, a seguinte: uma rede de cérebros conectados entre si, sem necessidade de 
suportar esse resto de funções prescindíveis em que se resumiria um corpo. O ideal que acompanha 
esta imagem é tão explícito como o que levou Kevin Warwick a tentar vencer os insondáveis problemas 
de comunicação que parece ter com sua mulher. É o ideal de uma conexão direta, cérebro a cérebro: 
“Estava claro que tínhamos um problema de comunicação. Desse modo, um dia conectamos meu 
sistema nervoso à sua mão e, quando ela se movia, eu recebia os impulsos de meu cérebro e nos co-
municávamos com código morse”. Trata-se de uma experiência que se realiza de forma literal, sem me-
táfora alguma, como aquela em que o poeta encontra no amor: “Não sou senão a mão com a qual você 
apalpa”[4]. De fato é uma forma, como outra qualquer, de crer que a relação sexual pode se escrever, 
neste caso em código morse, e que os sujeitos podem se falar sem a necessidade de passar pelo gozo 
do corpo, de seu bla-bla-bla tão generoso como ineficaz do ponto de vista do conhecimento científico.
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O problema com que Kevin Warwick se deparava, por esta via, é indicativo de outro real que se agita 
nos corpos e não parece ser reduzível ao real que a ciência aborda com seus instrumentos. É o real da 
própria linguagem, o real que aprendemos a situar com o termo lalingua. Se o sujeito tampouco assim 
conseguiu a correta comunicação com sua mulher é porque o engenho “encontrou com a mesma bar-
reira que nós encontramos: a interface entre cérebros, a linguagem [...] Comparada com o instantâneo 
e preciso da transmissão na rede neuronal, nossa linguagem é um código ambíguo e impreciso... E 
falar, que lenta e primitiva maneira de emitir e receber ondas sonoras!”. Dessa forma, se os corpos se 
tornaram um estorvo, a linguagem humana, que se mostra absolutamente inexata e ineficaz, equívoca 
e parasitária, imbuída de um gozo inútil, também o será. Permanece, todavia, na opinião do próprio 
cientista, um resto impossível de eliminar: essa presença da linguagem nos corpos, um real do qual 
esse gozo inútil é o melhor testemunho.
Foi exatamente neste gozo inútil onde a psicanálise encontrou o sujeito do Isso, aquele que fala sem 
que eu saiba, esse Isso que sempre era -”Onde Isso era...”- e ao que Eu, como sujeito, devo advir, re-
tomando a fórmula da ética freudiana relida por Lacan. E Isso sempre fala, embora o faça de modo que 
parece primitivo, Isso sempre goza lá onde o sujeito menos sabe. E, também no cientista.
Retomemos, então, a preciosa expressão de Lacan: falar com o corpo será sempre o melhortestemu-
nho deste Outro que a psicanálise descobriu com o nome de inconsciente, e que nos convoca, com 
tanto entusiasmo, para nosso próximo VI ENAPOL.
Tradução: Ilka Franco Ferrari
1. Em “Presentar el cuerpo”, consultável na Web do ENAPOL: http://www.enapol.com/es/template.php?file=Textos/Presen-
tar-el-cuerpo_Ricardo-Seldes.html
2. Jacques Lacan, O Seminário, livro 20, Mais, ainda, Jorge Zahar Editor, 1985, p.161.
3. Ver a entrevista no Jornal “La Vanguardia”, do dia 19 de Novembro de 2012: http://www.lavanguardia.com/lacon-
tra/20121119/54355365278/la-contra-kevin-warwick.html
4. Evocamos aqui o poeta catalão Gabriel Ferrater: “No sóc sinó la mà amb què tu palpeges”.
http://www.enapol.com/es/template.php?file=Textos/Presentar-el-cuerpo_Ricardo-Seldes.html
http://www.enapol.com/es/template.php?file=Textos/Presentar-el-cuerpo_Ricardo-Seldes.html
http://www.lavanguardia.com/lacontra/20121119/54355365278/la-contra-kevin-warwick.html
http://www.lavanguardia.com/lacontra/20121119/54355365278/la-contra-kevin-warwick.html
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APRESENTAÇÃO ENAPOL 
Apresentar o corpo 
Ricardo Seldes - Presidente do VI ENAPOL
Apresentamos o VI ENAPOL FALAR 
COM O CORPO, A CRISE DAS 
NORMAS E A AGITAÇÃO DO REAL.
É um título provocador, aponta à in-
terrogação acerca da renovação de 
nossa prática no século XXI, quando o 
mundo vive sob a perspectiva do todos 
loucos, todos delirantes, efeito da cha-
mada desvalorização do Nome do Pai. 
A psicanálise deve jogar sua partida, 
o menos delirantemente possível, com 
relação ao real do qual dá testemunho 
o discurso da civilização hipermoder-
na.
A partir de qual perspectiva? O discurso do mestre, produto da combinação do discurso da ciência e do 
capitalismo, está hoje enlouquecido pela proliferação das etiquetas e influi de forma direta sobre os cor-
pos e as maneiras de viver a pulsão. A psicanálise e seu discurso participam do movimento da moderni-
dade, onde se evidenciou o caráter artificial, construído, do laço social, das crenças, das significações. 
A prática freudiana abriu a via ao que se manifestou como uma liberação do gozo nas sociedades em 
que prevalecia o mal-estar por frear, inibir, reprimir o gozo. Certamente não no sentido em que Sade o 
propunha. Miller o diz literalmente em sua Fantasia como esta prática contribuiu para instalar a ditadura 
do mais de gozar, e por isso mesmo deve fazer-se responsável das consequências desse grande êxito. 
Consequências que são vividas por muitos como catástrofes: a destruição da natureza, a perda das 
tradições familiares e especialmente a modificação dos corpos.
A partir da construção da biologia lacaniana por Jacques-Alain Miller compreendemos que a ciência 
biológica se preocupa com os algoritmos do mundo vivente, e incide com suas mensagens sem equí-
vocos, isto é, com seus programas.
Desde os algoritmos não se pode saber que é um ser vivo, mas podemos afirmar com Lacan que o 
gozo dos seres habitados pela linguagem é do corpo, ou melhor dito, que de um corpo se goza. E se 
dermos uma pequena volta a mais diremos que o corpo vivo é a condição do gozo.
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O que implica para a psicanálise falar com o corpo quando a agitação do real provoca exigências de 
uma linguagem sem equívocos?
Interrogarmos a relação do corpo com a fala nos conduz à questão da efetividade de nossa prática, re-
novando também as perguntas sobre como é possível com o simbólico tocar o real, ou como o autismo 
da aparola sem diálogo pode relacionar-se com o Outro. Se o Outro é o excluído do Um, se é o menos 
Um, então o Um vem do significante ou do corpo?
Lacan propõe em suas duas últimas aulas do Seminário 20 que, para além da busca de um modo de 
transmissão integral pela via dos matemas, sempre nos encontraremos com uma verdade, que se fala 
sem saber. O enunciado nunca coincide com a enunciação. “Falo com meu corpo e sem saber. Logo 
digo sempre mais do que sei”.
E se há algo, o que não se sabe como fazer, isso nos orienta na dimensão do real. Se a finalidade do 
gozo está à margem da reprodução e da conservação da vida, nos encontramos com a incumbência 
do impossível de inscrever a relação sexual entre dois corpos de sexo diferente, a abertura pela qual o 
mundo nos toma como parceiro.
Trata-se então do corpo que fala na medida em que só consegue se reproduzir graças a um mal-enten-
dido de seu gozo. Não se reproduz senão se equivocando sobre o que quer dizer, e o que quer dizer 
não é senão seu gozo efetivo. É a diferença entre a vida e a verdade: uma fala na palavra e no corpo e 
por isso não se sabe o que se quer, a outra não fala e deseja transmitir-se, durar, não terminar nunca. 
Os corpos da espécie humana estão enfermos da verdade. Como encontrar uma relação certa com o 
real?
Quando nos dedicamos a tratar sobre o corpo, apontamos para a noção de satisfação. O homem tem 
um corpo afetado pelo significante, que encontra distintos tipos de satisfação conhecidas ou desco-
nhecidas. O gozo é o produto de um encontro contingente do corpo com o significante, encontro que 
mortifica o corpo, mas ao mesmo tempo recorta na carne o vivo que anima o mundo psíquico. Isso ori-
gina acontecimentos de corpo que não são simples fatos de corpo, dado que produzem um corte, um 
antes e um depois: momentos memoráveis, traços inesquecíveis, um advento de gozo, fixações que 
não cessam de exigir o cifrado simbólico do inconsciente. Trata-se de um corpo que não fala, que goza 
no silêncio pulsional, e ao mesmo tempo é com esse corpo que se fala, que o falasser usa para falar. 
Também para produzir o sintoma analítico. Será preciso investigar como.
…
Coloco reticências sempre úteis quando se quer indicar a existência de uma pausa transitória ou para 
dar lugar ao suspense.
A investigação que começa agora e durará ao menos um ano, (a comissão de bibliografia se dedica a 
colaborar conosco e nós com ela) é para buscar decifrar o que significa falar com o corpo, e como isso 
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nos compromete a repensar e atualizar nossos conceitos como, por exemplo, o lugar das identificações 
ao situar o sintoma histérico hoje até a posição feminina do corpo como tal. Assim, quero anunciar-
lhes o extraordinário texto de Éric Laurent, FALAR COM O PRÓPRIO SINTOMA, FALAR COM O 
PRÓPRIO CORPO, que é uma verdadeira orientação para as investigações sobre o nosso Encontro 
que poderão ler muito facilmente a partir deste momento na página que encontrarão na página web do 
ENAPOL, com seus Blackberrys, Iphones, IPads e todo elemento internáutico.
Neste instante de apresentação, de abertura e de formulação de nossos interrogantes, a pausa é para 
passar a palavra a Patricio Alvarez, Diretor executivo do VI Enapol. Ele com Piedad Spurrier da NEL 
e Sergio Laia da EBP, integrantes da direção, junto com a comissão organizadora, estou seguro, pelo 
próximo ano, darão o que falar.
Tradução: Elisa Monteiro
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APRESENTAÇÃO ENAPOL 
Falar com o corpo, um solilóquio e a 
experiência analítica* 
Sérgio Laia - Diretor Executivo ENAPOL (EBP) **
É comum encontrarmos hoje, inclusi-
ve entre psicanalistas, um lamento de 
que os pacientes não se dispõem a fa-
lar como antes, porque estão cada vez 
mais voltados para uma abordagem 
dos sintomas marcada pelo privilégio 
dos corpos em detrimento da fala, dan-
do pouca chance à psicanálise conce-
bida, desde Freud, como uma talking 
cure e abrindo mais espaço para tera-
pêuticas onde predominam os medica-
mentos, o escaneamento de imagens 
cerebrais, o funcionamento hormonal, 
as determinações genéticas e as ava-
liações estatísticas. Ao mesmo tempo, os próprios sintomas com que muitas vezes temos de nos haver 
na clínica contemporânea estão tomados por um modo de satisfação que assola os corpos silenciando
-os e, assim, parecem dar consistência ao lamento que destaca uma impotência da fala e uma espécie 
de “beco-sem-saída” para a psicanálise no século XXI.
Frente a esse “desencantamento”com o que eu chamaria de “os poderes da palavra” [1], cada psicana-
lista que se pauta pela orientação lacaniana sustenta, no estilo que lhe é próprio, uma voz dissonante. 
Importante ressaltar que essas vozes dissonantes vibram, na sua variedade, em um mesmo diapasão. 
Afinal, reconhecemos a atualidade e contundência das dificuldades, dos impasses, dos perigos e dos 
desafios impostos à psicanálise, bem como o quanto os obstáculos de hoje têm diferenças considerá-
veis com as resistências sofridas, pelo próprio Freud, desde o lançamento da psicanálise no mundo. 
Porém, diferentemente até de outros analistas lacanianos, graças ao trabalho incansável e inovador de 
Jacques-Alain Miller que dá lugar a exceções que multiplicam as intervenções da psicanálise no mundo 
sem que a orientação de nossas ações se perca, temos nos respaldado em referenciais freudianos e 
lacanianos para fazer avançar a psicanálise frente às hostilidades e, o que é pior, ao destino foraclusi-
vo que lhe é relegado, por exemplo, em um Manual como o futuro DSM-V, destinado ao diagnóstico e 
tratamento dos chamados “transtornos mentais” [2].
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O próximo ENAPOL é, entre muitos, um exemplo de nosso modo de nos colocarmos, como psicana-
listas de orientação lacaniana, no mundo contemporâneo. Assim, frente ao abandono cada vez mais 
feroz da trama em que linguagem e corpo envolvem o que é humano, diante do silenciamento dos cor-
pos e da descrença de se poder lidar com eles por vieses que não os abordem como simples conjunto 
de órgãos comandados pelo cérebro, o VI ENAPOL tem como título Falar com o corpo. E, diante da 
normatização generalizada da vida contemporânea e que tem os corpos como objetos privilegiados 
de ação e de domínio, o subtítulo desse sexto Encontro Americano (e que é também o XVIII Encontro 
Internacional do Campo Freudiano do lado das Américas) se apresenta como: “A crise das normas e a 
agitação do real”. Portanto, esse subtítulo elucida que nossa decisão de falar com o corpo e de persis-
tirmos na trama corpo-linguagem para lermos os sintomas autoriza-nos a abordar a generalização das 
normas como uma efetiva crise das normas, como um sintoma de que as normas fracassam e tendem, 
por recrudescimento, a reagir a esse insucesso. Há crise das normas e chances para a psicanálise 
porque as normas se impõem a corpos que, por não serem simples organismos, são contaminados, 
animados e desregulados todo o tempo pelo que lhes é imposto e também saem deles como fala. Há 
crise das normas e chance para a psicanálise porque os corpos, irredutíveis a um enquadramento or-
ganicista, são incessantemente tomados pela “agitação do real”, ou seja, pelo que Lacan chamou de 
“real sem lei”[3] e que poetas e cantores como Chico Buarque e Milton Nascimento compuseram nos 
termos de “o que não tem conserto, nem nunca terá, o que não tem tamanho”, de “o que dá dentro da 
gente e não devia”, “que é como está doente de uma folia”, “o que não tem governo, nem nunca terá, 
o que não tem juízo”[4].
O título e o subtítulo do VI ENAPOL e do XVIII Encontro Internacional do Campo Freudiano já contam 
com uma luminosa exploração realizada por Éric Laurent no texto que ele escreveu especialmente 
como argumento para essa nossa dupla atividade [5]. Colocando em relevo a concepção de uma “histe-
ria rígida”, extraída de uma passagem do Seminário 23 em que Lacan comenta rápida e decisivamente 
uma peça de teatro encenada por Cixous sobre Dora, a célebre paciente de Freud [6], esse texto-ar-
gumento abre-nos toda uma perspectiva para abordarmos a histeria, mas, aposto também, a neurose 
obsessiva, a psicose e talvez até mesmo a perversão como menos apegadas à referência paterna (seja 
em sua presença ou, quando há foraclusão, na sua ausência no registro do simbólico) e mais afeitas ao 
que toma a forma do objetoa, ao que insiste na operação pela qual a linguagem não apenas mortifica, 
mas também traumatiza e, assim, marca, nos corpos, a presença da substância gozo que, mobilizada 
pela “agitação do real”, faz sintoma nos corpos, coloca as normas, mesmo recrudescidas, em crise e 
extrapola a lei, ainda que não sem comportar uma intensa e muitas vezes inaudita conexão com a vida.
Assim, falar com o corpo não é apenas uma experiência que a psicanálise, com Freud, se não inau-
gurou, certamente fez valer em um mundo permeado pelos procedimentos científicos que já tendiam 
a silenciar, por exemplo, o corpo histérico tratando as conversões como meros “teatros” ou, como se 
diz ainda no mundo psi-, simples “atuações” pelas quais um sujeito visa enganar seu médico, seus 
familiares, o mundo, enfim. Falar com o corpo não é simplesmente considerar que o corpo fala e se 
pode “dialogar” com ele, “terapeutizá-lo” como também o fizeram, depois de Freud, cada qual a sua 
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maneira, os fenomenólogos, os psicólogos existenciais, a “bioenergética”, a “psicomotricidade” e até 
certa concepção do que é “psicossomático”. Falar com o corpo –e este me parece ser um dos grande 
diferenciais da psicanálise de orientação lacaniana hoje– é sobretudo o que cada um de nós faz, afe-
tado diversamente pelas experiências do que vem do corpos, recorrendo aos sintomas. Nesta última 
acepção, falar com o corpo não é de diálogo, tampouco uma auscultação (seja classicamente pelo 
estetoscópico, seja contemporaneamente pelos ultrassons e scanners de última geração).
O recurso aos sintomas como modo de falar com o corpo é muito mais um solilóquio, bem próximo 
do que os personagens de um Beckett (especialmente em suas peças teatrais [7]) realizam fora dos 
consultórios de psicanálise e que cada um empreende ao longo da vida, mas de um modo surdo e 
que, mesmo afetando-lhe, não deixa de lhe ser inaudível. Nessa concepção de “solilóquio inaudível por 
quem o empreende”, falar com o corpo evoca o que Freud nos legou como “gramática pulsional” e a 
concepção lacaniana da pulsão como, “no corpo, o eco do fato de que há um dizer” [8].
Ousaria propor, e o faço como um convite para que possamos demonstrá-lo nos trabalhos que dirigi-
remos rumo ao VI ENAPOL, que a experiência analítica é inédita até perante ao teatro de um Beckett, 
à obra de um Joyce ou a encenação de Cixoux vista por Lacan e elucidada por Éric Laurent no seu 
texto-argumento. Afinal, a experiência analítica, como um Beckett, um Joyce ou o Retrato de Dora en-
cenado por Cixoux amplifica esse inaudível a ponto de nos fazê-lo escutá-lo de algum modo, mas, 
diferentemente desses autores, como podemos constatar nos destinos que tomam os corpos nos dife-
rentes finais de análises, ela também altera esse solilóquio inaudível, esse falar com o corpo porque 
consegue (e uso aqui um verbo evocado por Miller em um de seus Cursos [9]) fluidificá-lo, ou seja, 
reduzir sua rigidez, torná-lo, não sem algum percalços, mais afeito à vida.
* Este texto tomou como ponto de partida, mas com muitas modificações, a apresentação realizada no dia 24 de novembro de 
2012, ao final do XIX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, em Salvador, Bahia, como convite ao público para participação 
no VIEncontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (ENAPOL), programado para os dias 22 e 23 de novembro 
de 2013.
** Analista Membro da Escola (AME) pela Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e Membro da Associação Mundial de Psi-
canálise (AMP); Diretor Executivo do VI ENAPOL pela EBP; Professor Titular da Universidade FUMEC (Fundação Mineira de 
Educação e Cultura) e Pesquisador Nivel 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
1. Miller esclarece que “Os poderes da palavra” é o título de um artigo de René Daumau, fonte não citada da última parte de: 
LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (1953). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 
238-324. Cf. MILLER, J.-A. Silet: os paradoxos da pulsão (1994-1995). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 16.
2. Para uma elucidação mais detalhada das diferenças

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