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Da_Ilusao_de_Completude_ao_Encontro_Simb

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1	
  
 
 
 
 
 
Fortaleza - 2011
ANAIS DO XI ENCONTRO DA EPFCL|AFCL - BRASIL 	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
2	
  
 
ANAIS DO XI ENCONTRO DA EPFCL|AFCL - BRASIL 	
  
 
Coordenação Nacional: Sonia Alberti 
 Georgina Cerquise 
 Consuelo Pereira de Almeida 
Coordenação Local: Andrea Rodrigues 
 Sandra Mara Nunes Dourado 
Coordenação da Comissão Científica: Lia Carneiro Silveira 
 
Membros da Comissão Científica: Alba Abreu 
 Angélia Teixeira 
 Andrea Brunetto, 
 Diego Mautino 
 Dominique Fingermann 
 Maria Anita Carneiro Ribeiro 
 Silvia Amoedo 
 Zilda Machado. 
Diretoria da EPFCL-Brasil (2011): Ana Laura Prates (Diretora) 
 Sandra Berta (Secretária) 
 Beatriz Oliveira (Tesoureira) 
Patrocínio:	
  	
  
	
  
Apoio:	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
Associação	
  dos	
  Lojistas	
  da	
  Monsenhor	
  Tabosa	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
3	
  
SUMÁRIO	
  
	
  
APRESENTAÇÃO	
   5	
  
PLENÁRIAS	
   7	
  
O	
  SINTOMA	
  ENTRE	
  MARX	
  E	
  LACAN	
   8	
  
ALÍNGUA	
  HISTÉRICA	
   14	
  
ALGUMAS	
  OBSERVAÇÕES	
  SOBRE	
  O	
  NÚCLEO	
  REAL	
  DO	
  SINTHOMA	
  E	
  A	
  EXPERIÊNCIA	
  DO	
  GOZO	
  OUTRO	
   24	
  
“DAR	
  NA	
  PINTA”:	
  PARECER	
  MULHER	
  COM	
  CORPO	
  DE	
  HOMEM	
   32	
  
SINTOMA	
  E	
  FANTASIA	
  NA	
  HISTERIA	
  MASCULINA	
   42	
  
O	
  SINTOMA	
  E	
  O	
  AMOR	
   50	
  
APOSTAR	
  NO	
  SINTOMA	
   56	
  
SINTOMA	
  E	
  ESCRITA	
  OU...OS	
  ECOS	
  DO	
  SINTOMA	
  SELVAGEM	
   64	
  
O	
  LIVRO	
  DE	
  CABECEIRA:	
  DA	
  ESCRITA	
  COMO	
  SINTOMA	
  AO	
  SINTOMA	
  COMO	
  LETRA	
   74	
  
A	
  SATISFAÇÃO	
  DO	
  FINAL	
  DE	
  ANÁLISE	
   81	
  
MESAS	
  SIMULTÂNEAS	
   90	
  
“FAZER	
  UMA	
  ESCOLHA	
  OU	
  PERMANECER	
  NA	
  DÚVIDA?”	
   91	
  
O	
  QUE	
  MARCÉLIO	
  SABIA	
   100	
  
REFLEXÕES	
  SOBRE	
  A	
  DIREÇÃO	
  DO	
  TRATAMENTO	
  NA	
  CLÍNICA	
  DA	
  PERVERSÃO	
   109	
  
A	
  PELE,	
  SUAS	
  MARCAS	
  E	
  O	
  CORPO:FENÔMENO	
  PSICOSSOMÁTICO	
  E	
  TATUAGEM	
   117	
  
SINTOMA:	
  RUÍDO	
  DA	
  ALÍNGUA	
  NO	
  CORPO	
   128	
  
CONSIDERAÇÕES	
  SOBRE	
  O	
  GOZO	
  EM	
  UM	
  CASO	
  CLÍNICO	
  DE	
  PSORÍASE	
   136	
  
SINTHOME:	
  O	
  REAL	
  DO	
  SINTOMA	
   146	
  
SINTOMA	
  E	
  FANTASIA	
  FUNDAMENTAL	
   152	
  
O	
  NOME	
  DO	
  SINTOMA	
   160	
  
A	
  ARTE	
  É	
  O	
  QUE	
  HÁ	
  DE	
  MAIS	
  REAL	
   168	
  
OS	
  USOS	
  DO	
  CORPO	
  E	
  A	
  POLÍTICA	
  DO	
  SINTOMA:	
  O	
  CASO	
  DA	
  TRANSFORMAÇÃO	
  CORPORAL	
   175	
  
O	
  REAL	
  DO	
  SINTOMA:	
  SUA	
  POLÍTICA	
  NA	
  CURA	
   184	
  
SINTOMA	
  OU	
  FENÔMENO	
  PSICOSSOMÁTICO?	
  DECIFRA-­ME	
  OU	
  TE	
  DEVORO!	
   195	
  
CONSIDERAÇÕES	
  TOPOLÓGICAS	
  DA	
  PASSAGEM	
  DO	
  SINTOMA	
  AO	
  SINTHOMA	
   202	
  
UM	
  ADOLESCENTE	
  EM	
  CENA	
   210	
  
A	
  RELAÇÃO	
  DO	
  SINTOMA	
  COM	
  AS	
  LEIS	
  MORAIS	
   217	
  
“SINTO	
  QUE	
  NÃO	
  TOM(A)ES”	
  –	
  SOBRE	
  A	
  DESIMPLICAÇÃO	
  SUBJETIVA	
  NA	
  SOCIEDADE	
  CONTEMPORÂNEA
	
   223	
  
A	
  FUNÇÃO	
  DO	
  ANALISTA	
  E	
  A	
  POLÍTICA	
  DA	
  PSICANÁLISE	
  NA	
  POLÍTICA	
  PÚBLICA	
  DE	
  SAÚDE	
  MENTAL	
   229	
  
OS	
  IMPASSES	
  DA	
  TRANSMISSÃO	
  DA	
  PSICANÁLISE	
  E	
  DA	
  TRANSMISSÃO	
  EM	
  PSICANÁLISE	
   235	
  
ASPECTOS	
  DA	
  RELAÇÃO	
  ENTRE	
  SINTOMA	
  E	
  ANÁLISE	
   241	
  
PSICOSES	
  ORDINÁRIAS	
  E	
  ATOS	
  VIOLENTOS	
   246	
  
ENTRE	
  A	
  SÍNDROME	
  E	
  A	
  MÃE:	
  MARCELA	
   252	
  
O	
  HOMEM	
  CONDUTOR:	
  UM	
  CASO	
  DE	
  HISTERIA	
  MASCULINA?	
   260	
  
DA	
  ILUSÃO	
  DE	
  COMPLETUDE	
  AO	
  ENCONTRO	
  SIMBÓLICO:	
  A	
  PEREGRINAÇÃO	
  AMOROSA	
  DO	
  SUJEITO	
  
DESEJANTE	
  EM	
  “UMA	
  APRENDIZAGEM	
  OU	
  O	
  LIVRO	
  DOS	
  PRAZERES”,	
  DE	
  CLARICE	
  LISPECTOR	
   267	
  
SINTOMA,	
  SINTHOME	
  E	
  FINAL	
  DE	
  ANÁLISE	
   277	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
4	
  
“IMAGINE	
  O	
  QUE	
  EU	
  NÃO	
  FALARIA	
  SE	
  EU	
  NÃO	
  FOSSE	
  GAGO!”:	
  O	
  QUE	
  FALA	
  ESSA	
  GAGUEIRA?	
   283	
  
CONSIDERAÇÕES	
  SOBRE	
  A	
  CONSTITUIÇÃO	
  DA	
  SUBJETIVIDADE	
  NA	
  PSICOSE:	
  CASO	
  SCHREBER	
   287	
  
DE	
  UM	
  SINTOMA	
  NO	
  CORPO	
  A	
  UM	
  SINTOMA	
  ANALÍTICO:	
  UMA	
  CLÍNICA	
  A	
  PARTIR	
  DOS	
  FENÔMENOS	
  
PSICOSSOMÁTICOS	
   294	
  
A	
  CRIANÇA	
  COMO	
  SINTOMA	
  DOS	
  PAIS	
  EM	
  CASOS	
  DE	
  DISPUTA	
  DE	
  GUARDA	
   301	
  
PSICANÁLISE	
  E	
  POLÍTICA	
  :	
  O	
  PSICANALISTA	
  COMO	
  SINTOMA	
  DA	
  CULTURA	
   307	
  
SINTOMA	
  E	
  REPETIÇÃO	
  NA	
  NEUROSE	
  OBSESSIVA	
   314	
  
O	
  SINTOMA	
  NA	
  ARTE	
  OU	
  A	
  ARTE	
  COMO	
  SINTOMA?	
   322	
  
ESPAÇO	
  ESCOLA	
   330	
  
CARTEL:	
  ESPAÇO	
  DE	
  SABER	
  ARTICULADO	
  À	
  POLÍTICA	
  DA	
  PSICANÁLISE	
   331	
  
O	
  PASSE:	
  A	
  RAZÃO	
  DE	
  UM	
  FRACASSO	
   340	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
5	
  
Apresentação 
 
“O sintoma fundamental é a única coisa que faz identidade, que é o 
verdadeiro nome próprio – o que todas as identificações fracassam em 
fazer. É somente nele que o sujeito pode encontrar seu princípio de 
consistência e constitui-lo em resposta à questão de entrada: o que 
sou? Sou este gozo ou, mais precisamente, esta modalidade de 
amarração entre um desejo impossível de dizer tudo e um gozo que 
fixa uma letra do inconsciente” Colette Soler, 10/07/1999. 
 
Se identificamos três momentos para a psicanálise: o de seu surgimento, de sua 
releitura e de seu objeto a abrir um novo campo, ainda assim o sintoma, que estará nos três, 
poderá ser um quarto a amarrá-los. O sintoma é a política da psicanálise por diferenciá-la 
não só de todas as outras clínicas mas também como discurso, aparelho de gozo. 
A psicanálise surge num contexto histórico muito complexo, na pena de um gênio 
que consegue traduzir o que está absolutamente presente sem que ninguém consiga vê-lo e 
transmitir, com suas próprias palavras, o que até então não era possível dizer. Inicialmente é 
isso o sintoma: na histeria, o desejo de um desejo insatisfeito; na fobia, a angústia da 
castração, e na neurose obsessiva, o direito ao desejo no compromisso com sua proibição. 
A psicanálise cresce com o campo da fala e da linguagem com o qual Lacan pode 
“construir algoritmos mais rigorosos” (Lacan, p. 109, Sem. 21) para articular a obra de Freud, 
e trazer novamente à cena o que fora recalcado na própria psicanálise, cuja situação em 1956, 
para retomar somente um desses momentos, se sintomatizava na burocracia da formação 
psicanalítica, muito distante da verdade freudiana. 
A psicanálise abre um novo campo, o campo lacaniano, do gozo, e novamente o 
sintoma comparece, dessa vez como política. Na clínica, isso inclui em seu campo, além da 
neurose, a psicose e mesmo o final da análise. Com Joyce e a ciência do real, a lógica, os nós, 
instrumento que introduz as três dimensões com as quais, em 12 de março de 1974 Lacan 
propõe cingir o ponto do lugar da psicanálise no mundo. A psicanálise mesma como sintoma, 
observa Lacan em 1974, do que não vai bem no real... 
Nos seminários mais tardios de seu ensino, Jacques Lacan retomou a noção de 
sintoma para lhe atribuir finalmente, a função de anodamento, amarração, entre real, 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
6	
  
simbólico e imaginário o que não deixa de ter referência com o termo freudiano atribuido a 
Eros de amarrar, ligar, binden. 
O sintoma como nó é quarto, é também o sintoma como o que vem do real: o que 
claudica, por exemplo, no discurso do mestre. Os novos sintomas presentificam o que 
claudica no discurso do mestre contemporaneo: as toxicomanias – que demandam drogas 
lícitas e ilícitas – como retorno do real do discurso do capitalista; o recrudecimento da 
segregação; os transtornos... conforme as novas nomenclaturas sintomatizando a ciência. 
O sintoma como o que claudica no discurso do mestreinclui o próprio inconsciente 
real, o grande campo do não saber. A partir do que observou nossa convidada internacional 
Colette Soler, ano passado em Buenos Aires, o passe deveria ocupar-se disso: na contramão 
da confusão entre a fantasia e o real do inconsciente, a identificação ao sintoma implica o 
saber-se objeto, ponto de virada em relação à repetição. 
 
Sonia Alberti – Diretora da EPFCL | AFCL-Brasil 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
7	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
PLENÁRIAS	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
8	
  
O Sintoma entre Marx e Lacan 
Sonia Alberti1 
 
O	
  sintoma	
  com	
  Marx	
  
	
   Praticamente,	
   a	
   cada	
   vez	
   em	
   que	
   Lacan	
   se	
   refere	
   ao	
   sintoma,	
  
estatisticamente	
   se	
   quiserem,	
   podemos	
   dizer	
   a	
   cada	
   dois	
   anos	
   em	
   seu	
  
Seminário,	
   ele	
   começa	
   assim:	
   “é	
   importante	
   observar	
   que	
   historicamente	
   não	
  
reside	
  aí	
  a	
  novidade	
  de	
  Freud,	
  a	
  noção	
  de	
  sintoma,	
  como	
  várias	
  vezes	
  marquei,	
  e	
  
como	
   é	
   muito	
   fácil	
   observar	
   na	
   leitura	
   daquele	
   que	
   por	
   esta	
   noção	
   é	
  
responsável,	
  [...]	
  [é	
  de]	
  Marx”	
  (1970-­‐1,	
  p.	
  220).	
  Extraí	
  essa	
  citação	
  ao	
  acaso,	
  elas	
  
são	
   inúmeras	
   nos	
   textos	
   de	
   Lacan,	
   ainda	
   em	
   RSI	
   ele	
   faz	
   essa	
   referência	
   e	
   no	
  
seminário	
  sobre	
  o	
  Sinthome.	
  Já	
  anteriormente,	
  em	
  seu	
  texto	
  “Formulações	
  sobre	
  
a	
   causalidade	
   psíquica”	
   (1946)	
   Lacan	
   termina	
   por	
   colocar	
   em	
   série:	
   Sócrates,	
  
Descartes,	
   Marx	
   e	
   Freud	
   como	
   aqueles	
   que	
   “não	
   podem	
   ser	
   superados,	
   na	
  
medida	
   em	
  que	
   conduziram	
  suas	
   investigações	
   com	
  essa	
  paixão	
  de	
  desvelar	
   a	
  
qual	
  possui	
  um	
  objeto:	
  a	
  verdade”	
  (p.193).	
  É	
  por	
  estarem	
  referidos	
  a	
  esse	
  objeto,	
  
que	
   os	
   dois	
   últimos,	
   Marx	
   e	
   Freud,	
   puderam	
   perceber	
   o	
   quanto	
   a	
   verdade	
   é	
  
sempre	
  meio	
  dizer	
  e	
  o	
  quanto	
  insiste,	
   justamente,	
  ali	
  onde	
  sempre	
  se	
  vela.	
  Por	
  
outro	
   lado,	
   também	
   podemos	
   ler	
   em	
   Lacan	
   que	
   “O	
   sintoma	
   tem	
   o	
   sentido	
   do	
  
valor	
  da	
  verdade”.	
  Tal	
  observação	
  é	
  associada,	
  por	
  Lacan,	
  com	
  esta	
  outra:	
  “o	
  que	
  
há	
   de	
   essencial	
   no	
   pensamento	
  marxista	
   	
   é	
   a	
   equivalência	
   do	
   sintoma	
   com	
   o	
  
valor	
  de	
  verdade”	
  (Lacan,	
  1971-­‐2,	
  p.	
  25).	
  
	
   Assim:	
   para	
   Lacan,	
   tanto	
  Marx	
   como	
   Freud	
   possuem	
   o	
  mesmo	
   objeto:	
   a	
  
verdade,	
  além	
  disso,	
  para	
  ambos,	
  é	
  o	
  valor	
  desse	
  objeto	
  que	
  equivale	
  ao	
  sintoma.	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1	
  AME	
  ,	
  Membro	
  da	
  Escola	
  de	
  Psicanálise	
  dos	
  Fóruns	
  do	
  Campo	
  Lacaniano	
  -­‐	
  Brasil.	
  Membro	
  do	
  Fórum	
  Rio	
  de	
  
Janeiro	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
9	
  
Ou	
  seja:	
  o	
  valor	
  verdade	
  =	
  valor	
  sintoma,	
  o	
  sintoma	
  em	
  Marx	
  e	
  em	
  Freud.	
  Até	
  aí	
  
pude	
  ir	
  no	
  último	
  trabalho	
  apresentado,	
  em	
  particular	
  em	
  São	
  Paulo	
  quando	
  tive	
  
a	
  oportunidade	
  de	
  falar	
  no	
  FCL	
  de	
  lá.	
  O	
  que	
  proponho	
  hoje,	
  e	
  será	
  rápido,	
  é	
  um	
  
pequeno	
  avanço:	
  o	
  sintoma	
  entre	
  Marx	
  e	
  Lacan.	
  
	
   Em	
  1844,	
  época	
  em	
  que	
  Marx	
  estabelece	
  as	
  bases	
  filosóficas	
  para	
  toda	
  sua	
  
obra,	
   a	
   verdade	
   em	
   questão	
   é	
   a	
   do	
   sistema	
   capitalista	
   que	
   Proudhon	
   julgava	
  
estar	
   se	
   socializando	
   cada	
   vez	
   mais.	
   É	
   no	
   questionamento	
   dessa	
   hipótese	
   de	
  
Proudhon	
   que	
   encontramos	
   talvez	
   a	
   mais	
   evidente	
   acepção	
   do	
   emprego	
   do	
  
termo	
  sintoma,	
  por	
  Marx,	
  na	
  maneira	
  como	
  Lacan	
  o	
  marca.	
  Retomemos	
  toda	
  a	
  
passagem	
  em	
  Marx:	
  
A	
  diminuição	
  do	
   interesse	
  no	
  dinheiro,	
   o	
   que	
  Proudhon	
   considera	
  
como	
  a	
  anulação	
  do	
  capital	
  e	
  como	
  uma	
  tendência	
  para	
  socializar	
  o	
  
capital	
   é,	
   por	
   essa	
   razão,	
   de	
   fato	
   somente	
   um	
   sintoma	
   da	
   vitória	
  
total	
   do	
   capital	
   de	
   giro	
   sobre	
   o	
   desperdício	
   da	
   riqueza,	
   isto	
   é,	
   da	
  
transformação	
  de	
  toda	
  propriedade	
  privada	
  em	
  capital	
  industrial.	
  É	
  
a	
  vitória	
  total	
  da	
  propriedade	
  privada	
  sobre	
  todas	
  as	
  qualidades	
  que	
  
ainda	
   são	
   aparentemente	
   humanas,	
   e	
   a	
   total	
   sujeição	
   do	
   dono	
   da	
  
propriedade	
   privada	
   à	
   essência	
   da	
   propriedade	
   privada	
   –	
   o	
  
trabalho.	
   Certamente,	
   o	
   capitalista	
   industrial	
   também	
   goza.	
   De	
  
forma	
   alguma	
   ele	
   retorna	
  para	
   a	
   simplicidade	
  da	
  necessidade	
  que	
  
não	
   é	
   natural;	
   mas	
   seu	
   gozo	
   é	
   somente	
   um	
   assunto	
   lateral	
   –	
  
recreação	
  –	
  submetido	
  à	
  produção;	
  ao	
  mesmo	
  tempo,	
  é	
  calculado	
  e,	
  
por	
  isso,	
  ele	
  próprio,	
  um	
  gozo	
  econômico.	
  Pois	
  ele	
  o	
  debita	
  da	
  conta	
  
das	
   despesas,	
   e	
   o	
   que	
   for	
   desperdiçado	
   para	
   seu	
   gozo	
   não	
   pode	
  
exceder	
   o	
   que	
   será	
   substituído	
   com	
   o	
   lucro	
   da	
   reprodução	
   do	
  
capital.	
  Por	
   isso,	
   o	
   gozo	
  é	
   subsumido	
  ao	
   capital,	
   e	
  o	
   indivíduo	
  que	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
10	
  
goza	
   é	
   subsumido	
   ao	
   indivíduo	
   que	
   acumula	
   capital.	
   Antes,	
   a	
  
situação	
  era	
  o	
  contrário	
  [o	
  indivíduo	
  que	
  acumulava	
  capital	
  o	
  fazia	
  
para	
   gozar	
   com	
   ele,	
   provocando	
   o	
   desperdício	
   da	
   riqueza].	
   A	
  
diminuição	
   da	
   taxa	
   de	
   juros	
   [que	
   Proudhon	
   via	
   como	
   uma	
  
diminuição	
   do	
   interesse	
   do	
   dinheiro]	
   é,	
   portanto,	
   um	
   sintoma	
   da	
  
anulação	
   do	
   capital	
   apenas	
   na	
   medida	
   em	
   que	
   é	
   um	
   sintoma	
   da	
  
crescente	
  dominação	
  do	
  capital	
  –	
  da	
  alienação	
  crescente	
  [...].	
  Aliás,	
  
esta	
   é	
   a	
   única	
  maneira	
   de	
   o	
   que	
   existe	
   afirmar	
   seu	
   oposto	
   (Marx,	
  
1844,	
  tradução	
  e	
  grifos	
  meus).	
  
	
   Não	
   somos	
   economistas	
   para	
   desenvolver	
   todo	
   esse	
   raciocínio	
   na	
  
articulação	
  com	
  as	
  vicissitudes	
  do	
  capitalismo	
  depois	
  de	
  1844.	
  Efetivamente,	
  no	
  
campo	
   da	
   economia,	
   tais	
   observações	
   de	
   Marx	
   devem	
   ter	
   tido	
   novas	
  
contribuições	
  com	
  as	
  guinadas	
  –	
  para	
  retomar	
  uma	
  expressão	
  que	
  usávamos	
  no	
  
sábado,	
  a	
  partir	
  das	
  observações	
  de	
  Colette	
  Soler	
  sobre	
  o	
  passe	
  –	
  do	
  capitalismo	
  
no	
  século	
  XX.	
  Mas	
  o	
  que	
  me	
  interessa	
  aqui	
  é	
  verificar,	
  na	
  formulação	
  mesma	
  do	
  
termo	
   em	
   Marx,	
   as	
   razões	
   que	
   levaram	
   Lacan	
   a	
   identificar,	
   tantas	
   vezes,	
   a	
  
origem	
  do	
  conceitode	
  sintoma,	
  em	
  psicanálise,	
  em	
  Marx,	
  o	
  que	
  ocorre	
  desde	
  as	
  
primeiras	
   observações	
   sobre	
   o	
   sintoma	
   em	
   Lacan	
   até	
   as	
   últimas,	
   ou	
   seja,	
   no	
  
contexto	
  do	
  Seminário	
  O	
  Sinthoma,	
  entre	
  1975-­‐6.	
  
	
   Se	
  nas	
  primeiras	
  observações	
  então	
  a	
  questão	
  parece	
  articular	
  o	
  sintoma	
  
com	
   a	
   verdade	
   –	
   razão	
   de	
   o	
   sintoma	
   em	
  Freud	
   ser	
   o	
   sintoma	
   em	
  Marx,	
   como	
  
vimos	
  em	
  São	
  Paulo	
  –,	
  por	
  que	
  Lacan	
  se	
  interessa	
  em	
  artiular	
  o	
  sintoma,	
  do	
  jeito	
  
que	
   a	
   psicanálise	
   o	
   conceituaria,	
   no	
   Seminário	
   O	
   Sinthoma,	
   com	
   o	
   conceito	
  
inventado	
  por	
  Marx?	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
11	
  
	
   Retomemos	
  com	
  vagar	
  a	
  passagem	
  lida,	
  os	
  comentários	
  de	
  Marx	
  sobre	
  as	
  
teses	
  de	
  Feuerbach:	
  
1)	
   “A	
  diminuição	
  do	
   interesse	
   no	
  dinheiro,	
   o	
   que	
  Proudhon	
   considera	
   como	
   a	
  
anulação	
  do	
  capital	
  e	
  como	
  uma	
  tendência	
  para	
  socializar	
  o	
  capital	
  é,	
  por	
  essa	
  
razão,	
  de	
   fato	
   somente	
  um	
  sintoma	
   da	
  vitória	
   total	
  do	
   capital	
  de	
  giro	
   sobre	
  o	
  
desperdício	
   da	
   riqueza,	
   isto	
   é,	
   da	
   transformação	
   de	
   toda	
   propriedade	
   privada	
  
em	
   capital	
   industrial”.	
   Inicialmente,	
   o	
   sintoma	
  é	
   sinal	
   de	
  que	
  o	
   capital	
   de	
   giro	
  
venceu	
   o	
   desperdício	
   da	
   riqueza	
   e,	
   portanto,	
   não	
   corrobora	
   a	
   observação	
   de	
  
Proudhon,	
   de	
   que	
   a	
   diminuição	
   do	
   interesse	
   no	
   dinheiro	
   seria	
   sinal	
   de	
   que	
   o	
  
socialismo	
   estaria	
   chegando...	
   Ao	
   contrário,	
   diz	
   Marx:	
   em	
   detrimento	
   da	
  
propriedade	
   privada	
   que	
   deixa	
   de	
   ser	
   privilegiada,	
   surge	
   o	
   capital	
   industrial,	
  
visando,	
   na	
   realidade,	
   uma	
   sempre	
   maior	
   circulação	
   da	
   riqueza,	
   em	
   que	
   o	
  
próprio	
  capital	
  é	
  produtor	
  de	
  mais	
  capital.	
  
2)	
  “É	
  a	
  vitória	
  total	
  da	
  propriedade	
  privada	
  sobre	
  todas	
  as	
  qualidades	
  que	
  ainda	
  
são	
  aparentemente	
  humanas,	
  e	
  a	
  total	
  sujeição	
  do	
  dono	
  da	
  propriedade	
  privada	
  
à	
   essência	
   da	
   propriedade	
   privada	
   –	
   o	
   trabalho”.	
   O	
   capital	
   que	
   produz	
   mais	
  
capital	
  submete	
  o	
  dono	
  da	
  propriedade	
  privada	
  ao	
  trabalho	
  pois,	
  para	
  produzir	
  
é	
   preciso	
   trabalhar.	
   Colocar	
   o	
   capital	
   a	
   trabalho.	
   Ao	
   mesmo	
   tempo,	
   Marx	
   já	
  
denuncia	
  aqui	
  o	
  fim	
  do	
  humanismo,	
  pois	
  o	
  homem	
  é	
  agora	
  submetido	
  ao	
  capital	
  
que	
  o	
  faz	
  trabalhar	
  para	
  este	
  mesmo	
  capital.	
  Se	
  até	
  então	
  ainda	
  havia	
  uma	
  ideia	
  
de	
  fazê-­‐lo	
  para	
  o	
  homem,	
  agora	
  fica	
  claro	
  –	
   já	
  que	
  essa	
   ideia	
  era	
  somente	
  uma	
  
noção	
   que	
   vinha	
   das	
   aparências	
   porque,	
   em	
   essência,	
   a	
   propriedade	
   privada	
  
privilegiada	
  até	
  então,	
  era	
  somente	
  sustentada	
  pelo	
  trabalho,	
  seu	
  capital	
  –	
  que,	
  
na	
  realidade,	
  é	
  pelo	
  capital	
  que	
  o	
  homem	
  trabalha.	
  E	
  isso	
  independente	
  de	
  esse	
  
homem	
  ser	
  o	
  proprietário	
  ou	
  o	
  operário,	
  como	
  se	
  vê	
  na	
  frase	
  seguinte:	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
12	
  
3)	
  “Certamente,	
  o	
  capitalista	
  industrial	
  também	
  goza”.	
  Frase	
  um	
  pouco	
  estranha.	
  
Como	
  assim:	
  “também”?	
  Só	
  posso	
  entender	
  essa	
  frase	
  quando	
  eu	
  entender	
  que	
  o	
  
próprio	
  gozo	
  é	
  esse	
  capital	
  que	
  já	
  estava	
  lá	
  apesar	
  de	
  velado	
  pelas	
  “qualidades	
  
aparentemente	
  humanas”.	
  
4)	
  Não	
  é	
  porque	
  no	
   capitalismo	
   industrial	
  há	
  uma	
  diminuição	
  do	
   interesse	
  no	
  
dinheiro	
   que	
   esse	
   capitalista	
   estaria	
   retornando	
   para	
   “a	
   simplicidade	
   da	
  
necessidade”	
  que,	
  aliás,	
  de	
  natural	
  não	
  tem	
  nada,	
  observa	
  Marx	
  de	
  quebra.	
  
5)	
   “mas	
   seu	
   gozo	
   é	
   somente	
   um	
   assunto	
   lateral	
   –	
   recreação	
   –	
   submetido	
   à	
  
produção;	
   ao	
   mesmo	
   tempo,	
   é	
   calculado	
   e,	
   por	
   isso,	
   ele	
   próprio,	
   um	
   gozo	
  
econômico.	
   Pois	
   ele	
   o	
   debita	
   da	
   conta	
   das	
   despesas,	
   e	
   o	
   que	
   for	
   desperdiçado	
  
para	
   seu	
   gozo	
   não	
   pode	
   exceder	
   o	
   que	
   será	
   substituído	
   com	
   o	
   lucro	
   da	
  
reprodução	
  do	
  capital.	
  Por	
  isso,	
  o	
  gozo	
  é	
  subsumido	
  ao	
  capital	
  [...]”.	
  A	
  economia	
  
de	
  gozo,	
  no	
  argumento	
  de	
  Marx,	
  se	
  mostra	
  aqui	
  mais	
  uma	
  vez	
  como	
  capital	
  pois	
  
é	
  ele	
  mesmo	
  calculado,	
  como	
  o	
  é	
  o	
  capital	
  que	
  já	
  não	
  pode	
  ser	
  desperdiçado.	
  Por	
  
outro	
   lado,	
   o	
   mecanismo	
   obsessivo	
   aqui	
   denunciado:	
   tanto	
   gozo	
   para	
   tanta	
  
possibilidade	
  de	
  substituição	
  com	
  o	
  lucro	
  da	
  reprodução	
  do	
  capital,	
  denuncia	
  o	
  
quanto	
  esse	
  homem,	
  anula	
  seu	
  desejo.	
  
6)	
   	
  Novo	
  mal-­‐estar	
  na	
  civilização:	
  em	
  mal	
  de	
  desejo,	
  desejo	
  do	
  qual	
  o	
  sujeito	
  já	
  
não	
  pode	
  usufruir,	
  gozar,	
   “o	
   indivíduo	
  que	
  goza	
  é	
  subsumido	
  ao	
   indivíduo	
  que	
  
acumula	
  capital.	
  Antes,	
  a	
  situação	
  era	
  o	
  contrário”	
  [o	
   indivíduo	
  que	
  acumulava	
  
capital	
   o	
   fazia	
   para	
   gozar	
   com	
   ele,	
   provocando	
   o	
   desperdício	
   da	
   riqueza],	
  
pagando	
  o	
  preço	
  para	
  desejar.	
  
7)	
   E	
   então,	
   o	
   grand	
   finale	
   de	
  Marx:	
   ao	
   contrário	
   do	
   que	
   previa	
   Proudhon,	
   “A	
  
diminuição	
   da	
   taxa	
   de	
   juros”	
   (que	
   Proudhon	
   via	
   como	
   uma	
   diminuição	
   do	
  
interesse	
  do	
  dinheiro)	
  serve	
  a	
  provocar	
  maior	
  capital	
  de	
  giro	
  e	
  “é,	
  portanto,	
  um	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
13	
  
sintoma	
   da	
   anulação	
   do	
   capital	
   apenas	
   na	
  medida	
   em	
   que	
   é	
   um	
   sintoma	
   da	
  
crescente	
  dominação	
  do	
  capital”.	
  Ainda	
  aqui	
  inicialmente,	
  o	
  sintoma	
  é	
  sinal,	
  mas	
  
não	
   só.	
   Ele	
   também	
   amarra	
   o	
   imaginário	
   do	
   que	
   havia	
   de	
   aparentemente	
  
humano,	
  o	
  simbólico	
  que	
  se	
  contabiliza,	
  com	
  o	
  real	
  do	
  incomensurável	
  que	
  é	
  o	
  
trabalho	
  que	
  nessa	
  operação	
  sempre	
  se	
  perde	
  enquanto	
  mais	
  valia,	
  na	
  
8)	
   “alienação	
  crescente”	
  pois	
  o	
  próprio	
  gozo	
  que	
  se	
  perde,	
  que	
  se	
  aliena,	
  é	
  ele	
  
mesmo	
  o	
  capital	
  a	
  incrementar	
  a	
  produção,	
  gozo	
  a	
  mais	
  ou	
  mais	
  de	
  gozar.	
  
9)	
   “Aliás,	
   esta	
   é	
   a	
   única	
   maneira	
   de	
   o	
   que	
   existe	
   afirmar	
   seu	
   oposto”.	
   Se	
   é	
  
“sintoma	
   da	
   anulação	
   do	
   capital	
   apenas	
   na	
  medida	
   em	
  que	
   é	
   um	
   sintoma	
   da	
  
crescente	
  dominação	
  do	
  capital”	
  é	
  porque	
  de	
  um	
  lado	
  presentifica	
  o	
  que	
  não	
  se	
  
goza	
   –	
   e	
   que	
   podemos	
   aqui	
   associar	
   com	
   o	
   impossível	
   da	
   relação	
   sexual,de	
  
outro	
  lado,	
  com	
  o	
  gozo	
  a	
  mais,	
  produzido	
  a	
  partir	
  daquela	
  perda:	
  o	
  Sinthoma	
  e	
  o	
  
real.	
  Sinthoma,	
  portanto,	
  com	
  “th”,	
  reforçando	
  a	
  amarração	
  entre	
  real,	
  simbólico	
  
e	
  imaginário	
  ali	
  onde	
  o	
  homem	
  está	
  em	
  mal	
  de	
  desejo.	
  	
  
MARX,	
  K.	
  (1844)	
  Human	
  Requirements	
  and	
  Division	
  of	
  Labour.	
  Under	
  the	
  Rule	
  
of	
  	
   Private	
  Property.	
  In	
  Economic	
  and	
  Philosophical	
  Manuscripts	
  of	
  1844.	
  
Consultado	
  no	
  site:	
  
http://www.marxists.org/archive/marx/works/1844/manuscripts/needs.htm	
  
(1845)	
   Thesen	
   über	
   Feuerbach	
   in	
  Marx-­‐Engels	
  Werke	
   3,	
   534.	
   Consultadas	
   no	
  
site:	
  http://www.mlwerke.de/me/me03/me03_005.htm	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
14	
  
Alíngua Histérica 
Jairo Gerbase1 
 
Sob o título de alíngua histérica, escrita com uma só palavra como propõe Lacan, 
gostaria de justificar nossa hipótese de trabalho segundo a qual, o campo das neuroses, campo 
do inconsciente real, é uma espécie de território onde domina uma língua oficial – alíngua 
histérica – da qual as outras formas de sintoma, especialmente a forma do sintoma obsessivo, 
correspondem a um dialeto. 
 
Alíngua histérica e dialeto obsessivo 
Na introdução do caso do “homem dos ratos” [Notas sobre um caso de neurose 
obsessiva (1909) v. X] Freud afirma que “A linguagem de uma neurose obsessiva, ou seja, os 
meios pelos quais ela expressa seus pensamentos secretos, presume-se ser apenas um dialeto 
da linguagem da histeria; é, porém, um dialeto no qual teríamos de poder orientar-nos a seu 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1	
  AME,	
  Membro	
  da	
  Escola	
  de	
  Psicanálise	
  dos	
  Fóruns	
  do	
  Campos	
  do	
  Fórum	
  Lacaniano	
  –	
  Brasil.	
  Membro	
  do	
  
Fórum	
  Salvador	
  	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
15	
  
respeito com mais facilidade de vez que se refere com mais proximidade às formas de 
expressão adotadas pelo nosso pensamento consciente do que a linguagem da histeria. 
Sobretudo, não implica o salto de um processo mental a uma inervação somática — 
conversão histérica — que jamais nos pode ser totalmente compreensível”. 
Esta relação entre alíngua e dialeto pode ser estendida às demais formas da neurose 
inclusive à paranoia se tomarmos por referência o caso de Cecília [Caso 5 - Srta. Elisabeth 
Von R. (Freud) v.II] no qual ele afirma que “... a histeria tem razão em restaurar o significado 
original das palavras ao retratar suas inervações inusitadamente fortes. Com efeito, talvez seja 
errado dizer que a histeria cria essas sensações através da simbolização. É possível que ela 
não tome em absoluto o uso da língua como seu modelo, mas que tanto a histeria quanto o uso 
da língua extraiam seu material de uma fonte comum...” 
Quer dizer que não apenas a histeria, a obsessão, a fobia e a paranoia, mas a própria 
língua faz uso da alíngua, ou como diria Lacan o objeto da lingüística não é a língua, mas 
alíngua. 
 
Se me for objetado que Freud também destacou acima que o pensamento obsessivo é 
mais próximo do pensamento consciente, ou que Lacan denominou a neurose obsessiva de o 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
16	
  
princípio da consciência [L‘insu-que-sait de l‘une-bévue s’aile à mourre, 17/5/1977, Rumo a 
um significante novo – IV – Um significante novo] mesmo que me agrade a ideia de elevar a 
obsessão à categoria de uma neurose exemplar, refutaria que ainda assim não faz discurso: 
não dizemos, a rigor, discurso obsessivo. 
Uma terceira referência a propósito da dominância da alíngua histérica sobre o dialeto 
das demais formas de sintoma pode ser encontrada na fórmula 9 do artigo [Fantasias 
histéricas e sua relação com a bissexualidade (1908) v.VIII] “(9) Os sintomas histéricos são a 
expressão, por um lado, de uma fantasia sexual inconsciente masculina e, por outro lado, de 
uma feminina”. 
Trato esta fórmula como um teorema e faço sua demonstração traduzindo fantasia 
sexual inconsciente masculina, primeiramente por significação fálica e, em seguida por gozo 
fálico [J�], posto que o gozo fálico é aquele que toma por referente (ou significação - 
Bedeutung) o falo; por outro lado, traduzo a fantasia sexual inconsciente feminina por 
significação tórica e, em seguida, por gozo do Outro [J�], posto que o gozo do Outro é aquele 
que toma por referente o furo e que se pode mostrar seja através do símbolo do conjunto vazio 
[�] ou da Impossibilidade da Relação Sexual [IRS]ou ainda do objeto a. 
Freud termina este artigo afirmando que “No tratamento psicanalítico é extremamente 
importante estar preparado para encontrar sintomas com significado bissexual. Assim não 
ficaremos surpresos ou confusos se um sintoma parece não diminuir, embora já tenhamos 
resolvido um dos seus significados sexuais, pois ele ainda é mantido por um, talvez 
insuspeito, que pertence ao sexo oposto. No tratamento de tais casos, além disso, podemos 
observar como o paciente se utiliza, durante a análise de um dos significados sexuais, da 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
17	
  
conveniente possibilidade de constantemente passar suas associações para o campo do 
significado oposto, tal como para uma trilha paralela”. 
O significado bissexual do sintoma histérico, que nesta fórmula é indicado como 
sintoma completo, como trabalho acabado, donde seu valor de alíngua oficial, devemos 
traduzir por significado asexual, posto que sabemos que a outra parte da sexualidade não pode 
se escrever, não havendo por isto relação. 
Quarta referência, desta vez em L´Étourdit, de Lacan, publicado no thesaurus: 
lalíngua [Lalíngua nos seminários, conferências e escritos de Jacques Lacan, organizado por 
Dominique Fingermann e Conrado Ramos e publicado em Stylus 19, OE 492] “... Esse dizer 
provém apenas do fato de que o inconsciente por ser ‘estruturado como uma linguagem’, isto 
é, como alíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada uma delas se 
distingue. Uma língua entre outras não é nada além da integral dos equívocos que sua história 
deixou persistirem nela. É a veia em que o real – o único, para o discurso analítico, a motivar 
seu resultado, o real de que não existe relação sexual - se depositou ao longo das eras...” 
Citação que nos autoriza a atualizar o inconsciente estruturado como uma linguagem em o 
inconsciente real estruturado como alíngua. 
Prefiro traduzir lalangue por alíngua que por lalíngua porque apesar da segunda 
evocar a lalação não permite o equívoco que a primeira conserva. 
A objeção de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem e de que a alíngua 
não é uma estrutura deve-se responder afirmando que o inconsciente real estruturado como 
alíngua corresponde a ideia do inconsciente como aluvião dos mal-entendidos da língua. 
 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
18	
  
O discurso histérico 
Passemos ao discurso histérico que escrevemos desse modo e que podemos ler de 
várias maneiras. Vamos ler esse matema tal como Lacan o leu no texto sobre o sentido 
[Introdução è edição alemã de um 1º volume dos Escritos, OE 550]. 
 
 
Existe uma clínica. Ela é inclusive anterior ao discurso analítico, e se o discurso 
analítico lhe trouxe alguma luz, isso ainda é preciso ser demonstrado. A clínica é mais antiga. 
O que é uma clínica? Não podemos dizer só há uma estrutura clínica, a estrutura de 
linguagem, a estrutura significante, que escrevemos [S( )], porque isso não é uma clínica. A 
clínica psicanalítica é o que se diz em uma psicanálise. 
Mesmo se deduzo da afirmação, da Bejahung e da não-afirmação, da Verwerfung, da 
primeira afirmação e da primeira não-afirmação, nesse nível ainda não há uma clínica,porque 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
19	
  
estamos no nível da gênese do julgamento, e nesse nível ou admito ou expulso, nesse nível 
que deduzo da estrutura de linguagem e que chamo de estrutura do sintoma. 
Creio que é por esta razão que Lacan afirma que existe uma clínica no nível das 
formas do sintoma. Uma clínica depende das formas de sintoma. É preciso que o sintoma 
tome forma, configuração, para que se possa dizer: existe uma clínica. 
 
É necessário que o sintoma tome a forma que convém à estrutura do sintoma para que 
possamos falar de clínica. Portanto, a clínica é das formas do sintoma, das formas neuróticas 
do sintoma, que podemos escrever como [Σn] e que sabemos que resultam da estrutura do 
recalque, ou das formas que podemos escrever como [Σp], do sintoma psicótico, que é outra 
forma do sintoma e que depende da estrutura da foraclusão ou da holófrase. 
A holófrase precede a frase. É uma coalescência dos �� da frase que suprime o 
intervalo ��� próprio da neurose, que também se pode escrever como ��� e funciona como 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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Um que vai da debilidade à psicose. Alíngua é uma holófrase. É um jouis-signes distinto da 
mensagem articulada. Um é do simbólico o outro é do real. Um é pré-verbal o outro é pré-
linguagem.1 
Podemos partir de [S( )] e deduzir daí o discurso histérico; isso torna possíveis as 
formas histérica, obsessiva e fóbica do sintoma. 
Em um esquema como esse, temos, num primeiro nível, a estrutura da linguagem, do 
significante e, num segundo nível, a estrutura do sintoma, que é, por exemplo, o discurso 
histérico. 
Hoje vou dizer que o discurso histérico é a estrutura do sintoma por excelência, dado 
que esse discurso operou do lado da afirmação primordial, operou negando essa afirmação de 
modo veemente, afirmando: tenho horror de saber disso, que é o que se chama de mecanismo 
do recalque e que permite constituir a estrutura do sintoma que atinge um discurso, o discurso 
histérico, do qual podemos deduzir diversas formas de sintoma. 
De acordo com essa concepção, a obsessão e a fobia deveriam ser consideradas como 
formas do discurso histérico, ou tipos de sintoma que resultam da estrutura do recalque. Dessa 
maneira gostaria de elevar o discurso histérico à estrutura de todo sintoma ou, pelo menos, à 
estrutura de todo sintoma neurótico e fazer da obsessão e da fobia formas do sintoma 
histérico. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1	
  SOLER,	
  C.	
  O	
  corpo	
  falante.	
  Caderno	
  de	
  Stylus,	
  p.27.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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Dizer que o sintoma obsessivo é uma forma do discurso histérico é, no léxico de 
Freud, dizer que a obsessão é um dialeto da histeria, ou que é uma forma inacabada do 
sintoma. Poderíamos usar o léxico de Joyce e dizer que o sintoma obsessivo é um “Work in 
progress”, um sintoma em construção, um trabalho em andamento. O sintoma fóbico é 
também um “Work in progress”, dado que não sabemos se ele vai se concluir em um sintoma 
histérico, em um sintoma obsessivo, ou se vai permanecer, todavia como um sintoma fóbico. 
Podemos estender este argumento ao extremo para poder dizer que inclusive a 
paranoia uma vez colocada no dispositivo analítico, isto é, uma vez operada a partir do 
discurso do analista deve ser hystorizada ou histerizada a fim de se tornar sintoma analítico. 
Isto parece contrariar o conceito de estrutura clínica, a ideia de que as estruturas 
clínicas não são intercambiáveis. Porém, atenção: não disse que a histeria pode virar paranoia, 
nem mesmo disse que a paranoia pode virar histeria, disse que o paranoico pode historizar seu 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
22	
  
discurso posto que a paranoia é igualmente um fato de discurso. O paranoico continuará 
paranoico, porém com um discurso histerizado, historizado. Isto, certamente implicará em 
uma estabilização. 
 
Talvez possamos tomar como exemplo de sintoma em construção o caso do Índio. 
Trata-se de uma “personalidade” anancástica. Um estudante de Engenharia ambiental que se 
preocupa desde já em proteger o ambiente, por exemplo, reaproveitamento da água suja para a 
descarga. Suas máximas: o homem destrói o ambiente; o sol vai esfriar; o índio já era artista 
muito antes de Tarzan... Com quatro anos de idade perguntou à sua mãe: e quando a água do 
mundo acabar? Ela respondeu: não vai acabar. Ele replicou: como não vai acabar se todo 
mundo usa a água? Desenvolveu uma inibição escopofílica [fobia social] que lhe impôs um 
atraso escolar considerável, uma procrastinação. Para me explicar diz que era uma criança tão 
hiperativa que certa vez seu pai foi à escola lhe obrigar a pedir desculpas à professora e aos 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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colegas; morreu de vergonha. Seu pai gostava de lhe expor ao ridículo: vestir-lhe de palhaço 
com a cara lambuzada em festas juninas; em um carnaval lhe vestiu uma fantasia de índio, 
sem roupas, sob o argumento irônico de que: índio anda nu. De modo que acredito que esta 
fixão de gozo determinou tanto seu sintoma como sua escolha vocacional. 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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Algumas observações sobre o núcleo real do sinthoma e a experiência do 
gozo Outro 
Elisabeth da Rocha Miranda1 
O sintoma é, para Freud, uma solução de compromisso (Kompromissbildung) entre o 
desejo inconsciente e as exigências defensivas do eu. É um sinal e o substituto de uma 
satisfação pulsional que não pode alcançar seu alvo de forma direta. É uma mensagem cifrada 
que pede interpretação. Para Lacan, o sintoma endereçado ao Outro ganha uma significação. 
A “dialética do senhor e do escravo” elaborada por Hegel foi uma referência quando em 1953 
no texto “Função e campo da palavra e da linguagem” Lacan nos dá uma primeira leitura da 
questão do sintoma. A partir de 1958, no texto “A direção do tratamento e os princípios de 
seu poder” (Lacan,1958) ele concebe o inconsciente como tendo “a estrutura radical da 
linguagem” (Lacan, 1958: 600). A linguagem, segundo Saussure, é plena de diferenças e a 
sincronia significante inscrita no lugar do Outro, longe de ser uma plenitude compacta, 
contém rupturas. Na seqüência sincrônica da linguagem abre-se uma hiância que se revela na 
clínica e pode ser formalizada graças à teoria lacaniana do Outro do significante. A 
incompletude do Outro é um fato de estrutura, o que faz Lacan defini-lo como lugar da fala, 
“lugar da falta” (Lacan, 1958: 633). 
O recurso do sujeito para lidar com essa falta é o apelo ao significante Nome-do-Pai 
concebido como o significante do Outro da lei inserido no Outro do significante. A 
significação fálica, produzida retroativamente, está regida pela função paterna, que se 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  AME,	
  Membro	
  da	
  Escola	
  de	
  Psicanálise	
  dos	
  Fóruns	
  do	
  Campo	
  Lacaniano	
  -­‐	
  	
  Brasil,	
  membro	
  do	
  Fórum	
  Rio	
  de	
  
Janeiro	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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inscreve no seio do Outro, em A. O sintoma se apresenta, neste momento, como metáfora 
significante e se constitui em decorrência da inscrição do significante Nome-do-Pai. No 
entanto, a estrutura do sintoma não se limita à estrutura da metáfora, já que o sintoma não se 
resolve de todo em uma análise da linguagem. O sintoma está enraizado em algo de uma 
natureza distinta do significante, o que se comprova com a teoria das pulsões. A compulsão à 
repetição e o gozo participam da estruturação do sintoma tanto quanto a metáfora significante 
surgida do discurso do Outro. 
A lógica da enunciação não pode encontrar no campo do significante seu própriofundamento. 
Não há Outro do Outro, visto que todo enunciado de autoridade possui como única garantia 
sua própria enunciação. Nenhuma metalinguagem pode articular a verdade última do desejo. 
Há um significante que marca que ao Outro falta, constituindo-o por uma falha e que se 
escreve com o matema . A ordem simbólica está articulada em torno de um furo, o que 
nos permite considerar como o matema do Nome-do-Pai. Ainda que tenha sido 
introduzido para sublinhar a mortificação do pai freudiano pelo significante, o Nome-do-Pai 
encontra-se inserido de saída no campo da linguagem. A incompletude do Outro impede que 
consideremos o pai simbólico como o significante mestre (S1). Lacan destaca que o pai da 
horda primitiva, cujo desaparecimento instaura a lei, não transmite nenhuma mensagem, de 
tal maneira que sua função se iguala a um significante sem significação. A referência a sua 
morte vai a favor do Outro marcado por uma hiância. “O cadáver é um significante, mas o 
túmulo de Moisés está tão vazio para Freud quanto o de Cristo para Hegel. Abraão a nenhum 
dos dois revelou seu mistério” (Lacan, 1960: 833) diz Lacan em 1960. Na única aula do 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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seminário “Os nomes do pai”, Lacan (1963) diz que o sacrifício exigido por Deus a Abraão 
nos faz entender que a herança do pai freudiano reside no complexo de castração. 
 A descoberta freudiana e a lógica matemática levaram Lacan a formular a tese de que o 
significante Nome-do-Pai determina e ordena a cadeia significante, regulando o gozo inerente 
a ela, gozo limitado pela renúncia ao objeto primordial de gozo. Essa tese se afirma com as 
fórmulas da sexuação e com o tardio desenvolvimento da cadeia borromeana no ensino de 
Lacan. 
A necessidade de recorrer a essa noção se impõe devido à inexistência da relação 
sexual. Uma amarração das três instâncias R.S.I. constitui a topologia mínima capaz de captar 
a estrutura do sujeito e construir a realidade para o ser falante. A topologia dos nós baseia-se 
na idéia do furo, já que o desejo só se sustenta em uma falta (Lacan, lição de 15 de abril de 
1975). “A cadeia borromeana é um triplo furo” (Lacan, 1975: 267) que delimita o quarto furo 
onde se aloja o objeto a. Esses furos se presentificam de maneiras diversas em cada um dos 
três registros; no registro do simbólico, ele aparece como a hiância fundamental, como a 
incompletude do Outro, como já dissemos, não há Outro do Outro, ao Outro falta, ele é 
barrado em relação ao todo; no registro do imaginário (Lacan, lição de 11 de março de 1975 e 
de 10 de dezembro de 1974), para além do que a imagem do corpo tenta elidir, o furo se faz 
através da negativização do falo (–phi); no registro do real, temos a hiância posta às claras 
pela não relação sexual, que marca a impossível completude do ser sexuado. 
Em 1975, Lacan faz uma equivalência entre o Nome-do-Pai e a cadeia borromeana. 
Esta, como já dissemos, é composta de três registros, RSI, que por si só não dão ao humano a 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
27	
  
estrutura necessária para que ele aceda ao falasser (parlêtre) e como tal poder utilizar-se do 
discurso como recurso à falta-ser. É necessário o quarto nó que amarre os três e esse quarto nó 
é o Nome-do-Pai, que nesta ocasião Lacan faz equivaler ao sinthome. Temos então o objeto a 
enquanto puro vazio, marca da castração, da falta radical constitutiva do sujeito alojado no 
quarto furo delimitado pelo RSI. Neste mesmo lugar Lacan situa o sinthome e o Nome-do-
Pai. 
O sinthome escrito assim em uma nova grafia tomada do francês antigo é utilizado por 
Lacan para designar o conceito de sinthoma como quarto nó correlativo ao Nome-do-Pai. Para 
forjar este novo conceito diz Lacan, foi “preciso reduzir o sinthoma em um grau para 
considerar que ele era homogêneo à elucubração do inconsciente” (Lacan, 1976: 134). O 
conceito anterior era o de uma metáfora estanque, cujo sentido era possível de se extrair; a 
partir da indicação de 1976, temos um irredutível no sinthoma que se mantém no campo do 
Real, estabelecendo “uma coerência entre o sinthoma e o inconsciente [...]. Elemento 
necessário da estrutura o sinthoma é ancorado em um gozo vinculado ao da fantasia 
fundamental. Algo do sinthoma escapa ao sentido de tal maneira que no final de uma análise 
resta-nos apenas “saber fazer com seu sintoma” (Lacan, lição de 16 de novembro de 1976). Se 
existe um núcleo incurável, resta-nos assumi-lo, o que produz uma modificação do sujeito na 
relação com seu próprio gozo. 
O sinthoma é o real que se faz presente no simbólico, é a existência de uma marca do 
inconsciente transportada ao simbólico, ele é “é o que as pessoas têm de mais real” diz Lacan 
(Lacan, 1975: 41), é a comprovação de que há inconsciente, é o que testemunha que o 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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inconsciente mordeu o real. Logo, pode-se falar de sinthoma quando há uma marca de 
inconsciente do sujeito que se enodou com algo do real de seu gozo. O sujeito não é só 
relativo ao significante, o que realmente lhe dá existência, está ligado ao real de seu gozo, ao 
real do sexo. 
Em Lacan, a posição sexuada, a identidade, tem essencialmente suas raízes no real e 
não na relatividade significante e é, finalmente, a alteridade feminina que põe sobre o tapete o 
laço do sexo com o real. No entanto, o problema do neurótico não é que o Outro do Outro 
não exista, mas o que existe no lugar da inexistência do Outro como real. O sujeito tem que 
lidar com o que existe como alteridade. Confrontar-se com a alteridade é confrontar-se com a 
questão do que existe aí onde o Outro está barrado , é confrontar-se com a ex-sistência. 
É na barra colocada sobre o Outro, nesta falta, nesta falha que se articula o lugar do 
gozo. O gozo fálico é limitado pelo Um da exceção enquanto que o é o lugar no qual 
Lacan situa o gozo feminino, outro que fálico, e que está em relação ao lado não-todo, em 
relação a não existência do Um da exceção que seria a mulher se ela existisse, logo lugar da 
ex-sistência. O gozo do Outro barrado conforme Lacan o apresenta em 16 de dezembro de 
1975 não é o gozo do Outro do significante, nem o Outro como corpo, mas Outro real, quer 
dizer impossível, é o furo abissal e impossível que existe no lugar do Outro do Outro que não 
existe. É o verdadeiro furo da estrutura. 
O sinthoma é uma resposta à possibilidade sempre presente dos três registros R.S.I. se 
confundirem. Resposta que se faz através do ser sexuado, pois o gozo referido ao objeto a 
enquanto perda exclui a diferença sexual. O ser sexuado se faz através do gozo implicado na 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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fantasia fundamental e se articula ao núcleo real do sinthoma, ao gozo do sinthoma. É no 
lugar de J(A barrado) que Lacan inscreve o artifício do sinthoma como quarto elemento da 
estrutura, necessário à subjetivação, por impedir que os outros três se confundam. 
O final de uma análise freudiana é o rochedo da castração, a inveja do pênis Penisneid 
para as mulheres e o protesto viril para os homens, mas para uma análise lacaniana que vai 
além do falo, a castração se verifica no como significante do gozo feminino, que se trata 
de dissociar do objeto pequeno a da fantasia. 
A partir daí podemos fazer uma diferença entre o gozo do sinthoma histérico, que é o 
gozo da privação do phallus e o gozo Outro que Lacan em O Seminário, livro: 20 Mais 
ainda...faz corresponder ao gozo de Deus, como a outra face de Deus. O gozo de Deus 
genitivo subjetivo tem a face do Nome-do-Pai e outra face que é o gozo feminino que 
demanda ainda e sempre amor. A demanda de amor parte do Deus barrado e a hiância que 
marca o abismo que o Outro representa, faz com que a demanda de amor jamais seja 
satisfeita. A noção de gozo de Deus é introduzida por Lacan na falha dono borromeo. 
Chegar a decantar seu sintoma, chegar ao núcleo real do sintoma é uma possibilidade 
de se produzir um irreal, queé o objeto pequeno a no fim da análise. Em 1969 Lacan no 
relatório do Seminário, livro15 O ato analítico diz que: é “a partir da estrutura de ficção pela 
qual se enuncia a verdade que ele –o sujeito- fará de seu próprio ser, estofo para a produção 
de um irreal” (Lacan, 1969, p.372). Irreal que remete ao vazio de ser e à estrutura de ficção. 
Final em que o sujeito chega a tocar a estrutura, cuja chave é o gozo do Outro barrado J(A 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
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barrado), hiância que conforme Lacan em O Seminário livro 23 o sinthoma se abre entre 
imaginário e o real. 
Decantar o sinthoma até as últimas conseqüências é poder verificar que há algo do 
qual nós não podemos gozar e que imputamos à Deus, e neste lugar não há nada de nada. 
Se para o neurótico o sinthoma é uma rede que o aprisiona na compulsão à repetição, 
no final de uma análise pode-se experimentar um silêncio inominável que liberta e apazigua. 
Fica então a questão a ser comprovada clinicamente da possibilidade contingencial de ao final 
de análise, ao chegar ao significante da falta no Outro se ter a experiência do gozo Outro 
feminino, na medida em que também é aí em que Lacan o situa. Pode-se experimentar o 
gozo Outro feminino, sempre que se ocupa a posição feminina e se cai no vazio de e 
uma das possibilidades de se experimentar aí é no momento do final de uma análise. 
 
Bibliografia 
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
31	
  
LACAN,J. (1953) Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise” In Escritos. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
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In Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
------------ (1958). “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”. In Escritos. Rio de 
Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
-------------(1958) “Die Bedeutung des Phallus” In Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
1998. 
————. (1960). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In 
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
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————. (1969). Seminário De um Outro ao outro. Inédito. 
————. (1973-1974). Seminário: Les non-dupes errent. Inédito. 
————. (1974-1975). Seminário: RSI (1974). Inédito. 
————. (1975). Conférences et entretiens dans des universités nord-americaines. In Scilicet 
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————. (1975-1976). O seminário, livro 23, O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
2007. 
“Dar na pinta”: Parecer mulher com corpo de homem 
 
 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
   Georgina Cerquise1 
No	
   tempo	
   inaugural	
   da	
   psicanálise,	
   um	
   dos	
   critérios	
   para	
   estabelecer-­‐se	
   o	
  
diagnóstico	
   de	
   histeria	
   era	
   o	
   sintoma	
   conversivo.	
   Freud	
   ampliou	
   o	
   campo	
   das	
  
descobertas	
   e	
   teorizou,	
   em	
   (1893-­‐1895),	
   que	
   diferentes	
   fatores	
   sexuais	
   produzem	
  
diferentes	
  quadros	
  de	
  desordens	
  neuróticas.	
  Em	
  1905,	
  o	
  conflito	
  psíquico-­‐inconsciente	
  
passa	
  a	
  ser	
  a	
  principal	
  causa	
  da	
  histeria,	
  ao	
  introduzir-­‐se	
  a	
  realidade	
  psíquica	
  como	
  um	
  
aporte	
  que	
  favorecia	
  o	
  entendimento	
  da	
  sintomatologia	
  da	
  doença.	
  A	
  conversão	
  começa,	
  
então,	
  a	
  ser	
  entendida	
  como	
  uma	
  tentativa	
  de	
  realização	
  do	
  desejo.	
  
Freud	
  avança	
  em	
  sua	
  tese	
  quando	
  pesquisa	
  a	
  sexualidade	
  infantil,	
  postulando	
  que	
  
tanto	
  a	
  impossibilidade	
  de	
  o	
  sujeito	
  liquidar	
  o	
  complexo	
  de	
  Édipo	
  quanto	
  a	
  tentativa	
  de	
  
evitar	
  deparar	
   com	
  a	
   castração	
   têm	
   conseqüências:	
   levam	
  o	
   sujeito	
   a	
   uma	
   rejeição	
  da	
  
sexualidade,	
  conduzindo-­‐o	
  à	
  neurose	
  histérica.	
  
Caso	
  Clínico:	
  A	
  mãe	
  de	
  um	
  jovem	
  de	
  dezoito	
  anos,	
  em	
  entrevista,	
  pede	
  para	
  que	
  
seu	
  filho	
  seja	
  atendido,	
  alegando	
  uma	
  necessidade	
  de	
  ajuda.	
  Esclarece	
  que	
  ele	
  escolheu	
  o	
  
pior	
   caminho,	
   pois	
   assumiu	
   a	
  homossexualidade.	
  Acrescenta	
  que	
   ela	
   tivera	
  problemas	
  
no	
   parto	
   e	
   que	
   isso	
   ocasionou	
   muitas	
   dificuldades	
   no	
   desenvolvimento	
   do	
   filho.	
   No	
  
período	
   escolar,	
   custou	
   para	
   ser	
   alfabetizado	
   e	
   “sempre	
   teve	
   a	
   pecha	
   de	
   retardado,	
  
esquisito,	
   inconveniente	
   e	
   exibido”.	
   Ainda	
   não	
   conseguiu	
   concluir	
   o	
   primeiro	
   grau,	
  
apesar	
   dos	
   esforços	
   da	
   mãe	
   para	
   colocá-­‐lo	
   em	
   escolas	
   especiais.	
   No	
   momento	
   do	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1	
  Membro	
  da	
  Escola	
  de	
  Psicanálise	
  dos	
  Fóruns	
  do	
  Campo	
  Lacaniano	
  –	
  Brasil.	
  Membro	
  do	
  Fórum	
  Rio	
  de	
  janeiro	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
33	
  
encaminhamento,	
   estava	
   cursando	
   a	
   sexta	
   série	
   do	
   primeiro	
   grau,	
   numa	
   escola	
  
municipal.	
  	
  
A	
  mãe	
  revela	
  que	
  ficou	
  doente	
  durante	
  anos,	
  com	
  uma	
  depressão	
  que	
  lhe	
  jogava	
  na	
  
cama,	
   não	
   tendo	
   cuidado	
   direito	
   dos	
   filhos.	
   Diz	
   também	
   que	
   o	
   alcoolismo	
   do	
  marido	
  
derrubou-­‐lhe	
  e	
  que	
  não	
  teve	
  escolha:	
  mandou-­‐o	
  embora.	
  Ela	
  interroga-­‐se:	
  “Será	
  que	
  isso	
  
que	
   acontece	
   com	
   meu	
   filho	
   é	
   falta	
   de	
   pai?”	
   Para	
   o	
   sujeito	
   histérico,	
   há	
   um	
  
reconhecimento	
   da	
   falha,	
   da	
   impotência	
   do	
   pai.	
   Isso	
   não	
   quer	
   dizer	
   que	
   ele	
   deixe	
   de	
  
ostentar	
  os	
  títulos	
  simbólicos	
  de	
  pai,	
  “mas,	
  como	
  um	
  ex-­‐combatente,	
  tem	
  os	
  títulos,	
  mas	
  
está	
  fora	
  de	
  combate”	
  (Kaufmann,	
  1998,	
  p.	
  249).	
  
O	
  jovem	
  chega	
  atrasado	
  para	
  a	
  sessão,	
  a	
  primeira	
  impressão	
  choca,	
  percebe-­‐se	
  um	
  
corpo	
  de	
  menino	
  de	
  12	
  anos	
  em	
  um	
  jovem	
  de	
  18	
  anos,	
  extremamente	
  magro.	
  Com	
  voz	
  
de	
  criança,	
  olhar	
  fugidio,	
  afirma:	
  “Não	
  sei	
  se	
  você	
  percebeu,	
  mas	
  eu	
  sou	
  um	
  gay”.	
  Revela	
  
que	
   já	
  havia	
   feito	
   a	
   sua	
  opção	
   sexual,	
   o	
  que	
   lhe	
   trazia	
  problemas	
   em	
  casa.	
   Costumava	
  
freqüentar	
   boate	
   gay,	
   casa	
   de	
   orgia,	
   e	
   que	
   saia	
   com	
   qualquer	
   um,	
   além	
   de	
   “baixar	
  
também	
  no	
  Aterro	
  do	
  Flamengo”,	
  embora	
  isso	
  fosse	
  reprovado	
  pelos	
  amigos.	
  O	
  paciente	
  
explica:	
  “Gosto	
  de	
  tudo	
  escandaloso,	
  gosto	
  de	
  dar	
  na	
  pinta;	
  quando	
  chego,	
  eu	
  arraso,	
  não	
  
me	
  incomodo	
  que	
  me	
  chamem	
  de	
  bichinha	
  quá-­‐quá-­‐quá”2.	
  	
  
A	
   teoria	
   freudiana	
   de	
   1888	
   postula	
   que	
   nos	
   sintomas	
   da	
   histeria	
   pode	
   ser	
  
observada	
   uma	
   série	
   de	
   distúrbios	
   psíquicos:	
   alterações	
   no	
   cursoe	
   na	
   associação	
   de	
  
idéias,	
   exagero	
   e	
   supressão	
   dos	
   sentimentos.	
   As	
   manifestações	
   histéricas	
   têm	
   uma	
  
característica	
   marcante:	
   são	
   sempre	
   exageradas.	
   Percebe-­‐se	
   que	
   o	
   jovem	
   tem	
   um	
  
comportamento	
  histriônico.	
  Há,	
  na	
  sua	
  fala,	
  significantes	
  expressivos	
  que	
  dão	
  contorno	
  
de	
   um	
   possível	
   diagnóstico	
   de	
   histeria:	
   voraz,	
   exagerado,	
   escandaloso	
   e,	
   em	
   especial,	
  
“dar	
  na	
  pinta”	
  –	
  expressão	
  que	
  para	
  ele	
  significa	
  chocar	
  e	
  aparecer,	
  no	
  meio	
  da	
  boate,	
  
com	
  roupas	
  diferentes	
  e	
  danças	
  sensuais,	
  sem	
  dar	
  bola	
  para	
  ninguém.	
  	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
2	
  Alcunha	
  dada	
  aos	
  homossexuais	
  que	
  se	
  exibem,	
  que	
  são	
  escandalosos	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
34	
  
Chamando	
   atenção	
   pelo	
   ônibus	
   com	
   roupas	
   extravagantes,	
   o	
   jovem	
   atravessa	
   a	
  
cidade	
   em	
   busca	
   de	
   boates	
   e	
   lugares	
   onde	
   há	
   festas	
   de	
   gays,	
   sem	
   levar	
   em	
   conta	
   a	
  
preocupação	
  da	
  mãe	
  que	
  lhe	
  adverte	
  sobre	
  a	
  violência	
  da	
  cidade.	
  Mesmo	
  assim,	
  ele	
  sai	
  
sem	
  preocupar-­‐se	
  com	
  nada.	
  “Eu	
  tenho	
  de	
  sair,	
  não	
  posso	
  perder	
  tempo,	
  eu	
  não	
  penso	
  
em	
  ficar	
  velho,	
  prefiro	
  morrer	
  a	
  chegar	
  aos	
  trinta	
  anos”.	
  Segundo	
  a	
  postulação	
  freudiana,	
  
“a	
  histeria	
  masculina	
  tem	
  a	
  aparência	
  de	
  uma	
  doença	
  grave;	
  os	
  sintomas	
  que	
  ela	
  produz	
  
quase	
  sempre	
  são	
  rebeldes	
  ao	
  tratamento”	
  (Freud,	
  1888,	
  p.	
  95).	
  
Esclarece	
   que	
   sempre	
   vai	
   para	
   o	
   “quarto	
   escuro3”	
   da	
   boate	
   e	
   transa	
   com	
   que	
  
estiver	
   ali	
   e	
   que	
   não	
   costuma	
   ficar	
   com	
   ninguém.	
   “Eu	
   não	
   gosto	
   de	
   homem,	
   eles	
   não	
  
prestam,	
  esses	
  gays	
  são	
  homens	
   também,	
   isso	
  é	
  a	
  pior	
  raça:	
  são	
  competitivos,	
  querem	
  
sempre	
  derrubar	
  o	
  outro”.	
  Curiosamente,	
  revela:	
  “Gosto	
  mesmo	
  é	
  de	
  mulher,	
  elas	
  são	
  o	
  
máximo,	
  eu	
  procuro	
  imitá-­‐las,	
  quero	
  superá-­‐las,	
  mas	
  sem	
  cair	
  no	
  ridículo	
  de	
  amar	
  sem	
  
ser	
  amado.	
  Percebe-­‐se	
  aqui	
  o	
  narcisismo	
  e	
  a	
   identificação	
  com	
  as	
  mulheres.	
  Tal	
  qual	
  a	
  
jovem	
  homossexual,	
  ele	
  apresenta	
  uma	
  amargura	
  generalizada	
  pelos	
  homens.	
  
Com	
  muita	
  emoção,	
  o	
  paciente	
  traz	
  para	
  a	
  sessão	
  um	
  pai	
  falho:	
  “Não	
  sei	
  onde	
  ele	
  
está,	
   é	
   um	
   alcoólatra”.	
   Rememora	
   sua	
   infância	
   sofrida,	
   com	
   a	
  mãe	
   deprimida	
   e	
   o	
   pai	
  
brigando	
  dentro	
  de	
  casa.	
  “Quando	
  eles	
  começavam,	
  eu	
  ia	
  para	
  a	
  rua	
  e	
   fazia	
  sacanagem	
  
com	
  os	
  meninos	
  da	
  vila.	
  Era	
  a	
  alegria	
  da	
  meninada,	
  porque	
  já	
  era	
  um	
  exagerado,	
  tinha	
  
uma	
  fila	
  para	
  transar	
  comigo,	
  depois	
  eu	
  sentia	
  nojo	
  e	
  ficava	
  muito	
  triste”.	
  	
  
No	
  “caso	
  Dora”,	
  Freud	
  pontua:	
  “Eu,	
  sem	
  dúvida,	
  consideraria	
  histérica	
  uma	
  pessoa	
  
na	
   qual	
   uma	
   ocasião	
   para	
   a	
   excitação	
   sexual	
   despertasse	
   sensações	
   que	
   fossem,	
  
preponderante	
   ou	
   exclusivamente,	
   desagradáveis;	
   eu	
   o	
   faria,	
   fosse	
   ou	
   não	
   a	
   pessoa	
  
capaz	
  de	
  produzir	
  sintomas	
  somáticos”	
  (Freud,	
  1905,	
  p.	
  26).	
  Na	
  tentativa	
  de	
  esclarecer	
  
melhor	
  os	
  episódios,	
  a	
  analista	
  pede-­‐lhe	
  que	
  desdobre	
  sua	
  fala:	
  “Será	
  que	
  sou	
  assim	
  por	
  
que	
  meu	
  pai	
  não	
  me	
  olhava?	
  Eu	
  tentava	
  chamar	
  atenção	
  dele,	
  queria	
  um	
  pai	
  como	
  todos	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3	
  “Quarto	
  escuro”	
  é	
  o	
  local	
  de	
  encontro	
  em	
  que	
  os	
  gays	
  transam	
  sexualmente.	
  É	
  costumeiro	
  não	
  haver	
  
reconhecimento	
  do	
  parceiro.	
  Segundo	
  a	
  fala	
  do	
  paciente,	
  esse	
  local	
  funciona	
  como	
  um	
  “vale	
  tudo”.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
35	
  
os	
   meninos	
   tinham.	
   Ele	
   era	
   um	
   homem	
   bêbado,	
   um	
   pobre	
   coitado,	
   mas	
   eu	
   sempre	
  
defendi	
  meu	
  pai,	
  eu	
  gosto	
  muito	
  dele”.	
  	
  
Lacan	
   destaca	
   o	
   amor	
   do	
   histérico	
   (masculino-­‐feminino)	
   pelo	
   pai,	
   apesar	
   das	
  
falhas,	
   acrescentando	
  que	
  o	
   sujeito	
   se	
   coloca	
  como	
  aquele	
  que	
  vai	
   amparar,	
   vai	
   tentar	
  
suprir	
  a	
  incapacidade	
  paterna.	
  O	
  histérico	
  engendra	
  seu	
  amor	
  ao	
  pai	
  a	
  partir	
  do	
  que	
  este	
  
não	
   lhe	
   dá.	
   Na	
   teoria	
   psicanalítica,	
   a	
   histeria	
   articula-­‐se,	
   a	
   partir	
   do	
   Édipo,	
   com	
   uma	
  
pergunta:	
  Sou	
  homem	
  ou	
  sou	
  mulher?	
  Vale	
  ressaltar	
  que	
  isso	
  está	
  para	
  os	
  dois	
  sexos.	
  	
  
Após	
   esse	
   primeiro	
   momento	
   da	
   análise,	
   o	
   paciente	
   faltou	
   às	
   sessões	
   por	
   duas	
  
semanas.	
  A	
  analista	
  recebe	
  um	
  telefonema	
  da	
   irmã	
  que	
  pede,	
  aflita,	
  para	
  que	
  a	
   família	
  
seja	
   atendida.	
   Na	
   sessão,	
   comparecem	
   a	
   mãe,	
   o	
   paciente	
   e	
   sua	
   irmã.	
   A	
   mãe,	
  
enlouquecida,	
  diz	
  que	
  o	
  paciente	
  ficara	
  doente,	
  com	
  erupções	
  na	
  pele,	
  e	
  que	
  o	
  médico	
  lhe	
  
pedira	
  um	
  exame	
  de	
  HIV.	
  Repreende	
  o	
  filho	
  com	
  dureza	
  e	
  chora	
  copiosamente.	
  O	
  jovem	
  
está	
  acabrunhado	
  e,	
  até	
  mesmo,	
  apavorado,	
  mas	
  tenta	
  disfarçar	
  a	
  angústia:	
  “Não	
  estou	
  
nem	
  aí,	
   seu	
  eu	
   tiver	
  com	
  a	
   “doce3“,	
  melhor,	
  eu	
  não	
  quero	
  viver	
  até	
  os	
   trinta	
  anos,	
  não	
  
suporto	
   a	
   idéia	
   de	
   envelhecer,	
   de	
   ficar	
   com	
   o	
   corpo	
   velho;	
   por	
   isso,	
   aproveito	
   tudo	
  
agora”.	
  O	
  resultado	
  dá	
  positivo,	
  revelando	
  a	
  presença	
  do	
  vírus	
  no	
  rapaz	
  e	
   instalando	
  o	
  
caos	
  familiar.	
  
O	
   paciente	
   chega	
   para	
   a	
   análise	
   com	
   o	
   corpo	
   coberto	
   de	
   erupções,	
   pede	
   uma	
  
cadeira	
  de	
  pouco	
  uso:	
  “Eu	
  peguei	
  sarna,	
  não	
  quero	
  passar	
  isso	
  para	
  seus	
  pacientes”.	
  Sem	
  
falar	
   sobre	
   o	
   resultado	
   do	
   exame,	
   diz	
   que	
   sua	
   mãe	
   está	
   louca,	
   que	
   sua	
   irmã	
   é	
  
irresponsável	
  porque	
  não	
  cuida	
  dos	
  filhos.	
  A	
  analista	
  intervém	
  e	
  pergunta	
  o	
  que	
  estava	
  
realmente	
  acontecendo.	
  Ele	
  responde,	
  aos	
  gritos	
  e	
  histericamente,	
  que	
  não	
  queria	
  falar,	
  
mas	
  que	
  não	
  podia	
  esquecer	
  e	
  que	
  sabia	
  que	
  iria	
  morrer	
  jovem.	
  Frente	
  a	
  essa	
  atuação,	
  a	
  
analista	
  pergunta-­‐lhe	
  diretamente	
  sobre	
  o	
  resultado	
  do	
  exame.	
  Ele	
  chora,	
  grita,	
  revolta-­‐
se	
  e	
  diz	
  que	
  o	
  piorera	
  não	
  poder	
   transar	
   livremente:	
   “Eu	
  estou	
  enterrado	
  vivo.	
  Como	
  
pode	
  uma	
  pessoa	
  nova	
  como	
  eu	
  ficar	
  sem	
  sexo?”	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3	
  Gíria	
  usada	
  pelos	
  gays	
  para	
  designar	
  o	
  vírus	
  HIV.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
36	
  
Completamente	
   transtornado	
   frente	
   aos	
   limites	
   impostos	
   pelo	
   médico,	
   como	
  
defesa,	
  não	
  esboça	
  nenhuma	
  elaboração	
  quanto	
  à	
  doença.	
  Não	
  quer	
  saber	
  de	
  nada	
  disso,	
  
preocupa-­‐se	
  em	
  ser	
  descoberto,	
  em	
  “dar	
  pinta”,	
  com	
  o	
  corpo,	
  de	
  que	
  estava	
  “pegado”4.	
  
“Eu	
   não	
  me	
   preocupo	
   em	
  morrer,	
   eu	
   só	
   não	
   quero	
   ficar	
   como	
   um	
   coitado,	
   eu	
   prefiro	
  
morrer	
  jovem	
  a	
  ficar	
  velho”.	
  Teríamos	
  aqui	
  o	
  desdobramento	
  da	
  fantasia	
  “envelhece-­‐se	
  
uma	
   criança,	
   ou	
   pinta-­‐se	
   uma	
   criança”?	
   O	
   paciente	
   prossegue:	
   “Eu	
   nunca	
   achei	
   que	
  
pegaria	
  a	
  doce,	
  ninguém	
  fala	
  o	
  que	
  tem	
  e	
  vai	
  passando	
  para	
  os	
  outros”	
  
No	
  desenrolar	
  da	
  análise,	
   o	
   jovem	
  recupera-­‐se	
  do	
   susto	
  e	
   segue	
   retomando	
   seus	
  
hábitos	
   antigos.	
   É	
   fácil	
   observar	
   que	
   ele	
   não	
   tem	
   nenhum	
   projeto,	
   não	
   pensa	
   em	
  
trabalhar,	
  o	
  estudo	
  é	
  só	
  uma	
  fachada	
  encobridora.	
  Ele	
  dorme	
  de	
  dia	
  para	
  sair	
  na	
  noite.	
  
Interrogado	
   sobre	
   os	
   cuidados	
   que	
   deve	
   ter	
   para	
   evitar	
   a	
   contaminação,	
   responde	
  
evasivamente	
  e	
   troca	
  de	
  assunto.	
  Frente	
  a	
   isso,	
  a	
  analista,	
  como	
  diretriz,	
  chama	
  a	
  mãe	
  
para	
  entrevista.	
  
A	
  mãe	
  revela:	
  “Vivo	
  no	
  inferno,	
  meu	
  filho	
  está	
  com	
  HIV,	
  não	
  consegue	
  estudar,	
  não	
  faz	
  
nada,	
   só	
   pensa	
   em	
   futilidades.	
   Continua	
   arriscando-­‐se	
   pela	
   noite,	
   sai	
   sem	
   dinheiro,	
   com	
  
roupas	
   estranhíssimas,	
   que	
   podem	
   provocar	
   a	
   agressão	
   dos	
   outros”.	
   Essas	
   roupas	
   são	
  
peças	
  femininas	
  em	
  um	
  vestuário	
  masculino,	
  do	
  tipo:	
  calça	
  jeans	
  masculina,	
  bordada	
  com	
  
paetês	
  e	
  brilhos;	
  blusa	
  cor	
  de	
  rosa;	
  botina	
  do	
  Exército;	
  anéis	
  de	
  caveira	
  com	
  pulseiras	
  de	
  
miçangas;	
  gargantilhas;	
  cinturão	
  masculino.	
  Cabe	
  aqui	
  citar	
  o	
  Abade	
  de	
  Choisy5:	
   “Quando	
  
alguns	
  homens	
  possuem	
  ou	
  crêem	
  possuir	
  traços	
  belos,	
  que	
  podem	
  inspirar	
  amor,	
  tratam	
  
de	
  aumentá-­‐los	
  com	
  seus	
  adornos	
  femininos.	
  Sentem,	
  então,	
  um	
  inexprimível	
  prazer	
  de	
  ser	
  
amado”	
  (Choisy,	
  1985,	
  p.	
  13).	
  
O	
  jovem	
  revela	
  que	
  adora	
  “se	
  montar”6,	
  e	
  nas	
  boates	
  e	
  festas,	
  destaca-­‐se	
  com	
  suas	
  
“peças”	
  femininas;	
  sempre	
  que	
  pode,	
  dança	
  e	
  se	
  exibe:	
  “Todos	
  pensam	
  que	
  eu	
  me	
  drogo,	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
4	
  Gíria	
  referente	
  a	
  quem	
  tem	
  o	
  vírus	
  HIV.	
  
5	
  Referência	
  feita	
  por	
  Lacan,	
  no	
  artigo	
  “A	
  carta	
  roubada”	
  (In:	
  Escritos,	
  1998),	
  a	
  respeito	
  de	
  um	
  homem	
  que	
  se	
  
vestia	
  de	
  mulher	
  para	
  amar	
  as	
  donzelas	
  que	
  deviam	
  estar	
  vestidas	
  de	
  homem.	
  
6	
  “Montar-­‐se”	
  significa	
  vestir-­‐se	
  com	
  adereços	
  ou	
  roupas	
  femininas.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
37	
  
mas	
  não	
  tem	
  nada	
  a	
  ver.	
  Eu	
  só	
  bebo	
  água,	
  porque	
  estou	
  sempre	
  sem	
  dinheiro,	
  bem	
  que	
  
gosto	
  de	
  um	
  vinho.	
  Agora,	
  estou	
  comprando	
  pinturas	
  e	
  cílios	
  postiços,	
  vou	
  me	
  maquiar	
  
para	
  sair	
  na	
  night”.	
  O	
  que	
  você	
  pretende?	
  –	
  indaga	
  a	
  analista.	
  “Parecer	
  uma	
  mulher	
  com	
  
um	
   corpo	
   de	
   homem”.	
   Lacan	
   (1985[1955-­‐56],	
   p.	
   204)	
   ressalta	
   que:	
   “nos	
   sintomas	
  
histéricos,	
  é	
  sempre	
  de	
  uma	
  anatomia	
  imaginária	
  que	
  se	
  trata”.	
  Cabe	
  aqui	
  uma	
  questão	
  
diagnóstica:	
  No	
  caso,	
  estaríamos	
  diante	
  de	
  um	
  desmentido	
  da	
  castração	
  ou	
  do	
  recalque?	
  
De	
  uma	
  neurose	
  ou	
  perversão?	
  Lacan	
  (1956-­‐57,	
  p.	
  121),	
  ao	
  citar	
  a	
  tese	
  freudiana	
  de	
  que	
  
a	
   perversão	
   é	
   o	
   negativo	
   da	
   neurose,	
   marca	
   a	
   diferença	
   entre	
   o	
   mecanismo	
   de	
   um	
  
fenômeno	
   perverso	
   e	
   a	
   perversão	
   categórica,	
   chamando	
   atenção	
   de	
   que	
   o	
   molde	
   da	
  
perversão	
  se	
  forma	
  a	
  partir	
  da	
  valorização	
  da	
  imagem.	
  
“Você	
  sabe,	
  eu	
  gosto	
  de	
  ser	
  homem,	
  mas	
  não	
  gosto	
  de	
  homem,	
  eles	
  não	
  prestam.	
  O	
  
único	
   homem	
   que	
   eu	
   amei	
   foi	
   meu	
   pai,	
   mesmo	
   assim	
   ele	
   me	
   abandonou,	
   nunca	
   se	
  
preocupou	
  comigo.	
  Talvez,	
  se	
  ele	
  não	
  tivesse	
   ido	
  embora,	
  eu	
  seria	
  diferente”.	
  Por	
  quê?	
  
“Eu	
   acho	
   que	
  não	
   teria	
   coragem	
  de	
   decepcioná-­‐lo”.	
   Em	
   “A	
  dissolução	
   do	
   complexo	
  de	
  
Édipo”,	
   Freud	
   teoriza	
   que	
   há	
   duas	
   saídas	
   para	
   o	
   complexo	
   de	
   Édipo:	
   uma	
   satisfação	
  
ativa,	
   e	
  outra	
  passiva.	
  Na	
  primeira,	
   a	
   criança	
  poderia	
   colocar-­‐se	
  no	
   lugar	
  de	
   seu	
  pai,	
   à	
  
maneira	
  masculina,	
  e	
  ter	
  relações	
  com	
  a	
  mãe,	
  tal	
  como	
  o	
  pai,	
  sendo	
  que	
  este	
  ocuparia	
  um	
  
lugar	
  de	
  estorvo.	
  Na	
  segunda,	
  a	
  criança	
  poderia	
  assumir	
  o	
  lugar	
  da	
  mãe	
  e	
  ser	
  amada	
  pelo	
  
pai.	
  	
  
O	
  paciente	
  agora	
  apresenta	
  o	
  projeto	
  de	
  trabalhar	
  como	
  cabeleireiro	
  ou	
  com	
  moda:	
  
“Não	
  sou	
  uma	
  bichinha	
  doméstica,	
  não	
  suporto	
  trabalho	
  de	
  casa.	
  Também	
  não	
  consigo	
  
aprender	
   nada	
   na	
   escola,	
   mas	
   tenho	
   vergonha	
   de	
   dizer	
   que	
   ainda	
   estou	
   no	
   primeiro	
  
grau”.	
  
O	
  trabalho	
  analítico	
  é	
  difícil	
  porque	
  o	
  paciente	
  falta	
  às	
  sessões,	
  perde	
  ou	
  esquece	
  a	
  
hora.	
   Na	
   clínica	
   psicanalítica	
   com	
   adolescentes,	
   o	
   tratamento	
   costuma	
   ser	
   cheio	
   de	
  
impedimentos	
   e	
   resistências,	
   visto	
   que	
   o	
   jovem	
   interpreta	
   a	
   análise	
   como	
   mais	
   uma	
  
imposição	
   dos	
   pais.	
   Apesar	
   dos	
   avatares,	
   sempre	
   é	
   possível	
   um	
   trabalho	
   se	
   a	
  
transferência	
  tiver	
  sido	
  estabelecida.	
  Nesse	
  caso,	
  o	
  jovem	
  vai	
  e	
  vem,	
  mas	
  sempre	
  retorna	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
38	
  
do	
   ponto	
   onde	
   começaram	
   as	
   faltas.	
   Interroga	
   a	
   analista	
   sobre	
   seu	
   saber	
   e	
   investiga	
  
sobre	
  a	
  “lembrança”	
  de	
  suas	
  falas:	
  “Não	
  suporto	
  ser	
  esquecido,	
  ainda	
  bem	
  que	
  você	
  não	
  
esquece	
  o	
  que	
  eu	
  digo”.	
  O	
  que	
  é	
   isso:	
  ser	
  esquecido/lembrado?“Você	
  sabe,	
   isso	
  é	
  uma	
  
dor	
  horrível,	
  meu	
  pai	
  esqueceu	
  de	
  mim,	
  ele	
  nem	
  me	
  conhece	
  mais.	
  Se	
  eu	
  passar	
  por	
  ele	
  
na	
  rua,	
  não	
  vai	
  me	
  reconhecer	
  mesmo”.	
  A	
  analista	
  pede	
  que	
  o	
  paciente	
  desdobre	
  sua	
  fala	
  
e,	
  chorando	
  muito,	
  diz:	
  “Eu	
  vestido	
  de	
  metade	
  homem/metade	
  mulher	
  passo	
  ao	
  largo	
  e	
  
ele	
  pode	
  me	
  olhar,	
  mas	
  não	
  vai	
  me	
  ver.	
  Esse	
  gay	
  não	
  é	
  o	
  filho	
  dele,	
  quando	
  ele	
  foi	
  embora	
  
eu	
  ainda	
  era	
  um	
  menino,	
  eu	
  tinha	
  10	
  anos”.	
  
A	
   exibição	
   do	
   jovem	
   paciente	
   faz	
   lembrar	
   o	
   caso	
   da	
   “Jovem	
   homossexual”,	
   de	
  
Freud:	
   junto	
  com	
  sua	
  amada,	
   tenta	
  chamar	
  a	
  atenção	
  do	
  pai,	
   exibindo-­‐se	
  nas	
   ruas	
  por	
  
onde	
  costumava	
  passar.	
  A	
  nostalgia	
  do	
  nosso	
  paciente	
  refere-­‐se	
  ao	
  nada	
  que	
  ele	
  ocupa	
  
no	
  afeto	
  do	
  pai,	
  ou	
  seja,	
  mesmo	
  que	
  passe	
  pelas	
  ruas	
  fantasiado,	
  chamando	
  toda	
  atenção,	
  
o	
  pai	
  não	
  poderá	
  reconhecê-­‐lo	
  como	
  filho.	
  	
  
Num	
   segundo	
  momento	
   da	
   análise,	
   oferece-­‐se	
   para	
   trabalhar	
   como	
   ajudante	
   de	
  
cabeleireiro,	
   mas	
   é	
   reprovado,	
   não	
   tem	
   a	
   escolaridade	
   exigida,	
   	
   e	
   os	
   documentos	
  
necessários	
   para	
   empregar-­‐se.	
   Sofre	
   um	
   abalo	
   com	
   as	
   recusas	
   sociais	
   e	
   com	
   as	
  
advertências	
  do	
  médico	
  com	
  relação	
  a	
  sua	
  conduta:	
  ele	
  se	
  coloca	
  em	
  risco	
  de	
  vida	
  e	
  pode	
  
ser	
  mortífero	
  para	
  os	
  outros.	
  	
  
Esse	
  tempo	
  de	
  análise	
  foi	
  de	
  intensa	
  angústia	
  e	
  desespero.	
  Sem	
  conseguir	
  nada	
  do	
  
que	
  deseja	
  e	
  com	
  muitas	
  reclamações,	
  revela	
  uma	
  fantasia:	
  “Tenho	
  vontade	
  de	
  trabalhar	
  
na	
  night,	
  dançando,	
  fazendo	
  show	
  de	
  “drag-­‐queen”.	
  Sempre	
  que	
  danço,	
  eu	
  abalo.	
  Gosto	
  
muito	
  de	
  palco	
  e,	
  nas	
  boates,	
  fico	
  bem	
  no	
  lugar	
  onde	
  posso	
  aparecer.	
  O	
  jovem	
  trabalha	
  
essa	
   idéia	
   e	
   pede	
   ajuda	
   às	
   suas	
   amigas	
   mulheres.	
   Começa	
   a	
   busca	
   por	
   roupas	
   e	
  
acessórios	
   femininos	
   que	
   lhe	
   possam	
   favorecer	
   nessa	
   empreitada.	
   A	
   mãe	
   nada	
   sabe	
  
disso,	
   visto	
   que	
   ele	
   esconde	
   as	
   roupas.	
   A	
  mãe	
   sempre	
   pergunta	
   e	
   cobra	
   o	
   trabalho,	
   o	
  
estudo	
   e	
   lembra	
   que	
   ele	
   tem	
   o	
   vírus.	
   Isso	
   basta	
   para	
   que	
   se	
   desencadeiem	
   brigas	
   e	
  
agressões	
  verbais	
  ditas	
  na	
  janela	
  para	
  envergonhar	
  a	
  mãe	
  e	
  fazê-­‐la	
  parar	
  de	
  falar.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
39	
  
Nesse	
  momento,	
  a	
  rebeldia	
  se	
  entrelaça	
  com	
  uma	
  concretização	
  do	
  desejo,	
  pois	
  ele	
  
cava	
   uma	
   oportunidade	
   de	
   dublar	
   uma	
   música	
   num	
   concurso	
   de	
   certa	
   boate	
   gay.	
  
Escolhe,	
   sozinho,	
   uma	
   música	
   e	
   resolve	
   “montar-­‐se”	
   de	
   “drag-­‐queen”,	
   planejando	
   o	
  
show.	
  Trata-­‐se	
  de	
  uma	
  competição	
  em	
  que	
  o	
  ganhador	
  recebe	
  um	
  prêmio	
  em	
  dinheiro.	
  
Como	
  treinamento,	
  participa	
  de	
  uma	
  parada	
  gay	
  “montado	
  de	
  mulher”.	
  
Escondido	
  da	
  mãe,	
   tal	
  qual	
  Anna	
  Ó,	
  ele	
  arma	
  seu	
   “teatro	
  privado’’	
  durante	
  o	
  dia:	
  
ensaia	
  frente	
  ao	
  espelho	
  a	
  dublagem	
  de	
  uma	
  música	
  em	
  inglês,	
  idioma	
  que	
  não	
  domina,	
  
repetindo	
   as	
   palavras,	
   sem	
   distinguir	
   seu	
   significado.	
   Há,	
   porém,	
   três	
   significantes	
   de	
  
que	
  ele	
  se	
  apropria	
  para	
  estabelecer	
  os	
  gestuais	
  da	
  mímica:	
  my	
  eyes,	
  my	
  hair,	
  my	
  lips.	
  O	
  
jovem,	
  realmente,	
  dá	
  seu	
  show.	
  Frente	
  às	
  vicissitudes	
  do	
  desejo,	
  ele	
  tem	
  uma	
  estratégica	
  
histérica:	
  no	
  palco,	
  correndo	
  o	
  risco	
  máximo	
  como	
  todos	
  os	
  jovens	
  costumam	
  fazer,	
  ele	
  
entra	
  em	
  cena	
  com	
  o	
  nome	
  artístico	
  de	
  “Ohana”.	
  “En-­‐cenando”	
  seu	
  número	
  no	
  começo	
  da	
  
apresentação,	
  ao	
  sacudir	
  seus	
  cabelos	
  postiços,	
  a	
  peruca	
  cai	
  em	
  pleno	
  palco,	
  já	
  que	
  não	
  
foi	
   devidamente	
   presa	
   para	
   agüentar	
   os	
   gestos	
   da	
   dança	
   e	
   da	
   mímica7.	
   Ohana,	
   em	
  
desespero,	
   fica	
   sobre	
   o	
   foco	
   do	
   refletor	
   vestido	
   de	
   “drag”,	
   sem	
   a	
   peruca	
   e	
   sem	
   ação.	
  
Vaiado,	
  ridicularizado,	
  como	
  um	
  objeto	
  que	
  cai,	
  como	
  um	
  nada,	
  ele	
  sai	
  de	
  cena	
  e	
  desmaia	
  
em	
  pleno	
  palco.	
  “O	
  nada	
  e	
  o	
  olhar	
  são	
  aqui	
  duas	
  formas	
  de	
  referências	
  ao	
  objeto	
  em	
  que	
  
o	
  sujeito,	
  nesse	
  momento,	
  se	
  fixa”	
  (Alberti,	
  1995,	
  p.	
  81).	
  Como	
  resposta	
  a	
  esse	
  embaraço	
  
máximo,	
  surge	
  a	
  angústia	
  frente	
  ao	
  real	
  impossível	
  de	
  simbolizar.	
  O	
  jovem,	
  abalado,	
  sem	
  
resistência,	
   pega	
   uma	
   virose,	
   mas	
   seu	
   organismo	
   recupera-­‐se	
   e	
   ele	
   volta	
   à	
   análise.	
  
Impactado	
   com	
   os	
   acontecimentos,	
   faz	
   um	
   acting-­out:	
   pinta	
   seus	
   cabelos	
   de	
   rosa	
   e	
  
tortura	
   a	
   mãe	
   para	
   que	
   lhe	
   dê	
   dinheiro.	
   Ameaçando	
   jogar-­‐se	
   pela	
   janela,	
   aos	
   gritos,	
  
quebra	
  uma	
  mesa	
  e	
  sai	
  pela	
  noite.	
  Em	
  análise,	
  confessa:	
  “Saí	
  como	
  uma	
  pantera	
  cor-­‐de-­‐
rosa	
  só	
  para	
  chocar	
  e	
  dar	
  pinta	
  de	
  gay	
  maluco.	
  “Não	
  pense	
  que	
  esqueci	
  a	
  vergonha	
  que	
  
passei	
  no	
  show”.	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7	
  A	
  estratégia	
  histérica	
  frente	
  ao	
  desejo	
  é	
  torná-­‐lo	
  insatisfeito.	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
	
  
40	
  
Indagado	
   sobre	
   o	
   que	
   ele	
   pretendia	
   fazer	
   frente	
   ao	
   fracasso,	
   chora	
   e	
   grita:	
   “Eu	
  
preciso	
   trabalhar,	
   achava	
  que	
   era	
  um	
   caminho	
   fácil	
   ser	
   artista	
   e	
  me	
  vestir	
   de	
  mulher.	
  
Agora,	
  cai	
  na	
  real,	
  tenho	
  de	
  inventar	
  outra	
  coisa”.	
  Após	
  os	
  episódios,	
  toma	
  outra	
  diretriz:	
  
pede	
   ajuda	
   às	
   suas	
   amigas-­‐mulheres	
   e	
   aceita	
   trabalhar	
   numa	
   feira	
   de	
   bairro.	
   Corta	
  
couro,	
   pinta	
   cinturões	
   e	
   “chama	
   a	
   freguesia	
   com	
   sua	
   pinta	
   dando	
   pinta”,	
   distribuindo	
  
panfletos	
  em	
  praça,	
  exibindo-­‐se,	
  mesmo	
  com	
  roupas	
  de	
  homem.	
  Poderíamos	
  pensar	
  que	
  
a	
   fantasia	
   fundamental	
   do	
   paciente	
   seria	
   tal	
   qual	
   o	
   ditado	
   Bíblico:	
   “Pai,	
   por	
   que	
   me	
  
abandonastes?”.	
  Para	
  a	
  analista,	
  Ohana	
  não	
  engana:	
  em	
  praça	
  pública,	
   faz	
  um	
  apelo	
  de	
  
reconhecimento	
   ao	
   pai.	
   Talvez	
   pudéssemos	
   pensar	
   que	
   o	
   jovem,	
   neuroticamente,	
  
engendra	
  com	
  seu	
  corpo	
  uma	
  defesa	
  contra	
  o	
  aviltamento	
  do	
  pai.	
  Segundo	
  Lacan,	
  “só	
  nos	
  
detemos	
   nas	
   coisas

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