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◗ Introdução Cotesia flavipes (Cameron) é um endoparasitóide larval gregário de Chilo spp. e outros gêneros de Crambidae, brocas de colmos de gramíneas do sudeste da Ásia e da Austrália. Foi introduzido e estabeleceu-se em Maurício para o controle de Pro- ceras calamistis (Hampson) (Moutia & Courtois, 1952) e, de lá, foi levado para Madagascar, em 1955, onde também se estabeleceu (Betbeder-Matibet & Malinge, 1967). Relatos anteriores de sua distribuição e lista de hospedeiros na Ásia são vis- tos com reserva por causa de confusões com a espécie próxima Apanteles chilonis Munakata, que teve sua taxonomia esclarecida em 1965 (Watanabe, 1965). Uma primeira tentativa de introduzir C. flavipes no Caribe, procedente de Mau- rício, fracassou (Bennett, 1965). A primeira introdução bem-sucedida desse braco- nídeo nas Américas ocorreu no início dos anos 60, quando experimentos de laboratório na Flórida, EUA, foram seguidos por liberações de 30.000 adultos nos Cotesia flavipes PARA O CONTROLE DE Diatraea saccharalis Introdução 409 Hospedeiro 411 Descrição e bioecologia de D. saccharalis 411 Época de ocorrência 412 Tipos de danos 413 Ação de inimigos naturais 413 Avaliação da população e estimativa de dano 414 Parasitóide 416 Descrição e bioecologia de C. flavipes 416 Produção massal de C. flavipes 417 Monitoramento da população da praga para controle 420 Avaliação do parasitismo por C. flavipes 421 O controle biológico de D. saccharalis por C. flavipes no estado de São Paulo 421 409 ◗ PAULO SÉRGIO M. BOTELHO ◗ NEWTON MACEDO UFSCar, Campus Araras, Rod. Anhangüera, km 174, 13600-970, Araras, SP c c c c c c 25 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 409 Everglades, em 1963 (Gifford & Mann, 1967). Depois de algumas recuperações, o inseto desapareceu, para reaparecer anos depois, vindo a tornar-se o parasitóide dominante, co-existindo com o braconídeo Agathis stigmatera (Cresson). Em um estudo de três anos (1982-1984), os níveis de parasitismo em Diatraea saccharalis (Fabr.) atingiram 58, 42 e 61%, nos quais A. stigmatera contribuía com 5 a 20% (Hall, 1986). D. saccharalis é uma praga menos séria na Flórida devido à ação dos parasitóides e do predador importado, a formiga-lava-pé, Solenopsis invicta Buren (O. Sosa, comunicação pessoal). Introduções procedentes de Maurício e da Índia para Trinidad (Bennett, 1965) e para Barbados em 1966 (Alam et al., 1971) resultaram em seu estabelecimento permanente, sobre D. saccharalis, a partir de 1967 nessas ilhas. Esse parasitóide foi introduzido em Guadalupe, em 1969 e 1979, procedente de Barbados e de Reunião, respectivamente (Galichet, 1971), e em St. Kitts, em 1970, a partir de Barbados, subseqüentemente a partir de Trinidad, para controle de D. saccharalis (Bennett & Squire, 1972). Na Colômbia, C. flavipes foi introduzido a partir de Trinidad, em 1970-1975 (Gaviria, 1977 citado por Mendonça Filho et al., 1977) e mostrou alta capacidade para se adaptar e parasitar D. saccharalis em cana-de-açúcar, milho e sorgo, também parasitando D. lineolata nesses cereais. Na Venezuela foi introduzido em 1975, pro- cedente de Trinidad-Tobago (Mendonça Filho et al., 1977). No Panamá, onde D. tabernella é mais importante do que D. saccharalis como broca da cana-de-açúcar, durante 1978-1980, parasitóides procedentes de Trinidad foram multiplicados, liberando-se 2,654 milhões de indivíduos. Isso resultou na redução da porcentagem de intensidade de infestação da praga (% I.I.) de 10%, em 1977-1979, para 7,2%, em 1980-1981 (L. Narvaez, comunicação pessoal). No Peru, C. flavipes foi introduzido em 1975 (Ayquipa et al., 1979). No Brasil, as primeiras tentativas de introdução foram feitas pela Copersucar e pelo Departamento de Entomologia da Esalq/USP em 1971 (Terán, 1975; Gallo, 1977, citado por Mendonça Filho et al., 1977), porém ficaram restritas a observa- ções de laboratório e poucas liberações isoladas; nenhuma recuperação em lavou- ra da cana-de-açúcar foi mencionada. Dificuldades nas criações em laboratórios foram os principais obstáculos que justificaram a interrupção das atividades com esse parasitóide. Em abril de 1974, C. flavipes proveniente de Trinidad foi introduzido em Ala- goas, iniciando-se então a participação desse parasitóide no Programa Nacional de Controle Biológico de Diatraea spp. no Brasil, desenvolvido pelo IAA/Planalsucar (Mendonça Filho et al., 1977). Durante o período de 1974 a 1976, C. flavipes foi introduzido em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro para controlar D. sac- charalis e Diatraea flavipenella (Box) e em São Paulo e Amapá para controlar D. sac- charalis (Macedo et al., 1977; Mendonça Filho, 1976; Mendonça Filho et al., 1976; Pereira et al., 1977; Riscado & Lima Filho, 1976; Riscado et al., 1977; Risco, 1976; Souza & Silva, 1976). Desde a primeira liberação de C. flavipes em lavouras de cana-de-açúcar em Alagoas, em julho de 1974, observou-se seu potencial, uma vez que 16 dias após a liberação massas de casulos foram recuperadas em lagartas de D. flavipenella. De 1974 a 1976, verficaram-se outras recuperações em diferentes regiões canavieiras de Alagoas, bem como nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Amapá, permitindo concluir que o parasitóide se estabelecera, embora apenas nos dois últimos estados, ainda de forma temporária (Mendonça Filho et al., 1977). C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S410 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 410 No estado de São Paulo, o programa de controle biológico da broca da cana- de-açúcar conduzido pelo IAA/Planalsucar desde 1972 começou com levantamen- tos de intensidade de infestação da praga e estudos de opções de controle (Macedo & Botelho, 1986). Foi tentado o controle biológico com a produção massal e libe- ração do parasitóide importado de Cuba, Lixophaga diatraeae (Towns.), sem resulta- dos positivos. O programa prosseguiu com a produção dos taquinídeos nativos Lydella minense (Towns.) e Paratheresia claripalpis (Wulp.), ao mesmo tempo que o controle químico também era investigado (Degaspari et al., 1983). Em ambas as opções os resultados foram pouco encorajadores. Em 1975 iniciaram-se as pesqui- sas com C. flavipes, a partir de material procedente do nordeste do Brasil. Até 1978 o aperfeiçoamento na tecnologia tornou a produção de C. flavipes em laboratório mais simples e a melhoria de sua performance no campo deu-se com a introdução de novas linhagens originárias de regiões mais frias e úmidas da Índia e do Paquis- tão, realizadas em 1978 (Macedo, 1978) com a colaboração de F.D. Bennett, na época pesquisador do Commonwealth Institute of Biological Control. Os resultados de dez anos demonstraram que o controle biológico de D. saccharalis, por meio de sistemáticas liberações de C. flavipes, de acordo com a metodologia do IAA/Planal- sucar, era um sucesso com real contribuição na redução da intensidade de infesta- ção da praga, a despeito de fatores desfavoráveis a esta, como expansão da área cultivada e plantio de variedades mais suscetíveis (Macedo & Botelho, 1986). A Copersucar que, paralelamente ao IAA/Planalsucar, vinha desenvolvendo, na década de 70, um programa de controle biológico da broca da cana-de-açúcar, baseado na produção massal de L. minense e P. claripalpis, em 1982 já admitia que o inimigo natural importado C. flavipes mostrava-se um valioso auxiliar, em época e situações específicas, no controle biológico dessa praga (Copersucar, 1982). Dez anos depois o “Annual Report 1991/92 da Copersucar” citava que, em 1991, 17 laboratórios de usinas cooperadas haviam liberado 943 milhões de adultos de C. fla- vipes, representando 76,8% do contingente de parasitóides liberados, e que a por- centagem de intensidade de infestação da praga, em canaviais de 26 usinas cooperadas, tinha sido reduzida de uma média superior a 9% em 1980 para 3,17% em 1991 (Copersucar, 1992). ◗ Hospedeiro Descrição e bioecologiade D. saccharalis A broca da cana-de-açúcar, D. saccharalis, é um inseto que apresenta desenvol- vimento holometabólico, ou seja, passa pelas fases de ovo, larva, pupa e adulto. Seus ovos são depositados freqüentemente nas folhas ainda verdes, tanto na face superior como inferior do limbo foliar e, ocasionalmente, na bainha. São de forma- to oval e achatado, sendo depositados em grupos de forma embricada, onde um ovo cobre 2/3 ou a metade do que vem logo a seguir. Essa massa de ovos, de núme- ro bastante variável, em média de 12 (Lima Filho & Lima, 2001), pode chegar a algumas dezenas e se assemelha a escama de peixe ou couro de cobra. No início são de coloração amarelo-pálida, passando a rósea até chegar a marrom-escuro, quan- do são visíveis as cápsulas cefálicas dos embriões no interior do ovo. A duração dessa fase é bastante variável, em função, principalmente, da temperatura, sendo, nas condições brasileiras, de uma a duas semanas. Após a eclosão, a lagarta migra para a região do cartucho da planta à procura de abrigo, permanecendo ali por um período que varia de uma a duas semanas, ali- 411C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 411 mentando-se pela raspagem da folha da cana ou da casca do entrenó em formação. Durante essa fase, o inseto passa por uma ou duas ecdises, quando então inicia a perfuração da casca do colmo. Geralmente, essa perfuração ocorre próximo à base do entrenó, porção mais mole, abrindo galeria no sentido ascendente na região do palmito da planta. Em certas situações, por razões ainda desconhecidas, a lagarta se alimenta abrindo uma galeria de forma circular, enfraquecendo com isso o entre- nó, que pode se quebrar, principalmente, pela ação do vento. Normalmente, quando o ataque se dá próximo à região de crescimento da planta, ocorre a morte da gema apical, sendo o sintoma facilmente reconhecido pelo amarelecimento das folhas mais novas, denominado “coração morto” ou “olho morto”. A lagarta, uma vez tendo penetrado no colmo da cana, passa toda essa fase ali protegida, mas em alguns casos, principalmente pela inundação de sua galeria por água da chuva, ao sentir-se “molestada”, abre um orifício na casca e sai, vindo a abrir outro buraco em um entrenó mais abaixo, onde torna a penetrar. Durante o período larval, o inseto sofre um número variável de ecdises, fre- qüentemente seis. A duração dessa fase é a mais longa das quatro pelas quais ele passa em sua vida, sendo em média de 70 dias, nas condições do estado de São Paulo. Em função principalmente da temperatura, esse período é abreviado a menos da metade ou dobrado, nesse caso devido a um alongamento no ciclo, con- siderado por alguns autores como um tipo de diapausa. Assim, dentro da população do inseto, nem todos os indivíduos apresentam a mesma velocidade de desenvolvimento, o que funciona como uma autodefesa, assegurando à espécie a possibilidade de sobreviver, caso condições desfavoráveis ocasionem a morte de parte da população. A lagarta de D. saccharalis apresenta coloração branco-leitosa, com cápsula cefálica marrom-escuro e pequenas manchas de cor marrom-claro, distribuídas ao longo de todo o corpo. Possui três pares de pernas torácicas, quatro pares de falsas pernas abdominais e um par de falsas pernas anais. Quando completamente desen- volvida, mede cerca de 25 mm. Próximo à pupação, a lagarta abre um orifício na casca e o fecha parcialmen- te com fios de seda e restos de sua alimentação e, assim protegida, passa à fase de pupa. A pupa livre é inicialmente de coloração marrom-claro, escurecendo à medida que se aproxima do estágio adulto. A duração dessa fase é de cerca de dez dias, quando emerge o adulto. Este é de coloração amarelo-palha com manchas escuras nas asas anteriores, lembrando dois “Vs” invertidos quando fechadas. As asas posteriores são brancas. Há diferenças entre sexo, sendo a fêmea maior, nor- malmente, apresentando abdome volumoso, com as asas de coloração menos pig- mentada do que as do macho. Este apresenta como característica principal a presença de uma concentração de cerdas no último par de pernas, ausentes na fêmea. O período de vida do adulto é de cinco dias em médiaA fêmea atrai o macho para a cópula, pela liberação de feromônio, e, após o acasalamento, depo- sita cerca de 300 ovos. Época de ocorrência A cana-de-açúcar sofre o ataque dessa praga durante todo o seu desenvolvi- mento. Sua incidência é menor quando a cana é jovem e não apresenta entrenós formados, aumentando os danos com o crescimento da planta. Esse comporta- mento, entretanto, pode variar em função da época do ano e da variedade, prin- cipalmente. C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S412 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 412 Para o estado de São Paulo, em canas plantadas nos primeiros meses do ano (cana de ano e meio), em termos médios, a ocorrência de lagartas se torna mais fre- qüente no início da primavera (setembro-outubro), atingindo os mais altos índices no começo do ano seguinte, que coincide com o verão nessa região. Nas canas plantadas nos meses de setembro-outubro (cana de ano) os problemas se acentuam no início do ano seguinte e são crescentes até o começo do inverno (junho-julho). Em certas variedades, regiões ou anos, porém, o ataque é quase constante ao longo do ano, com ligeira queda no inverno e aumento nos períodos quentes e úmidos (final e começo de ano na região centro-oeste). Em outra situação – soqueiras, por exemplo –, o ataque pode se concentrar quase que exclusivamente nos meses quentes e úmidos. Como tendência geral, as canas-plantas (canas que não passaram por nenhum corte) sofrem ataques mais severos quando comparadas às socas (canas que já sofreram cortes). Isso se explica parcialmente pelo fato de a cana nova possuir um maior vigor vegetativo e ficar exposta durante um período maior à praga. Ao mesmo tempo, nesses canaviais, a atuação dos inimigos naturais é menor, pois a grande maioria teve seu hábitat desestruturado pelas práticas culturais realizadas com vista à instalação da lavoura. Tipos de danos Na fase larval, D. saccharalis pode causar danos diretos e indiretos. Os danos diretos decorrem da alimentação do inseto e caracterizam-se por: perda de peso (pela abertura de galerias no entrenó), morte da gema apical da planta (“coração morto”), encurtamento de entrenó, quebra da cana, enraizamento aéreo e germi- nação das gemas laterais. Esses danos ocorrem isoladamente ou associados, o que pode agravar os prejuízos. Os danos indiretos são causados por microrganismos que invadem o entrenó através do orifício aberto na casca pela lagarta. Esses microrganismos, predominan- temente fungos, Fusarium moniliforme e/ou Colletotricum falcatum, invertem a saca- rose armazenada na planta, provocando perdas pelo consumo de energia no metabolismo de inversão e pelo fato de os açúcares resultantes desse desdobramen- to (glicose e levulose) não se cristalizarem no processo industrial. Entretanto, quando a matéria-prima se destina à produção de álcool, o problema não é menos grave, pois os microrganismos que penetram no entrenó aberto contaminam o caldo e concorrem com as leveduras na fermentação alcoólica. Nessa concorrência há uma redução na eficiência de produção de álcool, gerando prejuízos. Para mais informações sobre esses prejuízos consultar Graça (1976), Terán (1988), e Almeida et al. (1997). Ação de inimigos naturais Os artrópodes exercem um importante papel no controle natural da broca, agindo sobre todas as fases de desenvolvimento; no entanto, a participação mais significativa ocorre na fase de ovo. Nesse caso, os predadores, parasitóides e menos freqüentemente patógenos efetuam um eficiente controle, muitas vezes superior a 80%. Além da ação dos inimigos naturais, o clima também atua sobre essa fase do ciclo, contribuindo para reduzir o número de ovos viáveis. Logo após a eclosão, a lagartatambém está sujeita à ação desses controladores, que agem principalmente até a penetração desta no entrenó (uma a duas sema- nas). Uma vez dentro do entrenó, a lagarta estará mais protegida, sendo, no entan- 413C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 413 to, atacada por parasitóides (principalmente C. flavipes, P. claripalpis e L. minense), predadores e patógenos. O controle natural nessa fase gira em torno de 20%. Finalmente, sobre as fases de pupa e adulto atuam os predadores e patógenos que auxiliam no controle, embora de forma muito mais modesta se comparada à ação destes nas outras fases do ciclo. Em todo o processo que envolve o ciclo da praga e seu controle, dois outros pontos são de grande importância. O primeiro é que as variedades de cana-de-açú- car apresentam diferentes graus de resistência a Diatraea, existindo certa tendência daquelas mais precoces, produtivas e ricas em açúcar sofrerem ataques mais seve- ros. O segundo ponto se refere à ação das práticas que envolvem a colheita da cana- de-açúcar e ao cultivo da lavoura logo após o corte tendo em vista a próxima safra e o controle biológico. A princípio, julga-se que essa sucessão de eventos (queima, corte e requeima dos restos culturais) prejudica a ação dos controladores naturais de D. saccharalis, mas na realidade todas essas práticas, ao contrário, auxiliam no controle da praga, reduzindo em mais de 95% sua população, enquanto uma par- cela significativa de parasitóides e, principalmente, predadores sobrevive durante esses eventos (Degaspari et al., 1983). No entanto, por pressão ambientalista, há tendência, em um curto espaço de tempo, de uma significativa área com cana-de-açúcar, especialmente no estado de São Paulo, vir a ser cortada mecanicamente e sem a queima, aumentando a maté- ria orgânica, devido a uma espessa camada de palha remanescente sobre o solo ao final de cada colheita. Assim, há propensão, no primeiro ano, de a população da broca nessas áreas aumentar. Nos anos subseqüentes, porém, em função do resta- belecimento do equilíbrio populacional, a praga volta a ser controlada naturalmen- te em novo patamar de eficiência (Macedo & Araújo, 2000). Avaliação da população e estimativa de dano Para realizar o controle de D. saccharalis, o conhecimento da flutuação popula- cional de todas as fases de seu ciclo de vida tem grande importância. O monitoramento da população de adultos pode ser feito com o uso de arma- dilhas luminosas, que coletam fêmeas e machos, ou de feromônio sexual (fêmeas virgens), que coleta somente machos. Para o estado de São Paulo, em termos médios, o pico populacional de adultos ocorre em fevereiro-março e outro em setembro, sobrevindo as menores populações em junho-julho. Quanto à distribuição relativa das fases do ciclo durante o ano, há predomi- nância de ovos de janeiro a março, lagartas (terceiro ínstar ou maiores) em maio- junho, pupas de julho a dezembro e adultos em abril. Com relação à população de ovos, há um acúmulo nos quatro primeiros meses do ano, com acme em março. A população de lagartas é de difícil monitoramento quando os insetos estão nos primeiros ínstares larvais, sendo encontradas externa- mente nas bainhas das folhas mais novas na região de crescimento da planta. Nessa fase há um eficiente controle natural, não existindo estreita correlação entre o aumento da população de ovos e conseqüente incremento posterior na população de lagartas que penetram no colmo da cana e ocasionam dano. Além dos fatores naturais de controle (bióticos e abióticos), a colheita da cana, que se inicia em abril- maio na região centro-sul e se estende até novembro, também contribui para modi- ficar a tendência natural de ocorrência da praga. Dessa forma, as maiores populações de pupas são encontradas nos meses de novembro e dezembro. Assim, por serem diversas as variáveis que exercem algum tipo de influência sobre a flu- tuação populacional de D. saccharalis, somente por meio de um acompanhamento C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S414 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 414 local da cultura é possível conhecer a flutuação da praga na área desejada. Entre- tanto, com a adoção de medidas duradouras, como a preservação do meio ambien- te, o uso de variedades resistentes e a liberação de parasitóides criados massalmente em laboratório, consegue-se mantê-la sob controle. O combate a um inseto é uma decisão técnico-econômica que envolve infor- mações sobre os prejuízos ocasionados por ele, no momento e/ou no futuro, o método de controle a ser utilizado e os respectivos custos. Com essas informações é possível estimar a relação custo/benefício, a qual define a viabilidade de controle e identifica o momento de agir. Embora os sintomas de ataque da broca sejam facil- mente visíveis em um canavial e as perdas que acarretam, sobejamente conheci- das, é conveniente que o produtor que pretenda implantar um programa de controle dessa praga proceda inicialmente a uma estimativa das possíveis perdas que estão ocorrendo em sua propriedade, pois o ataque é bastante variável, de acordo com a variedade de cana, a época do ano, o ciclo da cultura, entre outros fatores, e, por ser a cana-de-açúcar uma cultura de renda líquida baixa, todo inves- timento deve ser muito bem analisado sob o ponto de vista econômico. Admitindo haver uma linearidade entre a porcentagem de intensidade de infestação da broca (% I.I.), determinada pelo método de Gallo et al. (1988), e as perdas, na quantidade e qualidade da matéria-prima, resultando em uma menor extração de açúcar e/ou álcool pela indústria, procede-se à estimativa de perdas pelo ataque da broca. Essas estimativas devem ser realizadas antes ou após o corte da cana, depen- dendo da necessidade ou não de avaliar o número de canas mortas, como nos casos em que ocorrem altas porcentagens de intensidade de infestação, fato mais comum em áreas novas de cultivo. Os levantamentos de porcentagem de intensidade de infestação são realizados durante o período de safra, nas frentes de corte, antes da colheita, ou em plataformas no pátio, no momento em que a cana chega à indús- tria. Nas frentes de corte são examinados cinco conjuntos de cinco canas tomados em um espaço de cerca de 5 metros entre si, totalizando 25 canas; essa unidade amostral deve repetir-se em outros cinco pontos, perfazendo 125 canas amostradas no talhão de cana-de-açúcar de área homogênea (mesma variedade, corte, idade e tipo de solo) com até 20 hectares de extensão. Quando feito na plataforma, deve- se retirar o equivalente a 30 canas por hectare, tomadas casualmente na carga dos caminhões que chegam ao pátio da indústria. Em ambos os tipos de levantamento as canas são abertas ao meio e então exa- minadas e contam-se os entrenós com ataque do complexo broca/podridão-verme- lha e o total de entrenós, anotando-se os dados em fichas apropriadas. De posse dessas informações, calcula-se a porcentagem de intensidade de infestação pela fór- mula % I.I = [(número de entrenós brocados / número total de entrenós) x 100] para cada zona, setor, talhão ou fazenda, tomando-se o cuidado de ponderar esses resultados individualmente, em função da área plantada ou produção em toneladas por hec- tare (t/ha), para cada variedade de mesma idade e local. Para tanto, utiliza-se a área ou a produção correspondente ao local de origem das diferentes amostras, multi- plicando-se esse dado pelo valor médio de suas respectivas porcentagens de inten- sidade de infestação e dividindo-se pelo somatório de todas as áreas ou produções. No final da safra, de posse dessas informações, dispõe-se dos elementos necessários para decidir pelo controle no próximo ciclo da cultura, uma vez que, à luz dos conhecimentos atuais, é possível estabelecer, com segurança, um nível da praga abaixo daquele considerado como o de dano econômico, situado entre 3 a 4% de intensidadede infestação. 415C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 415 Como a cana-de-açúcar é uma planta semiperene, levam-se em conta a com- posição da lavoura em termos de variedades mais suscetíveis, as áreas em diferen- tes cortes e as que recebem sistematicamente fertirrigação, a idade do canavial e as áreas que se destinam à produção de mudas; a partir daí se estabelece uma estra- tégia de ação no programa de controle biológico em que, prioritariamente, as áreas de cana planta e as que recebem algum tipo de irrigação devem ter atenção espe- cial por serem mais sujeitas ao ataque da broca. ◗ Parasitóide Descrição e bioecologia de C. flavipes C. flavipes apresenta desenvolvimento holometabólico com ciclo de vida (ovo a adulto) ao redor de 20 dias, dependendo da temperatura e idade do hospedeiro (Pádua et al., 1994; Campos-Farinha, 1996). As fêmeas originam-se de ovos fertili- zados, enquanto os machos são produzidos por partenogênese arrenótoca, ou seja, de ovos não fertilizados, sendo conseqüentemente haplóides (Narang et al., 1994). A luz forte exerce importante influência na emergência e na cópula que ocorre logo após o nascimento (Mohyuddin, 1971). Depositados pela fêmea na hemocele, os ovos encontram-se flutuando livremente na hemolinfa da lagarta hospedeira. São arredondados na porção cefálica, largos medianamente e afilados na parte posterior e medem cerca de 0,09 mm de comprimento, logo depois de serem depositados. O número de ovos depositados pela fêmea varia de acordo com a idade do hospedei- ro, podendo chegar a algumas dezenas, sendo maior nas lagartas mais desenvolvi- das (Brewer & King, 1981). Após três a quatro dias, eclode a larva, que passa por três ínstares em um período de 4 a 12 dias, medindo no final desse estágio aproximadamente 3 mm de comprimento. A larva de terceiro ínstar apresenta coloração branco-leitosa brilhan- te, com segmentação facilmente observada, corpo afilado nas extremidades, emer- gindo do hospedeiro um a dois dias depois de estar nesse estádio (Campos-Farinha, 1996). A pupa é protegida por um casulo construído pela larva com fios de seda, sendo que os indivíduos provenientes de um mesmo hospedeiro geralmente se dis- põem agrupadamente formando uma massa. Os insetos permanecem nessa fase por um período variável, dependendo da temperatura, em média cinco dias. O adulto mede aproximadamente 4 mm, é de coloração preta com asas brancas hia- linas e apresenta dimorfismo sexual; a fêmea possui antenas menores quando com- paradas às dos machos. A sobrevivência média do adulto em laboratório é cerca de 24 horas a uma temperatura de 24±2ºC (Wiendenmann et al., 1992). A faixa favo- rável para o desenvolvimento de C. flavipes situa-se entre 20 e 30ºC (Pádua et al., 1994), sendo tolerante a baixas umidades (Mohyuddin, 1971). O comportamento de localização do hospedeiro é mediado por uma subs- tância hidrossolúvel, presente nas fezes das lagartas de D. saccharalis, e o conta- to com estas induz à procura, caracterizada pela redução no ritmo de locomoção e tateamento das fezes com as antenas (Van Leerdam et al., 1986). O adulto apresenta capacidade de dispersão média de cerca de 35 metros (Botelho et al., 1980). A temperatura exerce forte influência em sua capacidade de procura e sobrevivência, devendo-se evitar, nas liberações, as horas mais quentes do dia. Em determinadas regiões ou épocas do ano a liberação, quando efetuada no final da tarde, propicia melhor condição para a sobrevivência do que a realiza- da no início da manhã. C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S416 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 416 Produção massal de C. flavipes O laboratório é a base física e técnica de produção do parasitóide. Deve possuir requisitos essenciais: equipamentos, pessoal e dimensionamento adequados ao objetivo da produção de inimigos naturais que se pretende alcançar. As salas têm de adequar ótimas condições de trabalho às necessidades biológicas dos insetos ali mantidos (vide planta baixa, Figura 25.1). As principais salas com suas respectivas funções são descritas a seguir. c Escritório. Local em que se arquivam documentos e informações sobre o tra- balho desenvolvido no laboratório e no campo. A organização dessas informa- ções para consultas rápidas e fáceis reflete a capacidade organizacional do responsável pelo setor (Figura 25.1.1). c Sala de postura. Lugar que abriga as câmaras com adultos para obtenção de ovos. Pode também servir de almoxarifado para armazenar parte dos compo- nentes de dieta utilizados na criação. A temperatura noturna deve ser manti- da entre 20 e 22ºC, por meio de ar condicionado e com fotofase de 12 a 14 horas (Figura 25.1.2). c Sala de dieta. Uma das mais importantes do laboratório, onde são prepara- das as dietas artificiais utilizadas na criação de lagartas de D. saccharalis, poden- do também servir como local para armazenamento de parte dos componentes de dieta. A assepsia deve ser rigorosa, evitando-se a entrada de pessoas estra- nhas ao serviço. Por ser sala fechada, são imprescindíveis ar-condicionado, exaustor para renovação de ar e temperatura mantida próximo a 25ºC duran- te o horário de trabalho (Figura 25.1.3). c Sala de “inoculação” de parasitóides. Ambiente onde se realizam as “inocu- lações” de lagartas pelo parasitóide C. flavipes. Deve possuir excelente luminosi- dade e temperatura de 28±2ºC (Figura 25.1.4). c Sala de lagartas em desenvolvimento. Local onde são acondicionados os recipientes utilizados para manter as lagartas em desenvolvimento. A tempera- tura deve ser mantida entre 28±2oC, com auxílio de ar condicionado quente/frio, com luminosidade natural, sem incidência de raios solares (Figura 25.1.5). c Sala de lagartas “inoculadas”. Local das lagartas que estão sendo parasita- das e das lagartas realimentadas para se transformarem em pupas, tendo em vista a manutenção da criação-estoque do laboratório. A temperatura deve ser mantida a 28±2ºC, com auxílio de ar condicionado quente/frio com lumino- sidade natural, sem incidência de raios solares (Figura 25.1.6). c Sala de revisão. Lugar em que são revisados os lotes de lagartas “inoculadas” na busca de “massas” do parasitóide ou de pupas da praga. A temperatura deve ser mantida entre 28±2ºC, por meio de circulador de ar, com boa lumi- nosidade, sem incidência de raios solares (Figura 25.1.7). c Banheiro. Dependência reservada para uso exclusivo de funcionários que trabalham no laboratório (Figura 25.1.8). c Almoxarifado. Local de armazenagem dos componentes de dieta, do mate- rial de limpeza e do material empregado na criação que, momentaneamente, não esteja em uso (Figura 25.1.9). c Área de limpeza. Destina-se ao abrigo das máquinas para lavar caixas plás- ticas, tubos ou frascos e dos tanques com água e desinfetante e serve de depó- sito de material a ser lavado ou já limpo, empregado no dia-a-dia da produção (Figura 25.1.10). 417C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 417 FIGURA 25.1 Planta baixa de laboratório para produção de cerca de 10 milhões de Cotesia flavipes por mês. (1) Escritório; (2) sala de postura; (3) sala de dieta; (4) sala de “inoculação” de parasitóides; (5) sala de lagartas em desenvolvimento; (6) sala de lagartas “inoculadas”; (7) sala de revisão; (8) banheiro; (9) almoxarifado; e (10) área de limpeza O laboratório deve ser limpo, bem iluminado e ventilado nos locais onde não há controle de temperatura ou luz e a mão-de-obra, de preferência do sexo femi- nino, por se adaptar melhor ao tipo de trabalho. O trânsito de funcionárias tem de ser disciplinado e a presença de pessoas estranhas, evitada, para prevenir a disse- minação de microrganismos indesejáveis às criações. O número de funcionários, não inferior a sete (incluindo as pessoasencarregadas da limpeza), pode variar de acordo com a produção que se deseja atingir, não devendo exceder a 25. Como referência, estima-se que cada funcionário possibilite a produção média de 1 milhão de C. flavipes por mês. A seqüência de atividades do laboratório envolve diversas etapas do processo de criação da praga e do inimigo natural (Figura 25.2), sendo que diferentes tipos de dieta artificial podem ser utilizados para a criação de D. saccharalis. Uma das mais empregadas é a de Hensley & Hammond (1968), modificada (Tabela 25.1). A dieta de criação é adotada no início da alimentação da lagarta até a seleção para “inoculação” ou obtenção de pupas. A dieta de realimentação é usada para lagartas “inoculadas” ou para as que continuam recebendo alimento para se trans- C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S418 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 418 formar em pupas (Figura 25.2). Mais detalhes sobre instalações e condições de tra- balho podem ser obtidos nas publicações de Macedo et al. (1983) e Araújo (1987). TABELA 25.1 DIETA DE Hensley & Hammond (1968), MODIFICADA, USADA PARA A CRIAÇÃO DE LAGARTAS DE Diatraea saccharalis Quantidades (g ou mL) Ingredientes Dieta de criação Dieta de realimentação Ácido ascórbico 10 4 Açúcar 100 270 Complexo vitamínico 2 2 Metilparahidroxibenzoato 20 16 Germe de trigo 40 80 Levedura 500 – Farelo de soja 280 400 Cloreto de colina 2 2 Estreptomicina 5 6 Solução vitamínica 50 40 Formaldeído 37% 8 10 Caragenina ou ágar 50 70 Ácido acético – 50 Água deionizada 4.800 4.000 419C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s FIGURA 25.2 Esquema de produção de Cotesia flavipes em Diatraea saccharalis criada sobre dieta artificial em laboratório CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 419 A quantidade de C. flavipes produzida e as necessidades de liberação são variá- veis e precisam ser dimensionadas ao longo do ano para que as áreas prioritárias sejam atendidas. Assim, há necessidade do acompanhamento sistemático da evolu- ção da praga, da fenologia da planta e da época do ano, assuntos abordados ante- riormente. ◗ Monitoramento da população da praga para controle Decidida a conveniência técnico-econômica de controle da praga, a ação efeti- va consiste no acompanhamento sistemático dos níveis de infestação a partir do momento em que começam a aparecer os primeiros entrenós visíveis na cana. Isso pode ser feito empregando-se um dos dois métodos: hora/homem de coleta ou plantas amostradas. No primeiro método, o amostrador caminha pela lavoura, casualmente, e cole- ta formas biológicas da praga e dos inimigos naturais (lagartas e pupas da praga; pupas dos parasitóides) anotando o tempo de trabalho (Macedo & Botelho, 1988). No segundo, as observações são feitas em pontos amostrais, 5 metros lineares, repe- tidas quatro vezes por hectare, onde todas as canas são contadas e examinadas e as formas biológicas da praga e dos inimigos naturais, coletadas. Nesse caso, estima-se posteriormente a população da praga, multiplicando-se o número aproximado de canas existentes em 1 hectare pelo número de lagartas encontradas por cana (Terán, 1988). As amostragens não podem ser totalmente aleatórias, em especial em proprie- dades cuja área é muito extensa. Os levantamentos têm de ser dirigidos às varieda- des mais suscetíveis à praga, cultivadas em lavouras de cana de primeiro corte, tanto de 18 como de 12 meses, às áreas que recebem irrigação ou fertirrigação e aos viveiros de mudas. Nas situações em que o acompanhamento da praga indicar que a população de lagartas está na fase adequada a ser parasitada, isto é, lagartas de terceiro ínstar em diante (cerca de 1,5 cm de comprimento), já dentro dos colmos, com coletas médias superiores a 10 lagartas/hora/homem ou com população média estimada igual ou superior a 2.500 lagartas/ha, é preciso fazer o controle. As liberações de C. flavipes, parceladas ou únicas, devem ser em média de 6.000 adultos (fêmeas + machos)/ha/ano, não sendo inferior a 2.500 nem superior a 10.000 (Araújo et al., 1984). Os parasitóides têm de ser liberados de forma a cobrir toda a área-problema, posteriormente transferindo-se o controle para outro local. Canaviais em maturação não devem receber liberações, pois nessa fase já não há mais tempo hábil para evitar os danos. Os parasitóides são levados ao campo para liberação quando no mínimo 80% tiverem emergido no laboratório. No transporte para o campo, o material biológi- co não pode ser submetido à variação brusca de temperatura, o que é evitado pro- tegendo-o em caixas térmicas. As liberações devem ser efetuadas em uma hora em que a temperatura do canavial estiver próxima à do laboratório (27ºC). Isso nor- malmente é atingido, durante a maior parte do ano, logo ao nascer do sol ou ao anoitecer. Executam-se as liberações no interior do talhão, em pontos distando 50 a 60 metros um do outro. Em cada ponto abre-se um copo com cerca de 1.500 indiví- duos, mantendo-o aberto durante o caminhamento de um ponto para outro. No final dos 50 a 60 metros, um copo contendo as “massas” (pupas do parasitóide) é preso aberto, entre a bainha e o colmo, na posição horizontal. C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S420 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 420 Em talhões onde o caminhamento interno é difícil – em canas deitadas, por exemplo –, as liberações podem ser feitas circundando-se a área e adentrando-se 25 metros no canavial, liberando-se os insetos. ◗ Avaliação do parasitismo por C. flavipes Para avaliar o desempenho do parasitóide no campo, faz-se a coleta de mate- rial biológico seguindo a mesma metodologia descrita anteriormente, após 10 a 15 dias das liberações. Depois da amostragem da área e com os dados tabulados, avalia-se o desem- penho do parasitóide e, a partir dos resultados, decide-se pela conveniência ou não de se repetir a liberação. Esta repete-se quando o parasitismo é baixo (menos de 20 %) e a população de lagartas, alta, segundo os parâmetros mencionados anterior- mente. A porcentagem de parasitismo é dada pela fórmula: % parasitismo = [(total de parasitóides / total de parasitóides + praga) x 100]. Esse cálculo é feito após a observa- ção do desenvolvimento completo de todos os indivíduos (lagartas) procedentes do campo, mas que exibiram o parasitismo posteriormente em laboratório. São leva- dos em consideração os pupários e as “massas” vivas dos parasitóides e as pupas vivas da praga encontradas no campo. ◗ O controle biológico de D. saccharalis por C. flavipes no estado de São Paulo As liberações massais de C. flavipes, iniciadas no estado de São Paulo em 1977, variaram ao longo dos anos de forma crescente, atingindo um máximo em 1994, quando mais de 2 bilhões de parasitóides foram liberados em uma área de cerca de 360.000 hectares de cana-de-açúcar. O parasitismo médio por essa espécie iniciou- se com valores ao redor de 0,14% em 1979, mas foi aumentando, situando-se nos últimos cinco anos entre 30 e 40%. Assim, esse parasitóide tem tido participação expressiva no parasitismo de D. saccharalis, uma vez que atualmente é responsável por mais de 80% do parasitismo total. Como reflexo desse aumento de parasitismo, houve redução na porcentagem de intensidade de infestação pela broca, que caiu de aproximadamente 7% em 1975 para cerca de 2% nos últimos anos (Tabela 25.2). Essa diminuição foi verifi- cada em um período em que a área de cana-de-açúcar no estado de São Paulo pra- ticamente dobrou (hoje são mais de 2,5 milhões de hectares) e o perfil das variedades plantadas foi alterado, o qual é composto, atualmente, por canas mais ricas em açúcar, mais produtivas e mais suscetíveis à broca. O controle de D. saccharalis pode ser exemplificado pelos resultados consegui- dos na maior empresa do setor sucroalcooleiro do mundo, a Usina da Barra, loca-lizada no município de Barra Bonita, no estado de São Paulo, que, ao iniciar o controle dessa praga, apresentava porcentagem de intensidade de infestação média de cerca de 6% (1975), chegou a mais de 14% em 1980 e, atualmente, apresenta níveis ao redor de 2%. Nesse período, C. flavipes teve destacada participação graças ao aumento significativo no parasitismo da broca, refletido na redução dos danos causados (Figura 25.3). 421C o t e s i a f l a v i p e s P A R A O C O N T R O L E D E D i a t r a e a s a c c h a r a l i s CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 421 Agradecimentos Os autores agradecem as pessoas e/ou instituições que, de alguma forma, durante longos anos de trabalho possibilitaram ou contribuíram para os avanços de conhecimentos e para a reunião das informações aqui apresentadas. TABELA 25.2 ÁREA APROXIMADA COBERTA PELA LIBERAÇÃO DE Cotesia flavipes, PORCENTAGEM DE PARASITISMO PELO PARASITÓIDE E POR OUTROS (PRINCIPALMENTE Lydella minense E Paratheresia claripalpis), PORCENTAGEM DE INTENSIDADE DE INFESTAÇÃO POR Diatraea saccharalis (% I.I.), NO ESTADO DE SÃO PAULO, NO PERÍODO DE 1975 A 1999 C. flavipes % parasitismo Anos % I.I. Liberado Área (ha) C. flavipes Outros 1975 * * * 13,77 6,64 1976 * * * 17,72 6,78 1977 6.406.624 1.068 * 14,69 6,28 1978 48.751.140 8.125 0,14 9,95 5,66 1979 97.969.820 16.328 0,85 14,74 8,79 1980 118.758.287 19.793 1,25 14,70 9,23 1981 160.162.260 26.694 3,70 15,74 8,10 1982 213.526.300 35.588 4,77 22,54 7,64 1983 332.056.700 55.343 4,04 20,38 7,56 1984 510.697.450 85.116 4,47 18,60 6,69 1985 855.035.550 142.506 6,19 20,10 6,49 1986 1.176.338.300 196.056 10,26 21,87 4,63 1987 1.216.867.250 202.811 18,82 18,84 5,46 1988 796.553.784 132.759 26,02 11,90 3,17 1989 979.365.430 163.228 30,12 16,15 3,32 1990 846.322.730 141.054 33,71 11,81 2,43 1991 1.420.534.700 236.756 35,56 12,27 2,48 1992 1.644.819.510 274.137 32,58 14,24 2,11 1993 1.974.220.536 329.037 31,55 11,21 2,21 1994 2.181.280.150 363.547 35,51 8,98 2,32 1995 1.916.968.700 319.495 32,60 7,80 2,49 1996 1.850.896.670 308.483 37,25 5,62 2,28 1997 1.800.691.720 300.115 38,89 8,23 1,92 1998 1.734.966.472 289.161 31,24 7,43 2,30 1999+ 1.663.200.000 277.500 36,50 6,90 2,38 * Dados não disponíveis. + Dados parcialmente estimados. C O N T R O L E B I O L Ó G I C O N O B R A S I L : P A R A S I T Ó I D E S E P R E D A D O R E S422 CONTROBIOLOG¥Cap.25 21/5/02 8:51 AM Page 422 FIGURA 25.3 Parasitismo por Cotesia flavipes e de parasitismo total sobre Diatraea saccharalis e porcentagem de intensidade de infestação da praga (%I.I.), obtidos no período de 1975 a 2000. Usina da Barra, Barra Bonita, SP ◗ Referências bibliográficas Alam, M.M., F.D. Bennett & K.P. Carl. 1971. Biological control of Diatraea saccharalis (F.) in Barbados by Apanteles flavipes Cam. and Lixophaga diatraeae T.T. Entomophaga 16: 151- 158. Almeida, L.C., E. de B. Arrigoni & J.P. Rodrigues Filho. 1997. Modelo de análise econômica para avaliação do controle biológico da broca da cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis. In Anais do 7º Seminário Copersucar de Tecnologia Agronômica. Araújo, J.R. 1987. Guia prático para criação da broca da cana-de-açúcar e de seus parasitói- des em laboratório. Piracicaba, IAA/Planalsucar, 36p. Araújo, J.R., P.S.M. 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