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O Plano Cruzado

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O PLANO CRUZADO (1984 – 89)
Higor Decller
Durante a segunda metade da década de 80, a política econômica brasileira se concentrou no combate a inflação, já que, como ela resistia as pressões deflacionárias da recessão e do desemprego, corria o risco de uma nova aceleração, dada a recuperação da economia.
O principal fator da inflação, na época, era a inércia inflacionária, resultada de uma economia indexada, que propagava a inflação passada para o futuro, onde na ausência de choques, a taxa de inflação permanecia no patamar vigente. Além do mais, reajustes salárias levavam o salário real ao pico, sendo diminuido gradualmente pela inflação, até um novo reajuste. Assim, numa situação de salário real igual ao seu nível médio, o componente inercial da inflação desapareceria, sem afetar o equilíbrio distributivo, expresso em termos do salário real médio.
O Governo de Tancredo Neves na Nova República, após 21 anos de regime militar, iniciou com políticas fiscais e monetárias contracionistas, além de um congelamento dos preços e estenção nas fórmulas de indexação de um para três meses na correção monetária dos preços, salários, ativos financeiros e taxa de câmbio. Já no meio do ano, porém, começou o processo de descongelamento dos preços, que junto a um choque de oferta agrícola levou ao aumento da inflação.
Voltou-se, então, com a indexação de um mês, buscando correções menores e, assim, estabilizar a inflação. A política cambial de minidesvalorizações se mostrava ineficiente, já que não acompanhava a crescente inflação. A taxa de juros, que havia subido nos últimos meses, declinou, devido a uma política monetária menos restritiva. Há, no entanto, novo choque de oferta agrícola que, em uma economia amplamente indexada, levava a crer numa exploção da inflação. O fracasso do gradualismo encerra a segunda fase econômica da Nova República.
Nesse contexto, é lançado o Plano Cruzado, já sob comando do Presidente José Sarney, num ambiente econômico favorável, dado crescimento industrial (impulsionado pelos bens duráveis), superávit na balança comercial, eliminação do déficit público e desvalorização do dolar, ao qual o cruzado estava atrelado. A rerforma monetária estabeleceu um cruzado em mil cruzeiros. Porém, devido a diferentes periodicidades das correções monetárias, foram necessárias regras específicas, visando evitar uma redistribuição de renda. Houve, ainda, um congelamento dos preços por tempo indeterminado. De início, o plano foi um sucesso, com taxas de inflação mensais na ordem de 1% e o povo ajudando no controle dos preços.
Já no campo econômico, manifestou-se grandes problemas de escassez de produto, graças a explosão do consumo, dada: a expansão monetária exagerada, o aumento do poder de compra dos salários, a despoupança causada pela ilusão monetária, a diminuição do imposto de renda e das taxas nominais de juros, o consumo reprimido pelos anos de recessão e o congelamento de alguns preços defasados em relação a seus custos. No entanto, como tanto a inflação quanto a recessão tinham custos políticos, o Governo optou por um modesto ajuste fiscal – o Cruzadinho. Contudo, o plano foi um fracasso e a expectativa do descongelamento deu um novo impulso a demanda. Em um mercado interno superaquecido, a brusca queda das exportações levou a deterioração das contas externas.
Assim, foi lançado o Cruzado II, pacote fiscal que visava aumentar a arrecadação do Governo, através do reajuste nos preços públicos e aumento de impostos indiretos, provocando um choque inflacionário, que se tornou uma válvula de escape para toda a inflação reprimida, o que forçou a indexação a voltar a plena carga. Contando com uma retração da demanda, o Governo cedeu a liberalização dos preços, que junto a queda do salário real, a elevação das taxas de juros, o aumenta da incerteza e novos limites as importações de matérias primas e bens intermediários – devido a escassez de reservas cambiais – levaram a queda das vendas. Porém, o Governo se viu obrigado a decretar a moratória da dívida externa.
No meio de 87, com a inflação ultrapassando os 20% ao mês, entra, no Ministério da Fazenda, Bresser Pereira com o Plano Bresser, que determinou uma nova fórmula de indexação para os salário para depois de seu congelamento por três meses, o que aumentou a defasagem entre a taxa de inflação observada e a repassada; houve, também, um reajuste dos preços e seu congelamento por três meses. No campo externo, o cruzado foi desvalorizado, mas não foi congelado, já que não se buscava uma desindexação plena, nem uma “inflação zero”, mas, ao contrário, foi reestabelecido as minidesvalorizações diárias, porém num ritmo menor. No campo monetário e fiscal, houve a adoção de taxas de juros reais positivas e uma modesta diminuição do déficit público.
A inflação, que diminuiu num primeiro momento, teve origem na flexibilidade do novo congelamento, que permitiu que os preços aumentados antes fossem repassados, diminuindo, assim, a tranferência de renda para o setor público. Já o desaquecimento da demanda interna e o restabelecimento da confiança na política cambial levaram o saldo da balança comercial de um déficil de US$ 40 milhões, no início de 87, para um superávit de US$ 1,4 bilhão, no meio do ano. Já a poupança nacional não mais se completaria com a poupança externa forçada, mas sim com a poupança do Governo.
A pressão inflacionária forçou o Governo a reduzir a quantidade de preços controlados e permitir alguns reajustes, aumentando a inflação. Com o fracasso, Bresser pede demissão e começa a política do “feijão com arroz”, que visava a redução do déficit público, a estabilização da inflação e suspensão da moratória da dívida pública. Porém, com a recomposição das tarifas públicas e dos preços administrados, a inflação foi acima dos 24% ao mês, no segundo semestre de 88, tornando evidente o fracasso da política.
No final de 88, cria-se a nova Constituição brasileira, dificultando um novo ajuste fiscal, pois 92% da receita da União já estaria comprometida. Em 89, lança-se o Plano Verão, que promoveu a criação do cruzado novo, estabelecido em mil cruzados, e a desindexação da economia, além de taxas de juros reais elevadas e modestos cortes nas despesas públicas. Houve, ainda, um reajustamento dos preços públicos e administrados e o posterior congelamentos dos preços. Adotou-se, também uma taxa de câmbio fixa.
Devido a falta de credibilidade do Governo e a ausência de âncoras inflacionárias, dada a desindexação, a inflação dependia das expectativas inflacionárias, que contavam com expectativas adaptativas reforçadas pelos sucessivos fracassos. Os ganhos promovidos por elevadas taxas de juros reais, a redução do imposto de renda e o medo de novos reajustes de preços neutralizaram os efeitos contracionistas do plano. Já a balança comercial atingiu superávits recordes. Aos poucos, foi criado um novo indexador oficial e descongelado os preços, exceto para segmentos oligopolistas e monopolistas. Além disso, a nova política salarial acabou por reestabelecer os reajustes mensais, com uma realimentação inflacionária muito mais rápida.
O plano foi, mais uma vez, um fracasso, com a inflação chegando 84% em março de 90. Pode-se, então, caracterizar a década de 80 como uma “década perdida”.

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