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Exercícios de micro-história

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Exercícios de micro-história
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M Ô N I C A R I B E I R O D E O L I V E I R A
C A R L A M A R I A C A R V A L H O D E A L M E I D A
O R G A N I Z A D O R A S
Exercícios de micro-história
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Copyright © 2009 Mônica Ribeiro de Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida 
Direitos desta edição reservados à EDITORA FGV
Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 
22231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil 
Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427 
Fax: 21-3799-4430 
E-mail: editora@fgv.br | pedidoseditora@fgv.br
www.fgv.br/editora
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou 
em parte, constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98).
Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor.
Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 
aprovado pelo Decreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto 
no 6.583, de 29 de setembro de 2008.
1a edição — 2009
Versão digital — 2012
PreParação de originais: Daniela Duarte Candido, Maria Lúcia Leão Velloso 
de Magalhães, Sandra Frank
revisão: Adriana Alves Ferreira e Catalina Arica
CaPa e diagramação: Santa Fé ag.
 
 
 
Ficha catalográfica elaborada pela 
 Biblioteca Mario Henrique Simonsen / FGV
 Exercícios de micro-história / Organizadores: Mônica Ribeiro de 
Oliveira e Carla Maria Carvalho de Almeida. — Rio de Janeiro : Editora 
FGV, 2009.
 300 p.
 Inclui bibliografia.
 ISBN: 978-85-225-0898-3
 1. História — Metodologia — Coletânea. 2. Historiografia — 
Coletânea. 3. História social — Coletânea. I. Oliveira, Mônica Ribeiro 
de. II. Almeida, Carla Maria Carvalho de. III. Fundação Getulio Vargas. 
 
 CDD – 907-2
Sumário
Apresentação 7
Mônica Ribeiro de Oliveira 
e Carla Maria Carvalho de Almeida
Prefácio 11
Giovanni Levi
Parte I: A micro-história e seus precursores 17
1. Microanálise e história social 19
Edoardo Grendi
2. Paradoxos da história contemporânea 39
Edoardo Grendi
3. Reciprocidade mediterrânea 51
Giovanni Levi 
4. Economia camponesa e mercado de terra 87
no Piemonte do Antigo Regime
Giovanni Levi 
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Parte II: O diálogo com a história e a historiografi a 111
5. Delio Cantimori: um diálogo com a história da cultura 113
Cássio da Silva Fernandes 
6. Pensando as transformações e a recepção da micro-história 
no debate histórico hoje 131
Henrique Espada Lima
Parte III: Exercícios de micro-história 155
7. O capitão João Pereira Lemos e a parda Maria Sampaio: 
notas sobre hierarquias rurais costumeiras no Rio de Janeiro do século XVIII 157
João Fragoso 
8. Indivíduos, famílias e comunidades: trajetórias percorridas no tempo 
e no espaço em Minas Gerais — séculos XVIII e XIX 209
Mônica Ribeiro de Oliveira
9. Redes de compadrio em Vila Rica: um estudo de caso 239
Renato Pinto Venâncio 
10. Os vínculos interfamiliares, sociais e políticos da elite mercantil 
de Lima no fi nal do período colonial e início da República: 
estudos de caso, metodologia e fontes 263
Cristina Mazzeo de Vivó
Sobre os autores 297
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Apresentação
Mônica Ribeiro de Oliveira
Carla Maria Carvalho de Almeida
A grande ressonância da perspectiva metodológica da micro-história 
é hoje um fenômeno inquestionável. Esse movimento, inicialmente 
restrito à produção historiográfi ca italiana, vem ganhando adeptos 
em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Desde as últimas décadas do século XX, os questionamentos à 
validade das grandes sínteses começaram a chamar a atenção para o 
perigo de se excluir o sujeito da história ou de se perder a historici-
dade de suas ações. As análises estruturais baseadas em grandes cor-
tes cronológicos e na quantifi cação não incorporariam a ação do 
sujeito como ator histórico importante na defi nição do rumo dos 
fenômenos e dos processos históricos. E mais ainda — e em decor-
rência disso —, não conseguiriam compreender as estratégias indi-
viduais que podiam tornar mais compreensível aquela realidade mais 
estrutural. Também não permitiriam apreender as ações daqueles 
atores históricos que eram motivadas por outras lógicas que não as 
da sociedade contemporânea. Outra ordem de problemas levantados 
por esses questionamentos dizia respeito à organização comparti-
mentada da disciplina história, o que acabou por criar fronteiras rí-
gidas entre as histórias social, econômica, política e cultural.
Em meio aos grandes embates travados por força de tais pondera-
ções, teve início um processo de compreensão de que seria necessário 
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8 repensar o papel do sujeito na história e reduzir a escala de observação. 
A experiência — individual ou coletiva — resgatada empiricamente 
passou a desempenhar um papel mais destacado no trabalho dos his-
toriadores do que as explicações baseadas nas deduções lógicas que as 
grandes sínteses teóricas produziam.
A micro-história italiana foi uma das respostas formuladas a partir 
de tais questionamentos. Ao conceber a priori toda a história como 
social e ao buscar uma alternativa de análise capaz de transcender as 
análises de cunho generalizante dos denominados agregados anôni-
mos, a micro-história surgiu como uma proposta de análise dinâmi-
ca da sociedade que não impunha ao estudo do passado uma ordem 
artifi cial e automática. A micro-história propõe uma refl exão histó-
rica em constante busca da totalidade, mesmo sendo esta compreen-
dida como resultante do reconhecimento da ação individual e da 
percepção de sua trajetória. Parte do pressuposto de que os indivídu-
os e os grupos têm uma complexidade difícil de ser reduzida aos fe-
nômenos econômicos ou políticos. O interesse volta-se para a análi-
se das diferenças, dos confl itos e das escolhas, situações em que a 
complexidade dos fenômenos históricos teria maior possibilidade de 
ser resgatada. A micro-história propõe um procedimento quase ar-
tesanal de aproximação do objeto, à semelhança do olhar através de 
um microscópio, que revela uma série de aspectos antes impossíveis 
de detectar pelos procedimentos formais da disciplina. Utilizando-se 
da redução de escala de observação para o entendimento de questões 
mais gerais, a micro-história resgata o elo entre o micro e o macro.
Este livro é em grande parte resultado das refl exões desenvolvidas 
durante o II Colóquio do Lahes: Micro-História e os Caminhos da 
História Social, realizado em outubro de 2008 na Universidade Fede-
ral de Juiz de Fora (UFJF), com o apoio da Fapemig, da Capes e do 
PPGHIS/UFJF. O Laboratório de História Econômica e Social (Lahes), 
criado em 1997, está ligado à linha de pesquisa História, Mercado e 
Poder, do Programa de Pós-Graduação em História da UFJF. Nesse 
encontro, o objetivo foi defi nir alguns eixos temáticos caros à história 
social (redes sociais, família, parentesco, estratégias sociais) e discutir 
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9até que ponto as proposições da micro-história se adequam aosobjeti-
vos dos historiadores que lidam com tais temas, ou se outras opções 
metodológicas seriam mais apropriadas para abordá-los.1 
Na primeira parte do livro, dedicada aos precursores da micro-
história, são apresentados à comunidade acadêmica brasileira, tradu-
zidos para o português, quatro importantes textos de Edoardo 
Grendi e Giovanni Levi. Os dois primeiros — “Microanálise e his-
tória social” e “Paradoxos da história contemporânea” —, de 1977 
e 1981, respectivamente, e ainda inéditos em língua portuguesa, são 
da autoria de Edoardo Grendi, considerado o principal responsável 
pela difusão desse campo de investigação e pela dimensão que o 
debate teórico sobre a micro-história alcançou, a partir da década de 
1970, através do periódico italiano Quaderni Storici.
Originariamente publicados em 1990 e 2000, e também inéditos 
em língua portuguesa, os outros dois textos que compõem a primei-
ra parte deste livro são da autoria de Giovanni Levi. Em “Recipro-
cidade mediterrânea”, partindo das noções de equidade, analogia e 
reciprocidade, Levi discute as especifi cidades das formas jurídicas das 
nações católicas do sul da Europa e sugere uma polarização entre 
países com direitos fortes em que a lei restringe a liberdade de inter-
pretação dos juízes e países em que a origem teológica do conceito 
de justiça permite aos juízes uma ampla margem de interpretação, 
mediante uma leitura muito específi ca da equidade. No texto “Eco-
nomia camponesa e mercado de terra no Piemonte do Antigo Regi-
me”, Giovanni Levi emite valiosos alertas aos historiadores interes-
sados em investigar as transações mercantis com a terra nas sociedades 
da Idade Moderna. Segundo Levi, a terra era a base da produção, 
mas também do sistema de poder e de proteção social que caracteri-
zava todo o sistema político nessas sociedades. Assim sendo, “a cir-
culação mercantil da terra, não impossível, mas complexa e viscosa, 
obstaculizava a fl uidez: direitos familiares, senhoris, comunitários, 
1 Para a organização desse evento e da presente obra contamos com o precioso 
apoio do professor dr. Cássio da Silva Fernandes, da professora dra. Ângela Brandão 
e do professor dr. Henrique Espada Lima.
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10 monárquicos, enfi m, contribuíam para fazer da terra algo que só 
muito arbitrariamente podia ser considerado um investimento pelo 
mercado”. Nos dois textos fi cam evidentes as especifi cidades das so-
ciedades modernas cujas lógicas de funcionamento são muito distin-
tas daquelas que caracterizam as sociedades capitalistas. Presente ao 
II Colóquio, Giovanni Levi brindou ainda a todos com as importan-
tes refl exões contidas no prefácio deste livro, no qual traça uma bre-
ve trajetória da micro-história, desde sua origem à ressonância nos 
meios acadêmicos, e deixa também explícita sua própria concepção 
de micro-história e sua expectativa em relação ao seu devir.
Na segunda parte, são apresentados dois textos de caráter historio-
gráfi co. Em “Delio Cantimori: um diálogo com a história da cultu-
ra”, Cássio da Silva Fernandes procura discutir as interlocuções possí-
veis entre micro-história, história da cultura e história interpretativa, 
analisando alguns aspectos do percurso de Delio Cantimori que tan-
genciariam a perspectiva metodológica que depois de sua morte fi cou 
conhecida como micro-história. Em “Pensando as transformações e a 
recepção da micro-história no debate histórico hoje”, Henrique Espa-
da Lima trata das transformações e da recepção da micro-história no 
debate histórico atual, centrando sua atenção no panorama intelectu-
al mais amplo que transformou de modo signifi cativo o campo da 
história social entre os anos 1970 e tempos mais recentes. 
Na terceira e última parte do livro, a exemplo da exortação de 
Giovanni Levi em sua última frase do Prefácio, os historiadores João 
Fragoso, Mônica Ribeiro de Oliveira, Renato Pinto Venâncio e 
Cristina Mazzeo de Vivó apresentam suas pesquisas empíricas volta-
das para o resgate de como os homens organizavam suas vidas no 
passado, e o signifi cado e o sentido do mundo para indivíduos, famí-
lias, aventureiros, escravos e comerciantes. Ou seja, os quatro últimos 
capítulos constituem bons exemplos de exercícios de micro-história.
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Prefácio*
Giovanni Levi
Farei uma imagem muito particular da micro-história ao dizer que seu 
surgimento no fi nal dos anos 1960 teve para mim, antes de tudo, uma 
origem política. Eram anos de cansaço para a esquerda italiana, nos 
quais muitas tensões e muitos acontecimentos misteriosos e jamais so-
lucionados — entre a restauração conservadora depois do outono quen-
te e o ano de 1968, o terrorismo, atentados e a desconfi ança do movi-
mento sindical e das suas instâncias conciliares e igualitárias —, tinham 
posto em evidência a fragilidade das forças progressivas na Itália e os 
limites e a inércia de suas análises políticas. Filha de uma longa tradição 
operária, a esquerda italiana se afi rmou segundo o pertencimento de 
classe, escolhas políticas e ideológicas. E diante da profunda mutação da 
ordem econômica e social, as simplifi cações de leitura começavam a 
revelar toda a sua esterilidade. Isso era tanto mais verdadeiro na histo-
riografi a, na história do movimento operário, quanto na interpretação 
histórica do desenvolvimento distorcido da economia italiana.
A micro-história nasceu então, pelo menos para mim, da neces-
sidade de recuperar a complexidade das análises; da renúncia, por-
tanto, às leituras esquemáticas e gerais, para realmente compreender 
como se originavam comportamentos, escolhas, solidariedades.
∗ Tradução de Ângela Brandão.
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12 Havia modelos importantes dessa refl exão, a começar pela leitura 
de Gramsci feita pela historiografi a marxista inglesa — E. P. Thomp-
son em particular —, ou pelo trabalho minucioso dos antropólogos 
de Manchester — Clyde Mitchell, por exemplo —, ou por pesqui-
sadores no fundo isolados, mas muito inovadores, como Natalie Ze-
mon Davis. E, portanto, na redação da revista Quaderni Storici, com 
a qual muitos de nós colaborávamos (Edoardo Grendi, Carlo Poni, 
Carlo Ginzburg), teve início o debate do problema que poderíamos 
defi nir como de recuperação da complexidade.
Em 1980/1981, surgiu assim a coletânea Micro-histórias, lançada 
pelo editor Einaudi, com um breve manifesto — “Notiziario Ei-
naudi”, de junho de 1981 — que, apesar de levar minha assinatura, 
era produto do debate com outros pesquisadores, sobretudo com 
Ginzburg, com quem passei depois a dirigir a coleção. Acredito que 
esta seja uma boa ocasião para me referir a esse documento, que, 
depois, pareceu-me injustamente desaparecido da discussão.
Os historiadores discutem frequentemente suas classifi cações, 
como o duque d’Auge no Flores azuis, de Queneau, ao interrogar 
dom Biroton, o capelão:
— Diga-me uma coisa, este Concílio de Basileia é história universal?
— Mas sim: é história universal em geral.
— E os meus canhõezinhos?
— História geral em particular.
— E o matrimônio das minhas fi lhinhas?
— Com esforço, é história acontecimental. No máximo, micro-
história.
— História como? – grita o duque d’Auge – que diabo de lin-
guagem é essa? Que dia é hoje? Pentecostes?
— Queira desculpar-me, senhor. Efeitosdo cansaço.
Essa irônica hierarquia das histórias e o cansaço do capelão são, 
por certo, muito diversos das motivações que deram origem à cole-
tânea Micro-histórias. A condenação do acontecimento em prol dos 
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13fenômenos estruturais é uma discussão que então teve o seu tempo. 
Mas o problema permanece. Como fazer para chegar às generaliza-
ções sem descartar os indivíduos, as situações? Ou, vice-versa, como 
descrever situações, pessoas, sem cair em tipologias, exemplos, e sem 
renunciar à compreensão dos problemas gerais?
Talvez seja partindo desse problema insolúvel que os historiado-
res frequentemente são levados a falar de suas insatisfações, muitas 
vezes confrontadas com a descoberta de situações novas, objetos no-
vos. O resultado corre o risco de ser um tanto lamentável: a histo-
riografi a excluiu as classes populares, as mulheres, as culturas orais, 
a vida cotidiana, os mundos marginais, as sociedades diferentes da 
nossa. E não quero, por certo, subtrair minha parte de lamentação. 
Mas não basta falar de alguém para incluí-lo na história do mundo, 
para mostrar sua presença e relevância. O importante é como falar 
desse alguém.
A micro-história pretende ser antes de tudo uma tentativa: narra, 
mas sem esconder as regras do jogo que o historiador seguiu. Cer-
tamente, não apenas remetendo aos documentos — isso faz parte da 
ética profi ssional —, mas por meio de uma clara declaração do pro-
cesso pelo qual a história foi construída: os caminhos certos e erra-
dos, o modo de formular as perguntas e procurar as respostas. Por-
que o minucioso trabalho de laboratório não deve permanecer 
escondido, e a receita não deve permanecer um segredo do cozi-
nheiro. Porque talvez os verdadeiros excluídos da atenção dos his-
toriadores não sejam os protagonistas descuidados dos eventos, mas, 
sim, os leitores esmagados pelas pesadas interpretações gerais, pelas 
opiniões discutidas com as armas díspares de quem escreve e de 
quem lê, pelos mecanismos causais simplifi cados e estabelecidos a 
partir de uma percepção tardia. Por essas indagações serem feitas a 
partir da revelação do nome do assassino, o verdadeiro excluído é o 
consumidor de livros de história.
Portanto, a micro-história não é, necessariamente, a história dos 
excluídos, dos pequenos, dos distantes. Pretende ser a reconstrução 
de momentos, de situações, de pessoas que, investigadas com olho 
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14 analítico, em âmbito circunscrito, recuperam um peso e uma cor; 
não como exemplos, na falta de explicações melhores, mas como re-
ferências dos fatos à complexidade dos contextos nos quais os homens 
se movem.
A escala é habitualmente reduzida e isso coloca repentinamente 
em discussão os instrumentos conceituais do nosso ofício: desgasta-
dos pelo uso, entre alusão e metáfora, cobriram-se da ferrugem da 
ambiguidade. Pensemos, por exemplo, nas defi nições cômodas que 
agora se dão para explorar posicionamentos e comportamentos po-
líticos ou estratifi cações sociais de poder: cultura popular, setores 
médios, classe operária, Estado absoluto, camponeses. Malgrado sua 
utilidade hoje, requerem cada vez mais a especifi cação e a verifi ca-
ção das situações concretas, nas quais o indivíduo abstrato torna a 
pertencer, na realidade, a uma forma particular de sociedade, cujas 
circunstâncias concretas permitem compreender os sucessos e os in-
sucessos dos seus esforços para mudá-la.
Ao escolhermos os títulos da coletânea, partimos dessas conside-
rações, que nos propunham duas alternativas não mistifi cadoras para 
o estudo dos mecanismos causadores de fatos sociais. Por um lado, o 
consciente isolamento de um sistema normativo — as leis dos matri-
mônios consanguíneos do livro de Raul Merzario, por exemplo —, 
sem introduzir sub-repticiamente a pretensão de que isso explique 
uma sociedade em sua complexidade: é o isolamento de um frag-
mento sob a lente do pesquisador e do leitor que, para funcionar, 
estará imerso no contexto complexo, mas que experimentalmente se 
faz mover no vazio. Por outro lado, o próprio estudo das situações ou 
pessoas no seu contexto, isto é, na complexa relação de escolha livre 
e dos vínculos que indivíduos e grupos estabelecem nos interstícios 
da pluralidade contraditória dos sistemas normativos que coman-
dam. Essas escolhas e contradições são o motor interno da mutação 
social, que, desse modo, não é vista em sentido único, como um 
poder imóvel e imutável apenas nos momentos extraordinários de 
revolta aberta, mas como fruto de um contínuo confl ito, cujos efei-
tos o historiador pode mensurar. O normal e o cotidiano tornam-se 
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15assim protagonistas da história, e situações singulares assumem a in-
tensidade dos pontos de vista pelos quais se podem explicar os fun-
cionamentos sociais complexos.
Muito frequentemente, as explicações que elucidam os mecanis-
mos casuais tendem a descrever o passado como um feroz mecanismo 
de necessidades biológicas, políticas, econômicas. Introduziu-se, as-
sim, uma visão evolucionista, apologética do presente e do fato exis-
tente. Nesse sentido, as duas alternativas que procuraremos docu-
mentar e as regras em confl ito atuantes em cada situação pretendem 
também ser uma perspectiva de pesquisa diferente. Os escritos de E. 
P. Thompson, que estão na raiz de toda a renovação da história so-
cial, são, segundo o autor, uma resposta àqueles que descrevem “o 
homem como subjugado pela necessidade e sobre o qual domina um 
único absoluto”.
As palavras-chave eram então evidentes: lente ou microscópio, 
experimento, contestação, complexidade, escolha, vínculos, inters-
tícios, confl ito, ponto de vista. Mais uma série de práticas e de mé-
todos do que uma teoria. Todavia, a proposta da micro-história atin-
gia um mundo historiográfi co muito sensível. Não foi apenas o tom 
de reviravolta que caracterizou os anos 1980 desde o seu início. 
Também a crise do sistema soviético que se avizinhava e a fragmen-
tação do sistema mundial depois do fi m da bipolaridade fi zeram sen-
tir, com brutal evidência, seus efeitos no debate historiográfi co, pon-
do em crise a historiografi a de inspiração marxista, mas também de 
modo mais geral a história social, a experiência central dos Annales 
franceses, que falavam de ponto de mutação, ou dos Subalterns studies 
indianos, que abandonaram o marxismo para voltar sua atenção de 
modo especialmente confuso para os estudos pós-coloniais: no cen-
tro das atenções progressivamente apareceram temáticas culturais 
que pouco a pouco se abriram às dúvidas relativísticas do descons-
trutivismo ou à identifi cação da historiografi a com a fi cção. Afi nal, 
a própria historiografi a perdera sua centralidade nas ciências huma-
nas, porque é difícil estudar o passado quando não há perspectivas de 
futuro e também porque o papel central que desempenhara até os 
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16 anos 1960 a tinha atrasado com relação ao debate que outras ciências 
humanas travavam, sobretudo no que diz respeito à defi nição de 
uma racionalidade incompleta e não uniforme na teoria econômica, 
à autoridade do cientista na antropologia,à ambiguidade das identi-
dades pessoais e a não linearidade do personagem homem na teoria 
literária e no romance. E, contemporaneamente, também o senso 
comum historiográfi co tinha mudado devido à simplifi cação e à agi-
lidade com que os mass media propunham temáticas, que a lentidão e 
a complexidade da pesquisa histórica não estavam em condições de 
fazer frente sem uma profunda renovação. E também os leitores ti-
nham diminuído, frequentemente mais atraídos pelas imagens do 
que pela página escrita, mais pela internet do que pelos livros. Uma 
atmosfera modifi cada que hoje ainda encontra difi culdade para se 
organizar em um quadro mais sólido.
Também a micro-história, pressionada por todos os lados, sofreu 
alterações, interpretações distorcidas, simplifi cações. No entanto, 
sua proposta teve e continua a ter forte ressonância, também porque 
revelou, a meu ver, maior sensibilidade do que a história mais acadê-
mica às novas instâncias que os novos pesquisadores e os novos leito-
res colocavam. Quis, no fundo, mostrar não a fragilidade das gene-
ralizações em história, mas que aquilo que o historiador pode e deve 
generalizar são as perguntas, que podem ser colocadas em contextos 
de temporalidades e espacialidades diferentes, deixando às situações 
singulares a sua especifi cidade irrepetível. Em um mundo que não 
acredita mais na possibilidade de encontrar fundamentos comuns e 
universais, a indagação sobre como organizar os homens e dar senti-
do ao mundo de cada um continua a exigir de nós exercícios de 
micro-história.
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A micro-história e 
seus precursores
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1
Microanálise e história social*
Edoardo Grendi
1
No número 34 de Quaderni Storici, Villani e Romanelli retomam a 
discussão sobre a história (social) contemporânea.1 O primeiro, um 
típico “otimista”, tenta descobrir a nova alvorada em uma série de 
trabalhos recentes de valor e coerência desigual; o segundo, um tí-
pico “pessimista”, pergunta-se por que a alvorada não chega e atri-
bui a culpa disso aos esquemas práticos e mentais dos historiadores 
contemporaneístas. Tal “reifi cação” acontece em duas direções: 
contra a simplifi cação ideológico-política da análise marxista como 
princípio historiográfi co, e contra a simplifi cação teórica que deriva 
da aceitação generalizada de categorias e de um modelo interpreta-
tivo destinados a explicar um processo histórico específi co, como a 
1 Os textos a que Grendi faz referência aqui são Villani (1977) e Romanelli (1977).
* Tradução e notas de Henrique Espada Lima do artigo “Microanalisi e storia so-
ciale”, publicado em Quaderni Storici, v. 12, n. 35, p. 506-520, ago. 1977. O texto é, 
na verdade, uma intervenção em um debate sobre história social que acontecia nas 
páginas da revista e seguiu textos publicados por Pasquale Villani e Raffaele Roma-
nelli, dois historiadores da Itália contemporânea. O debate em torno da história 
social continuou em outros artigos, mas este texto em especial acabou por tornar-se 
uma referência central no debate sobre a microanálise social e, a partir daí, sobre as 
escolhas metodológicas da chamada “micro-história” italiana.
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20 revolução industrial e o capitalismo ingleses. Consequentemente, a 
crítica é dupla, no sentido de que uma simplifi cação se sobrepõe à 
outra. Daí uma conclusão cética, temperada ou acentuada, como se 
diz, por um tipo de escatologia historiográfi ca, confi ada à microa-
nálise. Menos dramaticamente, Villani, que prefere o “devir histo-
ricista”, vê na microanálise histórica um momento complementar e 
subalterno a um trabalho de síntese, colocando explicitamente o 
problema da reconstrução da estratifi cação social na escala nacional 
em uma perspectiva de “grandes problemas” — mas sem indicar o 
suporte analítico e os modos operativos. Um exemplo de “simplifi -
cação teórica”? Com efeito, os grandes problemas adquiriram certa 
dimensão intuitivo-ideológica: um pouco como aquele sujeito que 
invariavelmente responde às nossas perguntas remetendo-se à com-
plexidade do real — o que, no fi m das contas, acaba sendo um con-
vite para deixar para lá.
Uma atitude, de todo modo, bastante difundida: a história social 
é identifi cada com a questão das classes, da estratifi cação e da estru-
tura social, partindo-se do pressuposto de que se trata de realidades 
em si, objetais. A esse propósito cabe recordar a polêmica dos antro-
pólogos (de Edmund Leach em diante) contra essa entifi cação da 
estrutura — a estrutura de parentesco, por exemplo —, coerente 
com o ponto de vista de E. P. Thompson, que nega essa realidade em 
si à classe, propondo-a, ao contrário, como “relação”. Mas vale tam-
bém o ensinamento que os historiadores podem tirar dos trabalhos 
de Adeline Daumard e de seus colaboradores, nos quais as classes são 
empiricamente articuladas nos grupos socioprofi ssionais, assim como 
fazem os marxistas, que distinguem “classe em si” e “classe para si”, 
tendo como base aquela discriminante “consciência” que precisa-
mente Thompson resolve na relação (que ele tenha feito isso em 
termos impressionistas e literários, essa é outra questão).
Se esse é, aproximadamente, o emaranhado crítico ante o qual nos 
encontramos, é preciso considerar a possibilidade da pesquisa histórica 
a partir de seu ângulo analítico. Não há dúvida de que a abstração em 
termos de profi ssões e níveis de fortuna permite o máximo de agre-
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21gação geral (basta “contar”), prescindindo, obviamente, das infi nitas 
possibilidades das agregações ideológico-intuitivas, manipuláveis a 
gosto. O fato é, porém, que essa pesquisa acaba revelando sua própria 
qualidade abstrata, de modo a exigir integrações complementares, 
que remetem a um exame dos comportamentos: para qualifi car tanto 
os grupos — por exemplo, os “estilos de vida” ou os regimes alimen-
tares — quanto à relação entre os grupos — como interagem, como 
um é refl exo da consciência do outro. De modo que o projeto agre-
gativo corre o risco de fraturar-se: o exame das relações entre grupos 
(e nos grupos) impõe uma rígida concretude socioparcial.
Sublinhemos a passagem analítica do conceito de classe ao de gru-
po social: não sem razão Eric Wolf lamentou a carência de uma teo-
ria dos grupos sociais na elaboração teórica marxista, o que acabou 
por confi nar o conceito de classe a uma dimensão de pré-julgamento, 
isto é, não analítico-operativa. E esses grupos sociais podem ser qua-
lifi cados diversamente, integrando-se dados (idade, sexo, riqueza, 
profi ssões) e comportamentos (residência, escolha no cônjuge, alian-
ça/rivalidade etc.). Gostaria de recordar a Villani o interesse de algu-
mas pesquisas recentes — Le Couturier, A. Anderson, J. Foster —, 
que propõem, em termos rigorosamente quantitativos, o exame das 
solidariedades sociais, cruzando, assim, dados e comportamentos.
Vale a pena observar a propósito como a nova história urbana re-
corre sistematicamente não aos censos, mas à revelação de base cons-
tituída pelos “formulários de recenseamento”, anterioresa qualquer 
elaboração: e isso corresponde a uma verdade óbvia, isto é, a diferen-
ça entre os objetivos dos historiadores de hoje e os das autoridades 
censitárias de ontem. O recurso aos formulários de dados das famí-
lias individuais é um pressuposto de toda integração prosopográfi ca 
e, portanto, da própria base concreta da pesquisa analítica; partir dos 
censos elaborados signifi ca já condicionar unilateralmente o traba-
lho, abstrair o social, envolver-se em um confronto estéril com as 
categorias de agregação das autoridades administrativas do passado.
Como deixar de lado, por exemplo, um aspecto de relevância já 
comprovada, como o da correspondência entre a morfologia social e 
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22 a morfologia da ocupação do espaço, na qual insistem de comum 
acordo historiadores antigos e medievais, antropólogos e sociólogos, 
e que a própria dinâmica das cidades contemporâneas repropôs e 
repropõe constantemente? O mesmo se aplicando ao exame dos 
comportamentos matrimoniais, um tema recente da história demo-
gráfi ca, mas desde sempre um tema óbvio para a qualifi cação das 
homogeneidades dos grupos sociais. Nesse sentido, de resto, os te-
mas de análise têm por destino multiplicar-se também em termos 
qualitativos, quando amadurecer uma metodologia adequada.
E é por esse caminho, que exige certamente um maior esforço de 
trabalho, que poderá ser colocada uma questão igualmente impor-
tante como a do crescimento da escala social, isto é, da ampliação da 
unidade socioparcial relevante. Mesmo que ainda não saibamos como 
operar no domínio histórico-analítico para corresponder ao diagnós-
tico dos processos de unifi cação cultural em andamento como efeito 
de uma estruturação institucional articulada, da alfabetização, da po-
litização e dos modelos de imitação. Coloquemos uma simples ques-
tão: a industrialização distinguiu ou uniformizou as estruturas so-
ciais? Posto nesses termos, o problema cabe à história comparativa, e 
uma vez que faz obviamente referência a espaço e tempo, torna-se 
difícil ver como proceder de outro modo que não através de uma 
série de case studies, para depois, eventualmente, considerar tipolo-
gias. Villani parece postular que existe um mapa mudo de dimensões 
nacionais (o do censo) a ser preenchido com sinais conhecidos ou, de 
todo modo, pré-constituídos (as classes ou os grupos socioprofi ssio-
nais retirados dos censos). Na base, o que opera aqui é o mesmo 
processo de simplifi cação teórica que Romanelli denuncia: a expec-
tativa de que por esse caminho se possa chegar a quadros comparáveis 
no tempo, que qualifi quem a dinâmica social como progresso, sem-
pre prescindindo do espaço, segundo os módulos correntes do mode-
lo liberal-marxista. Esse é, de fato, o “devir historicista”, o “sentido” 
para Romanelli, ante o qual a microanálise vale como uma “suspen-
são do juízo, uma tomada de consciência da perda de sentido — que 
me parece o primeiro passo da reconquista de uma verdade”. Aceite-
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23mos a apresentação retórica de uma inversão de valores (sentido/não 
sentido). Na verdade, reconheço uma disjunção entre as teses teóri-
cas do pensamento dominante às quais se refere Romanelli e grande 
parte dos produtos historiográfi cos, considerados uma ilustração de 
uma operatividade analítica independente. Com relação às teses que 
não dizem respeito apenas ao modelo do capitalismo industrial, a 
perspectiva de microanálise histórica que se tenta ilustrar aqui tem 
certamente um signifi cado radicalmente contestatório.
2
Vale indicar de imediato o “campo de interesse” específi co, mesmo 
com o risco de cair no ridículo da abstração mais grave, aquela do 
concreto total. Digamos que se trate do “universo relacional”; por-
tanto, do campo das relações interpessoais, forçosamente válido para 
uma microárea. Essa escolha explica o interesse pela história demo-
gráfi ca, ou seja, a disciplina que coloca seus problemas em relação 
direta com a sociedade total. Que a demografi a faça isso recorrendo 
antes de tudo a números e, em particular, para contar eventos vitais 
é relativamente secundário. De fato, a reconstrução das famílias per-
mite a identifi cação desses núcleos-base, a qualifi cação de sua situa-
ção em um ciclo de desenvolvimento, a posterior elaboração de ge-
nealogias. Os apontamentos daí derivados podem ser enriquecidos, 
antes de tudo, a partir da utilização mais sistemática da própria fonte 
dos registros paroquiais, identifi cando, por exemplo, testemunhas de 
núpcias, padrinhos de batismo e de crisma, operações que permitem 
mapear relações não secundárias. E ainda, sobretudo, a partir do es-
tudo de fontes até agora pouco utilizadas, como contratos notariais, 
atos de jurisdição civil e criminal, cadastros, parlamenti, registros con-
tábeis, atos privados que remetem a fontes “centrais” de caráter judi-
ciário, contábil, fi scal, político, censitário. Cada informação exprime 
um dado ou, mais frequentemente, uma relação. Existe assim a pos-
sibilidade de reconstruir histórias de família e, às vezes, por alguma 
feliz coincidência de fontes, histórias individuais sufi cientemente ri-
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24 cas — típicas ou excepcionais —, sendo ainda possível pôr em relevo 
relações interindividuais contínuas, isto é, estruturadas (por exem-
plo, relações de débito/crédito).
Consideremos o cartório. Podemos distinguir nele diversos tipos 
de informações, como doações, testamentos, reconhecimento de dé-
bitos (dos mais diferentes tipos), quitações, vendas, aluguéis, contra-
tos de trabalho, procurações, arrendamentos, e ainda reuniões de 
ordens e irmandades, congregações religiosas, universidades, comu-
nidades etc. A linguagem e o tipo de relação documentadas valem 
como documentos históricos no sentido pleno da expressão: além de 
revelarem as relações entre dois ou mais sujeitos, têm, também por 
isso, um sentido cultural, na medida em que atestam um costume ou 
uma tipicidade.
Apresenta-se nesse ponto um problema técnico específi co: o de 
como recolher os dados e como elaborá-los — um problema que Le 
Couturier, em particular, discutiu há tempos e que induziu outros a 
declarar a morte do historiador-artesão. Não pretendo, porém, tra-
tar dessa questão, mas da organização “conceitual” dos dados, que é, 
de resto, anterior à questão citada.
Considero que o estudo das sociedades camponesas, do que cos-
tuma se chamar de antropologia das sociedades complexas, pode 
oferecer diversas sugestões e instrumentos conceituais operativos. 
Isso, mesmo tendo consciência de que o mapeamento documental 
das relações interpessoais corresponde apenas aproximadamente à 
pesquisa de campo.
De resto, a rápida expansão dos estudos das comunidades euro-
peias nos anos 1960-1970 e na década corrente colocou o problema 
específi co da utilização das fontes históricas. W. A. Douglass (1975), 
comentando alguns desses trabalhos, insiste em que os dados do 
antropólogo não são apenas “o fl uxo da vida social assim como se 
desenrola diante dos olhos do observador participante”. O trabalho 
de campo é, em geral, breve demais, não podendo seguir direta-
mente os muitos ciclos de atividade que caracterizam mesmo as me-nores comunidades, o que justifi caria o recurso a enquetes, técnicas 
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25de amostragem, entrevistas informais e diretas, documentos escri-
tos. O que distingue a antropologia das outras ciências humanas, 
portanto, não é tanto a metodologia, mas a ênfase característica na 
abordagem holística para o estudo do comportamento humano, não 
obstante o fato de que, por óbvias razões heurísticas, seja sempre 
necessário impor limites para demarcar a pesquisa em curso. Dou-
glass sustenta a complementaridade entre trabalho histórico e traba-
lho antropológico; Davis, autor de uma pesquisa sobre Pisticci, fala 
a respeito de um “uso criativo da história”. O que ele entende por 
isso fi ca claro no capítulo 6 do seu People of the Mediterranean (1976). 
É difícil, contudo, encontrar desenvolvimentos ou exemplos poste-
riores desses temas e outros semelhantes, na medida em que se trata 
de uma questão que comporta uma correspondente defi nição do 
trabalho histórico que não o considera apenas, de modo redutivo, 
como a simples utilização de fontes escritas. Cole e Wolf (1974) de-
fi niram a relevância da história a partir da experiência de campo: 
“uma história das estruturas relevantes para a nossa zona, o seu de-
terminar-se no tempo e as suas relações recíprocas”.
Nós nos colocamos no outro extremo dessa perspectiva de com-
plementaridade. Mas é claro que não se trata de estabelecer uma 
relevância correspondente do presente com o passado, mas, por as-
sim dizer, de uma relevância “analógica”, que cria a possibilidade do 
emprego de conceitos e esquemas heurísticos ligados à supracitada 
abordagem holística e que tem consequências radicalmente críticas 
em contraposição a certos parâmetros setoriais que governam a pes-
quisa histórica e distinguem os campos de investigação — o políti-
co, o econômico, o religioso, o demográfi co, o social etc. —, fre-
quentemente correlacionados a disciplinas científi cas específi cas — a 
ciência econômica, a demografi a...
Problemas como aquele, de caráter histórico-demográfi co, do 
planejamento familiar em uma sociedade camponesa de ancien régime 
evocaram recentemente elementos de necessidade, de coerção cul-
tural no âmbito familiar e social que podem se revelar congruentes 
com modelos de explicação geral, como o do “familismo amoral” 
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26 de Banfi eld (1958) ou o da “imagem do bem limitado” de Foster 
(1965). O historiador volta sua atenção mais insistentemente para os 
elementos de necessidade econômica, embora dirija sua análise tam-
bém para o problema da distância entre os matrimônios no interior 
da família, considere as fases críticas do ciclo familiar, examine as 
práticas de sucessão hereditária e coloque em relevo seu papel con-
dicionante. Nesse campo, pode-se dizer, de todo modo, que o en-
contro entre os historiadores e os antropólogos já está acontecendo. 
Mas, se a verifi cação do comportamento factual é comum às duas 
disciplinas, uma característica parece permanecer distintiva no caso 
do antropólogo: a projeção cultural mais ampla. Pensemos, por 
exemplo, no signifi cado que o “ciclo de sucessão hereditária” assu-
me no citado trabalho de Cole e Wolf, na dicotomia que ele propõe 
entre ideologia e prática e, juntamente com isso, na relevância da 
distinção ideológica — primogenitura em São Félix, divisão iguali-
tária em Tret — para a organização das relações sociais nas duas al-
deias alpinas como um todo. Esse é um indubitável benefício do 
trabalho de campo: a possibilidade de se colher imediatamente as 
conexões entre fenômenos diversos, entre o problema que é objeto 
de análise e “o resto”, lá onde o historiador parece destinado a jus-
tapor uma série de análises distintas: o que não impede, analogica-
mente, que este último planeje e oriente sua estratégia analítica geral 
(e sucessiva).
Por outro lado, é verdade que o modelo cultural geral pode pri-
vilegiar um diagnóstico sintético e intuitivo, não plenamente cir-
cunstanciado pelas análises e, portanto, eventualmente preconcebi-
do. De todo modo, também a elaboração de temas como o papel da 
inveja como mecanismo de controle social ou os valores de honra e 
vergonha no processo de conformação da comunidade podem mos-
trar-se pertinentes considerando-se diretamente a qualidade das re-
lações interpessoais, mais difíceis de serem reconstruídas no domí-
nio da história. Pelo menos na falta de sua precisa institucionalização 
e guardadas, de todo modo, as possibilidades de “revelações” (sobre-
tudo nos documentos judiciários). Caracteristicamente, o historia-
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27dor trabalha com muitos testemunhos indiretos: nessa situação, o 
documento excepcional pode ser extraordinariamente “normal”, 
precisamente por ser revelador.
Sem dúvida, a orientação sincrônica comum às duas disciplinas 
sugere uma epistemologia funcionalista: o próprio tema diacrônico 
do ciclo familiar postula a reprodução cultural “simples” da socieda-
de que de algum modo resulta entifi cada na sua estrutura. Desse 
ponto de vista, não basta considerar uma tipologia das comunidades 
— como fez Wolf —, o que, apesar de ser um modo indireto de 
acolher o princípio da transformação (confronto de uma morfologia 
que postula a passagem de um tipo a outro), resolve analiticamente 
o problema dos nexos indivíduo-sociedade. Do ponto de vista da 
antropologia social, essa é a instância do assim chamado “individua-
lismo metodológico”.2 Da perspectiva histórica, pode-se supor que a 
justaposição das análises não aconteça de forma congruente e unidi-
recional, mas multidirecional, fazendo registrar margens estatísticas 
de desvio quanto ao signifi cado indubitável das congruências ou 
correlações. O próprio historiador-demógrafo registra fenômenos de 
divergência, com relação à continuidade de residência e endogamia, 
nos vértices e na base da comunidade. Todavia, divergências simila-
res de comportamento valem sobretudo para qualifi car os grupos 
sociais, isto é, para evidenciar regularidades diferenciais. Isso não 
impede que, por algum aspecto, a verifi cação das correlações não 
seja unívoca no interior de um grupo (qualifi cado pela correspon-
dência das outras), permitindo a identifi cação de fenômenos de des-
vio como elementos inovadores ou desagregadores, ou simplesmente 
marginais, da cultura da comunidade. Um modelo de divergência de 
grupo nos vértices da comunidade (sendo a exogamia e a mobilidade 
de residência certamente alguns desses elementos) exprime um típi-
co conceito antropológico, o do elite-broker, isto é, um mediador en-
tre a comunidade e a sociedade mais ampla: posição que tem uma 
importância estratégica fundamental para o sistema político local. 
2 Ver ensaios reunidos (após a redação original deste texto) em Barth (1981).
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28 Não menos importante, a característica qualifi cação da sociedade 
camponesa como “sociedade e cultura parciais”3 não se limita ao fato 
dessa mediação. As alternativas “econômicas” que interessam a toda 
comunidade postulamum brassage demográfi co de variada relevância 
e, sobretudo, formas de mobilidade não defi nitivas, frequentemente 
ligadas à idade e diferenciadas pelo sexo.
Desse ponto de vista, como de outros, a história das sociedades 
europeias redescobre, aprofundando as tradições folclóricas, as cons-
tantes de uma estrutura social distinta por sexo e grupos etários.4 
Assim como a história rural europeia parece indicar a extraordinária 
constância das associações territoriais — agregados de vizinhos não 
necessariamente aparentados —, solidárias na execução de certos ob-
jetivos, como a repartição, a disposição ou a provisão de recursos de 
interesse comum. “Uma das máximas contribuições da pesquisa eu-
ropeia à antropologia social — escreve S. Freeman [1973] — poderia, 
acredito, derivar de um estudo amplo, histórico e etnológico das 
formas de organização comunitária.” Daí o interesse pelo estudo das 
formas de ocupação do espaço e a possibilidade de traçar um quadro 
móvel e funcionalmente diferenciado das referências socioterrito-
riais. De fato, a estrutura social tem necessariamente uma relevância 
espacial defi nida: como tal, é mais bem caracterizada a partir de 
relações que indiquem homogeneidade (por exemplo, a troca matri-
monial) ou de outras que indiquem assimetria (como, em geral, a 
troca econômica).
O interesse por instituições como a clientela e o parentesco ritual 
— mais bem exploradas até agora pelos antropólogos — deriva do fato 
de elas permitirem fazer o mapeamento das relações interpessoais, 
tanto verticais, quanto, no caso do parentesco fi ctício, horizontais, e 
talvez ambos, pelo menos no contexto mediterrâneo, relações mais 
bem enquadráveis na fórmula do “contrato diádico”.5 De fato, essas 
relações postulam uma troca que, em alguns casos — como nos de 
3 Ver Kroeber (1948).
4 Ver Davis (1975); e Castan (1974).
5 Ver Foster (1965).
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29empréstimo de dinheiro —, pode ser sistematicamente documentada. 
A dilatação dessas relações para além do espaço da comunidade amplia 
por isso mesmo a dimensão territorial da estrutura social para o nível 
de uma assimetria fundamental intracomunitária, o que não exclui o 
aprofundamento analítico da estrutura específi ca da comunidade su-
balterna. O confl ito político, assim como, por outro lado, a festa, pa-
recem momentos de revelação da estrutura social subjacente, já exaus-
tivamente mapeada com base na reconstrução sistemática das relações 
interpessoais. As análises tipicamente antropológicas do ritual e do 
simbolismo descobrem assim toda a sua relevância analógica para a 
pesquisa histórica.
3
Uma vez que a ciência econômica constituiu até agora um suporte 
privilegiado para a pesquisa histórica, parece-me útil mostrar as im-
plicações da abordagem acima ilustrada em confronto com tal “or-
todoxia”.
Cito uma súplica do fi nal do Seiscentos, na qual a comunidade de 
Monterosso — hoje pertencente à província de La Spezia —, sujeita 
às méte (impostos) aplicadas por Gênova ao vinho rossese, típico do 
lugar e um de seus poucos recursos, protesta contra o fato de que 
eram sempre os mesmos mercadores que iam ao burgo, que eles 
ofereciam tecidos velhos e grãos estragados a preços fi xados por seu 
próprio arbítrio, em troca de um vinho com preço defi nido pela 
administração. Em termos de análise econômica, a assimetria da 
troca deriva de um jogo oferta/demanda livre contra um jogo de-
manda/oferta prefi xado. Mas a “liberdade” do primeiro continua 
sendo uma função da estreiteza do mercado, o que é absolutamente 
normal em uma sociedade pré-industrial: o mercado não só é restri-
to, como também ocasional, e tal ocasionalidade está estritamente 
ligada “àqueles” mercadores. Que o preço do grão seja fruto de uma 
relação oferta/procura é no mínimo tautológico: de fato, pode-se 
assumir preliminarmente que seja assim, mas isso não quer dizer que 
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30 a análise processual da relação deva ser posta de lado. Os pobres vi-
nhateiros de Monterosso estavam cobertos de razão ao apresentarem 
sua situação em termos de uma relação interpessoal: não podiam 
esperar outros mercadores e, portanto, não tinham alternativas. Os 
mercadores “acrescentavam” a seus produtos um lucro ad libitum, 
exatamente como costuma acontecer, mas nesse caso não era possí-
vel contrapor uma contratação, que contrabalançaria em alguma 
medida o preço do rossese: e essa era, de fato, a variação-chave com 
respeito ao costume que resultou no protesto e na exigência, utópi-
ca, de outro tipo de relações interpessoais, que, enquanto tais, não 
estavam em questão. Como disse alguém, não existe troca que não 
seja desigual, e é por isso que as relações de troca são um sinal essen-
cial da articulação e da estrutura social.6 Isso volta a se ligar com o 
que foi observado no parágrafo precedente. Mas o caráter excepcio-
nal do protesto, motivado pela inovação das méte, induz a postular 
uma adaptação, em tempos “normais”, à situação de troca.
Os camponeses tinham necessidade de grãos e não tinham nada a 
oferecer senão seu vinho. No caso específi co, parece não ter existido 
uma elite de negociantes locais (brokers ou intermediários com a so-
ciedade mais ampla), mas não há dúvida de que, sendo recorrentes 
essas visitas periódicas, criaram-se relações pessoais de mão dupla 
entre compradores e vendedores que poderiam incluir a possibilida-
de, talvez mais difícil no caso de mercadores visitantes, de compen-
sações no tempo. Considerando que os dados da situação de troca 
eram elementares, é razoável supor que a novidade administrativa se 
resolvesse na possibilidade de obter menos grãos com a mesma quan-
tidade de vinho do ano precedente — abstraindo, no que diz respei-
to às variações de produção que certamente aconteciam, a solidarie-
dade entre os próprios negociantes (o monopólio dos compradores).
Uma troca natural, portanto, mas reconduzida às medidas mone-
tárias (condicionantes dos preços da méta). Essa era certamente uma 
constante importante nas transações comerciais pré-industriais e 
6 Ver, entre outros, Mintz (1971).
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31que acabava por reforçar o elemento pessoal da transação, ligado 
também ao costume eventual de diferir e resolver no tempo as com-
pensações monetárias. Apesar de tudo, a possibilidade dessas solu-
ções era limitada, dadas as diversas urgências de vender e comprar 
entre produtores e produtores, bem como de produtores e negocian-
tes, que acabavam por favorecer a consolidação de uma elite de no-
táveis, capazes de generalizar as próprias posições de privilégio eco-
nômico: grandes proprietários, negociantes e transportadores. É 
possível intuir assim a possibilidade de haver uma correspondência 
entre clientela e endividamento. E é evidente que se torna muito 
difícil fazer distinções entre relações sociais, relações econômicas e 
relações políticas: na base dessa afi rmação está o fato de que as rela-
ções de signifi cado “econômico” eram antes de tudo relações inter-
pessoais, de modo que não há motivo para privilegiar os esquemas 
da análise econômica no estudo dessas situações. Pode-se, por outro 
lado, considerar que o mercado mais amplo envolvesse sobretudoos 
grupos dirigentes (que assumiam uma função de “mediação”) e ape-
nas indiretamente os subalternos, sobre os quais os dirigentes po-
diam descarregar eventualmente o peso da conjuntura negativa, mas 
sempre em circunstâncias e segundo avaliações que não podem ser 
reduzidas à simples “racionalidade econômica”. A análise e a relação 
entre os preços estão, assim, inseridos nessa dimensão, assinalando 
crises imprevistas da estrutura social, deslocamentos de solidarieda-
de, emigrações etc. Como se apontou antes, as fontes cartoriais (e os 
documentos judiciário-civis) nos permitem reconstruir essas estru-
turas de dependência: se a transação mercantil não aparece senão 
raramente como tal, mais regular é a certifi cação ou a quitação de 
um débito, de modo que, muitas vezes, a liquidação de um débito é 
condição para um novo crédito. Os inventários post mortem (sobre-
tudo os redigidos para a divisão de bens comuns entre fi lhos) nos 
permitem, através dos registros dos créditos, mapear a clientela de 
um notável, e essas relações específi cas podem ser investigadas de 
geração em geração. A relação pode mudar de qualidade: os débitos 
podem ser consolidados em uma renda ou em uma venda que têm 
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32 por garantia e objeto, em primeiro lugar, a terra, de modo que o 
ex-proprietário torna-se um locatário ou arrendatário.
Examinado analiticamente, o mercado de terra evidencia não 
apenas — como mostrou Giovanni Levi (1976) — as lógicas dos 
ciclos familiares, mas também as divergências nos diversos níveis do 
objeto da transação. Chaianov (1966) nos explicou bem que o preço 
não corresponde ao valor da renda capitalizada. Diremos com ele 
que o preço é simplesmente uma função da demografi a e, portanto, 
uma vez mais, da demanda? Considerando processualmente o es-
quema “vertical” que acabamos de delinear acima, esse não me pa-
rece ser o caso. A fi cção do jogo equilibrado entre oferta e demanda 
torna-se, nesse caso, digna de riso. Com efeito, é preciso considerar 
se a análise econômica adquire maior signifi cado quanto mais as 
referências a procura e oferta assumem caráter de “massa”, e que 
possibilidades estratégicas daí derivam. De todo modo, não se pode 
abandonar completamente e com a consciência tranquila o patrimô-
nio de racionalização interpretativa dos processos sociais e a com-
preensão do curso da história que essa racionalização permite.
Naturalmente, porém, a troca de bens e serviços tem também 
suas dimensões horizontais. Em particular, é essa a dimensão carac-
terística da reciprocidade camponesa, entendida mais frequente-
mente como reciprocidade prolongada de serviços (trabalho), um 
fenômeno mais difícil de ilustrar historicamente. Mas as transações 
horizontais vão além dessas trocas, como se evidencia hoje em mui-
tas sociedades camponesas, nas quais a intermediação é particular-
mente desenvolvida e uma série de ligações diádicas preferenciais 
solidifi ca os canais de comércio através da institucionalização de re-
lações interpessoais.7 É óbvio que essas práticas difi cilmente podem 
ser encontradas no registro cartorial, onde, todavia, é possível en-
contrar transações minúsculas que dizem respeito não só a pequenas 
porções de terra, mas também à repartição de animais, assim como 
a débitos mínimos. São registradas, particularmente, as transações 
7 A pratik haitiana de S. Mintz (1961).
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33de dote: a troca cruzada de despesas que permite economizar dotes 
representa para os mais pobres uma forma de reciprocidade rigoro-
samente balanceada.
Podemos imaginar facilmente diferenças e limites entre as distin-
tas comunidades, como consequência da penetração diversa da eco-
nomia mercantil e, portanto, do papel diverso da autossubsistência: 
o que pode signifi car também que certas transações encontrem, nos 
distintos casos, objeções culturais. Como escreveu D. Riches, em 
Man (1975): “a proteção do setor de subsistência é a base provável 
para a ideologia de muitas economias camponesas com relação às 
esferas de troca”. Com efeito, o conceito antropológico de esferas de 
troca tem possibilidade de generalização também em uma economia 
monetária em que, por exemplo, as transações de alguns bens com-
portem a sua resolução no âmbito do sistema de crédito, enquanto as 
transações de outros bens comportem o emprego imediato de moe-
da, de modo que, uma vez sabidos quais são os bens protagonistas 
dessas trocas, têm-se duas esferas de intercâmbio relativamente dis-
tintas. Essa pode ser indicada como uma terceira linha de defesa da 
sociedade camponesa, depois da defesa da autossubsistência, que 
comporta uma orientação produtiva articulada e a desaprovação 
cultural de transações que lidem com bens alimentares de base, e 
depois a troca horizontal que opera frequentemente como forma de 
mutualismo (S. Mintz). Isso no quadro de uma resistência comum 
das sociedades camponesas a uma monetarização radical das trocas 
que lhes interessam.
Considerando a sociedade agrária como um todo, a historiografi a 
econômica coloca como fundamental o problema da relação entre 
população e recurso e, em geral, utiliza ampla escala territorial (de 
região para cima). Daí a construção ex-post de uma hipótese home-
ostática fundada no malthusianismo. No nível microanalítico que 
aqui se propõe, pode ser colocado o problema das unidades domés-
ticas singulares que investem trabalho (não contabilizável em termos 
monetários) e obtêm bens destinados, em parte por meio da sua 
conversão de mercado, à defesa e à reprodução do status tradicional. 
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34 Na medida em que tal “status” é defi nido culturalmente a partir de 
termos eminentemente relacionais, são as formas de organização so-
cial da comunidade que estão em questão e que têm, por conseguin-
te, relevância “econômica”. Ainda que a base produtiva seja restrita 
e atomizada e origine, em parte, atitudes culturais, está presente, 
entretanto, uma solidariedade de destinos que explica em última 
instância as formas de integração social. Sahlins mostrou como a 
aplicação do modelo de Chaianov (defi nido pela evolução da ratio 
consumidores-produtores segundo o ciclo de desenvolvimento do-
méstico) não explica a continuidade de algumas sociedades simples, 
que se torna então inconcebível sem a presença de formas institucio-
nalizadas de coparticipação (Stone Age Economics, 1975);8 um modo 
de evidenciar o caráter “econômico” da estrutura social. Nas socie-
dades complexas, a mobilidade dos recursos de apoio ou substituti-
vos cresce por meio da intensifi cação do trabalho, diversifi cação da 
forma de exploração dos recursos, oportunidades “externas” (traba-
lho, mercado). Em outras palavras, a comunidade — se é verdade 
que a família pode em certa medida controlar as suas próprias di-
mensões — pode adaptar-se e assegurar a sua sobrevivência de mui-
tos modos. O que signifi ca que a necessidade de chegar a uma irre-
parável e fatal “contradição” entre a comunidade e os recursos que 
dispõe não é necessariamente automática e inevitável, isto é, deverá 
ser verifi cada nas diversas situações. A dramática dialética entre po-
pulação e recursos que serve como explicação dodesenvolvimento 
histórico é uma simples hipótese que, além de tudo, é inverifi cável 
na escala territorial em que foi colocada. Tanto isso é verdade que E. 
Boserup (1970), em Evolution agraire et pression démographique, pôde 
apresentar de modo inteiramente plausível a hipótese oposta. Com 
efeito, ela é representativa da tese que se afasta de outra grande pro-
jeção histórico-etnocêntrica da “civilisation” europeia: o desenvol-
vimento entendido como o triunfo progressivo do mercador, do 
mercado e da cidade. 
8 Sahlins, 1972.
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Retornamos assim ao tema inicial deste artigo. Se Romanelli de-
nunciava a ancoragem das perspectivas historiográfi cas contemporâ-
neas em um modelo unívoco e pouco “elástico”, podemos, acredito 
que com razão, sustentar que se tratam de perspectivas historiográ-
fi cas gerais, largamente condicionadas pela economia como “ciência 
social mais avançada”. A “perda de sentido” é a recusa de um sentido 
largamente pré-constituído, “ideológico” nesta acepção. 
O que se desenha, de modo mais ou menos explícito, é a recondu-
ção da história a uma contextualização e a uma vocação analítica em 
que o objeto da análise é basicamente indicado pela série ou a rede 
das relações interpessoais. Daí a escolha de uma sociedade em escala 
reduzida como é a aldeia camponesa, uma opção guiada, sem dúvida, 
pelo exemplo paralelo da antropologia. Em princípio, a escolha po-
deria cair também sobre um bairro urbano. Mas mesmo prescindin-
do da escala da sociedade indicada, que satisfaz ao menos teorica-
mente a “virtù” da abordagem holística, acredito que a abordagem 
conserva sua validade como perspectiva geral de história social, onde, 
em minha opinião, a estrada mestra é indicada pelo estudo dos com-
portamentos ou das relações interpessoais (como paradigma de refe-
rência). Obviamente, para a época contemporânea é mais abundante 
a documentação quantifi cada ou quantifi cável, enquanto provavel-
mente se perde em parte o benefício das convergências locais da do-
cumentação como material imediatamente utilizável para os fi ns das 
reconstruções prosopográfi cas. Mas isso quer dizer, como é mostrado 
pelos exemplos já indicados, que análises mais seccionais e rigorosas 
podem ser multiplicadas.
Assim, a microanálise social liga-se mais ao caráter da base de 
dados examinada do que à dimensão da área social enquanto tal. 
Nesse sentido, não há por que haver ruptura entre história medieval 
e história contemporânea no plano teórico e metodológico. Ao con-
trário, aquilo que nós registramos hoje é um hiato gigantesco nos 
critérios de relevância da produção historiográfi ca; em um setor se 
premia a novidade histórico-analítica; no outro, ao menos na Itália, 
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36 predomina uma expectativa de síntese político-ideológica que des-
carta sistematicamente os processos sociais, considerando-os dedutí-
veis e reconhecíveis por meio de uma grade de teses e temas que são, 
frequentemente, uma mistura de “ideias recebidas”. 
É signifi cativo que a antropologia, mesmo tratando necessaria-
mente de sociedades contemporâneas, venha sendo, há bastante 
tempo, capaz de estimular, sobretudo, a história medieval e mesmo 
a história antiga. E isso não pode ser atribuído à correspondência do 
objeto (sociedades relativamente mais “simples”). De fato, o mesmo 
problema da social change foi discutido e ilustrado analiticamente pe-
los antropólogos. E o que pode ser a história contemporânea senão 
uma história das transformações sociais? E por que deve ser o agre-
gado-nação e não a comunidade, ou a cidade, ou o ofício, o lugar de 
eleição para o estudo dessas transformações?
No fundo, a argumentação que procurei ilustrar nesta interven-
ção equivale à defesa de um princípio: que a história social é a his-
tória das relações entre pessoas e grupos. O problema posterior e 
fundamental da identifi cação dos conceitos e das possibilidades ope-
rativas, que foi aqui desenvolvido de modo muito parcial, pode ser 
enriquecido indefi nidamente. Me parece indubitável que, no âmbi-
to da vida social contemporânea, tais possibilidades podem apenas 
crescer e jamais diminuir, mesmo que não utilizemos as indicações 
da história oral (das quais, é claro, não há motivos para prescindir). 
O crescimento da “administração” multiplicou as observações e le-
vantamentos, e inumeráveis depósitos de documentação (seccional, 
funcional ou de associações), hoje destinados ao descarte, são per-
feitamente capazes de se tornar objeto de imprevistas iluminações 
histórico-analíticas.
Assim, o objetivo de uma historiografi a social contemporânea é 
o de conquistar a distância cultural da sociedade que estamos viven-
do, de objetivá-la nos seus conteúdos de relação, de reconstruir a 
evolução e a dinâmica dos seus comportamentos sociais. 
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2
Paradoxos da história contemporânea*
Edoardo Grendi
A história contemporânea é, pelas próprias características do seu 
objeto, atravessada mais do que qualquer outra pelas várias perspecti-
vas das ciências sociais e pela miríade de interrogações da consciência 
presente. É paradoxal, portanto, que ao menos na Itália ela se apre-
sente como a mais repetitiva e a menos inovadora. Isso nos faz pensar 
que o historiador da idade contemporânea parte de um sistema con-
ceitual de certezas quase absolutas e considera o trabalho histórico 
não como uma operação analítica capaz de descobrir nexos signifi ca-
tivos e propor interpretações, mas como uma operação política su-
bordinada às suas certezas teóricas, e, assim, a uma interpretação ge-
ral e preconcebida que será sustentada ou, no máximo, enriquecida. 
∗ Tradução de Henrique Espada Lima. “Paradossi della storia contemporanea” foi 
publicado originalmente em maio de 1981, em uma coletânea intitulada Dieci interven-
ti sulla storia sociale, lançada pela editora Rosenberg & Sellier, em Turim (Itália). A 
origem do volume foi a organização das intervenções em um debate promovido pela 
editora sobre as tendências e instituições da história social e das classes subalternas na 
Itália. Edoardo Grendi, que havia escrito sobre o movimento operário inglês e o tra-
balhismo britânico, participou do debate, que incluiu ainda contribuições de Sergio 
Bologna, Gabriela Bonacchi, Federico Bozzini, Maurizio Carbognin, Vittorio Foa, 
Antonio Gibelli, Giovanni Levi, Dora Marucco, Luisa Passerini e Franco Ramella.
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40 O estatuto da história não é nem mesmo colocado em discussão: 
o historiador é um especialista que deve explicar o passado e respon-
der à banal questão: “Como chegamos aqui?”. Mas aqui onde? O 
advérbio é, na verdade, caracteristicamente opcional e capaz de ditar 
escolhas de relevância absoluta: a sociedade democrática, o capitalis-
mo maduro, o partido, a vanguarda. Imaginemo-nos no dia seguin-
te à catástrofe nuclear. A interrogação será a mesma, mas é fácil in-
tuir que a escolha das relevâncias seria diferente, ou ao menos isso 
podemos desejar aos sobreviventes.
A noção do “aqui” é sempre uma noção retórica, assim como é 
retórica a sua projeção educativo-política: assume-se que o indiví-
duo, o estudioso, o cidadão, ampliariam em alguns centímetros a 
sua consciência se tivessem conhecimento de “como chegamos 
aqui”. Noção retórica, como disse, na medida em que tem uma ca-
pacidade de dilatação infi nita no espaço e no tempo retrospectivo da 
“grande história” e postula uma escolha de escala não reversível, 
ainda mais clamorosa porque o único “aqui” histórico simples é a 
personalidade do indivíduo singular, a própria biografi a. 
Por outro lado, o objeto se torna, sub-repticiamente, a civilização, 
e a retrospectiva é o desenvolvimento, seja qual for seu sentido, posi-
tivo ou negativo, sejam quais forem as contradições. E a seletividade 
teleológica do tema da civilização segue normalmente como um tra-
tor, é perfeitamente congruente com os parâmetros curriculares (e 
com as orientações políticas), absorve e unifi ca, na celebração das 
sínteses, os milênios da conquista cultural: a matemática dos babilô-
nios, a fi losofi a e as artes dos gregos, a lei dos romanos, os bispos, os 
monges e os mercadores da Idade Média, a arte e a política do Renas-
cimento, as descobertas geográfi cas, a revolução científi ca, as institui-
ções políticas, a revolução industrial, a revolução proletária. Na práti-
ca é uma proposta de aculturação ao nosso eurocentrismo mais 
comum: este é o verdadeiro sentido da história como disciplina insti-
tucional. E o historiador é o funcionário desta instituição, um funcio-
nário que se considera “cientifi camente” resguardado, proclamando 
que a história deve, de todo modo, ser novamente escrita a cada gera-
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41ção. O mecanismo da seleção cultural opera de forma perfeitamente 
paralela ao mecanismo da exclusão. A opção da grande escala espaço-
temporal responde bem a esta exigência. Qualquer sistema social ad-
quire, de fato, em uma perspectiva interpretativa diacrônica, uma 
hiper-racionalidade própria, obtida da distribuição do poder no inte-
rior do próprio sistema. Seja qual for a confl itualidade, o que conta é 
o seu êxito e esse responde à lógica de uma organização posfactual 
dos acontecimentos. Curiosamente, podemos imputar ao historicis-
mo um defeito análogo àquele imputado ao funcionalismo: “tudo se 
sustém mutuamente entre si”, tanto em um caso como no outro. En-
quanto a chave funcionalista organiza “todo o empírico” segundo a 
teleologia do equilíbrio, a chave historicista organiza teleologicamen-
te as relevâncias (os Estados, as relações de produção) segundo uma 
sucessão lógica, expelindo todo o resto e limitando-se, assim, a regis-
trar a confl itualidade (afi rmada, mas nunca analisada). 
Os contemporaneístas aparecem como as vítimas predestinadas 
deste estatuto da história, mesmo quando não praticam o exercício 
conhecido como “cavalgada nos séculos”: a verifi cação pontual está 
no fato de que eles respondem muito raramente às indagações do 
presente (exorcizadas como o “campo das ciências sociais”), privile-
giando invariavelmente as questões ideológico-políticas. Quando 
não são deputados, ministros ou prefeitos, não por acaso estão am-
plamente envolvidos nas instituições de informação ( jornais, televi-
são), as mesmas que enfatizam a relevância do mundo dos partidos 
políticos, aspirando assim, paradoxalmente, a uma hegemonia tam-
bém cultural. O macroteleologismo historiográfi co é o ponto de 
conexão dessa homogeneidade.
Mas consideremos empiricamente o trabalho histórico corrente. 
É muito mais normal e frequente que sejam os historiadores medie-
vais e modernos a escolher temas mais variados, a abrir novos can-
teiros de pesquisa, em outras palavras, a descobrir novas fontes e 
novos objetos, a verifi car hipóteses e questões novas, a renovar, tal-
vez graças à inspiração de disciplinas irmãs, o aparato conceitual e as 
interpretações. O padrão científi co do trabalho, nesse caso, é referi-
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42 do à sua qualidade analítico-imaginativa, capaz de elevar o estudo 
singular a um valor ilustrativo geral. Não está mais em questão uma 
síntese que não se fará jamais, e um trabalho histórico pode vir a ser 
discutido, contestado, imitado, mas não refeito a cada geração. A 
história termina por ser redimensionada a uma experiência cognos-
citiva como as outras, com os mesmos elementos de gratuidade, a 
mesma amplidão de opções temáticas, a possibilidade absolutamente 
livre de selecionar e organizar as relevâncias. De resto, não se vê 
porque o historiador deveria condenar-se a uma perpétua esquizo-
frenia: ocupar-se de cadastros, fontes

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