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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos 1 O NEGRO NO ESPAÇO ESCOLAR Autora: Profª Ms.Maria do Socorro A. Chemim1 Orientadora: Profª Drª Maura Regina Petruski 2 Resumo O presente artigo pretende mostrar elementos que pautam sobre a relação escola e a diversidade, haja vista que perspectiva da democracia racial a qual ainda é um mito que vem camuflando através dos anos um preconceito racial que está na estrutura da sociedade brasileira sendo praticada no espaço escolar. Palavras-chave: preconceito racial, desigualdade social e representação social. Abstract This article aims to show elements that govern the relationship and school diversity, considering that perspective of racial democracy which is still a myth that has been camouflaged through the years is that a racial bias in the structure of Brazilian society being practiced at school. Keywords: racial prejudice, social inequality and social representation. Introdução Este artigo aborda um assunto bastante discutido nos últimos tempos no Brasil que é o respeito á diversidade e relacionado a isso, o preconceito racial, e neste caso, o preconceito racial no âmbito escolar. O racismo é uma espécie de preconceito étnico ou racial, ou seja, é uma visão pejorativa, pré-concebida sobre uma etnia ou cultura de um determinado povo. Historicamente, percebe-se uma tendência de justificativa do racismo por potências dominantes, exemplo do que ocorreu nos séculos XVI e XIX, na América e depois na África e Ásia. O estatuto da igualdade racial define o preconceito étnico-racial como: Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou 1 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas, Licenciada em História, Escola Estadual Pe. Pedro Crzelczaki. mdchemim@yahoo.com.br 2 Doutora em História, Licenciada em História, Universidade Estadual de Ponta Grossa, História Antiga. mpetruski@uol.com.br mailto:mdchemim@yahoo.com.br mailto:mpetruski@uol.com.br 2 restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida privada. (inciso I, parágrafo único do Art. 1º). Sendo assim, entende-se o preconceito como uma ideia pré- concebida sobre algo. Em geral se manifesta através de atitudes discriminatórias diante de pessoas, credos, cultura, forma de pensar ou agir. Pode-se dizer que o preconceito é hostil e irracional, pois deixa de lado qualquer norma de respeito, humanidade e convivência social em nome da crença de uma superioridade, seja ela física, cultural, econômica etc. Essa forma de pensar é respaldada muitas vezes pelas representações sociais. Serge Moscovici (2011, P.41), coloca que a representação social “é a forma de criação coletiva. Para ele, pessoas e grupos criam representações, uma vez criadas, contudo, ela adquire uma vida própria, circulam, se encontram se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações” [...]. Já o conceito de desigualdade passa por inúmeras definições. Para alguns a origem da desigualdade esta na propriedade privada, para outros, ela se encontra no trabalho... Entendemos desigualdade como a diferença estabelecida entre indivíduos ou grupos que julgam a si e aos outros de forma hierárquica na sociedade. O trabalho em questão trata da diferença, do preconceito impostos á um seguimento da sociedade que por muito tempo foi colocado á margem da mesma, relegada á escravidão tendo seus direitos suprimidos, devido á cor de sua pele por grupos que se julgam superiores por possuir a propriedade de terras e de pessoas. Segundo Karl Marx (1968) citado por Nelson Dácio Tomazi (2000, p.88), A desigualdade é produto de um conjunto de relações pautadas na propriedade [...] È a dominação que garante a manutenção e a reprodução dessas condições desiguais, que embasa suas reflexões. Assim, é produto dessas relações contraditórias e manifestam-se na forma de apropriação e dominação num sistema de organização social no qual uma classe produz e outra se apropria desse trabalho [...]. Devido a isso, e na tentativa de discutir e reavaliar esses conceitos, nos últimos tempos vem-se percebendo certa movimentação por parte de alguns setores 3 da sociedade brasileira no sentido de introduzir nos currículos escolares uma educação inclusiva e plural. O instrumento de maior vigor para que isso ocorra é a Lei 10.639\03. Promulgada em janeiro de 2003. Essa lei tornou obrigatória à inclusão de conteúdos relacionados á História e cultura africana e afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental e médio, tornando-se mais um mecanismo de promoção de igualdade. Diante do colocado, a intenção deste trabalho, é ampliar da discussão e reflexão em torno do problema, com elementos que possam contribuir com a desconstrução da ideia de submissão e inferioridade do povo africano e afrodescendente mostrando a sua importância para a construção da História do Brasil em todos os seus aspectos. Além disso, pretende-se trabalhar junto aos alunos o respeito ao diferente, ao diverso, ou seja, ao outro independente de sua cor, etnia crença ou classe social. Diante disso, elaboramos um material com a intenção de trazer para nossa realidade escolar a discussão e reflexão sobre a questão do negro no espaço escolar. Para compreender juntamente com os alunos do sétimo ano do ensino fundamental, em que medida as representações construídas socialmente, influenciam sua visão sobre o valor histórico da contribuição cultural da população negra no Brasil, e, até que ponto, as representações e as atitudes que observam á sua volta geram preconceito racial entre eles. Para isso, traçamos alguns objetivos: identificar as representações em textos e imagens; reconhecer a contribuição do povo africano e seus descendentes no desenvolvimento econômico e social do Brasil; pesquisar junto aos alunos os reflexos dessas representações estereotipadas na construção do pensamento sobre a população negra; construir com os alunos a ideia de respeito e valorização á diversidade. Durante a aplicação da Unidade Didática produzida no PDE, verificou-se que o efeito que esse tipo de material, utilizado por muitos anos nas escolas brasileiras provoca em nossos alunos, é uma espécie de “apatia” ou “indiferença” com relação aos problemas enfrentados pelos negros, índios, etc. Percebeu-se que a atitude dos alunos com relação ao tema racismo é em parte causada pela maneira que muitas vezes utilizamos os recursos que possuímos em nossas aulas, pela não desconstrução dos estereótipos trazidos pelas 4 representações sociais contidas nos materiais utilizados em classe, pela forma pouco enfática que nos referimos aos episódios de racismo, dentro e fora da Escola, o que em muitos momentos pode ser interpretado pelos alunos como um assunto sem muita importância, pois para muitos é mais fácil fazer de conta que tudo vai bem. “Assim é o racismo brasileiro: sem cara, travestido em roupas ilustradas, universalistas, tratando-se a si mesmo como antirracistas e tratando como antinacional, a presença integral do afro-brasileiro e do índio brasileiro. Para este racismo, o racista é aquele que separa não o que nega a humanidade de outrem; desse modo, racismo para ele, é o racismo do vizinho [...]” (GUIMARÃES 2005 p.60). Essas criações coletivas cunhadas no período da e pós-escravidãomudam muito lentamente. No Brasil, existem hoje grupos engajados na luta pelas mudanças dessas representações, em contrapartida, surgiram discursos hipócritas afirmando uma democracia racial que não existe, exceto entre alguns grupos espalhados pelo País. Essas representações acabam alcançando a sociedade nos mais diversos setores entre eles o da educação. É assim, que muitas vezes, elas atingem de forma equivocada alunos que estão em processo de formação e que por isso, ainda não tendo maturidade e conhecimento para discernir, acabam, não só criando uma visão errada, más perpetuando-a. Serge Moscovici (2011, p.520) afirma ainda: a História, a natureza, todas as coisas que são responsáveis pelo sistema, são igualmente responsáveis pela hierarquia de papéis e classes, para sua solidariedade. Cada situação contém uma ambiguidade potencial, uma vagueza, duas interpretações possíveis, mas suas conotações são negativas, elas são obstáculos que nós devemos superar antes que qualquer coisa se torne clara, precisa, totalmente sem ambiguidade. Isso é conseguido pelo processamento da informação, pela ausência de envolvimento do processador e pela existência de canais adequados [...]. 5 Sendo a escola uma instituição capaz de influenciar e ser influenciada pela sociedade em que esta inserida, deve ser também palco de respeito á diversidade em toda a sua plenitude, deve ser o local de eliminação de tabus, de ambiguidades que levem á interpretações negativas, de discussões de assuntos que levem á eliminação do preconceito (de gênero, de origem, sexual racial cultural etc.) e sempre tratar os problemas que afligem a sociedade de forma clara. Thales Azevedo (1975, p.38) afirma: "há quem considere que é camuflando a realidade com a ideologia de não discriminação que o Brasil alcança sem tensões o mesmo resultado de outras sociedades abertamente racistas." Essa afirmação nos remete ás constantes denúncias feitas pelas mídias de conflitos e violências contra pessoas negras, que muitas vezes são vítimas de preconceito devido tão somente á cor de sua pele. Alice Itani (1998, p.123) mostra que existe” o olhar da diferença entre brancos e negros, homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, pobres e ricos, podem conter também atitude de preconceito."Nesse sentido, educadores e educadoras não podem ignorar qualquer atitude discriminatória que ocorra na escola e fora dela. Sempre que necessário promover discussões sobre o tema. Jamais silenciar, caso contrário, corre-se o risco de aumentar e não de minimizar ou acabar com o preconceito. Entende-se que quanto maior visibilidade se der ao assunto mais fácil será seu entendimento. Especialmente se tratando do ambiente escolar, onde nos deparamos a todo o momento com imagens estereotipadas, textos, frases, atitudes etc. É nesse local que se pode desconstruir ou reforçar a discriminação e o preconceito, tudo depende da intencionalidade. É no ambiente escolar que jovens adolescentes e crianças podem construir suas identidades individuais e de grupos e reconhecer a importância do respeito á sua cultura e á do outro e, nesse momento, a figura do educador é elemento primordial para a mediação e esclarecimento dos educandos, mostrando que existem diferenças, que elas são saldáveis e devem existir, e mais, mostrar que esse, talvez seja o caminho para uma educação de qualidade no sentido mais amplo da palavra. 6 Percebe-se a necessidade de uma mudança profunda e urgente, no que diz respeito á questão racial no Brasil, partindo principalmente da Escola, que como se colocou acima: é a instituição capaz de promover transformações estruturais através da educação, da construção de conhecimentos e, consequentemente, da mudança de valores ultrapassados. Nesse sentido, nos referimos acima á intencionalidade dos educadores, atitude que faz toda a diferença no que se refere ao tema em questão. Sendo assim, para que ocorra o fim do preconceito racial, pensamos que é fundamental o acesso da população negra á uma educação de qualidade, uma vez que a educação é considerada a base do processo de inclusão social. É através dela que ocorre a transformação da sociedade, que se toma consciência das desigualdades, da exclusão social, da falta de acesso a bens materiais e sem dúvida, da promoção e acesso á cidadania e á dignidade humana. No entanto, mesmo com as atitudes legais em favor do acesso á educação, ainda é pequena a parcela de negros nas escolas e menos ainda nas universidades. Entende-se que as políticas públicas criadas com o objetivo de democratizar a escola, ou seja, de tornar a escola realmente para todos, esbarra no descaso de parte das autoridades e na falta de cuidado da comunidade escolar: cuidado com a escolha de materiais que tragam exemplos de cidadania e respeito á diferença do outro, cuidado de professores com alunos para impedir qualquer forma de discriminação e violência, cuidado de alunos com professores para que haja respeito mútuo, enfim, cuidar das relações que se constroem nas escolas, pois elas irão se expandir para além dos muros da mesma. Nesse sentido, não podemos desprezar também, a importância do livro didático enquanto um dos principais instrumentos de apoio ás atividades dos alunos e principalmente como veiculador das representações sociais, estas acabam por influenciar a visão que os estudantes têm com relação ao outro, ao diferente, e dependendo da interpretação de seu conteúdo, as atitudes preconceituosas podem ser amenizadas ou reforçadas. Segundo Paulo Silva (2008 p.25),” é também na escola que a criança tem principais contatos com as diferenças culturais e, talvez o reforço ás atitudes discriminatórias. Para ele, os próprios livros didáticos trazem o negro e o índio como 7 figuras diferentes e folclóricas, criando um estereótipo que passa a fazer parte do imaginário dessas crianças que dependendo, da educação que recebem, tornam-se adultos preconceituosos e perpetuam essa visão através de seus filhos.” É claro que não se pode colocar o livro didático como o único instrumento de veiculação dos textos e imagens referidas acima. Mas, existe ainda hoje, em plena era da tecnologia, uma parcela dos alunos da escola pública, cuja situação econômica só lhes possibilita ter em suas casas, o livro didático como um dos únicos instrumentos de consulta que possuem. 1-O preconceito contra o negro no Brasil O projeto europeu para a América no séc.xv era transformar suas terras em colônias de exploração e delas tirarem todas as riquezas que pudessem. No caso do Brasil, os portugueses iniciaram seu propósito escravizando seus nativos, que logo caracterizaram como “inapto” ás suas “necessidades”. Assim, para que seus desejos de enriquecimento fossem sanados, trouxeram para cá povos de varias regiões da África. As práticas racistas contra os negros no Brasil começaram junto com a colonização, e mesmo depois de tanto tempo, o preconceito, a discriminação e a exclusão social, continuam. A diferença é que na atualidade essas atitudes são disfarçadas devido à criação de leis que as coíbem. O racismo esta presente em todos os setores da sociedade, Manifestando-se não só a nível individual, através de atos discriminatórios impetrados por indivíduos contra outros, mas também a nível institucional. O denominado racismo Institucional vem a ser a forma mais perversa em que este se sustenta uma vez que atua dentro das organizações, profissões, instituições educacionais, meios de comunicação de massa etc. de forma a camuflar a realidade das relações raciais no Brasil propagando- se a crença de que vivemos uma democracia racial, ou seja, que aqui grupos raciais distintos coexistiam pacificamente. A escravidão no Brasil foi pautada pela violência física e emocional. A retirada forçada desua pátria, os trabalhos pesados e degradantes, a desintegração das famílias, a separação de povos que falavam a mesma língua, a alimentação precária 8 marcaram a vida do africano no Brasil que muitas vezes, eram acometidos por uma tristeza imensa que os levava á morte, o “banzo”. Os africanos escravizados eram tratados como “peças”. No momento da compra, os senhores procuravam adquirir grupos de escravos de diferentes nações africanas para dificultar resistências e a organização dos mesmos, tirando desse povo o direito de organização para lutar pela liberdade. No entanto, a História mostra que nos momentos que tiveram chance, mesmo sem armas, eles encontraram meios de lutas contra a escravidão utilizando a capoeira, a construção de quilombos etc. mostrando que estavam longe da aceitação, harmonia ou da submissão pejorativa que por muito tempo alguns autores tentaram mostrar. No livro Casa Grande e Senzala o autor Gilberto Freyre afirma que no Brasil a escravidão aconteceu de forma mais branda, uma vez que a convivência entre senhores e escravos era amistosa. Porém existem outros autores que pensam diferente como é o caso de Jacob Gorender. Leia o que dizem abaixo: “[...] os negros trabalham sempre cantando: seus cantos de trabalho, tanto quanto os de xangô, os de festa, os de ninar menino pequeno, encheram de alegria africana a vida brasileira. Ás vezes de um tipo de banzo: mas principalmente de alegria. [...]”. FREYRE (1996, p.463 in Projeto Araribá p.226). “[...] Os escravos eram seres humanos oprimidos pelo mais duro dos regimes de exploração de trabalho. Não escapavam ilesos ás degradações impostas por esse regime. Enfrentavam-nas com sofrimento, humor , astúcia e também um egoísmo perverso. Escravos agrediam escravos em disputa por mulher, para entregá-los a capitães do mato ou para roubá-los[...]” GORENDER (1991, p.121 in Projeto Araribá p.226). Estas afirmações nos leva a refletir e entender que a história da população negra no Brasil foi forjada dentro da visão euro centrista, e, ainda é marcada pela contradição entre o mito da democracia racial e o racismo. Essa situação se não for tratada com seriedade por educadores de todas as áreas e por todo o país, corre-se o risco de causar ainda mais confusão entre os alunos em formação, e, pior que isso perpetuação e aceitação de uma situação inaceitável como esta. 9 “Alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadão, de professores e educadores o necessário preparo para lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminações dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida profissional. Essa falta de preparo que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsável de amanhã. Com efeito, sem assumir nenhum complexo de culpa, não podemos esquecer que somos produto de uma educação eurocêntrica e podemos, em função desta, reproduzir consciente ou inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade.” (MUNANGA 1998 P. 15) Os órgãos governamentais precisam criar mecanismos para fazer valer o que está escrito nas leis que tratam do assunto, exigindo que se foque o problema e se acabe com o racismo, inconcebível em pleno séc.XXI. Os livros didáticos precisam deixar de lado a representação de uma África pobre e sem desenvolvimento, trazendo para os estudantes a diversidade social e espacial deste continente, que como o americano, o europeu... Possui suas belezas e que os problemas sociais e econômicos mais acentuados lá se deve á exploração ocorrida anteriormente e não por inferioridade do seu povo. Ao minimizar ou até cessar a repetição de imagens negativas dos africanos, que tanto influencia a trajetória e o pensamento dos estudantes, pensamos que repercutirá positivamente também na autoestima do afrodescendente que já vem há tempos se engajando cada vez mais na busca do direito que lhe é devido, como por exemplo, o direito de acesso á uma educação de democrática dos anos iniciais á universidade. Cabe ao sistema público de educação garantir que isso ocorra dentro das instituições educacionais, aos educadores colocarem em prática e aos estudantes disseminarem por toda a sociedade. Nilma Lino Gomes (2011, p. 8) afirma: ainda encontramos muitos educadores (as) que pensam que discutir sobre relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos militantes políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento demonstra uma total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da sociedade brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita a ideia de que não é da competência da escola discutir sobre temáticas que fazem parte do 10 nosso complexo processo de formação humana. Demonstra, também, a crença de que a função da escola está reduzida á transmissão dos conteúdos historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de maneira desvinculada da realidade social brasileira. Reafirma-se dessa forma, que somente o conhecimento histórico e o resgate da contribuição dada pelo povo negro para o enriquecimento da História do Brasil, serão capazes de desfazer os preconceitos e estereótipos atribuídos ao seguimento afro-brasileiro e resgatar, como já mencionado acima, a autoestima de um povo marginalizado por uma escola que nega a pluralidade étnica e cultural que esta essencialmente na base da formação da sociedade brasileira. 2- O negro no espaço escolar A questão do racismo no Brasil esta na base de sua formação social e cultural e, portanto, pode se dizer, estamos diante de um problema estrutural e como tal, necessitará de tempo para que ocorra uma mudança significativa de atitude e de mentalidade, em relação ao preconceito étno-racial. De acordo com Simone Santos (2006, p.4), O currículo como forma de organização do conhecimento escolar, tem em seu conteúdo a intencionalidade e por isso deve estar aberto ás interações e á criatividade dos agentes e atores internos e externos do ambiente escolar. Dessa forma, entende-se que a lei (10.639/03), por si só, não garantirá que toda a sociedade em especial, os grupos que até agora não aceitam o fato de que todos são iguais, mesmo que com características físicas diferentes, mudem sua forma de pensar. Será necessário que aconteça o envolvimento de toda a sociedade para que isso realmente se concretize. Más a lei é, sem dúvida, um grande começo, um avanço para democratização do ensino no Brasil. Fúlvia Rosenberg (1998, P.83 apud PINTO 1993, P.26), coloca a escola como um "ambiente hostil ou pelo menos indiferente aos problemas de relacionamento racial que ocorrem tanto na instituição escolar quanto na sociedade abrangente. “Para ela, este ambiente," tem sido detectado no 11 currículo, no material didático das mais diferentes disciplinas, nas relações entre alunos e nas relações entre professores e alunos”. Vale ressaltar, que a escola é a instituição que, pela sua característica primordial, de ambiente socializador de saberes e conhecimentos científicos, é o lugar ideal onde essa mudança deve acontecer. Porém, sabe-se que nem sempre isso ocorre com rapidez, o que não significa que esse processo, não deva acontecer, diariamente e incansavelmente. Para Demerval Saviani (1992, P.86), [...] não se ensina democracia através de práticas pedagógicas antidemocráticas, nem por isso se deve inferir que a democratização das relações internas á escola é condição suficiente de democratização da sociedade. Mais do que isso: se a democracia supõe condições de igualdade entre os diferentes agentes sociais, como a práticapedagógica pode ser democrática "é preciso reapropriar-se da história do negro, desde a África até os dias atuais; afirmar as identidades raciais; destacar positividades em relação ás culturas negras; resgatar a autoimagem das crianças e adolescentes negros e negras; dialogar com os processos pedagógicos que ocorrem nos movimentos populares; utilizar material didático que apresente a formação social do povo brasileiro[...], a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada [...]. Sendo a escola essa instituição citada acima, cabe á comunidade que a compõe (professores, alunos, funcionários, direção, pais, etc.), fazer dela o local onde se assegure as manifestações culturais e identitárias como garantia de que dali sairá sem exceção, verdadeiros cidadãos no sentido integral da palavra. O Núcleo de Estudos Negros\NEN p.27, coloca: Refletir sobre essas questões que envolvem a prática pedagógica, é na atualidade considerado crucial. Elas precisam ser revistas como um meio de se construir em conjunto, princípios éticos, sérios e relevantes com o objetivo de implementar de forma consistente o respeito á diversidade e atitudes antirracistas no interior da escola. Segundo Antonio Sergio Alfredo Guimarães (1999), o antirracista de negação da existência de “raças", fundiu-se rapidamente com uma política de negação do racismo como fenômeno social. Tal ideário, combinado com um longo período de exceção com o correspondente engessamento da 12 sociedade civil, contribuíram para a perpetuação de um silêncio criminoso sobre as múltiplas violências que atingiram de forma brutal a população não europeia. Então, as raças no Brasil apareceram como produtos sociais, forma de identidade baseada numa ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente para forjar, manter e reproduzir diferenças e privilégios. Esse processo teve e ainda tem respaldo nos materiais produzidos e utilizados para a aquisição de conhecimentos dentro e fora da escola. Nesses materiais em geral os negros e índios são representados, por muito tempo, como derrotados, indolentes, preguiçosos e fracos criando uma imagem que deturpa a realidade, fazem parte das representações sociais mencionado acima. 3-Metodologia e aplicação do projeto Estamos em um momento da História onde nos deparamos com revoluções econômicas, tecnológicas... No entanto, esse desenvolvimento não ocorreu de forma plena no campo social e o racismo, é ainda, muito forte no inconsciente e atitudes de nossos alunos, reflexo do meio em que estão inseridos. A intenção ao elaborar o projeto de intervenção na escola foi levar aos alunos e a comunidade escolar a abordagem de um tema bastante discutido nos últimos anos, principalmente a partir da Lei nº 10.639/03, tratada ao longo do texto em questão, e, ao mesmo tempo despertar na comunidade escolar a valorização da pluralidade cultural, bem como o respeito ao direito que todos possuem de serem vistos e tratados como iguais. As atividades foram elaboradas pensando em levar á reflexão do aluno sobre o preconceito existente contra os negros no Brasil e o espaço que os mesmos ocupam na escola. Para isso, pensou-se em materiais de apoio que propiciassem a reflexão, e, também a variação nas abordagens, a desconstrução dos estereótipos e a discussão o mito da democracia racial no Brasil. A proposta desse material foi dessa maneira, um repensar sobre á história do povo africano e afrodescendente, como são vistos no espaço escolar e, a pensar e rever determinados conceitos na intenção de desconstruir os estereótipos culturalmente construídos em torno desse povo. 13 Nesse sentido propusemos o uso de imagens, vídeos, textos (inclusive do livro didático) e exercícios que abordam o assunto. Das atividades propostas no trabalho, muitas foram feitas em grupos, com a intenção de juntar alunos com perfis diferentes, o que a nosso ver ampliaria a discussão e ajudaria na desconstrução das falácias racistas e dos estereótipos socialmente construídos. Mesmo muito receptivos ao material trabalhado na Unidade Didática, em alguns momentos ouvia-se expressões como: ”não acho que o racismo é assim tão forte professora”! “tenho vários amigos negros,” “meu irmão é negro”... Percebiam-se brincadeiras e certa banalização do problema colocado caracterizada a nosso ver, pelas representações sociais e falsa democracia racial que envolve nossa sociedade. Durante os encontros e exercícios percebia-se que os alunos não viam em determinados comportamentos preconceituosas, atitudes racistas. Um exemplo disso ocorreu com a análise de uma imagem que continha uma professora branca e quatro alunos dos quais um era negro. A questão colocava: observe a imagem e depois de refletir descreva o que ela significa para você. “Muitos interpretaram que a imagem mostrava que “não existe preconceito contra os negros,” dos 20 alunos que responderam somente dois perceberam que a imagem comprovava que o numero de negros na Escola é pequeno e que a criança negra aparecia mais “quieta” e ”encolhida”, o contrário do que aparentavam as crianças brancas. Essa situação nos faz reafirmar que nossas crianças possuem um discurso que ameniza a questão do racismo. Comecei a perceber alguns “pontos de interrogação” em seus olhares depois de exibir o filme” Vista Minha Pele “. Depois do filme fizemos um debate e terminamos com um teatro sobre o assunto e nesse momento as falas passam a ser diferentes. Partindo desse principio, entendemos que é preciso que toda a comunidade escolar esteja comprometida com uma educação multicultural, onde todos independente da etnia ou classe social tenham um sentimento de pertencimento cultural ao grupo. Reconhecemos que a criação da lei citada acima representou um avanço na educação brasileira. Entretanto, muito ainda tem que ser discutido principalmente no ambiente escolar que é um espaço de formação e socialização de saberes. 14 Segundo Kabengele Munanga (1998 p.15),” Partindo da tomada de consciência dessa realidade, sabemos que nossos instrumentos de trabalho na escola e na sala de aula, isto é, os livros e outros materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam os mesmo conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental. Os mesmos preconceitos permeiam também o cotidiano das relações sociais de alunos entre si e de alunos com professores no espaço escolar”. No final dos encontros pedi que em grupos fizessem um pequeno texto colocando o que mudou em suas visões, depois dos encontros onde discutimos sobre o preconceito racial. A seguir descreverei algumas falas dos textos: “nós já não éramos preconceituosos, mais depois desses encontros pudemos compreender que têm os mesmos direitos que nós, o que passaram e o que passam até hoje”. “Nós já não éramos preconceituosos, mais depois desses debates que tivemos nos encontros pudemos compreender que os negros têm os mesmos direitos sociais e pudemos sentir na pele o que os negros passaram e passam até hoje” (grupo A). “Se todos pensassem como nós não haveria racismo, haveria nas escolas a mesma quantidade de negros e brancos [...] Somos todos iguais independente da cor ou origem. Não sei o que leva as pessoas a ter racismo, já penso que se todos fossem iguais o mundo seria sem graça” (grupo B). “Bom nós vimos que os negros têm os mesmos direitos que os brancos, vimos que ainda hoje têm trouxas racistas que pensam que por dentro somos diferentes, mas a cor da pele, cabelo, roupas não definem o caratê” (grupo C). “O meu modo de ver e pensar sobre os negros mudou muito porque o trabalho nos incentivou a ver os negros como iguais, mas em pleno séculoxxi, ainda tem muita discriminação racial acontecendo por todo lugar. A discriminação racial é uma coisa feia, pois todos nós somos iguais” (grupo C). Como já colocado acima, a fala das crianças refletem uma realidade comumente encontrada em nossas escolas. Claro que percebemos algumas mudanças, em especial na forma de perceber que o povo africano e 15 afrodescendente é protagonista da história de nosso país, tanto quanto os europeus e os indígenas. Penso que a imagem de povo submisso não existe mais para os alunos que fizeram parte do estudo e espero que os mesmos sejam multiplicadores dessa visão. No entanto, que com relação ao preconceito, teremos que trabalhar em conjunto e de maneira incansável para lograrmos êxito. Como já discutido acima, os alunos não admitem a existência do racismo entre eles, o que leva a falsa impressão de que ele não existe na comunidade. Considerações finais O objetivo deste trabalho foi refletir sobre a questão do negro no espaço escolar. Durante o período do PDE, em muitos momentos tivemos a oportunidade de refletir sobre a pertinência do tema em questão. Um desses momentos foi o GTR (Grupo de Trabalho em Rede), quando percebemos que os professores participantes não somente julgaram-no pertinente como participaram de forma intensa das discussões, demonstrando a necessidade do debate acerca do mesmo, visando amenizar ou até acabar com o preconceito racial nas escolas. Com os alunos, pudemos refletir e perceber que o preconceito enquanto atitude de desvalorização do outro, acaba construindo relações conflituosas e constrangedoras para quem é alvo do mesmo. Atitudes preconceituosas ainda fazem parte do cotidiano social, más no ambiente escolar nos parece ainda mais grave devido a sua essência e o objetivo do mesmo que é formar cidadãos com conhecimentos que os leve ao desenvolvimento moral, intelectual e, sobretudo, o desenvolvimento humano no melhor sentido da palavra. Dessa forma, a intolerância ao outro, ao diferente, é algo inaceitável no ambiente escolar, constituindo um entrave para uma educação de qualidade e para o desenvolvimento de uma sociedade realmente “saudável”. Não se pode mais amenizar o problema, fazer “vista grossa” para “brincadeiras” que denigram pessoas pela cor de sua pele, classe social ou gênero. Nesse sentido, nós enquanto comunidade escolar, temos que fazer do combate ao preconceito uma prioridade cotidiana. 16 Espera-se, após esse trabalho, que toda a comunidade escolar assuma o papel de valorizar a pluralidade cultural, bem como o respeito ao direito que todos possuem de serem vistos e tratados como igual. Partindo desse principio, entendemos que é preciso que os professores estejam comprometidos com uma educação multicultural, onde todos, independente da etnia ou classe social tenham um sentimento de pertencimento cultural ao grupo. Reconhecemos que a criação da Lei 10.639/03, citada acima, representou um avanço na educação brasileira. Entretanto, muito ainda tem a ser discutido principalmente no ambiente escolar que é um espaço de formação e socialização de saberes. 17 Referências AZEVEDO, Thales de Democracia racial: ideologia e realidade. Petrópolis, vozes, 1975. BOURDIEU, PIERRE. O poder simbólico; tradução Fernando Tomaz. 2ªed-Rio de Janeiro, Bertrand Brasil,1998. 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