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Luiz Felipe Germani Ferreira BOA-FÉ OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL Santa Maria 2012 Luiz Felipe Germani Ferreira BOA-FÉ OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Jair Pereira Coitinho Santa Maria 2012 FACULDADE DE DIREITO DE SANTA MARIA – FADISMA CURSO DE DIREITO A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA O TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO BOA-FÉ OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL Elaborado por, Luiz Felipe Germani Ferreira COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE BACHAREL EM DIREITO COMISSÃO EXAMINADORA: _________________________________________ Prof. Jair Pereira Coitinho - Orientador __________________________________________ Prof. Igor Andrei Cezne __________________________________________ Prof. Pietro Toaldo Dal Forno Santa Maria, Novembro de 2012 “Nosso caráter é o resultado da nossa conduta.” Aristóteles AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus familiares que sempre me auxiliaram em minhas conquistas e me ajudaram a superar os desafios da vida acadêmica. Também agradeço aos meus chefes, mestres, amigos e colegas que sempre me deram força e motivação para que eu busque meus objetivos. Ademais agradeço aos professores da instituição que foram fundamentais no meu desenvolvimento profissional e pessoal e especialmente ao professor Jair Coitinho, que me orientou e inspirou em escrever sobre o tema. Finalmente, agradeço a todos que compreenderam meu trabalho e auxiliaram na conclusão deste objetivo, seja ajudando de fato ou me trazendo sorte. RESUMO Este trabalho tem como objetivo elaborar um estudo teórico sobre o Princípio da Boa-fé Objetiva, examinando o instituto e buscando sua aplicação no campo do direito processual. Estuda-se a possibilidade de utilizar de forma ampliada a boa-fé objetiva no processo, com o intuito de vedar as atitudes abusivas e lesivas e valorar as condutas éticas. No primeiro capítulo são abordados os aspectos da boa-fé em si, analisando seus prismas, subjetivo e objetivo, e sua evolução histórica até a inserção no Direito brasileiro com a Constituição Federal de 1988. Ainda é caracterizada a boa-fé objetiva como princípio constitucional, derivando de outros princípios como a dignidade da pessoa humana. Por decorrer da Constituição, a boa-fé deve ser inserida no processo civil, que é instrumento de consecução dos objetivos políticos, sociais e jurídicos do Estado. Então, abordam-se formas de efetivar os escopos da jurisdição, como a ampliação dos poderes do juiz, a teoria da colaboração processual e, por conseguinte, a criação de deveres anexos para todas as partes processuais. Frisa-se que hoje em dia, este tema é muito importante para o direito, pois a sociedade através da Constituição consagrou a dignidade da pessoa humana como valor supremo, de modo que a coletividade não aceita mais um processo que não seja pautado na ética e na boa-fé. PALAVRAS-CHAVE: Boa-fé Objetiva. Constituição Federal. Processo Civil. Colaboração. RESUMEN Este trabajo tiene como objetivo elaborar un estudio teórico sobre el principio de buena fe objetiva, examinando el instituto y la búsqueda de su aplicación en el ámbito del derecho procesal. Se estudia la posibilidad de utilizar el formato ampliado de la buena fe objetiva en el proceso, con el fin de sellar las actitudes abusivas y perjudiciales y evaluar la conducta ética. El primer capítulo examina los aspectos de la buena fe en sí mismos, el análisis de sus prismas, subjetivos y objetivos, así como su evolución histórica de la inserción en la ley con la Constitución Federal de Brasil de 1988. También se ofrece la fe objetiva bueno como un principio constitucional, deriva de otros principios como la dignidad humana. En el transcurso de la Constitución, la buena fe debe ser insertada en el proceso civil, que es un instrumento para alcanzar objetivos políticos, estado social y legal. A continuación, discutir maneras de lograr los ámbitos de competencia, tales como la ampliación de los poderes del juez, la teoría de la colaboración de procedimiento y por lo tanto la creación de funciones inherentes a todas las partes procesales. Subraya que en la actualidad, este tema es muy importante para el Derecho, por la sociedad a través de la Constitución consagra la dignidad de la persona humana como valor supremo, por lo que la comunidad ya no acepta más un proceso que no está guiado por la ética y de buena fe. PALABRAS CLAVE: Buena fe objetiva. Constitución Federal. Procedimiento Civil. Colaboración. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8 CAPÍTULO 1 - BOA-FÉ OBJETIVA .............................................................................. 9 1.1 - Conceito dúplice da boa-fé .............................................................................. 10 1.1.1 - Boa-fé Subjetiva ............................................................................................. 11 1.1.2 - Boa-fé objetiva ............................................................................................... 13 1.2 - Evolução Histórica ........................................................................................... 16 1.3 - Boa-fé objetiva como Princípio Constitucional .............................................. 21 1.4 - Funções da Boa-fé Objetiva ............................................................................. 24 1.4.1 - Função Interpretativa (Hermenêutico-integrativa) ....................................... 25 1.4.2 - Função Integrativa (criadora dos deveres anexos) ..................................... 27 1.4.3 - Função Limitadora dos direitos subjetivos ................................................. 30 CAPÍTULO 2 – BOA-FÉ OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL ....................................... 37 2.1 - Escopos da Jurisdição ..................................................................................... 38 2.3 - Atuação do Juiz ................................................................................................ 41 2.3.1 - Ampliação dos Poderes do Juiz ................................................................... 42 2.3.2 - Vedação de condutas abusivas .................................................................... 43 2.3 - Colaboração Processual .................................................................................. 44 2.4 - Criação de Deveres Anexos no Processo ....................................................... 46 2.4.1 - Deveres das Partes ........................................................................................ 47 2.4.2 - Deveres do Juiz ............................................................................................. 48 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ......................................................................... 54 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho refere-se à utilização do princípio da boa-fé objetiva no processo civil, através de uma pesquisa de doutrina com o método dedutivo. Com este estudo busca-se uma “solução” para os atos abusivos e procrastinatórios que hoje em dia ainda estão presentes no processo civil. Sendo assim, examinar-se-á o princípio da boa-fé objetiva, pois este é um indicadorde padrões éticos na sociedade, e que poderia ser mais utilizado no âmbito processual como forma de valorizar as condutas éticas e combater as atitudes abusivas e lesivas. No primeiro capítulo tratar-se-á dos aspectos da boa-fé em si, analisando suas vertentes subjetiva e objetiva e sua evolução histórica até a positivação no Código Civil brasileiro de 2002. Ver-se-á os fundamentos que inserem a boa-fé no ordenamento jurídico por meio de uma análise da Constituição, pretendendo definir a boa-fé objetiva como princípio constitucional. Tratar-se-á também, sobre as funções para aplicação da boa-fé objetiva nas relações jurídicas. De modo que, após discorrer sobre os principais aspectos da boa-fé objetiva, no segundo capítulo objetiva-se pesquisar sobre sua possível inserção no campo processual civil. Buscar-se-á uma conexão entre os objetivos do processo com o princípio da boa-fé objetiva e formas de efetivá-lo no âmbito processual, analisando a atuação dos juízes, a teoria do processo cooperativo e a criação de deveres para todas as partes envolvidas no processo. Sendo assim, este trabalho tem como objeto analisar a possibilidade de uma maior utilização do princípio da boa-fé objetiva no âmbito processual civil, tendo como objetivo trazer à discussão acadêmica uma imaginável forma de melhorar o processo judicial através da ética e da boa-fé. 9 1 - BOA-FÉ OBJETIVA O ser humano tem em sua essência viver em sociedade, pois somente se unindo a outros homens ele consegue ser forte o suficiente para sobreviver no mundo. Na evolução da vida em sociedade, desenvolveram-se visões individualistas e coletivistas para regrar as relações sociais, sendo que, atualmente, prevalece a noção de função social. Além do mais, em decorrência da crise do sistema liberal e o consequente progresso do neoconstitucionalismo, a implantação desses valores sociais no meio do direito é imprescindível. Não significa que um ser humano, individualmente considerado, tenha perdido o seu valor, mas, sim, que sempre deve ser buscado o bem comum, com fundamento na pessoa humana. De modo, que não há mais espaço para atitudes antiéticas, contrárias ao padrão dos valores sociais, como argumenta Mariana Pretel (2009, p. 52). Consequentemente, aos poucos alguns valores sociais vêm sendo incorporados ao direito, tal como o princípio da boa-fé. Nas palavras de José Moacyr Nascimento (2011, p.1): Em razão do fenômeno recente e ainda inacabado – o neoconstitucionalismo - a quase totalidade dos sistemas jurídicos caracteriza-se pela prevalência do elemento ético, leal e probo, assegurando o acolhimento do que é lícito e a repulsa ao ilícito. A boa-fé é conceito moral que impõe conduta pautada na honestidade, na moralidade, na transparência, na cooperação, na confiança, na probidade, no intuito de não lesar, prejudicar e nem frustrar outrem. O princípio da boa-fé é um valor inerente ao ser humano, pois para se adaptar a viver em sociedade tem de haver cooperação e lealdade. Como diria STOCO (2002, p. 37) Estar de boa-fé e agir de boa-fé constituem estados inerentes ao ser humano. Ele nasce puro, ingênuo e absolutamente isento de maldade ou perversidade. Em sua gênese, vai se transformando segundo influência dele sobre si próprio e da sociedade em que vive sobre ele, podendo manter sua condição original ou assumir comportamentos decorrentes da influência e da sua conversão. 10 Portanto, a boa-fé é um valor inerente do ser humano, que se relaciona com a subjetividade da pessoa em ser honesta, leal, proba. Porém, a sociedade, como um todo, é que definirá os padrões de comportamento a serem seguidos em conformidade com a boa-fé, e que, por conseguinte, deverão ser regulados pelo direito. Sendo assim, ao analisar a boa-fé no âmbito jurídico, percebem-se diversas visões, seja por um prisma subjetivo ou objetivo, como princípio ou cláusula geral (PRETEL, 2009, p. 17). Logo, em razão desta dificuldade de conceituação, faz-se necessário primeiramente diferenciar a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva, antes de traçar um breve desenvolvimento histórico sobre a boa-fé objetiva. 1.1 - Conceito dúplice da boa-fé Primeiramente, cabe salientar a existência de dois conceitos dentro do princípio da boa-fé, como demonstrar-se-á a seguir pelo entendimento de alguns doutrinadores, para depois analisar-se especificadamente a boa-fé subjetiva e a objetiva. Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p.9) concorda com a duplicidade de conceitos da boa-fé: “Em que pese a existência de entendimentos no sentido de que a boa-fé é um conceito único que se manifesta de diversas formas, é predominante o pensamento que o instituto apresenta duas vertentes: a subjetiva e a objetiva.” Basicamente, a boa-fé subjetiva é relacionada à índole do agente, ou seja, tem a ver com seus valores pessoais no seu agir, enquanto a boa-fé objetiva refere- se aos valores da sociedade no agir da pessoa, um padrão de comportamento ético. Mariana Pretel (2009, p.19-20) explica resumidamente a diferença que existe entre a boa-fé subjetiva e a objetiva: Em princípio, poder-se-ia dispor que a boa-fé subjetiva se refere a dados psicológicos, elementos internos, os quais conduzem o sujeito a uma ignorância do caráter ilícito de suas condutas, relacionando-se com a ideia de crença errônea; enquanto que, a boa-fé objetiva se vincula a elementos externos, normas de conduta, que determinam a forma de agir de um indivíduo, conforme os padrões de honestidade socialmente reconhecidos. Este também é o entendimento de Miguel Reale (2003): 11 Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a objetiva e a subjetiva. Esta última – vigorante, v.g., em matéria de direitos reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”. Deste modo, pode se concluir que uma pessoa pode agir acreditando que sua conduta é correta, em conformidade com a boa-fé subjetiva, mas ao mesmo tempo, estar agindo de modo contrário à boa-fé objetiva, aos valores impostos pela coletividade como padrão de conduta, como expõe Nelson Rosenvald (2009, p. 458). Assim, evidenciado o conceito que diz que existem duas vertentes da boa-fé, que a pessoa com um único ato pode estar de acordo com uma vertente e com a outra não, passa-se a analisar agora a boa-fé subjetiva. 1.1.1 - Boa-fé Subjetiva A boa-fé subjetiva tem a ver com a vontade do sujeito, ou seja, à crença de estar agindo de modo correto, honesto, e está, destarte, essencialmente relacionada ao intuito de obrar do sujeito. Neste sentido explica Judith Martins Costa (2000, p. 411): A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitéticaà boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem. 12 Deste modo, Mariana Pretel (2009. p.21) sintetiza a subjetividade desta vertente da boa-fé na frase: “Diz-se, que na boa-fé subjetiva, o sujeito está “em” ou “de” boa-fé.” Percebe-se que na boa-fé subjetiva tem de ser levada em conta a intenção intrínseca psicológica do sujeito, se ele crê estar agindo de modo correto. De maneira que, se for verificado que o obreiro tenha agido erroneamente em razão de desconhecimento, pode até ser perdoado e seu ato jurídico valer normalmente (ROSENVALD, 2009, p. 458). Assim, corrobora Mariana Pretel (2009, p. 20): Sob este prisma, há a valoração da conduta do agente, uma vez que agiu na crença, analisando-se a convicção na pessoa que se comporta conforme o direito. O manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um ato ou fato jurídico. Há a denotação de ignorância, crença errônea, ainda que escusável. Portanto, verifica-se que há de ser levado em conta o real entendimento que o obreiro tem do ato lesivo que praticou, pois se havia desconhecimento, não há que se falar em contrariedade à boa-fé subjetiva. No estudo de NEGRÃO (2005, p. 68 apud LEONARDO, 2006, p.9) pode se constatar este entendimento: Ela se subsume na circunstância do desconhecimento de uma dada ocorrência, de um vício que torne ilegítima a aquisição de um determinado direito ou posição jurídica. É o estado de justificativa pelo não conhecimento de circunstância ou fato que interfere na esfera jurídica alheia, torna ilegítima a aquisição do direito ou posição jurídica. Na boa-fé subjetiva, o manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um ato ou fato jurídico. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico a ser considerado. Por outro lado, ao verificar a intenção do agente, pode ser constatada a má- fé, que seria a vontade de lesar a outra parte, agindo propositalmente contra os valores prezados pela boa-fé. Sendo assim, o juiz, ao comprovar a existência do dolo do agente, deve compelir tais atos jurídicos. Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 10) explicita sobre a configuração da má-fé: 13 A conduta contrária à boa-fé subjetiva é a má-fé, calcada na ideia de dolo, que consiste na consciência e vontade de praticar um ato contrário ao Direito ou, de qualquer forma, lesar outra parte. Assim, a conduta daquele que age em desconformidade à boa-fé subjetiva é adjetivada por “má-fé”. Importante ressaltar que para a configuração da má-fé, é imprescindível a prova do dolo. Daí dizer-se que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé deve ser provada. Neste sentido, Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2001 apud Mariana Pretel, 2009, p.21), instrui como o Juiz deverá julgar ao analisar a má-fé na intenção do agente: Perante uma boa-fé puramente fática, o juiz, na sua aplicação, terá de se pronunciar sobre o estado de ciência ou de ignorância do sujeito. Trata-se de uma necessidade delicada, como todas aquelas que impliquem juízos de culpabilidade e, que, como sempre, requer a utilização de indícios externos. Porém, no binômio boa-má fé, o juiz tem, muitas vezes, de abdicar do elemento mais seguro para a determinação da própria conduta. [...] Na boa- fé psicológica, não há que se ajuizar da conduta: trata-se, apenas de decidir do conhecimento do sujeito. [...] O juiz só pode promanar, como qualquer pessoa, juízos em termos de normalidade. Fora a hipótese de haver um conhecimento direto da má-fé do sujeito – máxime por confissão – os indícios existentes apenas permitem constatar que, nas condições por ele representadas, uma pessoa, com o perfil do agente, se encontra, numa óptica de generalidade, em situação de ciência ou ignorância. Sendo assim, demonstra-se que a boa-fé subjetiva refere-se à ciência do sujeito ao agir, e, que, portanto, o Juiz deve analisar não somente o resultado da conduta, mas o real conhecimento do agente. 1.1.2 - Boa-fé objetiva A boa-fé objetiva, diferentemente da boa-fé subjetiva, baseia-se em critérios objetivos para analisar a conduta, menosprezando o estado psicológico e a vontade do agente (LEONARDO, 2006, p.10). A boa-fé lealdade, como também é chamada a boa-fé objetiva, pauta-se na honestidade, lealdade e probidade com a qual o sujeito condiciona o seu comportamento (PRETEL, 2009, p.22). Portanto, trata-se de uma regra deontológica, um dever de se manter leal ao acordo realizado ou a conduta praticada, para evitar o abuso da confiança alheia, agindo em consonância com a ética. Não se opõe à má-fé e também não guarda 14 qualquer relação no fato da noção que o sujeito possui da realidade (PRETEL, 2009 p.22). Neste sentido, Judith Martins Costa (2000, p. 411) discorre sinteticamente sobre o conceito da boa-fé objetiva: por 'boa-fé objetiva' se quer significar - segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law - o modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual 'cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade'. Por este modelo objetivo de conduta o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo. Ainda, Mariana Pretel (2009, p.22) define o conceito da boa-fé objetiva como um dever de se manter conforme os padrões de comportamentos criados pelos valores da coletividade: Caracteriza-se como um dever de agir, um modo de ser pautado pela honradez, ligada a elementos externos, normas de conduta, padrões de honestidade socialmente estabelecidos e reconhecidos. Na verdade, trata-se de uma técnica que permite adaptar uma regra de direito ao comportamento médio em uso em uma dada sociedade num determinado momento. Parte-se de um padrão de conduta comum, do homem mediano, num determinado caso concreto, levando em consideração os aspectos e acontecimentos sociais envolvidos. Traduz o estabelecimento de verdadeiros padrões de comportamento no caso concreto. É a sinceridade que deve nortear todas as condutas humanas, negociais ou não negociais. Em outras palavras, o sujeito deve ajustar sua própria conduta ao arquétipo da conduta social reclamada pela ideia imperante. Portanto, verifica-se a noção objetiva da boa-fé, relacionada à confiança geral, fundada no arquétipo de comportamento coletivo e reciprocidade de deveres (ROSENVALD, 2009, p. 458-459). Deste modo, diz-se, na boa-fé objetiva, que o sujeito age "de acordo" com a boa-fé, pois está agindo conforme elementos externos impostos como padrões de conduta pela sociedade (PRETEL, 2009, p.23). Flávio Alves Martins (2000, p. 104), expõe que a boa-fé objetiva não é contrária à má-fé ou ao dolo, mas haverá ausência de boa-fé quando não se 15 proceder em conformidade com os padrões sociais de conduta, qualquer que seja o motivo da desconformidade. Neste mesmo sentido, são as palavras do professor Igor Cezne (2007, p. 255): A antítese da boa-fé objetiva não é a intenção de prejudicar o outro (má-fé), mas sim a exteriorização de um comportamento ímprobo, egoísta e reprovável, ou seja, em descompasso com os parâmetros da ética obrigacional, consistindo na violação dos chamados deveres anexos de conduta. Entretanto, a boa-fé objetiva não se restringe aos valores éticos da sociedade, ela se conecta ao ordenamento jurídico, devendo o juiz usar os meios necessários para zelar pela manutenção da confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica(PRETEL, 2009, p.22). Ademais, vale destacar, que o instituto da boa-fé não repercute somente no âmbito obrigacional dos contratos, mas em qualquer relação jurídica, pois atribui ao juiz um maior poder, cabendo-lhe adequar a aplicação judicial à realidade social, analisando especificadamente cada caso concreto (PRETEL, 2009, p.24). De acordo com a lição de Couto e Silva (2008, p. 42): O princípio da boa-fé endereça-se sobretudo ao juiz e o instiga a formar instituições para responder aos novos fatos, exercendo um controle corretivo do Direito estrito, ou enriquecedor do conteúdo da relação obrigacional, ou mesmo negativo em face do Direito postulado pela outra parte. A principal função é a individualizadora em que o juiz exerce atividade similar a do pretor romano, criando o "direito do caso". O aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa-fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade. (...) Portanto, o princípio da boa-fé por ser baseado em critérios objetivos, permitiu ao juiz não seguir estritamente o que consta em lei, podendo aplicar os valores éticos da sociedade conforme a singularidade de cada caso concreto (AMARAL, 2009). Esta liberdade concedida ao juiz é justificada no interesse coletivo de cooperação, promovendo valores constitucionais como o solidarismo, e, incentivando o sentimento da justiça social e a repressão a todas as condutas que 16 importem em desvio aos padrões comportamentais de honestidade e lisura. (ROSENVALD, 2009, p. 459). Pode-se observar, com base na evolução histórica que será exposta a seguir, que o desenvolvimento da sociedade e do direito evidenciou alguns valores sociais, que só poderão ser alcançados ao ser concedida uma certa liberdade ao juízes para julgar conforme os princípios éticos da sociedade. 1.2 - Evolução Histórica Sinteticamente, pode se afirmar que a expressão de boa-fé tem origem no direito romano, em que já se percebia um conceito dúplice, com a diferenciação da “bona fides” e da “fides bona” (PRETEL, 2009, p.17) Especifica-se tal diferenciação nas palavras de Mariana Pretel (2009, p.17): Se, por um lado, analisava-se a crença de um sujeito para avaliar se este procedia conforme os ditames legais, por outro, todas as relações eram fundadas na confiança e o juiz, dentro do processo formulário, era remetido a critérios de decisão éticos, sociais e de equidade. Para resolver as lides nas relações jurídicas romanas, a jurisprudência estabeleceu a bonae fidei iudicia como a ação apropriada, de modo, que possibilitava ao juiz não só verificar a conformidade com a lei e com a obrigação firmada, mas também analisar os deveres impostos pela fides bona (NUNES, p.5). Ademais, Judith Martins Costa (2000, p. 120) aduz que a boa-fé que surgiu com o processo da bonae fidei iudicia, que conferiu ao magistrado, nas hipóteses em que não havia texto expresso em lei, o poder para decidir de acordo com as circunstâncias concretas. Portanto, o juiz deveria julgar segundo os ditames da boa- fé. Todavia, no período da Idade Média, houve um atraso na utilização da boa- fé objetiva. Com o domínio então exercido pela Igreja Católica, a boa-fé começou a se traduzir como a ausência de pecado, dentro do contexto dos ideais cristãos (PRETEL, 2009, p.17). 17 Gustavo Henrique Schneider Nunes (2012, p.5) em seus estudos corroborou com tal afirmação: Tal interpretação era procedida em razão de o Direito Canônico ter laços morais e éticos muito mais estreitos do que os traçados pelo Direito Romano. Tanto é assim que quem procedesse com negligência voluntária ou habitual, ou seja, que não procedesse de maneira cuidadosa no decorrer da relação jurídica estaria cometendo pecado. Portanto, verifica-se que, sob a influência da religião, o Direito Canônico teve outra abordagem sobre a boa-fé, tratando-a como a ausência de pecado, isto é, a crença subjetiva de que a conduta é desprovida de pecado. No entanto, mesmo diminuindo a abrangência da boa-fé, é no Direito Canônico que a boa-fé passa a ser conceitualmente unificada e define-se como princípio geral do Direito (MARTINS- COSTA, 2000, p. 131). Na modernidade, o princípio da boa-fé foi considerado apenas em sua parte subjetiva, pois com a elevação dos valores liberais e individualistas impostos pela burguesia, o princípio da boa-fé foi inteiramente absorvido pelo dogma da autonomia da vontade. Os contratos faziam lei entre as partes e a vontade destas era a lei absoluta, afastando o Estado de qualquer interferência, como afirma Mariana Pretel (2009, p. 17-18). Na época do surgimento das codificações, a boa-fé objetiva ainda foi desprezada, porque estes sistemas eram totalmente fechados e vigorava somente o que constava na lei (PRETEL, 2009, p.18). Neste período a interpretação jurídica tinha forte influência da escola exegética, que privilegiava os aspectos gramaticais e lógicos dos códigos escritos, e acreditava ter na lei todas as respostas para os fatos jurídicos. Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 15) demonstra algumas codificações que trouxeram a boa-fé subjetiva, mas não deram enfoque à boa-fé objetiva: Neste ínterim, algumas legislações trouxeram previsão acerca do tema, tais como as Ordenações Afonsinas (1446), o Código de Civil Francês (1804), o Código Comercial brasileiro (1850), e o Código Civil português (1867). Todos estes estatutos se limitaram a uma previsão da boa-fé subjetiva e, sobretudo, em sede de relações contratuais. Ademais, dado o predomínio da Escola Exegética e o positivismo jurídico, os dispositivos supracitados tiveram pouca relevância. 18 Pode se concluir que a interpretação restrita ao constante na lei e os ideais da classe burguesa, que buscava apenas a liberdade econômica, acabou por adiar o desenvolvimento da boa-fé objetiva, o que apenas ocorreu no direito alemão (PRETEL, 2009, p.18). A codificação alemã foi o maior avanço para o desenvolvimento do conceito da boa-fé objetiva. Após a 1ª Guerra Mundial, a doutrina e jurisprudência germânica incumbiram-se de lograr concretude ao princípio da boa-fé (PRETEL, 2009, p.18). O Código Alemão, BGB (Bürgerliches Gesetzbuch), adotou a distinção entre a boa-fé, reconhecendo a concomitância do instituto em seus conceitos objetivo e subjetivo (PRETEL, 2009, p.30). O ordenamento jurídico alemão distinguia nitidamente a boa-fé objetiva da subjetiva, com emprego de terminologias distintas. Treu und Glauben é a expressão alemã designativa da vertente objetiva da boa-fé, enquanto para a subjetiva, utiliza- se o termo guter Glauben, ambos com previsão expressa no BGB (LEONARDO, 2006, p.15). Conforme a tradução de MENEZES CORDEIRO (2001, p. 223, apud LEONARDO 2006, p.15), pode-se verificar os principais dispositivos que regem a boa-fé objetiva no BGB: Dois parágrafos consagram a aplicação geral Treu und Glauben e, portanto, merecem destaque – são eles: o § 157, do BGB, segundo o qual “os contratos interpretam-se como o exija a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego”, e o § 242, do mesmo repositório legal, que dispõe que “o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego”. Como conclui Mariana Pretel (2009.p.32): O direito alemão passou a buscar uma nova adequação à vida, mormente com a atuação conjunta dos magistrados, tornando-se, por conseguinte, um instrumento para o cumprimento da função social a que é precipuamente destinado. Assim, baseado no direito alemão, o conceito da boa-fé começou a ser difundido nos demais ordenamentos jurídicos e, consequentemente, no brasileiro. 19 No ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988 foi o passo fundamental para a caracterização da duplicidade de conceitos da boa-fé, pois consagrou princípios como o da dignidade da pessoa humana dentre os fundamentosda República e gerou uma reinterpretação de todo o direito civil e processual civil (PRETEL, 2009, p.18). O professor Igor Cezne (2007, pg 249) corrobora neste sentido, ao afirmar que: De qualquer forma, a substancial mudança de paradigma, deixando de lado os ranços liberais, ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que pôs em evidencia a pessoa humana como fundamento da República brasileira de maneira a garantir-lhe especialmente os valores da dignidade e da igualdade material. Portanto, a partir da promulgação da Magna Carta em 1988, a boa-fé objetiva já era aceita e podia ser vista na doutrina e jurisprudência. No entanto, a boa-fé em seu prisma objetivo somente foi positivada com o advento do Código de Defesa do Consumidor no ano de 1990 e posteriormente no Novo Código Civil de 2002 (PRETEL, 2009, p. 35). Deste modo, percebe-se que a inserção da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro não foi novidade, mas sim, a positivação através do sistema legislado. (CEZNE 2007, pg 254). Neste sentido, lembra Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p.18) que o Código do Consumidor teve efetivamente os primeiros dispositivos que positivaram a boa-fé objetiva: foi no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que a boa-fé foi positivada como princípio norteador das relações jurídicas tuteladas por esta lei. Ainda que limitado às relações consumeristas, o artigo 4º, inciso III, dispõe como princípio da política nacional de relações de consumo, a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Ainda, o artigo 51, inciso IV, desta mesma lei, expressa que são nulas de pleno direito as cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. 20 Deste modo, percebe-se que a boa fé objetiva foi efetivamente consagrada no ordenamento jurídico pátrio no Código de Defesa do Consumidor, pois provinda dos preceitos constitucionais, essa espécie de boa-fé passou então a ser empregada para interpretações contratuais, integração de obrigações firmadas, revelando-se essencial, para que fosse garantido que as partes de um negócio jurídico obrassem com lealdade perante outrem no cumprimento dos contratos consumeristas. (AMARAL, 2009). Mais de uma década após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, surgiu o novo Código Civil brasileiro no ano de 2002, positivando o princípio da boa-fé objetiva, ao prever, por exemplo, no artigo 422, que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa fé” (NUNES, 2012, p.10). Judith Martins Costa (2004, p. 44-45), sobre o Código Civil de 2002, afirma que foi utilizado o princípio da boa-fé tanto em sua forma subjetiva quanto na objetiva, como regra de conduta. De modo, que a boa-fé objetiva no campo obrigacional passou a derivar desta expressividade legal, e não somente da Constituição Federal como princípio implícito. Miguel Reale ao projetar o Novo Código Civil baseou-se em três grandes paradigmas, a eticidade, a socialidade e a operabilidade. Sendo que a boa-fé objetiva é a maior demonstração da eticidade, assegurando às pessoas relações jurídicas sob um comportamento suportável, aceitável em determinado tempo e lugar (ROSENVALD, 2009, p. 459). Hoje em dia, a boa-fé vem sendo observada sob os seus múltiplos ângulos, significando que, como princípio, opera, concomitantemente, como postulado ético basilar da ordem jurídica e critério de aplicação das normas existentes (PRETEL, 2009, p.18). Assim, conclui Mariana Pretel (2009, p.38): A boa-fé objetiva, por derradeiro, muito mais importante do que se encontrar positivada, caracteriza-se como princípio constitucional e como cláusula geral. Trata-se de um reconhecido valor, que modifica a hermenêutica dos operadores do direito em todas as áreas. 21 1.3 - Boa-fé objetiva como Princípio Constitucional Primeiramente, vale salientar que existe uma distinção entre os princípios constitucionais, entre explícitos e implícitos, sendo que o primeiro é positivado na própria Constituição e legitimado pelo poder constituinte, ao passo que o segundo, apesar de emanar do ordenamento jurídico, decorre da interpretação dos valores insculpidos na Constituição, o que gera um esforço maior para sua concretização, segundo ensinamento de Luiz Flávio Gomes (2010). Neste mesmo sentido, Judith Martins Costa (2000, p. 319-320) aduz que os princípios no ordenamento jurídico pátrio, podem se encontrar expressos, consignados na legislação, ou inexpressos (implícitos), devendo ser estabelecidos pelo intérprete ao analisar racionalmente o sistema normativo em seus valores. Mariana Pretel (2009, p.44) também conceitua esta diferença, pois diz que: Existem doutrinadores que procedem a uma distinção entre os princípios positivos do direito e princípios gerais do direito. Os primeiros seriam aqueles que já pertencem à linguagem do direito, enquanto estes, os que seriam valorados segundo as análises descritivas da ciência jurídica, descobertos no ordenamento positivo (existem independentemente de expressão nas normas legais, porque nelas não se esgotam). Na elaboração da Constituição Nacional de 1988, percebe-se a valoração dos princípios com a função de balizar todo o ordenamento jurídico, pois além de expor textualmente diversos princípios, também dispôs reconhecer outros princípios abrigados em seu ordenamento, uma vez que o artigo 5º, em seu parágrafo 2º, diz que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." (PRETEL, 2009, p. 48-49). Portanto, verifica-se que no ordenamento jurídico pátrio são admitidos tanto os princípios positivos do direito quanto os princípios gerais do direito (implícitos), presentes na Constituição. Deste modo, para se perceber a existência de alguns princípios deve ser feita uma interpretação ampla do ordenamento, analisando os objetivos políticos, sociais e jurídicos insculpidos na Constituição. (NASCIMENTO, 2011, p.1). 22 Pois bem, ao se analisar a Constituição brasileira em seu preâmbulo e no seu primeiro artigo pode-se verificar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, cujo paradigma é a garantia dos direitos fundamentais observados nos princípios constitucionais (COSTA, GOMES, 2012, p.14). Ainda, Patricia Ayub da Costa e Sérgio Alves Gomes (2012, p.15), defendem o conceito de Estado Democrático de Direito ao considerar que este supera os modelos de Estado Liberal e Social, que se preocuparam exclusivamente com o interesse individual ou com os aspectos sociais, e não conseguiram resguardar a dignidade da pessoa humana. Porquanto, o homem na sociedade deve ser respeitado em sua singularidade, com o Estado buscando garantir todas as dimensões dos direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa. Também, José Moacyr Nascimento (2011, p.1), ao analisar o preâmbulo da Constituição, afirma que o Estado Democrático de Direito instituído deve assegurar os valores que devem nortear a conduta social: “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.” Mariana Pretel (2009, p.55) assevera que os princípios estabelecidos com a Constituição de 1988, sejam explícitos ou implícitos, consagraram uma abertura do sistema jurídico brasileiro, promovendo a modificação de valores fundamentais, com a substituiçãodo indivíduo pela pessoa, sendo a dignidade da pessoa humana vértice de todo o direito, público ou privado. Decorrendo dos princípios constitucionais mencionados, principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se enxergar o princípio da boa-fé, pois, ainda que não esteja previsto na Constituição, pode-se constatá-lo quando a Carta Magna exige comportamento leal, probo, digno, que se espera do homem médio. (COSTA, GOMES, 2012, p. 16) José Moacyr Nascimento (2011, p. 1) aduz que o princípio da boa-fé pode ser relacionado ao ditame constitucional que estabelece como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade solidária, na qual o respeito comum seja um elemento essencial a qualquer relação jurídica. Pois se presume o homem 23 como parte integrante de uma comunidade, e não um ser isolado, cuja vontade tem de ser respeitada, porém, sujeita a limites externos. Neste sentido, dispõe Patricia Ayub da Costa e Sérgio Alves Gomes (2012, p. 18) sobre a procedência do princípio da boa-fé no conceito do Estado Democrático de Direito e nos demais princípios expressos na Carta Magna: Portanto, no paradigma de um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF) fundamentado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), cujos objetivos são construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF); promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF) que rege suas relações internacionais pelos princípios da igualdade entre os Estados (art. 4º, V, CF); defesa da paz (art. 4º, VI, CF); solução pacífica dos conflitos (art. 4, VII, CF); cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX, CF) só pode ser regido pelo princípio da boa-fé objetiva, pois é esse princípio que fundamenta o comportamento desse modelo de Estado. Compreende-se que tais valores que figuram na Constituição são postulados éticos que demonstram que o Estado deve garantir os valores humanos. Decorre-se daí a afirmação de que a boa-fé objetiva move a sociedade, porquanto, para se viver em harmonia social, é preciso que os indivíduos se respeitem, que tenham comportamento leal e isso decorre do princípio da boa-fé objetiva. (COSTA, GOMES, 2012, p. 18) Com os novos valores constitucionais, a autonomia da vontade e o individualismo cederam lugar às regras deontológicas da boa-fé, haja vista, que ao se conferir que todas as relações jurídicas devem ser norteadas pela lealdade e confiança, percebe-se que a “boa-fé atua como uma luz irradiante para a interpretação constitucional, premissa básica da ordem jurídica.” (PRETEL, 2009, p. 54). Portanto, o princípio da boa-fé objetiva deve ser considerado princípio constitucional, cabendo aos Juízes a função de aplicá-lo aos casos concretos, na busca da efetivação da dignidade da pessoa humana e demais princípios inerentes à convivência harmônica em sociedade. (COSTA, GOMES, 2012, p. 19). Conforme Mariana Pretel (2009, p. 56), pode se afirmar que a Constituição, ao promover a boa-fé como postulado ético inspirador do ordenamento, seja como 24 norma infraconstitucional ou regra de interpretação, conferiu força normativa e aplicabilidade imediata ao princípio, expandindo-o para todas as áreas do direito. Desta maneira, vale lembrar que o princípio da boa-fé objetiva positivado no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, foi legitimado pela Constituição, pois, ali, implicitamente, emanando dos valores do Estado Democrático de Direito, está o princípio da boa-fé objetiva. (COSTA, GOMES, 2012, p. 19). Pois, como ressalta Mariana Pretel (2009, p. 47): toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade hierárquica da Constituição sobre os demais atos normativos, entende-se então que são os valores supremos que garantem a validade de toda a legislação do Estado. Neste sentido, conclui Diego Martins Silva do Amaral (2009): O princípio boa-fé objetiva se estabelece em uma regra ética, em um grande dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação. Como já argumentado anteriormente, não surgiu com o Código Civil de 2002 ou mesmo com o Código de Defesa do Consumidor, mas, ao contrário, passou por uma lenta e gradativa evolução, desde os tempos romanos, passando pelo direito alemão, sendo que, pelo legislador constituinte de 1988 foi reconhecida e erguida à condição de princípio, adquirindo o status de fundamento ou qualificação essencial da ordem jurídica. Isto significa dizer que atua como postulado ético inspirador de toda ordem jurídica e que, por fim, sempre deverá ser aplicado no caso concreto. Nos dias atuais, não há como não se reconhecer a sua incidência em todos os temas de direito civil, direito processual civil e direito do consumidor. Portanto, compreende-se que a boa-fé objetiva é um vértice de todo o ordenamento jurídico com seu fundamento na própria Constituição, sendo configurado como princípio (implícito), de modo que, toda a legislação infraconstitucional e a interpretação jurídica têm de ser pautados em seus valores éticos. Isto posto, passar-se-á a analisar as funções da boa-fé objetiva, ou seja, a maneira de aplicar este princípio no campo das relações jurídicas. 1.4 - Funções da Boa-fé Objetiva Os doutrinadores ao analisarem as cláusulas da boa-fé objetiva que foram positivadas no Código Civil de 2002 definiram as funções da boa-fé para atuar no 25 regramento das relações jurídicas. Entre essas funções, pode se perceber a interpretativa (hermenêutico-integrativa) relacionada ao artigo 113, a integrativa (criadora dos deveres anexos), conforme artigo 422, e a limitadora de direitos subjetivos que decorre do exame do artigo 187. Neste sentido, corrobora Nelson Rosenvald (2009, p. 459), ao discorrer sobre a multifuncionalidade da boa-fé objetiva: A boa-fé é multifuncional. Para fins didáticos, é interessante delimitar as três áreas de operatividade da boa-fé no Código Civil de 2002. Desempenha papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art. 187); finalmente, desempenha atribuição integrativa, pois dela emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de precedentes jurisprudenciais (art.422). José Moacyr Nascimento (2011, p.1) salienta que essa tripartição metodológica foi construída para a área contratual, em consequência da positivação da boa-fé objetiva que foi realizada no código civil. No entanto, afirma que é possível e necessário deslocá-la para o campo do direito processual. Portanto, observando-se que o princípio da boa-fé objetiva insere-se no âmbito jurídico e social por diversas formas, torna-se necessário individualizar e especificar cada uma de suas funções. 1.4.1 - Função Interpretativa (Hermenêutico-integrativa) A primeira das funções da boa-fé é a que se denomina como interpretativa, pois, por decorrer de um princípio geral do direito, gera a todos os interpretes do direito o dever de interpretar as relações jurídicas com base nos paradigmas éticos sociais previstos pela boa-fé objetiva. A interpretação, no âmbito jurídico, significa atribuir, extrair, esclarecer o sentido das normas ou dos negócios realizados entre as partes, com a finalidade de resolver os casos concretos. (DIMOULIS, 2007, p. 172) Ao interpretar a relação jurídica, o operador do direito, tem a boa-fé objetiva como um referencial, para poder extrair do objeto de questão, o sentido moral adequado à sociedade. (AMARAL, 2009) 26 Deste modo, interpretar a lei ou o contrato de acordo com os preceitos da boa-fé objetiva será sempre adequá-los aética, tendo em vista que o Código Civil traz a eticidade como paradigma. (PRETEL, 2009, p. 74) Esta função, em que a boa-fé objetiva serve para orientar toda a interpretação dos negócios jurídicos, especialmente dos contratos, está prevista no artigo 113 do Código Civil (LEONARDO, 2006, p. 31), no qual está expresso que “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” Assim, ainda que a doutrina tenha definido a função interpretativa da boa-fé objetiva com base no artigo 113 do Código Civil, ela não se prende ao Direito Obrigacional, tampouco aos Contratos, entretanto, aplica-se a todo e qualquer ato jurídico, e não somente nos negócios jurídicos. (LEONARDO, 2006, p. 31). Neste sentido, Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 31) relembra sobre o caráter principiológico da boa-fé objetiva que deve balizar todo o ordenamento: Aliás, dada sua natureza de princípio geral do Direito, como axioma que permeia todas as relações jurídicas (e não somente as contratuais), deve ser parâmetro interpretativo em qualquer relação que tenha vínculo jurídico, independente de finalidade econômica manifesta no ato. Portanto, esta função da boa-fé é exercida através da interpretação, onde se procura o melhor sentido de uma determinada manifestação em algum ato jurídico. Até visa elucidar a manifestação jurídica que esteja obscura, como cita Gustavo Henrique Schneider Nunes (2012, p. 17): “existindo uma lacuna ou até mesmo uma expressão confusa, dificultando a tarefa do intérprete, deve-se socorrer da boa-fé objetiva.” Assim, pode-se evidenciar que o recurso interpretativo da boa-fé é a fórmula do intérprete do direito garantir a finalidade econômico-social de todos os negócios jurídicos, cabendo ao Juiz não permitir que a lei ou o contrato atinja uma finalidade contrária aos valores éticos da coletividade. (PRETEL, 2009, p. 76). Logo, conclui Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 31): “sempre que se mostrar necessário interpretar algum ato jurídico, deve-se, sempre, favorecer uma interpretação que privilegie a boa-fé ética.” 27 Além do mais, deve-se destacar que a interpretação conforme a boa-fé, ainda levando em consideração seu status de princípio geral do Direito, também deve orientar o Legislador na elaboração da Lei. “Mutatis mutandis, o feitor da Lei, em seu labor, deve sempre ter em conta o padrão de conduta que se espera do homem médio; deve primar pela probidade e retidão, incentivando sempre o comportamento dotado de tais predicativos.” (LEONARDO, 2006, p. 32). Assim, resta demonstrado uma das principais funções da boa-fé objetiva, qual seja balizar todas as interpretações jurídicas garantindo o entendimento das relações contratuais e legais no Direito em conformidade com os padrões éticos da sociedade. 1.4.2 - Função Integrativa (criadora dos deveres anexos) Além da função interpretativa, a boa-fé também possui a função integrativa, que consiste na criação de deveres anexos ao negócio jurídico, independente da vontade das partes, adequando o negócio aos parâmetros de eticidade da sociedade. Nelson Rosenvald (2009, p. 459) afirma que através da análise do art.422 do Código Civil pode-se enxergar a função integrativa da boa-fé. Em que a boa-fé serve como uma fonte criadora de deveres jurídicos para as partes, além de auxiliar na interpretação dos negócios jurídicos. Esta função serve para garantir os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte, propiciando a realização do negócio jurídico com a finalidade desejada e a função social-econômica adequada. Mariana Pretel (2009, p. 76) explica que integrar neste caso, significa ”completar, inteirar, integralizar, determinar de forma explícita.” Sendo que integrar uma lei ou um negócio jurídico é completar o seu teor de acordo com os ditames do ordenamento jurídico, criando deveres anexos para determinados casos concretos. Podendo concluir-se que a relação jurídica é definida pela vontade das partes integrada com a boa-fé objetiva. A função integrativa também permite que as eventuais lacunas existentes no ordenamento jurídico sejam colmatadas por normas concretas que promovam “a 28 lealdade, transparência, informação, probidade e quejandos, afinando-se plenamente com a concepção da boa-fé lealdade e valores constitucionais.” (NASCIMENTO, 2011, p. 1). Com a integração, há uma atuação positiva da boa-fé como verdadeira fonte de direito, criando direitos e deveres, ditos secundários, acessórios ou anexos, que mais do que regras morais de confiança e lealdade na relação jurídica, devem ser regras jurídicas que se inserem no ordenamento. (PRETEL, 2009, p. 77). Outro modo de perceber que os deveres anexos têm como fonte a integração, é que eles não decorrem diretamente da vontade principal das partes e nem diretamente da Lei regente específica. Destarte, a função integrativa da boa-fé objetiva estabelece deveres, obrigações, não existentes de forma explícita no contrato ou na Lei imediata. (NASCIMENTO, 2011, p.1). Antes de se escrever sobre os deveres anexos, deve-se elucidar sobre os demais deveres das obrigações, e, neste sentido, ao discorrer sobre a boa-fé objetiva nos contratos, expõe Igor Cezne (2007, p. 258): Por deveres principais devemos entender aqueles relacionados ao objeto da relação e que irá determinar o próprio tipo de contrato, ou seja, é o cerne da relação. Já os deveres secundários são divididos em dois tipos. O primeiro – deveres secundários meramente acessórios da obrigação principal – é aquele que assegura a obrigação principal (ex. na compra e venda o dever de transportar, embalar, ou conservar); o segundo – deveres secundários com prestação autônoma – é decorrência da obrigação principal (ex: Indenização por mora ou cumprimento defeituoso). Além do mais, os deveres principais da obrigação decorrem da vontade explícita das partes ao celebrarem determinado contrato. Por outro lado, os deveres anexos não têm como fonte a vontade das partes, tampouco se originam na Lei ou em alguma previsão contratual. Com efeito, esses deveres decorrem da função integrativa da boa-fé objetiva e, ainda que implícitos, impõem-se a ambas as partes do negócio jurídico independentemente de suas vontades. (LEONARDO, 2006, p. 36). Neste sentido, aduz Nelson Rosenvald (2009, p. 459) sobre a não voluntariedade das partes sobre os deveres anexos: 29 Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela. Ainda, Nelson Rosenvald, (2009, p. 459) corroborando que os deveres laterais são destinados a ambas as partes do negócio: Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo. Destarte, diante desta característica criadora de deveres laterais, impostos aos sujeitos da relação jurídica sem considerar a volitividade, pode-se chamar esta função decorrente da boa-fé, de ativa ou positiva. (LEONARDO, 2006, p. 37). Assim sendo, assevera Mariana Pretel (2009, p. 78), que os deveres anexos de prestação autônoma são uma forma de satisfazer os interesses da coletividade, pois impõem, para cada caso concreto, deveres de conduta baseados na ética social a ambos os integrantes da relação jurídica. A autora ainda exemplificaalguns deveres anexos, que são “os deveres de lealdade, cooperação e colaboração, informação (aviso e esclarecimento), previdência e segurança, prestação de contas, proteção e cuidado, entre outros.” (PRETEL, 2009, p. 78). Nesta mesma banda, aduz Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 36): Portanto, ao passo que a boa-fé impõe uma conduta de cooperação e de lealdade entre as partes de uma obrigação, ela tem a função criadora de deveres laterais, paralelos à prestação principal. É nesta esteira que se inserem os seguintes deveres: de informação, de cuidado, de aviso, de prestar contas, de colaboração e cooperação, de proteção e de segredo, dentre outros. Assim, porquanto a boa-fé objetiva pode criar deveres implícitos que completam as relações jurídicas com base na lealdade, confiança e cooperação, abrangendo requisitos para harmonia social, independentemente da vontade das 30 partes, por outro lado, ela também pode limitar certos direitos subjetivos e minorar algumas manifestações de vontade, como será visto adiante. 1.4.3 - Função Limitadora dos direitos subjetivos Outra função da boa-fé objetiva é limitar os direitos subjetivos das partes. Com os novos axiomas promovidos na Constituição, colocando a pessoa em primeiro lugar, o Estado passou a ter legitimidade para interferir nas relações privadas, procurando diminuir as desigualdades entre as partes. Por conseguinte, através da boa-fé objetiva o Estado busca garantir a finalidade econômico-social do contrato ao limitar a liberdade dos contratantes. (CEZNE, 2007, p. 257). Esta função da boa-fé pode ser chamada de “negativa”, pois ela limita o exercício de posições jurídicas e restringe o exercício do titular de um determinado direito. (LEONARDO, 2006, p. 34). Salienta Mariana Pretel (2009, p. 86), que a função controladora pode ser encontrada no artigo 187 do Código Civil, o qual contempla a previsão legal do ato abusivo, assim dispondo: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes”. Analisando tal artigo, pode se perceber que a boa-fé e os bons costumes de acordo com os seus fins sociais e econômicos, impõem limites ao exercício dos direitos. (PRETEL, 2009, p. 87). Neste sentido, expõe Cesar Augusto Luiz Leonardo (2006, p. 32-33): A boa-fé objetiva também limita o exercício de posições jurídicas, da seguinte forma. O Direito atribui direitos, deveres, faculdades e ônus às pessoas. Todavia, o titular de uma posição jurídica, ao exercê-la, não o pode fazer de qualquer forma, mas deve sempre respeitar aos limites estabelecidos por ela mesma e pelo Direito (entendido como todo o Ordenamento Jurídico) e, por via de consequência, à boa-fé, dada a sua condição de proposição jurídica. É dizer: os direitos subjetivos não são absolutos, devendo ser exercidos conforme sua finalidade econômica e social, sem desrespeitar os preceitos decorrentes da boa-fé objetiva. 31 Brunela Vincenzi (2003, p. 164) afirma que a aplicação da função corretiva da boa-fé objetiva além de limitar o exercício de direitos subjetivos nas relações contratuais também pode controlar o exercício de posições jurídicas exercidas numa relação processual: poderes, faculdades, ônus, direitos potestativos e deveres. Corroborando tal afirmação de que a função controladora pode ser exercida sobre qualquer manifestação de vontade em uma relação jurídica, é a citação de Gustavo Henrique Schneider Nunes (2012, p. 15): A boa-fé tem por escopo controlar todas as manifestações de vontade, limitando-as ao exercício de direitos daí decorrentes. Não mais se aplica o entendimento de que tudo que não estiver proibido no contrato ou na lei torna-se, por via de consequência, permitido. Essa visão ultrapassada dava azo a inúmeras falcatruas, sempre em prejuízo da parte mais vulnerável da relação jurídica. Ainda, neste sentido, pode-se citar Brunela Vincenzi (2003, p. 165): Essas várias posições jurídicas podem ocorrer em relações jurídicas as mais diversas, nas quais se observa a necessidade de aplicação da regra objetiva para coibir exercícios inadmissíveis na relação contratual (veja-se, por exemplo, o direito à resilição contratual imotivada ou à rescisão por inadimplemento nos casos de adimplemento substancial), ou na relação jurídica processual (que, de maneira exacerbada, impedem ou alongam o tempo necessário para realização do direito material.) Percebe-se que, toda manifestação de vontade que gere efeitos jurídicos deve ser analisada para saber se ela se harmoniza ou não com o princípio da boa-fé objetiva. Ao passo que, havendo excessos, a boa-fé age para contornar ou adequar o ato aos padrões de conduta estabelecidos. (NUNES, 2012, p. 15). Neste contexto, cita-se Mariana Pretel (2009, p. 87-88): a boa-fé atua no sentido de contenção da visão individualista, de conceder um novo perfil à autonomia privada, conduzindo os direitos subjetivos a limites equilibrados, dentro do contexto da função social, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. A função controladora da boa-fé visa impedir práticas abusivas que se desvirtuem dos ditames éticos, podendo até interferir na autonomia de vontade, considerando nula algumas cláusulas contratuais. Ou seja, deve ser controlada toda 32 manifestação que contrarie o padrão ético da boa-fé, que busca atribuir lealdade e honestidade a todas as relações. (NUNES, 2012, p.17) Deste modo, o titular de um direito que o exerce ultrapassando os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, pratica abuso de direito. (LEONARDO, 2006, p. 34). O legislador pátrio qualifica o abuso de direito como ato ilícito, ao inserir o artigo 187 no capítulo referente aos atos ilícitos no Código Civil de 2002. No entanto, deve-se salientar que no ato abusivo, o indivíduo não desrespeita as normas específicas individualmente, mas sim os valores que serviram de fundamento para as normas em geral. (PRETEL, 2009, p.88). Neste sentido Mariana Pretel (2009, p. 89) expõe sobre os limites do indivíduo ao exercer seus direitos: Todo indivíduo deve exercitar os seus direitos nos limites estabelecidos pelo conteúdo do próprio direito (limites internos) ou por disposições que decorrem da proteção dispensada a terceiros e da colisão de direitos (limites externos). Em outras palavras, pode se afirmar que, além dos limites que derivam da própria natureza do direito (objeto e conteúdo), existem outros, derivados da boa-fé e da função social (tal qual já fora deveras explanada a teoria dos deveres anexos, que decorrem da boa-fé). Nesta mesma esteira, a boa-fé também serve para limitar atos ilícitos, que não podem ser vistos ao se verificar apenas a conformidade do ato com a norma aparente, mas que devem ser analisados conforme os valores de todo o ordenamento e toda a conduta do agente. Esta análise abrangente da função limitadora da boa-fé pode ser relacionada com o instituto da teoria dos atos próprios, que impõe uma conduta coerente, não contraditória. (LEONARDO, 2006, p. 34). Outrossim, Mariana Pretel (2009, p. 85-86) explicita a teoria dos atos próprios: segundo a qual a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior interpretada objetivamente segundo a lei, segundo os bons costumes e a boa-fé, ou quando o exercício posterior se choque com a lei, os bons costumes e a boa-fé, sendo que o seu efeito é impedir que a parte que tenha violado os deveres, exija o cumprimento pela outra parte, ou se valha do seu próprio inadimplemento para se beneficiar de disposição contratual ou legal. 33 Dessa forma, devem ser analisados os pressupostos para a aplicação da referida teoria, haja vista que para a incidência desta regra, não basta verificar tão somentea contradição, até porque o ordenamento prevê situações em que a incoerência é lícita, e muitas vezes decorrem da própria natureza ou finalidade do instituto. (LEONARDO, 2006, p. 34). Assim, SCHREIBER (2005, p. 124 apud LEONARDO, 2006, p. 34-35) ensina que a proibição do fato próprio pressupõe: a) um factum proprium, ou seja, uma conduta inicial; b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta; c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo, que viola a confiança criada pelo fato próprio; e, por fim d) um dano ou, no mínimo, um potencial de dano a partir da contradição. Nesta senda, verifica-se que a finalidade deste instituto da boa-fé não é condenar toda e qualquer conduta contraditória, haja vista que a contradição muitas vezes é possível; esta teoria visa resguardar a confiança legítima criada pelo ato próprio, que seria frustrada diante de um comportamento incoerente. (LEONARDO, 2006, p. 35). A função controladora da boa-fé, além proibir o abuso de direito, também proíbe condutas contraditórias que abalem a legítima confiança das partes. Tais condutas contraditórias podem ser vistas de forma melhor ao analisarmos os institutos que derivam desta teoria dos atos próprios, quais sejam o “venire contra factum proprium”, a “regra tu quoque”, a “suppresio/surrectio”, a “exceptio doli”, dentre outros. (LEONARDO, 2006, p. 35). Primeiramente, Menezes Cordeiro (2007, p. 745 apud NASCIMENTO, 2011, p. 1), conceitua o venire contra factum proprium: Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo. (...) Há venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois, se negue. 34 Judith Martins Costa (2000, p. 471), apoiada nos ensinamentos de Menezes Cordeiro, dispõe sobre os elementos fundamentais do venire contra factum proprium: O seu fundamento técnico-jurídico – e daí a conexão com a boa-fé objetiva – reside na proteção da confiança da contraparte, a qual se concretiza, neste específico terreno, mediante a configuração dos seguintes elementos , objetivos e subjetivos: a) a atuação de um fato gerador de confiança, nos termos em que esta é tutelada pela ordem jurídica; b) a adesão da contraparte – porque confiou – neste fato; c) o fato de a contraparte exercer alguma atividade posterior em razão da confiança que nela foi gerada; d) o fato de ocorrer, em razão da conduta contraditória do autor do fato gerador da confiança, a supressão do fato no qual fora assentada a confiança, gerando o prejuízo ou iniquidade insuportável para quem confiara. Portanto, não é razoável que uma pessoa pratique determinado ato ou conjunto de atos e, em seguida, adote uma conduta oposta, seja no âmbito privado ou nas relações processuais. (VIANA, GAGLIANO, 2012, p. 6). Também, seguindo a teoria dos atos próprios pode-se ver os institutos do tu quoque, surrectio, supressio e exceptio doli, todas com o objetivo de proteger a confiança legítima contra atos incoerentes. A expressão Tu quoque pode vir da célebre frase “Tu quoque, Brutus, fili mi!”, historicamente atribuída ao imperador romano Júlio César, ao constatar que foi traído pelo seu filho Brutus. (VIANA & GAGLIANO, 2012, p. 9). Ou seja, a locução “Tu quoque” que pode ser traduzida como "tu também" tem a ver com traição, pois está relacionada aos casos em que o sujeito exige da outra parte algo que também foi por ele descumprido ou negligenciado. (MEZZOMO, 2006, p. 1). Deste modo, a regra tu quoque tem a função de coibir abusos de contrariedade ou aproveitamento da própria torpeza ou ilicitude, na relação de contraprestações própria dos contratos bilaterais. (MARTINS-COSTA, 2000, p. 464). Judith Martins Costa (2000, p. 465) explica sobre a função da regra tu quoque relacionada a boa-fé objetiva ao visar manter a harmonia nas relações contratuais: É justamente nesta perspectiva que se verifica a relação entre o sinalagma e a regra do tu quoque, considerado como especificação da boa-fé objetiva. Se o sinalagma traduz, como é bem verdade, a existência e a configuração dos deveres contrapostos, que devem manter posição de relativo equilíbrio 35 entre si, a violação de uma das prestações nele implicadas caracteriza justamente uma violação ao sinalagma que está na estrutura essencial dos contratos bilaterais. Como melhor explicita Menezes Cordeiro, se assim ocorrer, os deveres contrapostos revelados pelo sinalagma nos contratos bilaterais “perderiam a identidade e o sentido que os define”. Em consequência, se o ordenamento não tutelasse a inserção sistemática expressa na regra do tu quoque, estaria a alterar “toda a harmonia da estrutura sinalagmática, atingindo, com isso, a outra prestação, razão pela qual conclui: “A justificação e medida do tu quoque estão, pois, nas alterações que a violação primeiro perpetrada tenha provocado no sinalagma”. Deste modo, conforme este instituto, a parte que continuamente violou uma regra não pode invocar esta mesma regra em seu favor. (MEZZOMO, 2006, p. 1). Sendo assim, percebe-se que por meio do tu quoque, visa-se evitar ações injustas que perturbem o equilíbrio que deve reger a dinâmica das relações jurídicas, inclusive da relação jurídica processual. (VIANA e GAGLIANO, 2012, p. 9). A supressio ou “Verwirkung” da doutrina alemã consiste na redução do conteúdo obrigacional ou perda de um direito pela inércia de uma das partes em exercer seu direito ou faculdades por um razoável lapso temporal, gerando na outra parte legítima expectativa. (MEZZOMO, 2006, p. 1). Menezes Cordeiro (2007, p. 378 apud SANTOS, 2008, p. 207) define a supressio: Supressio é a expressão proposta para traduzir Verwirkung, isto é, a situação em que incorre a pessoa que, tendo suscitado noutra, por força de um não-exercício prolongado, a confiança de que a posição em causa não seria actuada, não pode mais fazê-lo, por imposição da boa-fé. Ainda, concluem Salomão Viana e Pablo Stolze Gagliano (2012, p. 7): Na supressio, malgrado o direito não tenha sido extinto pela decadência e nem se possa falar em prescrição, o que há é, metaforicamente, um silêncio ensurdecedor, ou seja, um comportamento omissivo tal - no que se refere ao exercício de um direito - que um movimento posterior, tendente a exercitar aquele direito, soa incompatível com as legítimas expectativas até então geradas pelo silêncio. A surrectio, ao contrário da supressio, representa uma ampliação do conteúdo obrigacional. São institutos correlatos em que a atitude de uma das partes 36 gera na outra a expectativa de direito ou faculdade não pactuada. (MEZZOMO, 2006, p. 1). Neste sentido define Menezes Cordeiro (2007, p. 821 apud SANTOS, 2008, p. 210): No que tange à surrectio, para que a mesma reste configurada exige-se um certo lapso de tempo, por excelência variável, durante o qual se actua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito subjectivo que vai surgir; requer-se uma conjunção objectiva de factores que concitem, em nome do Direito, a constituição do novo direito; impõe-se a ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio. Judith Martins Costa (2000, p. 460-461) ainda define a exceptio doli na relação com a boa-fé: A Boa-fé paralisa o direito a invocar a exceptio non adimpleti contractus nas hipóteses em que se configura a representação refletida no adágio turpitudinem suam allegans non auditur ou equity must come with clean hands, como expressa lapidarmente o direito inglês. Estevem amparado na chamada teoria dos atos próprios, segundo a qual se entende que ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua anterior conduta interpretada objetivamente segundo a lei, segundo os bons costumes e a boa-fé. O seu efeito primordial é impedir que a parte que tenha violado deveres contratuais exija o cumprimento pela outra parte, ou valha-se do seu próprio incumprimento para beneficiar-se de disposição contratual ou legal. Quanto aos fundamentos da teoria dos atos próprios exposta acima, José Moacyr Nascimento (2011, p. 1) resume didaticamente: a função negativa e limitadora da boa-fé objetiva colima, em epítome, resguardar a confiança, que por vezes foi sedimentada por atos próprios daquele que irá violá-la. É que a própria concepção de incoerência conclama dois paradigmas alimentados pelo próprio agente violador: o primeiro paradigma advém de atos, gestos, palavras e intenções que o cria; após isso, o segundo paradigma em confronto com primeiro fazer surgir a incongruência e a desconfiança. Portanto, de acordo com a teoria dos atos próprios, conclui-se que os paradigmas, se isolados no espaço e tempo, não são necessariamente injustos, ilícitos, imorais; a contradição só é abusiva se a justaposição dos atos gere a quebra da confiança legítima estabelecida. (NASCIMENTO, 2011, p. 1). Assim, observa-se as funções da boa-fé objetiva, vendo-se, ainda, no próximo capítulo, a possibilidade de sua aplicação no âmbito do processo civil. 37 2 – BOA-FÉ OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL Ao analisar as funções da boa-fé objetiva que foram cunhadas pela doutrina com base nas cláusulas dispostas no Código Civil de 2002, pode-se perceber que elas podem ser adaptadas ao processo civil, tendo em vista que este também regula relações entre partes que necessitam de lealdade, confiança mútua e eticidade. Essencialmente, o bem-estar dos indivíduos que compõem a sociedade é responsabilidade do Estado, e havendo conflitos e desordens entre as pessoas, cabe ao Estado por meio do sistema processual eliminar tais conflitos, devolvendo à sociedade a paz desejada. Desta forma, ao utilizar o processo mediante o exercício da jurisdição o Estado busca atingir seus objetivos sociais, políticos e jurídicos. (CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, 2010, p. 41). Atualmente, tendo em vista que o Estado tem como fundamento os direitos sociais, um de seus principais objetivos é promover a concretização dos valores humanos, seja como pacificadora dos conflitos sociais através de sua função jurisdicional ou para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da Justiça. Portanto, o bem- comum é a finalidade primordial do Estado contemporâneo, que no caso da jurisdição é a pacificação de forma justa. (CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, 2010, p. 31) O objetivo principal que o Estado visa obter, através do processo, é a pacificação dos conflitos sociais com justiça, como expõe (CINTRA-GRINOVER- DINAMARCO, 2010, p. 41): Seja ao legislar ou ao realizar atos de jurisdição, o Estado exerce o seu poder (poder estatal). E, assim como a jurisdição desempenha uma função instrumental perante a ordem jurídica substancial (para que esta se imponha em casos concretos) – assim também toda a atividade jurídica exercida pelo Estado (legislação e jurisdição, consideradas globalmente) visa a um objetivo maior, que é a pacificação social. É antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo justiça, que o Estado legisla, julga e executa (o escopo social magno do processo e do direito como um todo). 38 Além do mais, a jurisdição tem como escopo tutelar as relações jurídicas com base nos princípios constitucionais, sendo o processo instrumento para concretizar objetivos políticos e sociais do Estado. 2.1 - Escopos da Jurisdição Vale ressaltar, que os escopos são os fins almejados com a utilização da jurisdição pelo Estado. O processo, instrumento que é da jurisdição, deve seguir fundamentos pré-estabelecidos, com objetivos definidos, para pacificar de modo justo e educativo. (VINCENZI, 2003, p. 49). Brunela Vincenzi (2003, p. 49), expõe sobre as técnicas que devem ser buscadas para o processo ser justo em conformidade com os objetivos da Constituição: A grande meta do processualista contemporâneo passa a ser a realização dos escopos sociais e políticos da jurisdição, utilizando-se de técnicas e institutos processuais que permitam o exercício das garantias constitucionais pelas partes. Como ensina Dinamarco, para tanto “é preciso, além do objetivo puramente jurídico da jurisdição, encarar também as tarefas que lhe cabem perante a sociedade e perante o Estado como tal”. Entretanto, ainda que o processo deva seguir técnicas para sua melhor utilização, ele não pode ser um fim em si mesmo, “ele deve ser instrumento capaz de tutelar os direitos materiais em vigor e não ir de encontro com os valores da sociedade.” (CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, 2010, p. 42) Verifica-se que o processo não é apenas instrumento técnico, mas principalmente ético. E significa, também, que é intimamente influenciado por fatores históricos, sociólogos e políticos que estão insculpidos na Constituição, de modo que, para o melhor entendimento do processo como fenômeno jurídico e de seus princípios, o processualista deve utilizar como instrumento a Carta Magna. (CINTRA- GRINOVER-DINAMARCO, 2010, p. 85). Neste sentido, “A própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça.” (CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, 2010, p. 86) 39 Ainda, sob a abordagem dos escopos da jurisdição, a serem efetivados através do processo, verifica-se a garantia constitucional do devido processo legal, pois, as garantias do acesso à Justiça, do contraditório e da tutela adequada e tempestiva traçam os limites para o exercício das posições subjetivas no processo, isso, “porque pretender a tutela mais célere e adequada do direito material em crise é zelar, também, para a realização dos escopos da jurisdição.” (VINCENZI, 2003, p. 48). Assim, pode-se observar que a Constituição, além das garantias processuais, consagrou o direito fundamental a um Estado solidário; mais especificamente, em seu artigo 3º, inciso I que diz que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária”. (VINCENZI, 2003, p. 49-50). De tal modo, que o processo além de garantir todos os princípios do devido processo legal para cumprir seus escopos fundamentais, também deve zelar por uma sociedade solidária. (VINCENZI, 2003, p. 50). Desta forma, Brunela Vincenzi (2003, p. 50) explica o significado de solidariedade no âmbito processual: Solidariedade, mais do que um ideal político, para o restrito aspecto que ora se enfoca, é cooperação, lealdade e respeito – sem importar em desigualdades substanciais no procedimento. São, na verdade, normas de conduta social que não podem ser alijadas da relação jurídica processual. Consequentemente, ao considerar as garantias individuais do processo contidas na Constituição, há sempre de se levar em consideração a norma contida no artigo 3º, inciso I, do qual se extrai a regra máxima da solidariedade entre as pessoas, garantida e respeitada pelo Estado. (VINCENZI, 2003, p. 50). Deste modo, conclui-se que atualmente o Direito é direcionado para a vida da sociedade e para solucionar os problemas sociais. Assim assevera Brunela Vincenzi (2003, p. 50) que o processo deve estar ligado com os problemas sociais e os direitos materiais: Não pode ser considerado instrumento diverso do sistema social; deve conectar-se com ele, sentir seus anseios, prevenir e solucionar
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