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1 A DIVERSIDADE CULTURAL COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO AULA 5 Prof. Lucas Pydd Nechi 2 CONVERSA INICIAL A diversidade cultural atinge a escola de muitas formas diariamente. Mais recentemente, discussões trazidas à tona por movimentos sociais e estudiosos do tema têm fomentado uma polarização, no senso comum, entre pessoas favoráveis, a inclusão cultural e o respeito pela diversidade, e outras que, a partir de seus privilégios, julgam qualquer embate como decorrente de uma vitimização exacerbada. De fato, a diversidade cultural, seja de gênero, de raça ou religião, entrelaça-se à história do país, estando presente em todas as esferas sociais. Contudo, a escola tradicional foi pensada de modo a contemplar aspectos culturais hegemônicos e dominantes, destarte a presença de atores sociais de ampla gama de referências culturais. Àqueles que apontam as recentes discussões como limitadas ao campo da linguagem, numa crítica ao que julgam ser a “vigilância do politicamente correto” ou dos “direitos humanos”, vale relembrar a história brasileira em suas cores, raças e traços marcantes. Se, porventura, as discussões têm se intensificado, deve-se sobretudo à reação de povos e culturas que jamais foram contemplados com o mínimo de dignidade. Sob a pretensa neutralidade cultural e de conteúdo, a escola brasileira amparou-se de modo eurocêntrico, patriarcal, homofóbico e transfóbico na tradição. Quaisquer outras expressões que não se coadunem com o ideário que remete à colonização europeia são silenciadas ou até mesmo criminalizadas. A construção de uma escola multicultural, diversa e pautada pelo respeito é o desafio de todos que trabalham na área e possuem compromisso com a defesa da dignidade humana. CONTEXTUALIZANDO Na festa do dia das mães, o estudante Thiago é encontrado por seus dois pais adotivos no pátio, entre olhares constrangedores dos pais e mães dos demais colegas. Marcela solicita à sua professora para que rezem a oração “Ave Maria” durante a aula, pois um ente querido faleceu. Natanael se recusa e diz 3 que isto é pecado. Ricardo, praticante da Umbanda, recorda com vergonha e tristeza dos episódios repetidos nos quais foi chamado de “macumbeiro” pelos colegas. Francisco sempre está com sono em sala de aula, pois, apesar de possuir apenas 13 anos, trabalha diariamente com o pai nas plantações do sítio. Renata possui outro nome, em Guarani, mas teme que seus colegas façam piadas ou não compreendam sua cultura. Irene é a única aluna negra de sua turma e, entre outras coisas, possui dificuldade em encontrar parceiros para trabalhos em grupo. O que todas estas crianças possuem em comum é o fato de que suas vidas expõem a diversidade cultural do nosso país. Nas situações fictícias descritas, os professores são exigidos para a realização da mediação e da orientação das crianças e jovens quanto à tolerância, respeito e conhecimento das diferenças entre os colegas. Afinal, como proceder quando a diversidade cultural se apresenta como um embate ou conflito entre alunos e professores? Nesta aula discutiremos os temas da diversidade referentes a gênero, religiosidade, educação do campo, educação indígena e raça. Estas temáticas estão sendo discutidas em sua relação com a educação apenas recentemente, o que implica na busca por formação, estudo e debate entre educadores como forma de qualificação dos processos de educação como formação humana. Os textos de leitura obrigatória desta aula trabalham a diversidade de maneira ampla, enquanto as referências de cada tema podem ser importantes ferramentas de conhecimento das pesquisas na área. TEMA 1: GÊNERO A escola é, ou deveria ser, o espaço de formação e desenvolvimento pautado pelas mais recentes produções científicas, como forma de incorporar as novas gerações nas produções culturais humanas. Abre-se brechas em relação ao papel da ciência na educação quando tratam-se de escolas confessionais, isso é, escolas particulares religiosas. Em um país republicano democrático, os pais podem ter a liberdade de matricular seus filhos em escolas que 4 fundamentem seus conteúdos e práticas em bases religiosas, mesmo que elas se oponham a consagradas constatações científicas. A escola pública, porém, não pode ser incluída neste rol de excepcionalidade. A laicidade do estado e a necessidade de boa parte da população em contar exclusivamente com os serviços públicos proíbem a escola de realizar o proselitismo, ou seja, a defesa e doutrinação de aspectos de apenas uma expressão religiosa. Dito isso, a temática de “gênero” deve ser compreendida a partir de estudos da Antropologia, História, Filosofia, Psicologia e demais Ciências Sociais, em detrimento de tradições culturais e religiosas que perpassam de geração em geração formas homogêneas de pensamento. Os seres humanos não são animais meramente biológicos. Com o desenvolvimento da cultura, modificamos o mundo a nossa volta e somos modificados por ele constantemente, em uma relação dialógica. Logo, o seio cultural no qual um indivíduo é inserido desde seu nascimento desempenha forte papel no desenvolvimento de sua personalidade, moral e concepções de vida. As sociedades pautadas pelas três grandes religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo, possuem em si forte permanência de valores patriarcais. Ou seja, os papéis destinados e esperados aos homens são superiores em relação aos das mulheres – fato que ainda hoje faz com que mulheres recebam salários menores que homens pela realização do mesmo trabalho, mesmo em países desenvolvidos e progressistas. Assim, o determinismo biológico do que é e de como devem se comportar um homem ou uma mulher é limitado. Torna-se homem e torna-se mulher não apenas por possuir determinado corpo, mas por crescermos e nos desenvolvermos em culturas que nos indicam como homens e mulheres devem se comportar – e como não devem. A escola é usada intensamente para a reprodução de estereótipos de gênero. A divisão de cores, azul e rosa, já propagados desde a vida intrauterina na decoração do quarto do bebê e de suas vestimentas, prossegue na escola com objetos e atividades diferenciadas. As listas de materiais propõem muitas vezes itens diferentes de acordo com o sexo da criança. Os brinquedos e brincadeiras são também proibidos e incentivados de acordo com o gênero: o carrinho para o menino e a boneca para a menina. As brincadeiras femininas são 5 voltadas às atividades domésticas (fogão, panelas, ferro de passar roupa) e à maternidade (bonecas com suas variadas funções de imitação de bebês). Aos meninos impõe-se a bravura e a coragem, mas também se permitem experiências intelectuais: armas, jogos, super-heróis, cientistas e desbravadores. Tal diferenciação está tão enraizada em nossa cultura que muitos professores e educadores com boa formação profissional não se dão conta do quanto induzem as crianças a determinados comportamentos. Das brincadeiras, a diferenciação de gênero prossegue com a postura física (como o modo correto de sentar-se e caminhar), com a vestimenta e com o estímulo a determinadas carreiras. Muitos movimentos sociais exigiram a percepção e o estudo das imposições culturais aos gêneros, tornando hoje temas como misoginia, machismo, identidade de gênero e orientação sexual, assuntos estudados nas universidades do mundo todo. Sabe-se, hoje, que a identidade de gênero não é determinada biologicamente e que as culturas exercem pressões significativas, e muitas vezes prejudiciais ao desenvolvimento psicológico, na construção da identidade dos sujeitos. Um bom exemplo de trabalho acadêmico sobre a temática é o estudo de Ferrari (2007) sobre a percepção do movimento gay como espaço educativo. Muitas vezes confunde-se identidadede gênero com orientação sexual. A orientação diz respeito aos desejos e a atração por outros indivíduos, despertada no início da adolescência com a puberdade (mudanças físicas decorrentes do crescimento e de alterações hormonais). A identidade de gênero é construída desde a primeira infância, quando as crianças podem identificar-se em conformidade com seu sexo de nascimento (sujeitos cisgêneros) ou em não conformidade (sujeitos transgêneros, travestis e transexuais). Espera-se que educadores de todos as etapas e gestores públicos e privados da educação dediquem-se na formação sobre gênero e sexualidade para que as crianças e jovens sejam acolhidos e respeitados na escola, independentemente de suas identidades de gênero e orientações sexuais. 6 TEMA 2: RELIGIOSIDADE A multiculturalidade brasileira se reflete nas suas expressões religiosas. Nos tempos anteriores à colonização, as centenas culturas indígenas diferentes possuíam cada qual sua forma de relacionamento com o transcendente. Aos olhos dos colonizadores, a religiosidade indígena virou mitologia, sua arte, artesanato e suas culturas e tradições, folclore. O cristianismo surge nas caravelas como patrocinador e catalisador da colonização brasileira e latino-americana. Curiosamente, hoje o continente americano possui maior população cristã do que a própria Europa. Com a escravidão, as matrizes africanas são incorporadas e desde cedo demonizadas pelos colonizadores. Todas as manifestações que não se enquadravam nos preceitos cristãos católicos eram perseguidas e ridicularizadas. Como consequência, ainda hoje práticas de religiões de matrizes africanas, como a Umbanda e o Candomblé, são mal compreendidas e atacadas por preconceito e discriminações em geral. A vinda de novas culturas europeias e asiáticas, por meio de movimentos de imigração, acrescentou mais variedade à diversidade religiosa brasileira: xintoísmo, confucionismo, igreja ortodoxa, diversas linhas cristãs protestantes, espiritismo Kardecista e tantas outras passam a figurar na rotina brasileira. Ao mesmo tempo que se acolhe tantas diferenças, os direitos e espaços de cada religiosidade são determinados por relações de poder hegemônico. O Brasil era oficialmente um país católico, até que a laicidade do estado foi sustentada pela proclamação da república em 1889. Ou seja, grande parte da história do país contou com influências do catolicismo em aspectos decisivos do estado. Dessa forma, elementos do cristianismo estão fortemente presentes na vida pública e privada dos brasileiros, mesmo daqueles que não professam uma determinada crença. A república e a laicidade do estado, porém, visam assegurar o direito de crença em qualquer denominação religiosa, estabelecendo a intolerância religiosa como crime. Muitos políticos propõem projetos que favoreçam suas religiões específicas, esquecendo da pluralidade e diversidade da população brasileira e seus direitos. 7 Destaca-se fortemente no país, ainda, uma linha teológica do cristianismo que utiliza a lógica do consumo como referência de fé. A teologia da prosperidade prega que quanto maior a crença das pessoas, maior volume de capital elas deverão doar às instituições religiosas e muito maiores serão as recompensas materiais nesta mesma vida. Ao olharmos criticamente para quem faz uso deste discurso, notamos a construção de verdadeiros impérios midiáticos, com braços em todos os canais de comunicação abertos e principalmente nos poderes executivo, legislativo e judiciário. A laicidade do estado brasileiro é uma conquista democrática recente e frágil perante as intenções e projetos de poder de determinados grupos. Sung (2005), ao discorrer sobre este assunto, afirma: Essa cultura [de consumo] é tão presente hoje que entrou profundamente também no campo religioso. Um dos setores religiosos que mais cresce hoje é aquele que associa a adesão religiosa, a conversão, com o aumento da capacidade de consumo. Isto é, a experiência de ser acolhido ou escolhido por Deus é vivenciada através da melhora na capacidade de consumo. As bênçãos divinas são traduzidas e ‘comprovadas’ pelo aumento da prosperidade econômica. Tanto esta relação entre consumo e fé, como a pluralidade religiosa impacta fortemente na escola. Em grande medida, a formação religiosa ocorre desde cedo, em processos de catequização e doutrinação infantil. Assim, no ambiente escolar convivem crianças que já praticam e professam diferentes religiosidades. Como mediar estas relações e educar para a tolerância e o respeito é o desafio que se impõe aos professores. Acima de tudo, devemos nos comprometer com o respeito a todos os tipos de crença e também com aqueles que se consideram agnósticos ou ateus. É o que garante a constituição brasileira, mas que ainda não se visualiza na rotina do país. As religiões devem ser estudadas racionalmente, na escola, a partir das disciplinas que são fundamentadas nas ciências e na teoria social. O estudo não deve impor aos alunos nem uma determinada escolha e também não deve censurar suas escolhas prévias e de suas famílias. Não compete aos educadores a invasão da esfera privada dos sujeitos. 8 A História apresenta conceitos substantivos históricos religiosos em todas as culturas estudadas, apontando relações entre a organização social e econômica e as formas de crença de determinadas épocas. A geografia e a geopolítica também possuem relação com a religião, na descrição de culturas e povos. A sociologia e a antropologia contribuem em larga medida na compreensão de povos diferentes e suas respectivas teologias e cosmovisões. A influência da religiosidade na história da arte também não deve ser ignorada, seja na música, nas artes visuais ou na literatura. Especial atenção merece a disciplina de Ensino Religioso Escolar, cuja oferta no Brasil é obrigatória, porém tendo sua participação opcional pelos estudantes. Durante muitos anos, essa disciplina foi usada como ferramenta de catequese católica nas escolas públicas e privadas brasileiras. Desde 1997, porém, o proselitismo religioso foi vedado por lei. Ou seja, não compete à escola doutrinar crianças e jovens em uma determinada religião, mas sim auxiliá-las na compreensão do fenômeno religioso de forma ampla. (JUNQUEIRA et al., 2010) Com a ausência de diretrizes claras para tal disciplina, e com a escassez de cursos de licenciatura de Ensino Religioso Escolar com base científica e plural, as escolas brasileiras contém muitos religiosos, pastores, padres, freiras, freis que assumem esta disciplina, muitas vezes apresentando a sua religião como única e verdadeira em detrimento das demais. O debate da existência do Ensino Religioso Escolar no currículo obrigatório ainda é frequente, e também conta com motivações equivocadas. A favor de sua manutenção, encontram-se sujeitos que esperam que o estado adote novamente uma religião oficial e use a escola pública como espaço de doutrinação. Por outro lado, existem aqueles que desejam a retirada do Ensino Religioso da escola por diversos motivos, entre eles o desconhecimento da importância da compreensão das diversas crenças para o estabelecimento de uma república democraticamente consolidada. TEMA 3: EDUCAÇÃO DO CAMPO O ensino para a diversidade passa, necessariamente, pela compreensão dos sujeitos aos quais tal educação é destinada, a partir de suas próprias 9 maneiras de compreender a realidade e a função da escola. Não é possível almejar-se uma educação inclusiva, democrática e colaborativa, que parta de um único molde e seja replicada em diferentes contextos de modo unilateral. O processo de urbanização do Brasil ocorreu de forma intensa e em uma velocidade grande. Na década de 70, pela primeira vez na nossa História, havia maior população residindo nas cidades do que nas áreas rurais,com aproximadamente 55% dos brasileiros vivendo em centros urbanos. Em 2000, este percentual atingiu 81,2% da população (IBGE 1990 e 2000). As cidades não estavam preparadas para receber esta quantidade imensa de habitantes, e os problemas estruturais e sociais decorrentes deste fato são conhecidos pela população ainda hoje: falta de saneamento básico, moradias irregulares, acréscimo de violência, favelização, transporte público ineficiente, entre outros. Na tentativa de universalizar o acesso à educação básica, as escolas receberam números de estudantes não condizentes com os investimentos para ampliação e qualificação da estrutura. Em plena Era do conhecimento, lutamos para garantir aos estudantes brasileiros vagas em escolas que possuam o mínimo de estrutura física para suas atividades. Por outro lado, a educação no campo enfrenta além destes problemas já mencionados, outros mais específicos às suas características. A escola pública, de modo geral, é pensada para atender a maioria da população urbana. Assim, livros didáticos, currículos, formação de professores e até mesmo a arquitetura das escolas pouco dizem respeito à vida prática de uma significativa parcela das crianças e jovens do país. Freire (1996) afirma que: Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Ou seja, no contexto da educação do campo, a escola não pode desconsiderar a gama de conhecimento e sabedoria que mesmo crianças 10 pequenas possuem, por terem aprendido na prática da rotina, nos ensinamentos passados oralmente de geração para geração. Porém, relatam-se abismos entre os conteúdos ensinados nas escolas e a vida do campo. Ribeiro (2007, p. 292), em um estudo realizado em um assentamento agrário, descreve a percepção tanto de educadores como de estudantes e seus familiares. Ao mesmo tempo em que reconhecem na formação escolar uma alternativa possível para a sobrevivência dos filhos, tendo em vista o descaso com que Estado brasileiro trata a agricultura, os agricultores assentados criticam o ensino tradicional que não inclui em suas atividades nem a cultura, nem os valores vinculados ao trabalho agrícola. Ou seja, a educação no campo possui tanto o caráter de emancipação social como de validação dos saberes não considerados científicos, mas que permeiam a rotina dos agricultores. Pessoa (2007, p. 335) endossa esta noção e amplia o debate: Os trabalhadores rurais em luta pela terra descobriram desde o início uma inadequação da escola à sua condição e aos seus projetos na terra. A escola que eles desejariam deveria formar seus filhos na luta pelos seus direitos e não apenas nas lições pré-fabricadas e vindas de uma secretaria municipal ou estadual. Estava estabelecida a diferença entre os anseios dos acampados e assentados a respeito da educação dos seus filhos e aquilo que o sistema oficial de ensino trazia já pronto. Assim, a partir desta problemática, enumeram-se questões iniciais que podem ser valiosas a educadores que trabalham na realidade do campo, ou em áreas que atendem estudantes agricultores. Qual a rotina das crianças e jovens rurais? O horário da aula é condizente com o horário de trabalho no campo? Como se configura a jornada de trabalho infantojuvenil no campo e, sobretudo, se respeitam seus limites direitos? De que modo eles contribuem com o trabalho no campo? Qual a relevância da participação das crianças e jovens no trabalho agrícola 11 com a qualidade de vida de sua família? De que forma outras pessoas dependem de seu trabalho para a subsistência? Como a logística da vida do estudante será adequada à família rural? Espaços e tempos de aprendizagem, com atividades em casa e na escola, são possíveis de serem contemplados? De que maneira a escola pode ampliar as experiências históricas e qualificar a práxis de crianças e jovens? Ou seja, o conteúdo e a aprendizagem formal conseguirão estabelecer relações de sentido com a vida prática dos alunos? Como a escola se insere nas relações sociais da comunidade? As atividades são abertas aos pais e demais moradores da vizinhança, oportunizando espírito de coletividade e colaboração? Tais questões servem apenas de ensaio para o desafio de quem deve ensinar em contexto rural em tempos de urbanização acelerada. Não se deve fazer vista grossa às diferenças estruturais destas escolas, cuja atuação dos educadores pode significar a presença ou ausência de sentido na aprendizagem escolar. TEMA 4: EDUCAÇÃO INDÍGENA De modo similar aos processos de urbanização e sua relação com a educação, a história brasileira possui uma relação delicada e conflituosa com os indígenas desde os primeiros momentos de colonização portuguesa. Os padres jesuítas que acompanharam as expedições portuguesas tinham como objetivo a catequização e conversão dos nativos brasileiros ao cristianismo. Assim, as escolas foram construídas inicialmente com o propósito de catequização. No debate sobre multiculturalismo e interculturalismo, vimos como no encontro entre culturas diferentes a comunicação pode se dar de várias maneiras, com estreita ligação às relações de poder entre elas. No caso da colonização portuguesa, as diversas línguas, culturas e tradições das tribos indígenas brasileiras foram desrespeitadas e forçadas a moldarem-se nos 12 padrões europeus. Seguia-se, nestes tempos, um paradigma colonizador, no qual “pressupõe-se que os índios não têm educação, porque não têm a nossa educação” (MELIÁ,1979, p. 9). Apesar de mais de quinhentos anos terem se passado desde a chegada dos europeus, apenas recentemente avanços qualitativos têm sido observados na educação dos indígenas do país. De acordo com Dias da Silva (2007), a educação indígena passou por quatro fases principais. A primeira, dominante por mais de quatrocentos anos, foi a da negação da identidade dos índios, com tentativas de supressão, conversão e enculturação forçada. No começo do século XX, deu-se o início a uma segunda fase, pautada na tentativa de construção de escolas bilíngues, em português e nas línguas nativas. O fracasso desta tentativa ocorreu pela não adaptação dos conteúdos, currículos e estratégias didáticas utilizadas à realidade indígena – utilizou-se as mesmas da escola tradicional e em alguns casos, com modificações de acordo com a educação do campo. No início da década de 1970, a terceira fase é identificada com a organização e articulação de diferentes lideranças indígenas. As assembleias e o contato entre os povos resultaram em reivindicações por processos educativos condizentes com a realidade das diferentes tribos, respeitando as culturas indígenas e, ao mesmo tempo, possibilitando a melhor relação delas com os não indígenas. A quarta e atual fase aponta para uma tentativa histórica de dar voz e protagonismo aos próprios indígenas no que se refere à educação de seus povos. Dias da Silva (2007, p. 382) descreve desta forma este momento: Assim, o que define e delimita essa nova fase histórica é a questão da criação e autogestão dos processos de educação escolar indígena. Essa é sua especificidade: os próprios povos indígenas discutirem, proporem e procurarem, não sem dificuldades, realizar seus modelos e ideais de escola, segundo seus interesses e necessidades imediatas e futuras. A pesquisadora Nietta Lindenberg Monte (2007, p. 406) apresenta a Educação Intercultural Bilíngue (EIB) como uma importante estratégia de atuação na educação indígenana América Latina. 13 O movimento indígena na América ampliou-se para uma discussão intercultural, tendo como fundamento a defesa de suas identidades linguísticas e étnicas, mas sem perder de vista sua conexão com outros grupos sociais. Reuniu-se com outras minorias, formando uma rede de feitio heterogêneo, denominada em alguns fóruns latino-americanos “movimento indígena, negro e popular. Esta autora celebra as recentes publicações em escala federal de dois documentos: Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (MEC, 1998) e as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2015). Estas iniciativas, contudo, atingem a problemática da relação com a população indígena apenas de modo superficial. Em muitos casos os direitos básicos dos indígenas são desrespeitados em nome de estratégias gananciosas de ocupação da terra e uso do solo brasileiro. A questão da educação indígena perpassa debates mais amplos de políticas públicas, nem sempre considerados pela maioria da população alheia aos embates e conflitos nos limites das demarcações de terra indígenas. TEMA 5: RAÇA A última temática que trataremos em relação à diversidade cultural é a que concerne aspectos étnico-raciais. Ao contrário da educação indígena e da educação do campo, que nos chamam atenção para minorias numéricas da população que muitas vezes são esquecidas em termos de políticas públicas, a questão racial indica uma problemática ligada à maioria da população brasileira, tendo em vista que mais de 50% dos brasileiros se consideram negros ou pardos. Como explicar, contudo, que esta porcentagem diminui bruscamente quando investigamos o número de negros e pardos matriculados na educação básica e no ensino superior? Além disso, a divisão de renda é completamente desproporcional entre os considerados negros e brancos. O racismo no Brasil é uma ferida aberta, que julga, condena e executa jovens inocentes com base em sua raça. 14 A educação é ao mesmo tempo esperança de equilíbrio da desigualdade racial e reprodutora de estereótipos e racismo. Além das leis de inserção da cultura africana nos currículos, devemos buscar mudanças concretas na estrutura educacional e na postura dos sujeitos, para que a formação básica e superior seja direito de todos e não privilégio de alguns. Para início de reflexão, devemos buscar tomar consciência da diversidade e das diferenças étnico-raciais da nossa cultura, muitas vezes silenciadas ou apagadas. Não cabe mais pensar a educação e a escola a partir de macroabordagens que reduzem a riqueza das diferenças e as possíveis opressões que podem estar sendo reproduzidas por elas. Segundo Gomes (1996), os sujeitos no universo escolar devem ser abordados de maneira sociocultural, ou seja: Ao falarmos em sujeitos socioculturais, diversidade étnica e cultural e escola, estamos dando visibilidade ao fato de que professores, professoras, alunos e alunas, pais e mães, vivenciam diferentes processos socioculturais na sua relação com o mundo do trabalho, nas relações sociais e no ambiente escolar. E complementa: A partir da análise sobre a dimensão cultural, política e social, o Movimento Negro, os profissionais e pesquisadores comprometidos com a questão racial mostram-nos que não há como negar a necessidade de novas abordagens educacionais que contemplem o processo de luta e de resistência do povo negro. É justamente na abertura e conscientização dos estudantes brasileiros para as desigualdades étnico-raciais que se constitui a estratégia primordial para a luta contra o racismo. Retomando o desenvolvimento da consciência histórica, a escola é em grande parte responsável pela formação da identidade histórica, que engloba elementos sociais, culturais, de idade e também étnico-raciais. Ainda se convive fortemente com noções racistas eurocêntricas, e o racismo continua impregnado 15 nos costumes e falas brasileiras. A escola deve lidar com a identidade racial em contrapartida às discriminações raciais que ocorrem e se reproduzem no senso comum. Gomes aponta como passos que a educação deve seguir na luta contra o racismo: a formação de professores; a inclusão das demandas históricas dos movimentos sociais (Movimento Negro e outros), como recentemente a História da África; e, por fim, o acréscimo qualitativo e quantitativo de pesquisas educacionais com foco nas relações étnico raciais. (GOMES, 1996, p. 89) Já Gonçalves e Silva, ao discorrerem sobre a formação de professores sobre o tema racial, aponta elementos essenciais: pesquisa a diferentes fontes, incluindo integrantes da comunidade negra; consultas a obras de outras áreas, mesmo que não relacionadas à educação diretamente, como antropologia e sociologia; a observação do comportamento e a escuta de crianças negras, buscando compreender seus desafios e diferenças no cotidiano; entrevistas com elementos do Movimento Negro no que tange a propostas educacionais; análise das propostas curriculares e estratégias de ensino propostas oficialmente, a fim de identificar falhas, exclusões e reproduções de discriminações; e, por fim, o estudo sistemático de propostas educacionais que visam combater o racismo. (GONÇALVES SILVA, 1996, p. 173). As políticas afirmativas, como as cotas de ingresso no ensino superior, estão aos poucos mudando um cenário desigual e opressor. Em tempos de crise econômica e política, é comum vermos preconceitos que se julgavam extintos renascerem disfarçados de novas roupagens. A luta pela igualdade de direitos de todos os seres humanos é a busca pela equidade, na qual privilégios e desigualdades históricas devem ser identificadas e combatidas. SÍNTESE Os temas abordados nesta aula são convites ao estudo e à reflexão. Faz-se comprovado o fato de que, na formação humana, apenas boas intenções e motivações não conseguem alterar estruturas historicamente consolidadas. O preconceito, a discriminação, o discurso do ódio e o racismo exigem profundidade na formação e no estudo para serem superados. A diferença entre 16 as pessoas sustenta privilégios econômicos e sociais dos quais os privilegiados não intencionam abdicarem-se tranquilamente. Construir estratégias de embate e que sejam ao mesmo tempo pautadas pela educação para a paz e pela luta pelos direitos humanos é tarefa dos educadores comprometidos com a dignidade humana. 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