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A Tripartição do Poder no Estado Brasileiro

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UNIVERSIDADE SALVADOR
DIEGO GARRIDO GÓMEZ
A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES NO ESTADO BRASILEIRO
Salvador
2020
A partição do poder do Estado por três na modernidade é originária do escrito O Espírito das Leis, de MONTESQUIEU. A ideia da tripartite é antítese ao antes estabelecido poder único e centralizado nos sistemas monárquicos absolutistas.
Por último, assevera o afamado publicista no capítulo VI do livro XI do De l"Esprit des Lois, tudo estaria perdido se aqueles três poderes ­­ o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de punir crimes ou solver pendências entre particulares – se reunissem num só homem ou associação de homens.
(BONAVIDES; PAULO, 2017, p. 150)
A referida obra do autor francês foi basilar para o desenrolar da queda da monarquia e ascensão da república francesa, que inspirou posteriormente o desenrolar de processos idênticos em todo o mundo. Ressalta RICARLOS ALMAGRO o caráter da obra:
Indubitavelmente é “O Espírito das Leis” a obra mais importante de Montesquieu. Como bem assevera Bobbio (1995, p. 130), ela pode ser encarada de um ponto de vista sistemático, prescritivo e historiográfico, correspondendo, respectivamente, à compreensão, à avaliação e a interpretação histórica da fenomenologia social.
(ALMAGRO; RICARLOS, 2010, p. 29)
Antes mesmo de ser uma demanda da Europa continental, a ideia de em alguma medida levar independência e equidade aos poderes foi exposta por Aristóteles na Grécia Antiga:
Distinguira Aristóteles a assembleia-geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário; Marsílio de Pádua no Defensor Pacis já percebera a natureza das distintas funções estatais e pôr fim a Escola de Direito Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperi, se aproximara bastante da distinção estabelecida por Montesquieu.
(BONAVIDES; PAULO, 2017, p. 146)
A tripartição original estabelecida por Montesquieu descrevia, de acordo com RICARLOS ALMAGRO:
[...] Assim, inicia apresentando os poderes estatais: o legislativo, através do qual o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas, o poder executivo, responsável pela paz ou pela guerra, pelo envio de embaixadas, pela manutenção, e pela prevenção contra as invasões; e o poder judiciário (denominado inicialmente como poder executivo das coisas que dependem do direito civil), que seria o poder de punir os crimes ou julgar as querelas dos indivíduos (MONTESQUIEU, 1995, p. 118).
(ALMAGRO; RICARLOS, 2010, p. 30-31)
Na pós-modernidade, o Brasil e a esmagadora maioria das nações seguem a tripartição dos poderes de maneira semelhante, aperfeiçoada e modernizada aos moldes atuais, de uma sociedade não mais temerosa a invasões como supramencionado na citação ao texto que ALMAGRO extraiu de MONTESQUIEU. As sociedades têm agora múltiplas questões de âmbito econômico e social, ambos permeados de conflitos e desejo pelo desenvolvimento.
A despeito, entretanto, da excessiva participação do Poder Executivo no processo legislativo, inclusive com a possibilidade da edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, com força de lei, e também da concentração exagerada de matérias reservadas ao legislador federal, por força da repartição vertical (entre União, Estados e Municípios) de competências, adotadas pelo constituinte de 88, a limitação do poder no Brasil experimentou uma importante evolução [...] Assim, o princípio da separação dos poderes sai fortalecido do último processo constituinte popular de 1988, considerando, como dissemos, a adoção de importantes sistemas de controle jurídico do poder, que, conforme adverte Nuno Piçarra, passam a constituir o núcleo essencial, o centro de gravidade do princípio da separação dos poderes no Direito Contemporâneo.
(MALDONADO; MAURÍLIO, p. 16)
O poder executivo cabe o desenvolvimento de práticas para sanar as necessidades do povo e prover ações diretas para o desenvolvimento da vida civil, vê-se a atuação do executivo na implementação de mecanismos de mobilidade urbana, no estabelecimento de sistemas de saúde, segurança de educação e no provimento de tantas outras demandas do cidadão.
O poder legislativo, por sua vez, tem a sua atuação pautada principalmente no estabelecimento de leis, essas que serão basilares para moldar a atuação tanto do executivo quanto do judiciário.
O Poder Judiciário também está sujeito ao controle do Poder Legislativo. Assim ocorre quando das deliberações do segundo sobre as proposituras legislativas de iniciativa do primeiro, nos termos do caput do artigo 48 da CF. Outro importante instrumento de controle do Poder Legislativo, que também pode recair sobre o Poder Judiciário, o controle de fiscalização exercido através das Comissões Parlamentares de Inquérito, previsto no § 3º do art. 58 da 24 CF, encontra exemplo na memória recente de nossa história, pela ação do Poder Legislativo federal na chamada CPI do Judiciário.
(MALDONADO; MAURÍLIO, p. 23-24)
Já o poder judiciário é encarregado da dissolução de conflitos e da interpretação das leis para confecção da norma de acordo com as demandas atuais da sociedade, com o papel de julgar e punir infratores. 
Foi através da célebre decisão de JOHN MARSHALL, Chief-Justice da Suprema Corte norte-americana, no caso MARBURY versus MADISON (1803), que inaugurou o poder da judicial review (revisão judicial), segundo o qual compete ao Poder Judiciário dizer o que é lei, considerada lei aquele ato legislativo em conformidade com a Constituição, ato legislativo contrário à Constituição não é lei. Afirmou-se, assim, o poder daquela corte para a declaração de inconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle da constitucionalidade (difuso).
(MALDONADO; MAURÍLIO, p. 7)
A destaque, os três poderes exercem recorrentemente funções atípicas da concepção. 
A citar a atuação na gestão administrativa própria que exerce o legislativo e judiciário, ainda que tenha sido citado anteriormente a função do executivo como agente gestor.
O poder executivo por sua vez tem poder de conclamar medida provisória com força de lei, ainda que não seja originalmente seu papel legislar, escrever lei. 
O judiciário, toma a função legislativa ao regrar os seus tribunais internamente. 
E o legislativo, especificamente o Senado, exerce função de julgar o presidente em caso de crime de responsabilidade. Consta na Constituição Federal:
“Art. 52 - Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República
nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e
os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos
crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23/99)
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos
crimes de responsabilidade;
(...)
Parágrafo único - Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará
como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a
condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do
Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos,
para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções
judiciais cabíveis.”
Não é possível inferir que a tripartição do poder é o enfraquecimento da soberania ou redução do poder. Assim como não podemos afirmar que a partição é uma cisão, no sentido de criar um abismo que isolaria cada uma dessas três partes. Discorre EROS GRAU em voto na ADI 3367 do Superior Tribunal Federal:
Detenho-me, inicialmente, sobre dois textos de Charles Eisenmann, nos quais encontra Althusser os fundamentos da assertiva de que a “separação dos poderes” não passa de um mito. Montesquieu, como vimos, além de jamais ter cogitado de uma efetiva separação dos poderes, na verdade enuncia a moderação entre eles como divisão dos poderes entre as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo poder das outras.Daí por que, como observa Althusser, a “separação dos poderes” não passa da divisão ponderada do poder entre potências determinadas: o rei, a nobreza e o “povo”.
(GRAU; EROS, 2005, p. 6-7)
Importante destacar também que ainda que anteriormente a descrição do papel do legislativo tenha deixado margem a interpretação de que este corpo tem dominação sobre os outro dois, isso não se transcreve como verdade, ainda que a preocupação do estabelecimento de casas legislativas tirânicas exista em estudos, como destaca MAURÍLIO MALDONADO em seu capítulo dois de Separação dos poderes e sistema de freios e contrapesos: desenvolvimento do Estado brasileiro. 
Destaca-se em parte também, a preocupação do poder que detém o judiciário da interpretação da lei para execução da norma, como bem destaca o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, EROS GRAU, em Por Que Tenho Medo Dos Juízes. Por outro lado, se fala sobre as tentativas de moderar e controlar o poder judiciário, órgão pautado em estudos técnicos, de onde se espera, utopicamente, a isonomia e distanciamento de questões político-partidárias. Relata as tentativas de intervenção sobre o judiciário, o artigo Controle externo do Poder Judiciário – inconstitucionalidade, de ALEXANDRE DE MORAES, ministro do STF.
Por fim, é inegável o poder que detém aquele que ocupa transitoriamente o executivo, uma vez que o presidente é o rosto de todo um país; o governador para o estado e o prefeito para a cidade. A sua capacidade de articulação política poderia ser nociva à manutenção do modelo tripartite; veremos mais sobre este perigo.
Como instrumento de autopreservação do sistema, a tripartição dos poderes garante capacidades a cada um dos poderes de agir em relação aos outros, e cria mecanismos para uma teia complexa de inter-relacionamento que resulta por fim da inviolabilidade e resistência desse modelo. A essa dinâmica pautada no sopesamento das ações e no balanceamento das intervenções constatamos a técnica dos checks and balances. PAULO BONAVIDES discorre:
Como a natureza das coisas não permite a imobilidade dos poderes, mas o seu constante movimento – lembra o profundo pensador – são eles compelidos a atuar "em concerto, harmônicos, e as faculdades enunciadas de estatuir e de impedir antecipam já a chamada técnica dos checks and balances, dos pesos e contrapesos, desenvolvida posteriormente por Bolingbrooke, na Inglaterra, durante o século XVIII.
Com efeito, quando o executivo emprega o veto para enfrear determinada medida legislativa, não fez uso da faculdade de estatuir, mas da faculdade de impedir, faculdade que se insere no quadro dos mecanismos de controle recíproco da ação dos poderes.
(BONAVIDES; PAULO, 2017, p. 150)
Ainda de acordo com PAULO BONAVIDES, aferia MONTESQUIEU a preocupação com a sobreposição de um poder sobre o outro e o temor da tirania:
Depois de referir a liberdade política aos governos moderados, afirma, Montesquieu que uma experiência eterna atesta que todo homem que detém o poder tende a abusar do mesmo.
Vai o abuso até onde se lhe deparem limites. E para que não se possa abusar desse poder, faz-se mister organizar a sociedade política de tal forma que o poder seja um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder.
(BONAVIDES; PAULO, 2017, p. 148)
Recentemente, ganham destaque conflitos de interesses entre as casas legislativas e o executivo, da esfera federal à municipal que, em suma, põem a frente ambições pessoais dos mandatários à frente das pretensões e das demandas do povo, colocam a política e a justiça brasileira em recorrentes escândalos e trazem descrença, insegurança e a perda da esperança da população na existência de um Estado democrático de direito.
Por origens controversas, um pseudo sentimento nacionalista, de amor à pátria e às cores da bandeira brasileira foi amplamente difundido desde meados de 2014. O uniforme da seleção de futebol do país se tornou um símbolo de resistência política, estava na moda ser nacionalista ao melhor american way of life. 
Uma figura que desponta da situação e se tem como principal estandarte hodiernamente, é o presidente Jair Bolsonaro, antes deputado federal. Bolsonaro que já atraia atenção pela sua espontaneidade – ainda que acarretando em discursos levianos de propagação de ódio – se tornou o representante da direita em ascensão, defendendo posicionamentos sem fundamentação teórica, prometendo satisfazer desejos pontuais da sociedade brasileira politicamente efervescente naquele período. 
Importante ressaltar que por ter sido militar, Bolsonaro corresponde ainda ao desejo de parte da população que reconhecia o período da Ditadura Militar no Brasil como tempos melhores para se viver.
Ao eleger-se, Bolsonaro endossou o discurso de ódio contra classes diversas e não trouxe as mudanças imediatas que tanto proclamou que faria, frustrando apoiadores. Para justificar a sua incapacidade de agir em consonância com as propostas anteriormente apresentadas, passou a culpar as duas casas legislativas do país, e a mais alta cúpula do judiciário. 
Em ataques desmedidos, o mandatário do executivo performou ataques verbais e energizou seus idólatras contra os poderes legislativo e judiciário. Apoiadores do presidente continuaram a manifestar-se publicamente em favor do retorno do regime militar no governo do país, e da instauração do Ato Institucional de número cinco (AI-5), decreto emitido durante o período da Ditadura Militar que estabelecia duras medidas contra o legislativo e judiciário, o desfazimento da tripartite em resumo.
No decorrer do primeiro semestre do ano de 2020, Bolsonaro ainda comete o desserviço de, sob a pandemia do novo Coronavírus, agir em contradição às recomendações internacionais da ciência e optar por colocar em risco a saúde dos brasileiros com a campanha “O Brasil Não Pode Parar”. 
O Supremo Tribunal Federal procede no julgamento da ADPF 669, processo judicial movido em desfavor da campanha promovida pela União. Na ementa da decisão de medida cautelar emitida pelo ministro Roberto Barroso, cita-se:
Perigo na demora reconhecido. Disseminação da campanha “O Brasil Não Pode Parar” que já se encontra em curso, ao menos com base em vídeo preliminar. Necessidade urgente de evitar a divulgação de informações que possam comprometer o engajamento da população nas medidas necessárias a conter o contágio do COVID19, bem como importância de evitar dispêndio indevido de recursos públicos escassos em momento de emergência sanitária.
Posteriormente, o ministro Alexandre de Moraes autoriza em regime de segredo de justiça a abertura de inquérito para apurar o financiamento de organizações e movimentos antirrepublicanos. Comenta o ministro em matéria do portal do Supremo:
[...] Apontou que a Constituição Federal não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – voto direto, secreto, universal e periódico; separação de poderes e direitos e garantias fundamentais (CF, artigo 60, parágrafo 4º) –, com a consequente instalação do arbítrio.
Salientou que a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático. [...] 
São inconstitucionais, e não se confundem com a liberdade de expressão, as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Também ofendem os princípios constitucionais aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com instituições republicanas, pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito aos direitos fundamentais. Em suma, pleiteando a tirania.
A conjuntura atual é de indireto e velado ataque do poder executivo aos poderes legislativo e judiciário, seguido de representação formal não só do poder judiciário como manifestação do poder legislativo acerca da inconstitucionalidade das ações adotadaspelo executivo que violam claramente o artigo segundo da Constituição Federal da república brasileira: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
 
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
ALMAGRO, Ricarlos. O Poder Normativo da Administração Pública. Singular. ed. Rio de Janeiro: Singular, 2010.
STF. Ministro autoriza abertura de inquérito para investigar atos em favor do AI-5 e do fechamento de instituições republicanas. Portal STF, 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441751&ori=1. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
DE MORAES, Alexandre. Controle externo do Poder Judiciário – inconstitucionalidade. Senado Federal, 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/418/r140-06.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
GRAU, Eros. Voto ADI 3367 – Eros Grau. Portal STF, 2005. Disponível em: http://www.stf.jus.br/noticias/imprensa/VotoGrauADI3367.pdf. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
MALDONADO, Maurílio. Separação dos Poderes e Sistema de Freios e Contrapesos: desenvolvimento no Estado brasileiro. Assembleia Legislativa de São Paulo. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_poderes.pdf. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
BARROSO, Roberto. Medida Cautelar ADPF 669/DF. Superior Tribunal Federal, 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF669cautelar.pdf. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp?item=11&tipo=CJ&termo=educa%E7%E3o. Acesso em: 21 de abr. de 2020.
MENDES MARTINS, Kamila. "Eu tenho medo dos juízes porque eles vão além da moldura do texto [da lei]". Gazeta do Povo, 2016. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/eu-tenho-medo-dos-juizes-porque-eles-vao-alem-da-moldura-do-texto-da-lei-ed8qc13m8gyazudt0qbvdgnys/. Acesso em: 21 de abr. de 2020.

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