Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PRESERVAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA PROVA Aula 01 em: 10/05/2020 Noções de investigação criminal Quando falamos em investigação criminal, vêm à nossa mente, de forma intuitiva, os filmes e seriados policiais a que assistimos na TV ou no cinema. Esses filmes e seriados, no entanto, em geral estrangeiros, retratam uma realidade jurídica e sociocultural bem diferente da nossa. Sabemos que, na realidade, diferentemente do que ocorre na ficção, o sucesso da investigação não é garantido. A incolumidade e até a vida daqueles que protagonizam a investigação das vítimas e dos suspeitos podem estar expostas a muitos riscos. Na vida real, o sucesso e a segurança dependem, entre outros fatores, da técnica e do planejamento da equipe de investigação. A prática da investigação criminal corresponde muito mais a uma pesquisa, em que o investigador-pesquisador busca, por meio da prova, estabelecer a verdade real. Assim como o pesquisador, o investigador deve observar procedimentos, métodos e técnicas, devendo evitar o empirismo, ou seja, o método da tentativa e erro. Afinal, o que é investigação criminal? No dicionário, podemos encontrar as seguintes definições para o verbo “investigar”: 1. Seguir os vestígios de; 2. (...) pesquisar (...); 3. Examinar com atenção (...) (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Edição eletrônica. Versão 5.0. Curitiba: Positivo, 2005). Percebemos que a primeira definição, “seguir os vestígios de”, remete-nos ao caráter operacional da investigação. Ao mesmo tempo, as definições seguintes, “pesquisar” e “examinar com atenção”, denotam o caráter metódico e científico que se espera de uma investigação. Em se tratando de uma investigação de natureza criminal, o objeto dessa pesquisa será, naturalmente, um crime que foi praticado. Então, podemos definir investigação criminal, de forma preliminar, como uma pesquisa acerca de uma infração penal. Dito isso, voltemos à versão eletrônica do dicionário Aurélio para ver o que nos diz sobre “pesquisa”: 1. Ato ou efeito de pesquisar; (...); 3. Investigação e estudo, minudentes e sistemáticos, com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qualquer do conhecimento. Agora, refinada nossa definição preliminar, podemos dizer que: Investigação criminal é a pesquisa minuciosa e sistematizada de uma infração penal. Mas para que seguir vestígios, pesquisar, examinar? Qual é o objetivo de se proceder a uma investigação criminal? Investigação criminal, inquérito policial e ação penal Investigação criminal A investigação criminal é uma atividade atribuída constitucionalmente às polícias judiciárias (Polícia Federal e polícias civis). O art. 144, §1º, I (Polícia Federal), e §4º de nossa Constituição (polícias civis) estabelece para esses órgãos, entre outras atribuições, “apurar infrações penais” dentro de suas respectivas competências. Pesquisa minuciosa e sistematizada de uma infração penal, realizada por policiais ― agentes, peritos e delegados ―, com o intuito de determinar a autoria, comprovar a materialidade e esclarecer as circunstâncias, produzindo provas para instruir o inquérito policial ou o termo circunstanciado. Inquérito policial O resultado da investigação criminal é formalizado, por escrito, no inquérito policial. Ação penal O inquérito policial servirá de subsídio para que o Ministério Público promova a ação penal com vistas à punição do autor do fato, pronuncie-se pelo arquivamento ou ainda retorne os autos à unidade de Polícia Judiciária requisitando novas diligências Objetivos da investigação criminal objetivo imediato Objetivo operacional: apurar, por meio da produção de provas, as circunstâncias, a autoria e a materialidade de um delito. E se ampliarmos nossa visão? E se vislumbrarmos além das instituições policiais que efetivamente desenvolvem a investigação criminal? Se levarmos em consideração que a Polícia interage com outras instituições, como o Ministério Público e a Justiça, podemos concluir então que o objetivo mediato da investigação criminal seria: Objetivo processual: o fornecimento de subsídios ao Ministério Público para a propositura da ação penal. Será que essa definição nos satisfaz? Será que a Polícia existe tão somente para fornecer ao Ministério Público elementos que tornem possível a propositura de uma ação penal? Será que a Polícia e o Ministério Público são o tipo de instituição que representa um fim em si mesmo? Naturalmente que não. O que chamaríamos de “sistema de justiça criminal” entre nós seria representado pela Justiça Penal, pelo Ministério Público e pelas polícias (federal e estaduais). O objetivo comum dessas instituições não é punir por punir, cercear direitos e liberdades. Na verdade, quando um crime é cometido, alguém desobedeceu a uma regra convencionada pela sociedade por meio de seus mandatários. Em virtude dessa desobediência, dessa transgressão, alguém ou alguma instituição teve seus direitos violados. Então, de forma ainda mais ampla, mais abrangente, podemos definir o objetivo da investigação criminal como: Objetivo social: a defesa dos direitos e das garantias do cidadão por meio da aplicação da lei penal. As etapas de uma investigação criminal Podemos classificar a investigação criminal de acordo com: A natureza profissional do(s) investigador(es) ou O momento em que a investigação ocorre natureza profissional dos investigadores 1- Cartorária- A investigação criminal é classificada como cartorária quando realizada por profissionais diretamente subordinados à autoridade policial (delegado de Polícia) ― inspetores, detetives, escrivães, entre outros. 2- técnico-científica- Recebe o nome de técnico-científica quando os profissionais envolvidos são mais ligados à atividade pericial e laboratorial; por exemplo, os peritos e técnicos que não têm subordinação direta à autoridade policial. O momento em que a investigação ocorre 1- Preliminar- A investigação preliminar é aquela realizada logo após a infração penal, no local do fato e adjacências. Consiste sobretudo na coleta de vestígios, feita pela polícia técnico- científica, e na coleta de informações (entrevistas informais), que deve ser feita pela autoridade policial ou por seus agentes. 2- De seguimento- A investigação de seguimento ocorre em um momento posterior, com a oitiva formal de testemunhas e envolvidos, e a realização de diligências como busca e apreensão, interceptações telefônicas, entre outras. Princípios gerais da administração pública A investigação criminal é, antes de tudo, um conjunto de atos administrativos. Sendo assim, está sujeita ao art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...). Princípio da legalidade Esse é o primeiro princípio da administração pública e, talvez, o que mais expresse o paradigma do estado de direito. O princípio da legalidade é a expressão da supremacia da lei. Observe que esse princípio tem duas faces: uma em relação à administração pública e outra em relação ao cidadão. Para o investigador ― que representa a administração pública ―, esse princípio expressa uma relação de submissão, restritiva, em que ele só pode fazer o que a lei determina, tendo muito pouca discricionariedade. Em sentido diverso, o cidadão, nesse princípio, tem a garantia de liberdade, uma vez que pode fazer tudo o que a lei não proíbe e não pode ser obrigado a fazer o que não estiver previamente expresso em lei. Princípio da impessoalidade Em atendimento ao princípio da impessoalidade, as ações do investigador, além de serem limitadaspela lei, devem ser norteadas pelo interesse público a fim de buscar a verdade real dos fatos. O investigador deve abster-se de ações que, embora legais, busquem, na verdade, o atendimento de interesses pessoais, promoção pessoal, benefícios ou prejuízos de quem quer que seja. Princípio da moralidade O princípio da moralidade é a expressão da ética no serviço público. Não é suficiente que os atos do investigador sejam pautados pela legalidade e visem tão somente ao interesse público. Devem também adaptar-se aos valores morais e sociais vigentes, como honestidade, equidade e justiça. Princípio da publicidade O princípio da publicidade é o corolário da transparência na administração pública. Esse princípio busca atender aos princípios democráticos, permitindo que os atos administrativos possam ser controlados pelos diversos órgãos da administração pública (Ministério Público, Justiça) e pela sociedade civil (imprensa e cidadão). Observe que nenhum princípio ou direito é absoluto: o princípio da publicidade, que é a regra, também está sujeito a exceções, como nos casos de investigação sigilosa, devendo essas exceções serem previstas em lei. Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes. (Redação dada pela Lei 12.681, de 2012) (BRASIL. Decreto-Lei 3.689/41 ― Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: 1941). Princípio da eficiência Finalmente temos o princípio da eficiência, acrescentado ao texto constitucional pela Emenda Constitucional 19/1998, que impõe ao administrador zelar pelos recursos de que dispõe. Semelhante ao administrador da iniciativa privada, ele deve vislumbrar a relação custo/benefício de seus atos para a administração pública buscando sempre alcançar o melhor resultado com o menor gasto de recursos públicos, sendo esses recursos humanos ou materiais. ATENÇÃO! Esses princípios não devem ser analisados isoladamente, mas sim em conjunto, vislumbrando-se a interação harmônica entre eles. É assim que, ao mesmo tempo, um complementa e limita o outro. Vejamos um exemplo: o princípio da publicidade visa garantir a transparência dos atos da administração pública para que possam ser fiscalizados. Essa fiscalização e cobrança implicarão mais eficiência. Por outro lado, se concebêssemos uma publicidade absoluta, ilimitada, a Polícia deveria, por exemplo, divulgar de antemão suas ações e estratégias, o que permitiria a adoção, por parte dos criminosos, de contramedidas que frustrariam a investigação criminal e comprometeriam sua eficiência. Princípios específicos da investigação criminal Estudamos, anteriormente, os princípios gerais da administração pública. São também chamados de “princípios constitucionais da administração pública”, uma vez que têm seu fundamento em nossa carta magna. Por serem de ordem constitucional, são aplicáveis a todos os atos administrativos, em todos os setores da administração pública. No entanto, além desses princípios constitucionais, cada setor da administração pública tem seus princípios específicos, que naturalmente não devem se sobrepor aos constitucionais. No caso da investigação criminal, temos os seguintes princípios específicos, também denominados: 1- Princípio da compartimentação sigilosa Dependendo do caso e da complexidade, a investigação pode exigir a atuação de diversos investigadores nos mais variados ambientes. Nessa condição, o risco de vazamento de informações aumenta consideravelmente. Um investigador pode, por exemplo, ter suas informações devassadas por acidente ou ato criminoso ou ainda ser capturado por criminosos que, mediante emprego de técnicas de dissuasão e tortura, poderiam extrair informações do investigador capturado. Outra possibilidade seria o vazamento fraudulento e intencional por parte do próprio investigador. Em todos esses casos, quanto maior o conhecimento acerca da investigação, maior o prejuízo. A compartimentação consiste então em dividir a investigação ― e as informações inerentes a esta ― entre grupos de investigadores sob a coordenação da autoridade policial. 2- Princípio do imediatismo Está diretamente relacionado ao princípio constitucional da eficiência. Diante da notícia de uma infração penal, a investigação criminal deve ser desencadeada o mais brevemente possível, levando-se em conta a volatilidade e a precariedade de muitos vestígios que, como veremos mais adiante, perdem-se caso não sejam recolhidos logo após a infração. Observe que esse princípio demanda agilidade, e não imprudência. Exatamente por isso é complementado e, ao mesmo tempo, limitado pelo princípio da oportunidade. 3- Princípio da oportunidade Equilibra-se com o princípio do imediatismo por conferir eficiência à investigação criminal. Dentro da brevidade que se exige para o início das investigações, o investigador deve escolher o momento mais oportuno, que lhe permitirá, de forma ágil e, ao mesmo tempo, segura, iniciar os procedimentos investigativos. A transversalidade da ética e dos direitos humanos na investigação criminal A investigação criminal é uma ação invasiva por natureza. O investigador altera a rotina e constrange o investigado, as testemunhas e a própria vítima, repercutindo, muitas vezes, na família e nos amigos dos envolvidos. Conforme vimos ao longo desta aula, em última análise, o objeto maior da investigação criminal é a defesa dos direitos e das garantias do cidadão por meio da aplicação da lei penal. Assim, não seria razoável que a defesa desses direitos e garantias passasse pelo desrespeito a eles. Por outro lado, também observamos que investigar significa pesquisar, examinar, buscar vestígios. Isso nos traz um paradoxo: respeitar a individualidade, a privacidade e a intimidade das pessoas ou violar essas garantias em favor do interesse coletivo da aplicação da lei penal? Se examinarmos com atenção o texto constitucional e os tratados internacionais sobre o tema dos quais o Brasil é signatário, conseguiremos equacionar o problema e chegaremos à conclusão de que a liberdade é a regra, e o cerceamento a exceção. É notório que interceptações telefônicas, quebra de sigilo bancário, busca domiciliar e condução coercitiva são medidas invasivas e constrangedoras, mas, ao mesmo tempo, indispensáveis em alguns casos. É para esses casos que a lei prevê exceções, não podendo, obviamente, o investigador valer-se dessas medidas no intuito de prejudicar ou constranger o investigado. Considerando o princípio da impessoalidade, conforme estudamos, as ações do investigador devem ser norteadas sempre pelo interesse público, nunca pelo interesse pessoal. Fundamentação legal e limites da investigação criminal A investigação criminal é, como vimos, um conjunto de atos administrativos. Estudamos ainda que os atos da administração pública são restritos à previsão legal, Princípio da legalidade. Pois bem: as ações do investigador são previstas, majoritariamente, no Código de Processo Penal a partir do art. 6º e ainda pela legislação especial; por exemplo, as leis 9.034/95 (lei de repressão às organizações criminosas) e 9.296/96 (lei das interceptações telefônicas). Por outro lado, essas ações encontram limites na Constituição da República, nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte e na legislação infraconstitucional (leis ordinárias e especiais). Por tratar especificamente dos direitos e das garantias individuais, é o art. 5º de nossa Constituição o principal limite às ações do investigador: Além da Constituição, a investigação criminal é limitada por normas como a Lei 4.898/65, que trata do abuso de autoridade, tipificandoem seus arts. 3º e 4º as condutas que representam crime de abuso de autoridade e, no art. 6o, as sanções administrativas, cíveis e penais a que o investigador estará sujeito nesses casos. A investigação criminal é ainda limitada por normas internacionais que foram recepcionadas pelo direito pátrio (veja art. 5o, §§ 2o e 3o, da Constituição da República). O Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei (CCEAL) foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução 34/169 de 17/12/1979. Aula 02 em: 10/05/2020 A prova na investigação criminal prova Etimologicamente, o vocábulo “prova” tem origem na palavra latina probatio, derivada do verbo probare, que significa persuadir pela demonstração. O dicionário Michaelis define prova como: 1. Aquilo que serve para esclarecer uma verdade por verificação ou demonstração. 2. Indício, mostra, sinal. (...) Então, podemos dizer que a prova, no processo penal, pode ser definida como: Um elemento que o juiz ou qualquer uma das partes traz ao processo no intuito de comprovar a veracidade de um fato ou alegação ou ainda a existência de algo. Finalidade da prova no processo penal Você deve ter percebido que o conceito de prova criminal está diretamente ligado à sua finalidade; grosso modo, demonstrar um fato ou afirmação. O desembargador Camargo Aranha nos traz uma definição importante dessa finalidade quando destaca a natureza reconstrutiva da prova: “A função da prova é essencialmente demonstrar que um fato existiu e de que forma existiu ou como existe e de que forma existe. É, portanto, uma tarefa reconstrutiva.” (Aranha, 2004) É fácil compreender a importância vital que representa a prova para toda a persecução penal. É com base nas provas que, ao final, o juiz proferirá sua sentença. Assim dispõe o Código de Processo Penal (decreto-lei 3.689/41): Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) Após analisar as definições doutrinárias e o próprio texto legal, podemos concluir que: A finalidade da prova é formar o convencimento do julgador por meio da demonstração de um fato, alegação ou circunstância. Já sabemos o que é prova e para que ela serve. Mas a responsabilidade de produzi-la ou apresentá-la cabe a quem? Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) I ― ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) II ― determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) Com base no texto legal, podemos chegar à conclusão de que a responsabilidade de demonstrar a veracidade dos fatos alegados é de quem os alega. Essa regra é o chamado “ônus da prova”; quem alega deve provar. Finalmente, do mesmo dispositivo legal, podemos extrair ainda outras duas conclusões: 1. É o juiz o destinatário da prova. 2. Caso vislumbre necessidade, o juiz pode determinar a produção antecipada de provas. Como a primeira alegação, aquela que dá início à investigação, é acusatória, normalmente cabe a quem está acusando a maior parte ou até a totalidade da responsabilidade probatória. Quem está se defendendo, a rigor, não precisa provar nada, exceto se fizer alguma alegação. Consideremos o seguinte: E se quem estiver sendo acusado provar não apenas que é inocente, mas ainda que quem o acusou sabia de sua inocência? Veja o que dispõe o art. 339 de nosso Código Penal: Denunciação caluniosa Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei n. 10.028, de 2000) Pena ― reclusão, de dois a oito anos, e multa. § 1 ― A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2 ― A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. O que pode ser objeto de prova? Agora, vamos deixar um pouco a fase da investigação criminal e visitar a fase processual, em que o juiz aceita ou não as provas e as avalia. Em uma ação penal, podem ser objeto de prova coisas ou circunstâncias alegadas por uma das partes. Os fatos axiomáticos não precisam ser provados. Não é necessário documento para provar que o feriado da independência do Brasil é comemorado no dia 7 de setembro, tampouco testemunha para afirmar que nossa seleção foi campeã da Copa do Mundo de 1970. O direito também não precisa ser provado: presume-se que o juiz tem conhecimento das leis, mas essa presunção é relativa: o juiz deve conhecer o direito de sua jurisdição, portanto, quando a alegação recai acerca de direito estrangeiro, este deve ser provado pela parte que o alegou O mesmo se aplica às esferas administrativas, não podendo, por exemplo, exigir-se de um juiz de uma vara federal que conheça uma determinada norma municipal. Veja o que dispõe o Código de Processo Civil nesse sentido: “Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.” As presunções legais também não precisam ser provadas, podendo se dividir em absolutas ou relativas. As primeiras não admitem prova em contrário; é o caso da inimputabilidade do menor de 18 anos. Os fatos irrelevantes também não podem ser objeto de prova (Para ser objeto de prova, o fato deve ser relevante e ter relação com o processo, sendo, por isso, capaz de influenciar a decisão do juiz.) A questão do contraditório e da ampla defesa na investigação criminal Essa é uma questão extremamente polêmica, com sólidos argumentos favoráveis e contrários à obrigatoriedade do contraditório e da ampla defesa ainda na fase da investigação criminal. Vamos começar analisando nossa Lei Maior, em seu art. 5° Pelo princípio da ampla defesa, o réu tem o direito de apresentar, no processo, todos os elementos de defesa de que dispõe, no intuito de opor-se à alegação da acusação. O réu pode, se assim entender conveniente, ficar em silêncio, mas, se for comprovado que ele foi inibido de exercer o direito de contestação, o processo pode ser anulado. A questão da prova emprestada Em um determinado processo, podemos utilizar a prova que foi produzida em outro processo, a chamada prova emprestada? Essa questão é desdobramento da discussão sobre o princípio do contraditório que acabamos de estudar. Isso porque, como qualquer outra prova, a emprestada também deve obedecer aos princípios constitucionais que regem sua produção e utilização, como os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, o primeiro requisito de admissibilidade da prova emprestada é ter sido produzida, no primeiro processo, contra quem será utilizada no segundo processo para que a parte, tendo tido contato com a prova no primeiro processo, tenha plenas condições de contrariá-la no segundo (Grinover, Fernandes e Gomes Filho, 1998). Sistemas de valoração da prova A valoração e a apreciação das provas pelo julgador passaram, ao longo de nossa história, por três fases distintas: 1- Sistema da livre apreciação ou convicção íntima O juiz decide livremente, baseado em sua íntima convicção, ainda que essa decisão esteja completamente desvinculada da prova dos autose sem necessidade de justificar a decisão. Nesse sistema, ainda que não haja prova correspondente nos autos, o juiz pode, por exemplo, decidir com base em algum conhecimento particular que tenha sobre o caso. Por outro lado, ficam comprometidos a segurança jurídica e o devido processo legal, sendo impossível o controle das decisões judiciais. 2- Sistema das provas legais É precisamente o oposto do sistema da convicção íntima. Aqui, cada prova tem seu valor predeterminado, e a decisão do juiz deve seguir rigorosamente esses valores. 3- Sistema do livre convencimento motivado Esse sistema é o que prevalece atualmente. Consiste em um misto dos dois sistemas anteriores. Aqui é o juiz que atribui o valor de cada prova, mas sua decisão deve ser fundamentada e estar em consonância com o conjunto probatório. Em nosso sistema, o juiz tem o poder de determinar a produção ou a complementação de provas apresentadas. A prova ilícita Nos itens anteriores, estudamos o direito à prova, mas nenhum direito tem caráter absoluto e, com a prova, não seria diferente. Além dos fatos e circunstâncias que não podem ser objeto de prova e que estudamos nesta aula, existe ainda a questão da prova ilícita, inadmissível em nosso direito. São provas ilícitas aquelas obtidas em desrespeito a normas ou princípios legais. veja o que diz o CPP Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei n. 11.690, de 2008) § 1 ― São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2 ― Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008) § 3 ― Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. Aula 03 em: 10/05/2020 Coleta de provas: cuidados e procedimentos Provas periciais As provas periciais se enquadram na classe das provas materiais, também chamadas de provas reais, e são colhidas pela Polícia Técnico-Científica. A perícia pode ser realizada em qualquer fase do processo, do inquérito à execução. Na fase policial, é realizada por determinação da autoridade policial. Com o oferecimento da denúncia, a perícia é realizada por determinação da autoridade judicial. A exceção se dá com a perícia de insanidade, que, mesmo na fase policial, é realizada somente por determinação da autoridade judicial. O resultado do trabalho do perito é o laudo pericial. Provas periciais: Tipos de perícia Pessoas: no caso de pessoas podemos ter um auto de exame cadavérico ou um auto de corpo de delito ( lesão corporal, conjunção carnal, ...) Objeto: quando o objeto da perícia é uma coisa e não uma pessoa a gama de opções é ainda maior Provas periciais: coleta de material humano Impressões digitais As impressões digitais são marcas deixadas por nossos dedos quando tocamos em alguma coisa. Observe as partes internas da ponta de seus dedos: você verá que elas apresentam desenhos; por meio destes, podemos identificar uma pessoa. Esse processo é denominado datiloscopia. A datiloscopia é uma parte da papiloscopia, que conta ainda com a quiroscopia e com a podoscopia. Em nosso estudo, vamos nos limitar à datiloscopia, que se baseia em alguns princípios ligados às propriedades dos desenhos datiloscópicos: Perenidade: os desenhos datiloscópicos são definidos ainda na gestação e são permanentes. Imutabilidade: os desenhos datiloscópicos não se alteram, salvo em caso de doenças como hanseníase ou em acidentes como queimaduras. Variabilidade: os desenhos datiloscópicos são diferentes entre os indivíduos e ainda entre os dedos de um mesmo indivíduo. Sangue e sêmen O sangue em estado líquido deve ser coletado com o auxílio de uma seringa, uma pipeta automática ou um conta-gotas, devendo ser armazenado em um tubo de ensaio. Se o sangue a ser coletado tiver de ser extraído da vítima, o procedimento deve ser feito pelo médico-legista, um perito que é também um profissional da área da saúde. Os materiais devem estar estéreis. Se o sangue estiver coagulado, deve ser coletado com o auxílio de uma espátula e armazenado preferencialmente em um recipiente de vidro. Espátula e recipiente devem estar estéreis. Em relação ao sêmen, os procedimentos são idênticos aos adotados na coleta do sangue, observando as diferenças relativas ao estado líquido, impregnado em tecidos, em objetos ou ainda caso o material tenha de ser coletado da própria vítima. Urina e saliva Se estiverem em estado líquido, a urina e a saliva devem ser armazenadas em garrafas plásticas ou de vidro estéreis, de preferência em vidro. Se estiverem sob a forma de manchas ou impregnadas, devem ser coletadas utilizando-se os mesmos procedimentos e cuidados referidos para o sangue e para o sêmen. Um cuidado a ser observado: sempre que possível, as amostras devem ser isoladas de fontes de luz e calor, que podem deteriorá-las rapidamente. Fios de cabelo, ossos e outros tecidos Fios de cabelo devem ser coletados com o auxílio de pinças, devendo-se utilizar amostras que contenham a raiz do fio. Devem ser armazenados em papel com a identificação do local do corpo de onde foram retirados. Fios de cabelo devem ser coletados com o auxílio de pinças, devendo-se utilizar amostras que contenham a raiz do fio. Devem ser armazenados em papel com a identificação do local do corpo de onde foram retirados. No caso de ossos (de cadáver), deve-se procurar tecido compacto e que ainda não esteja deteriorado em virtude da ação de bactérias ou fungos, devendo-se evitar tecido ósseo negro ou esverdeado. Quanto à amostra, deve-se dar preferência a tecidos ósseos das costelas, do fêmur ou da mandíbula. Provas periciais: coleta de objetos Armas de fogo e munições O primeiro cuidado a ser tomado quando coletamos ou manuseamos esse tipo de prova é que a arma de fogo deve ser recolhida pelo cano, e não pela coronha, pois é nela que, graças à empunhadura, normalmente ficam as impressões digitais de quem manuseou a arma. Se o perito tocar na coronha, pode inutilizar essas impressões. É recomendável ainda a utilização de luvas. Os estojos deflagrados, se houver, devem ser recolhidos com pinças. O manuseio desses estojos tem de ser feito com extremo cuidado para que eventuais fragmentos de impressões digitais não sejam destruídos. Quanto aos projéteis, se estiverem destacados, devem ser recolhidos com pinças, da mesma forma que os estojos. No entanto, se o projétil estiver incrustado em paredes, portas ou outros objetos, o perito deve retirar o pedaço da parede, do madeiramento ou do objeto em que o projétil se encontrar. Caso seja destacado da superfície em que estiver incrustado, o projétil pode ser danificado, o que inviabilizaria o exame pericial. O projétil tem diâmetro ligeiramente superior ao do cano da arma, de forma que ele sai “prensado”. Esse atrito gera marcas tanto na arma quanto no projétil. A maioria das armas tem o cano raiado, o que imprime um movimento de rotação ao projétil quando este passa pelo cano. A ação dessas raias também deixa marcas características. Resíduos de substâncias Diversas substâncias ― como venenos, remédios e outras ― podem ter interesse pericial. Devem ser recolhidas com material adequado e armazenadas de acordo com sua natureza para que mantenham suas propriedades. Esses resíduos podem ser encontrados na própria vítima, no autor ou ainda no ambiente. Provas testemunhaisA prova testemunhal também recebe o nome de subjetiva. Diferentemente da prova pericial, ou real, esse tipo de prova não é incontestável. A declaração prestada pela testemunha pode se revelar falsa ou incompleta, ocasião em que a testemunha responderá pelo crime de falso testemunho. Veja o que diz o Código Penal: Falso testemunho ou falsa perícia Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei n. 10.268, de 28.8.2001). Pena ― reclusão, de um a três anos, e multa. O informante Em uma “zona nebulosa” entre profissionais e testemunhas, encontramos o informante. O informante é uma fonte não oficial da investigação criminal. Ele não tem nenhum vínculo com as instituições de Segurança Pública, tampouco presta algum compromisso legal. Suas informações nem sequer podem ser utilizadas para instruir o inquérito policial. A confiabilidade de suas informações também é duvidosa e, ainda assim, são elementos preciosos na investigação criminal. O informante não é uma testemunha ― a não ser que tenha presenciado o fato, ocasião em que deverá ser convocado formalmente a prestar declarações ―, mas tem informações complementares a respeito do autor, da vítima, das circunstâncias e da motivação que podem nortear a investigação preliminar e formular as hipóteses iniciais. As informações prestadas podem ser de grande relevância, mas o investigador deve sempre se questionar sobre qual seria a real motivação do informante: Interesse financeiro? Consciência? Dever cívico? Vingança? Paixão? O informante pode, na verdade, estar tentando prestar uma contrainformação, desviando o foco da investigação, no intuito de proteger o verdadeiro autor ― por amizade ou interesse em relação a este último ― ou incriminar algum desafeto. Por exemplo, o informante pode indicar como pedófilo ou estuprador um vizinho, colega de trabalho ou síndico do prédio com o objetivo de criar-lhe um constrangimento perante vizinhos, familiares ou colegas de trabalho. Algumas vezes, porém, ainda que o informante não esteja motivado por um sentimento nobre, as informações prestadas podem ser verdadeiras. Por exemplo, a amante que, desprezada pelo criminoso, se vinga fornecendo detalhes acerca de sua localização, estocagem de armas, drogas etc. A testemunha A entrevista de uma testemunha fornece ao investigador uma prova subjetiva. O investigador deve ter em mente que, diferentemente das provas reais, a veracidade do conteúdo das declarações de uma testemunha pode não se confirmar. Por outro lado, ao prestar o compromisso legal, a testemunha sujeita-se às penas do crime de falso testemunho ou falsa perícia caso preste falsa informação ou omita a verdade, enquanto o informante, pelo próprio caráter informal de suas informações, não está sujeito a penalidades em caso de falsas declarações. É muito importante que o investigador esteja previamente preparado para a entrevista, inteirando-se dos fatos e determinando o que deseja que seja esclarecido pelo entrevistado. Infelizmente, em virtude da carga de procedimentos sob a responsabilidade de nossos investigadores, esse cuidado raramente é adotado e, quando o é, normalmente se dá em casos de mais repercussão. Provas documentais No contexto da investigação criminal, documento não deve ser entendido apenas de forma stricto sensu, como identidade, CPF, certidão de nascimento ou de casamento etc. Devem ser considerados, por exemplo: contratos, fotografias e até e-mails. Moacyr Amaral Santos (2011) define documento como: “coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”. Essa definição torna extremamente abrangente o conceito de documento para o processo civil e, por tabela, para o processo penal, objeto de nosso estudo Na esteira desse raciocínio, podemos concluir que o documento de que tratamos pode ser público ou particular. Os documentos públicos podem ser de origem judicial, notarial ou administrativa. Os documentos particulares representam uma gama bem maior, podendo ser representados por contratos, cartas, fotografias etc. Gravações de circuito interno de TV A gravação de um vídeo pode servir de prova documental de duas formas: A primeira, quando é utilizada para documentar o local, identificar vestígios e evidências sem necessidade de manuseá-los. Outra forma de se utilizar um vídeo como prova documental é quando imagens de circuitos de TV registram a prática de uma ação criminosa. Aula 04 em: 11/05/2020 Cena do crime: delimitação, isolamento e preservação Cena do crime Veja o que nos diz o Código de Processo Penal a esse respeito: “Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I ― dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) (Vide Lei n. 5.970, de 1973)” Aqui esbarramos em um ponto polêmico: quem é a “autoridade policial”? Analisemos os dispositivos a seguir: Código de Processo Penal “Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.” “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” Código de Processo Penal “Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.” “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” Constituição da República Federativa do Brasil “Art. 144, § 4º ― às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.” A autoridade policial, para os cidadãos Dos dispositivos legais listados, extraímos a ideia de que autoridade policial é sinônimo de delegado de Polícia. A população vê, em cada agente policial, a figura representativa do Estado. Portanto, se, em sentido estrito, para fins processuais, o conceito de autoridade policial é limitado aos delegados de Polícia, em sentido amplo, todo e qualquer agente policial carrega a representação dessa autoridade. Indo mais além, apesar de, na maioria das vezes, o primeiro agente a chegar ao local ser um policial militar ou civil, algumas vezes, agentes das guardas municipais presenciam ou mesmo são acionados por populares para se dirigirem a um local de crime. Definição de “cena” ou “local” de crime Para efeitos de isolamento e preservação, local de crime é muito mais do que apenas aquele lugar pontual onde o crime ocorreu. É o perímetro em que a totalidade dos vestígios pode ser encontrada; por isso, preferimos denominar de cena do crime. Em outra definição, Eraldo Rabello define local do crime como: “(...) a porção do espaço compreendida num raio que, tendo por origem o ponto no qual é constatado o fato, se entenda de modo a abranger todos os lugares em que, aparente, necessária ou presumidamente, hajam sido praticados, pelo criminoso, ou criminosos, os atos materiais, preliminares ou posteriores à consumação do delito, e com este diretamente relacionado” (apud Dias, 2010). Definir cena ou local de crime é importante na medida em que é nessa área que será delimitado o perímetro no qual os peritos forenses realizarão o trabalho de identificação e coleta de vestígios. Comodelimitar o perímetro da cena do crime? De fato, não é uma tarefa fácil. Além de conhecimento técnico, é preciso uma boa dose de experiência policial. Esse trabalho deve ser feito imediatamente, tem de ser rápido, costuma ser realizado sob pressão e, com frequência, envolve risco físico. Deve contar ainda com um número reduzido de agentes. A cena do crime pode ter qualquer forma. Além disso, pode ser uma área externa, interna ou ambas. Um crime pode começar, por exemplo, dentro de uma residência e se estender até a rua ou vice-versa. Partindo do ponto em que o crime foi praticado, o perito deve traçar um raio que contemple todos os locais onde atos diretamente relacionados ao crime tenham sido cometidos e onde vestígios possam ser encontrados. É conveniente expandir esse perímetro um pouco além do último vestígio, pois, nesse primeiro momento, alguns vestígios provavelmente não foram visualizados. Na dúvida, sempre delimite o maior perímetro: havendo necessidade, é muito mais fácil reduzi-lo que ampliá-lo posteriormente. No caso de um crime de homicídio, por onde começar? Pelo cadáver, obviamente. Afinal, não é ele o principal objeto do crime? Só não é o único. Quantas pessoas praticaram o crime? Que instrumento(s) foi (foram) utilizado(s)? Quais foram os atos preparatórios e onde foram praticados? Quais foram os atos posteriores e onde ocorreram? Essa área pode ser limitada a um automóvel ou abranger várias residências e ruas. Isolando a cena do crime: importância e dificuldade Por que a preservação desses vestígios é tão importante? O trabalho dos peritos depende da preservação. Futuramente, o sucesso do processo judicial dependerá da correta instrução criminal. Esse sucesso não representa, necessariamente, a condenação do culpado; pode consistir na absolvição do inocente que injusta ou equivocadamente foi apontado como autor do fato. Então, em última análise, da preservação dos vestígios pode depender a aplicação da justiça. No entanto, preservar os vestígios não é uma tarefa simples. A delimitação e a preservação do local da cena do crime são o primeiro passo e um dos mais importantes ― se não o mais importante ― na investigação criminal. É com base no estudo desse local que serão iniciadas as investigações. Vejamos outras considerações do perito Eraldo Rabello sobre o local de crime: “(...) constitui um livro extremamente frágil e delicado, cujas páginas, por terem a consistência de poeira, desfazem- se, não raro, ao simples toque de mãos imprudentes, inábeis ou negligentes, perdendo-se desse modo para sempre os dados preciosos que ocultavam à espera da argúcia dos peritos” (apud ESPINDULA, 2009). As fases do isolamento A delimitação do local de crime é feita de acordo com a natureza da ocorrência. O isolamento e a preservação da cena de crime abrangem três fases principais. 1ª FASE- A primeira é aquela compreendida entre a ocorrência do crime e a chegada do primeiro agente policial, que será responsável pela delimitação preliminar e pela preservação do local. Esse momento é extremamente crítico em virtude de eventuais riscos à segurança, da curiosidade natural das pessoas, das eventuais tentativas de socorro e da ação deliberada do(s) próprio(s) autor(es), que pode(m) forjar ou ocultar evidências e, assim, inviabilizar a determinação da autoria e comprometer o sucesso da investigação criminal. O primeiro profissional que chegar ao local deve identificar e controlar qualquer situação que represente risco à segurança e à integridade de si mesmo, de vítimas e de civis que estejam na cena do crime. 2ª FASE- A segunda fase é representada pelo período entre a chegada do primeiro agente policial e a chegada da autoridade policial. A principal dificuldade, nesse período, é a falta de conhecimento, por parte do agente, dos procedimentos corretos para a delimitação e a preservação do local. Conforme já mencionado, raramente os agentes policiais possuem formação sólida nesse campo. 3ª- FASE- A terceira fase compreende o período entre a chegada da autoridade policial e a chegada dos peritos. Aqui o conhecimento e a experiência da autoridade policial são extremamente importantes para confirmar a delimitação do local ou estabelecer um novo perímetro, bem como identificar os aspectos mais importantes a serem preservados. Dificuldades normalmente encontradas O primeiro profissional a chegar ao local provavelmente não é a primeira pessoa. Quase sempre o lugar já está repleto de curiosos, jornalistas, familiares, amigos etc., que devem ser retirados do perímetro. É comum haver grande resistência e, por vezes, até agressividade das pessoas durante esse processo, o que, além de tomar tempo, pode distrair o agente enquanto pessoas mal-intencionadas deliberadamente adulteram a cena do crime. O primeiro profissional a chegar ao local dificilmente será um perito. Normalmente é um policial ou bombeiro militar. Algumas instituições não se preocupam com a formação dos profissionais de ponta, e o aspecto de isolamento e de preservação de local vem se revelando um dos mais críticos dessa formação deficiente. Quando a vítima, o próprio autor ou terceiros estiverem feridos, o socorro tem absoluta prioridade. O socorro a eventuais vítimas vivas sobrepõe, naturalmente, a necessidade de preservação do local. Efetuado o socorro, o local deve ser isolado e preservado. Nesse caso, é muito importante que o policial informe o trajeto feito por ele e pelos socorristas aos peritos para que estes não percam tempo analisando vestígios ilusórios, deixados por ocasião do socorro à(s) vítima(s). A presença da imprensa Você já deve ter observado: onde há crime há notícia, e onde há notícia há profissionais da imprensa. A presença da imprensa no local de crime é um importante fator a ser considerado. Documentando a cena: a volatilidade dos vestígios A cena do crime é extremamente instável. Muda a todo instante e não há nada que se possa fazer para impedir essa volatilidade. Intempéries e decurso de tempo modificam vestígios. Qual seria o primeiro passo do perito? Antes de iniciar a perícia propriamente, antes de tocar ou mover objetos e vítimas fatais, o perito deve documentar por meio de esquemas, fotografias e filmagens tudo o que encontrar no local. Esse procedimento visa preservar a prova para que ela possa ser repetida em juízo. Além disso, após a coleta dos vestígios, a cena do crime será totalmente desfeita e não será mais possível reproduzi-la com precisão sem os devidos registros. Assim, a documentação preserva a cena do crime, “imortalizando-a”. Tipos de registro da cena Registro de apontamento O perito deve fazer um registro de apontamento contendo informações sobre o local, a qualificação das pessoas presentes, a própria perícia, além de outros dados que considerar relevantes. Registro fotográfico Outro tipo de registro que o perito deve fazer no local, antes de iniciar a perícia propriamente, é o fotográfico. Esse registro deve conter o máximo de detalhes da cena do crime. Itens que devem ser registrados nas fotografias 1- O local em si, contextualizado: por exemplo, uma casa, um veículo ou um cadáver na rua e em suas imediações, de forma que a foto permita contextualizar a cena em sua vizinhança. 2- Fotos de diferentes ângulos: no caso de um cadáver, é importante registrar as lesões (ferimentos, fraturas, hematomas, concussões, orifícios de entrada e saída de projéteis etc.) e sua posição; no caso de uma residência, o cômodo onde ocorreu o fato, as entradas e saídas do cômodo e da residência etc. 3- Fotos de pessoas presentes no local que podem, futuramente, ser indicadas como testemunhas ou reconhecidas como suspeita(s). 4- Objetos e vestígios devem ser fotografados de média e curta distância para que possam ser visualizados no contexto da cena (média distância) e detalhadamente(curta distância). Nas fotos de curta distância (close-up), o objeto deve ser fotografado ao lado de uma régua para que se possa ter ideia de suas dimensões. Objetos danificados ou que pareçam estar fora do lugar devem receber atenção especial. 5- Rastros, pegadas, marcas de pneu e afins devem ser fotografados. Nesses casos, também é indicado o uso de escalas. Documentação no croqui Por fim, o perito deve desenhar um croqui da cena do crime.´ No esboço abaixo, as pessoas, os objetos, suas dimensões e posições são representados graficamente. Pode ser deteriorada naturalmente ou por ação humana. Com o rápido e correto isolamento do local, é possível evitar ou pelo menos reduzir sensivelmente a parcela de deterioração determinada pela ação humana. Os próprios peritos, ao examinarem e recolherem vestígios, necessariamente modificarão a cena do crime, deixando vestígios próprios e levando outros consigo. A ação de socorristas também costuma alterar drasticamente a cena do crime, mas sua presença não pode ser evitada ― cabe repetir: o socorro às vítimas é prioridade absoluta. Em relação à ação humana, o que os peritos podem fazer é o correto isolamento, que deve ser providenciado pelo primeiro profissional de segurança pública a chegar ao local, e o planejamento minucioso, bem como o devido registro de toda e qualquer movimentação na cena do crime; por exemplo, a ação dos socorristas e dos próprios peritos. A cena do crime ainda pode sofrer alterações em decorrência de intempéries ou do simples decurso de tempo. Chuva, sol, calor e umidade são capazes de produzir mudanças e até destruir boa parte dos vestígios. Sangue, saliva, sêmen, restos de alimento etc. são vestígios que se deterioram naturalmente com o passar do tempo. Em relação à ação do tempo, tudo o que se pode fazer é buscar o menor intervalo possível entre as fases do isolamento, como visto nesta aula, planejar a movimentação de agentes e socorristas no local para que seja feito o menor trajeto possível e, sobretudo, fazer a documentação completa e minuciosa da cena do crime antes de tocar ou movimentar qualquer objeto ou vestígio. A questão da segurança na cena do crime Quando falamos em segurança na cena do crime, devemos pensar em dois aspectos: 1- Segurança pessoal 2- Segurança da cena do crime para evitar sua adulteração Um ponto que deve ser observado e que abrange esses dois aspectos é o comportamento relativamente comum do criminoso de retornar ao local do crime. Ele pode retornar para assegurar-se do sucesso de sua ação criminosa, para adulterar a cena do crime ou ainda para coagir eventuais testemunhas, ameaçando-as. Resumindo... 1- O grande objetivo da preservação da cena do crime é evitar a contaminação e a adulteração das evidências no local até que todo o trabalho de perícia seja realizado. Esse trabalho de preservação deve ser iniciado com a maior brevidade possível logo que o primeiro agente da autoridade policial tiver conhecimento do fato. 2- O primeiro agente da autoridade policial que chegar ao local deve providenciar o socorro à(s) vítima(s) (se houver) e impedir o acesso de pessoas não autorizadas. Nessa tarefa, ele pode encontrar dificuldades, como pessoas hostis (suspeitos e seus colaboradores) e/ou vítimas e parentes exaltados. 3- Outra tarefa, talvez ainda mais complexa, consiste em fazer uma delimitação preliminar do perímetro onde, presume-se, possam ser encontrados vestígios do crime. Por segurança, é interessante fazer a delimitação sempre um pouco além de onde o último vestígio foi encontrado. 4- Quando da chegada dos peritos forenses, esse perímetro pode ser mantido, reduzido ou ampliado. O que parece evidente no início pode se modificar no decorrer do trabalho pericial. Após a delimitação final, a área deve ser isolada com uma barreira física (cordões de isolamento, por exemplo). Aula 05 em: 11/05/2020 Vestígios, evidências e indícios Vestígios Quando uma pessoa pratica um crime, ela o faz em algum lugar. Ao sair, mesmo inconscientemente, carrega substâncias desse lugar, como poeira e outros elementos. Também deixa, no local, suas próprias substâncias: suor, cabelo etc. Se, na prática criminosa, houver contato corporal com alguma pessoa (vítima, testemunha, entre outras), também haverá uma troca de substâncias entre o suspeito e essa pessoa. Essas substâncias, que podem ser orgânicas (suor, sangue, cabelo, sêmen etc.) ou inorgânicas (cigarros, fósforos, objetos diversos), são denominadas vestígios materiais e constituem a base dos exames periciais. O VESTÍGIO MATERIAL É O ELO ENTRE A VÍTIMA, O CRIMINOSO E O LOCAL ONDE O CRIME FOI PRATICADO Na cena do crime, a equipe de perícia vai procurar objetos, marcas e sinais que, de alguma forma, possam estar relacionados ao crime. Esses elementos, ainda em estado “bruto”, são denominados vestígios e podem ou não estar efetivamente relacionados ao crime a ser investigado. O vestígio é composto de: Agente provocador: que ou quem contribuiu para a produção do vestígio. Suporte: local onde o vestígio foi produzido. Vestígio: produto da ação do agente provocador. Vestígio é então tudo que, encontrado no local do crime e após uma avaliação preliminar dos peritos, pode vir a se transformar em prova, seja individualmente, seja associado a outros vestígios. Em um primeiro momento, todos os vestígios encontrados no local do crime são importantes para esclarecer as circunstâncias do fato a ser investigado. Todavia, não é possível aos peritos determinarem, no local do crime, a importância individual de cada vestígio para a investigação criminal, o que só será possível no instituto de criminalística, onde as análises e os exames complementares serão feitos. O vestígio é então tudo aquilo que, encontrado no local do crime e após uma avaliação preliminar dos peritos, pode vir a se transformar em prova, seja individualmente, seja associado a outros vestígios. Evidências Como vimos, os vestígios podem ou não estar relacionados com o crime. São coletados porque, segundo um juízo de valor preliminar do perito, podem conter informações importantes, a ponto de constituírem uma prova, e podem ajudar a esclarecer os fatos. Nesse caso, é melhor coletá-los e, mais tarde, decidir por seu descarte do que ignorá-los e perder uma informação importante ou mesmo vital para a investigação. É no instituto de criminalística que, após análises e exames complementares, será possível determinar se o vestígio tem ou não relação com o fato investigado e, caso tenha, qual é essa relação. Caso o vestígio venha a apresentar relação com o fato averiguado, então será considerado uma evidência. Quando se chega à conclusão de que determinado vestígio está de fato relacionado com o fato investigado, esse vestígio passa então a ser tratado como evidência... Indícios O trabalho da perícia transforma um vestígio em evidência. O trabalho da investigação, ao agregar outras informações, transforma essa evidência em indício. Indício, portanto, é uma expressão jurídica, de natureza subjetiva, que representa uma circunstância conhecida e provada que, como tal, permite concluir pela existência de outra(s) circunstância(s). código de processo penal "art. 239: a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias". Contextualizando os vestígios na cena do crime Até aqui vimos que os vestígios sofrem “refinamentos” até se tornarem evidências; em seguida, quando são efetivamente utilizados como provas no processo penal, tornam-se indícios. Cada uma dessas etapas (coleta dos vestígios, análise criminalística e análise processual) tem uma importância ímpar, e todas estão entrelaçadas. Portanto, quando falamos em preservar e em valorizar as provas, mais uma vez, estamospensando na técnica e na legalidade de cada uma das etapas de sua produção e manipulação. Mas o que pode ser considerado vestígio? Deve o perito coletar indiscriminadamente todo e qualquer objeto encontrado na cena do crime? se coletar todos (ou quase todos) os objetos presentes na cena do crime, sobrecarregará o serviço de perícia laboratorial com uma grande carga de exames, a maioria sem valor algum para a investigação. Por outro lado, se deixar um objeto relevante para trás, uma prova fundamental pode ter sido perdida, impossibilitando assim a condenação do criminoso ou, pior, fazendo a culpa recair sobre um inocente. o perito deve ser capaz de avaliar, em pouco tempo, os vestígios potencialmente relevantes para a investigação, que devem ser recolhidos e levados para exames laboratoriais, e aqueles supérfluos, que não apresentam nenhum interesse para a investigação e que devem ser descartados sumariamente. Naturalmente, a experiência do perito vai ajudá-lo a fazer essa classificação de forma mais rápida e precisa, mas a mesma experiência haverá de ensiná-lo que cada caso tem suas peculiaridades, suas características próprias, e que a generalização pode levar ao erro e ao fracasso da investigação criminal. A teoria da ligação de quatro caminhos A teoria da ligação de quatro caminhos busca entender as relações existentes entre a cena do crime, determinada vítima, determinado suspeito e determinado vestígio. Essa conexão poderá orientar o perito especificando onde as evidências podem ser localizadas. Ainda segundo essa teoria, havendo associações entre dois ou mais desses componentes (cena do crime, vítima, suspeito e evidência), o caso poderá ser resolvido, e as chances de sucesso serão tão maiores quanto maior for o número de associações estabelecidas. Cuidados a serem observados na coleta de vestígios Acionamento da perícia O primeiro cuidado diz respeito à legalidade e está no acionamento da perícia, se esse procedimento está de acordo com as normas. A perícia deve ser requisitada pela autoridade policial, com os objetivos periciais (questões) claramente especificados e a indicação precisa do local. Adequação técnica No local, um cuidado de natureza técnica: a equipe de perícia escalada deve ter conhecimentos adequados ao trabalho realizado. Não se deve escalar, por exemplo, um perito contabilista para um local de homicídio por envenenamento. Delimitação e isolamento Outro cuidado abrange os aspectos técnico e legal, a delimitação e o isolamento do perímetro até a chegada da autoridade policial e dos peritos. Essa responsabilidade é do(s) primeiro(s) agente(s) que chegar(em) ao local do fato. Trata-se de uma providência imediata, cuja prioridade só é suplantada pela necessidade de prestar socorro às pessoas feridas. Ao chegar ao local, a equipe de perícia pode manter o perímetro isolado, ampliá-lo ou reduzi- lo. Isso pode ocorrer porque, durante a perícia no local, novos fatos podem redesenhar a cena do crime e indicar essa necessidade. Socorro às vítimas feridas Se houver vítima no local, verificar se ela ainda está viva. Se houver vítima viva, evidentemente, o socorro precede à preservação, o que não significa que, para socorrer a vítima, destruiremos toda a cena do crime. Devem ser usados o trajeto e o número de pessoas que se fizer necessário para um atendimento mais rápido e eficaz. Observe que aqui podemos encontrar um conflito entre dois bens jurídicos relevantes: a vida e o jus puniendi , ou seja, o dever-poder do Estado de punir quem pratica uma infração penal. Embora ambos sejam relevantes, a vida, naturalmente, sobrepõe qualquer outro direito. Nesse aspecto, cabe ressaltar que, quando falamos em direito à vida e à prioridade no socorro, não estamos discutindo a qualidade dessas pessoas: vítimas, autores e terceiros têm assegurado seu direito à vida e a prevalência do socorro sobre qualquer outra atividade. Registros e anotações Os peritos devem fazer anotações sobre o cenário geral: número de pessoas, disposição dos objetos, horários, condições atmosféricas etc. Outro cuidado importante e que, muitas vezes, é ignorado é a anotação sobre os procedimentos adotados por cada perito. Essa informação será importante para efeitos de registro da cadeia de custódia Vestígios verdadeiros, ilusórios e forjados Uma circunstância óbvia, mas que alguns se esquecem de considerar é que, no local do crime, encontramos elementos, vestígios deixados pelo(s) autor(es) e pela(s) vítima(s) e que são extremamente importantes para a investigação criminal. Encontramos também muitos elementos que já estavam no local e que não possuem nenhuma relação com o evento, com o(s) autor(es) ou com a(s) vítima(s). Vestígios verdadeiros Após uma verificação preliminar, os peritos fazem uma depuração completa dos elementos encontrados no local do crime, determinando aqueles que foram produzidos diretamente pelo(s) autor(es) da infração ou ainda os que foram produzidos em virtude do cometimento da ação criminosa. Esses são os vestígios verdadeiros. Em princípio, são vestígios verdadeiros: • o sangue, o sêmen, as pegadas e as impressões digitais do(s) autor(es) e da(s) vítima(s); • os estojos deflagrados da(s) arma(s) utilizada(s) pelo(s) autor(es) e pela(s) vítima(s). porquê em principio? Porque nem sempre os vestígios encontrados no local de crime estão de fato relacionados com o fato criminoso que se quer apurar. Eles podem estar presentes no local em virtude de outras circunstâncias alheias ao fato criminoso. Essas circunstâncias podem ser anteriores ou posteriores a esse fato. Vestígios ilusórios O vestígio ilusório é o elemento que, encontrado na cena do crime, não tem ligação com a ação do(s) autor(es) ou da(s) vítima(s), ainda que não tenha sido produzido intencionalmente. Nessa última situação, estaremos diante de um vestígio forjado. Os vestígios ilusórios podem ser produzidos por intempéries e, sobretudo, pelo isolamento e pela preservação inadequados do local ― por exemplo, permitindo a circulação de populares (familiares e curiosos) na cena do crime. Outro fator a ser considerado é a circulação inadequada e/ou desnecessária dos próprios agentes policiais. São vestígios ilusórios: • Pegadas e impressões digitais de curiosos, familiares e policiais que circularam no local; • Objetos deixados por curiosos, familiares e policiais que circularam no local. Vestígios forjados O vestígio forjado é o elemento encontrado na cena do crime e que, assim como o vestígio ilusório, não tem ligação direta de causa e efeito com a ação do(s) autor(es) ou da(s) vítima(s) ou com a ação criminosa. Diferentemente dos vestígios ilusórios, foram produzidos de forma intencional pelo(s) autor(es) no intuito de dissimular sua ação e induzir os investigadores ao erro. Muitas vezes, os vestígios forjados constituem, por si só, uma ação criminosa autônoma. Por esse e por outros motivos, também diferentemente dos vestígios ilusórios, os vestígios forjados não devem ser ignorados, mas arrecadados e identificados como tais, pois serão muito importantes para esclarecer determinadas circunstâncias do crime. Exemplo de Vestígios forjados • A arma ou o frasco de veneno deixado pelo autor na mão da vítima ou em suas proximidades; • Um ferimento provocado na vítima após sua morte na tentativa de simular um acidente ou homicídio. Autenticidade e validade do vestígio A autenticidade, a validade ou a idoneidade do vestígio depende, como vimos, de muitos fatores: de aspectos técnicos (procedimentos adotados pelos peritos, isolamento do local) e de aspectos legais (requisição de exame pela autoridade competente, quesitação pertinente ao fato a ser investigado, perito legalmente investido etc.). De tudo o que é considerado relevante para a autenticidade de um vestígio, o conjunto de procedimentos e deprotocolos adotados pelos peritos é, certamente, o mais importante. Uma falha ou nulidade nos procedimentos de constatação, registro, identificação, exames ou análises pode prejudicar ou mesmo comprometer a investigação criminal e a ação penal. Em cada uma dessas fases, alguns procedimentos são determinantes para se preservar a validade do vestígio. 1- Constatação O trabalho pericial no local de crime exige a observância, pelos peritos, de metodologias, rotinas e normatizações a fim de identificar e/ou visualizar com precisão e validade o vestígio no local e as circunstâncias em que foi encontrado. 2- Registro Encontrado o vestígio, o perito deve proceder o registro desse vestígio, detalhando o local e as condições em que foi encontrado. Essa fase é delicada e exige um trabalho meticuloso, devendo o perito fazer o registro por escrito e por fotografia, determinando com precisão a localização do vestígio na cena do crime, relacionando-o geograficamente a objetos e obstáculos fixos no local e ainda em relação aos demais vestígios. É o registro que dá a certeza da identificação, da localização e até da existência de determinado vestígio, ou seja, o registro corrobora a constatação. 3- Identificação Na cena do crime, podemos distinguir dois grupos de vestígio: o primeiro, representado por aqueles que são constatados, registrados e identificados, mas que não são recolhidos para exames complementares, ou seja, não são encaminhados para o instituto de criminalística; o segundo, representado pelos vestígios que, apesar de examinados no local, são também encaminhados ao instituto de criminalística. No primeiro caso (vestígios que não serão encaminhados), o cuidado na constatação, no registro e na identificação deve ser redobrado, uma vez que não haverá possibilidade de se completar ou refazer tais procedimentos. É o caso de locais de arrombamento, crimes de trânsito, entre outros. No segundo caso (vestígios encaminhados), a identificação deve também ser cuidadosa porque os vestígios serão encaminhados para os diferentes setores do instituto de criminalística ou do Instituto Médico-Legal e serão recebidos e manipulados por peritos desses institutos. É o caso de manchas de sangue, sêmen ou outros fluidos corporais, armas, munições e seus fragmentos, resíduos e substâncias tóxicas, entre outros. Esse cuidado em relação à precisão da identificação visa garantir a idoneidade do vestígio para fins periciais e a própria validade do laudo por ocasião de sua utilização no inquérito policial ou na ação penal. 4- Encaminhamentos (exames e análises) Vimos anteriormente que alguns vestígios não são passíveis de ser encaminhados ao instituto de criminalística ou de medicina legal. Outros, entretanto, devem ser encaminhados para exames e análises complementares. Aqui já começa a primeira questão: determinado vestígio deve ser encaminhado para exame pericial ou médico-legal? Essa questão é extremamente relevante porque, quando os exames são encaminhados, os vestígios passam pelas mãos de muitos funcionários, e essa jornada deve ser minuciosamente documentada para que não se perca a cadeia de custódia. Outro cuidado imprescindível é no encaminhamento ao exame pericial correto: um recipiente contendo determinado líquido, se encaminhado a exame de constatação, por exemplo, poderá perder sua validade para exame de material biológico, se for o caso. O perito que realizar o exame complementar deverá ter ainda extremo cuidado para não contaminar a amostra (e também para não ser contaminado por ela). Aula 06 em: 12/05/2020 O INQUÉRITO POLICIAL Conceitos e princípios do inquérito policial Conceito O inquérito policial é um procedimento administrativo. Seu principal objetivo é apurar uma infração penal e reunir elementos (provas) para que o Ministério Público (nos casos de ação penal pública) ou o ofendido (nos casos de ação penal privada) tenha condições de propor a ação penal em juízo, visando à punição do autor do fato. Além da base legal do Código de Processo Penal, o inquérito policial é norteado por princípios próprios e apresenta também suas próprias características. A seguir, vejamos alguns deles. Princípio da obrigatoriedade É de interesse de toda a sociedade que os crimes não fiquem impunes. Se assim ocorresse, toda a ordem social estaria comprometida e o próprio Estado se esfacelaria. Por isso, existe a justiça criminal. É por isso também que o Estado tem o jus puniendi, que, se pode ser traduzido literalmente como “direito de punir”, na prática trata-se de um direito- dever. Uma vez verificada a prática do fato criminoso, o Estado pode ― e deve ― dar início à persecução penal. Assim é que a autoridade policial é obrigada a instaurar inquérito policial, e o Ministério Público é obrigado a promover a competente ação penal quando se tratar de crime de ação penal pública incondicionada, que representa a maioria dos casos. O princípio da obrigatoriedade está disposto no Código de Processo Penal nos artigos a seguir: Art. 5º ― Dispõe sobre as partes legítimas para iniciar o inquérito policial nos crimes de ação penal pública. Art. 6º ― Dispõe as diligências que a autoridade policial deve adotar assim que tiver conhecimento da prática de infração penal. Art. 20 ― Trata da natureza sigilosa do inquérito policial. Princípio da oficialidade Sendo a repressão à criminalidade uma das funções essenciais do Estado, deve ser desempenhada por instituições próprias e qualificadas. Essas instituições estão enumeradas taxativamente no art. 144 da Constituição da República. Uma observação sobre o princípio da oficialidade é que ele somente se aplica nos casos de crime de ação penal pública incondicionada e, mesmo nesse caso, pode ser mitigado se houver inatividade por parte do Ministério Público. Nesse caso, a parte interessada (vítima) pode, por intermédio de um advogado, apresentar uma queixa e dar início à ação penal. Princípio da indisponibilidade Esse princípio está diretamente relacionado ao da oficialidade. Indisponibilidade significa dizer que autoridade nenhuma pode, de forma discricionária, decidir se instaura ou não o inquérito policial (no caso da autoridade policial) ou se arquiva ou não (no caso do Ministério Público). Presentes os requisitos de instauração do inquérito policial, a autoridade policial não pode deixar de instaurá-lo, sob pena de responder pelo crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal). Do mesmo modo, ausentes esses requisitos, a autoridade policial não deve instaurá-lo. Uma vez instaurado, o inquérito não pode ser paralisado indefinidamente ou arquivado na delegacia. O delegado, se entender por bem, pode representar ao Ministério Público pelo arquivamento, e esse pode ou não requerer o arquivamento ao juiz, mas é esse último (o juiz) que decide se o inquérito será ou não arquivado. O inquérito, aliás, é sujeito a prazos de permanência precisamente para que não fique paralisado indefinidamente, ou seja, “esquecido” em uma gaveta ou prateleira. Características do inquérito policial O inquérito policial possui características próprias, tornando-o um procedimento bem peculiar em relação aos demais atos da administração pública. São elas: IQUISITÓRIEDADE: Embora, no processo penal, vigore o sistema acusatório, que garante, entre outros, o direito ao contraditório e à ampla defesa, o inquérito policial, por não ser um processo, mas sim um procedimento, em princípio não é alcançado por esses preceitos. A questão, no entanto, é polêmica: há os que defendem o direito ao contraditório e à ampla defesa pelo fato de o inquérito policial já representar, por si só, uma série de constrangimentos ao investigado. A doutrina majoritária, porém, defende que não cabem ampla defesa e contraditório em sede de inquérito policial por não ser esse um processo e, portanto por não haver“partes”. O suspeito não chega a ser “parte”, mas apenas objeto de investigação. Vejamos o que diz o Código de Processo Penal a respeito: “Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.” “Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.” DISCRICIONARIEDADE Essa característica, também presente em boa parte dos atos da administração pública, consiste na faculdade de, observados os limites impostos pela legislação, optar por uma ou outra ação ou ainda escolher o momento em que deve ser executada. Você pode pensar que, em princípio, essa característica destoa do princípio da indisponibilidade, mas observe que essa discricionariedade está vinculada aos limites legais, e não à mera arbitrariedade da autoridade policial ou de seus agentes. É o caso, por exemplo, de a autoridade policial decidir se pede ao juiz um mandado de prisão ou um mandado de busca e apreensão, conforme a conveniência da instrução criminal. É o caso de, concedido o mandado, decidir pela ocasião mais oportuna para cumprir a diligência. Na maioria das diligências, como o mandado de busca e apreensão, deve ser evitado o período noturno. OFICIOSIDADE Nos casos de crime de ação penal pública incondicionada, ao tomar conhecimento do fato, a autoridade policial deve, de ofício, instaurar o inquérito policial. PROCEDIMENTO SIGILOSO O art. 20 do Código de Processo Penal estabelece que: “A autoridade assegurará, no inquérito, o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.” Esse sigilo, naturalmente, não é absoluto. Visa apenas evitar que a eficiência das investigações seja mitigada pela divulgação indiscriminada de informações contidas no inquérito policial. Mesmo quando decretado o sigilo, o advogado tem direito a examinar os autos. Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no HC 82.354-8/PR. PROCEDIMENTO ESCRITO Dispõe o art. 9o do Código de Processo Penal: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, nesse caso, rubricadas pela autoridade.” AUTOEXECUTABILIDADE Essa característica consiste na faculdade de a autoridade policial e seus agentes não dependerem da autorização judicial para a maioria das diligências. A autoridade policial pode, por si só, expedir um mandado de intimação ou de condução, requisitar determinada perícia que entender necessária, enfim, presidir o inquérito policial e determinar as diligências a serem realizadas. Essa “liberdade”, porém, não é absoluta. Algumas diligências, como o mandado de prisão ou de busca e apreensão, a quebra de sigilo telefônico ou bancário, necessitam de autorização judicial. São diligências muitas vezes imprescindíveis para a produção de provas que instruirão o inquérito policial e permitirão ao Ministério Público (ou ao ofendido, representado por seu advogado) propor a ação penal, mas, por atingirem direitos garantidos em sede constitucional (liberdade, intimidade etc.), estão sujeitas ao crivo da apreciação e da autorização do órgão jurisdicional. INDISPONIBILIDADE Uma vez instaurado o inquérito policial, a autoridade policial não poderá arquivá-lo. Se assim entender, poderá representar pelo arquivamento junto ao Ministério Público, que poderá ou não requerer ao juiz esse arquivamento. Como tem início o inquérito policial? O inquérito policial pode ser iniciado de diferentes formas. As circunstâncias e, sobretudo, o tipo de crime que se visa apurar definirão como terá início o inquérito policial. Nos casos de crime de ação penal privada Nos crimes de ação penal privada, assim definidos na própria lei que os tipificou (Código Penal ou Legislação Penal Especial), a autoridade policial somente poderá dar início ao inquérito por requerimento da vítima ou de seu representante legal. Quanto ao requerimento, segundo entendimento que predomina atualmente em nossa doutrina, não se exigem formalidades, exceto, obviamente, a comunicação do fato em uma delegacia de Polícia com um pedido de providências. Outra observação diz respeito ao prazo decadencial, que é de seis meses após o fato. Exemplos de crimes de ação penal privada são aqueles contra os costumes (calúnia, injúria e difamação). Nos casos de crime de ação penal pública condicionada à representação Aqui a ação penal é pública, e não privada. A principal diferença é que aquela é proposta por um advogado, por meio da queixa, enquanto nesta a peça inicial é a denúncia, oferecida pelo Ministério Público. Apesar de o crime ser de ação penal pública, por ser condicionado à representação, é necessário que a vítima manifeste expressamente essa vontade, o que é feito por um termo de representação. Esse termo é como uma autorização da vítima para que o Ministério Público promova a ação penal. Alguns crimes têm essa característica porque, dependendo das circunstâncias, as consequências da ação penal podem ser mais danosas para a vítima do que o próprio crime que foi cometido. Nos casos de crime de ação penal pública incondicionada A maioria dos crimes é de ação penal pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público não depende da autorização da vítima ou de seu representante legal para propor a ação penal, e a autoridade policial, ao tomar conhecimento do fato, deve instaurar o inquérito policial por portaria. O inquérito também pode ser iniciado pelo auto de prisão em flagrante ou por requisição do juiz ou do Ministério Público, quando a autoridade policial, por meio de um despacho na própria requisição, ordena a instauração do inquérito policial. Produzindo provas no inquérito policial ― parte 1 É no inquérito policial que a maioria das provas é produzida. Algumas dessas provas não podem ser repetidas em juízo, daí a importância crítica dos cuidados na hora de sua produção e de sua manipulação, se for o caso, para que não sejam contaminadas física ou juridicamente. Estudaremos a seguir as diligências internas, ou seja, aquelas realizadas nas dependências da unidade policial, capazes de produzir provas para o inquérito policial. Diligências internas As principais diligências são a oitiva de pessoas e a acareação. Vejamos: Oitiva de pessoas Essa é, provavelmente, a diligência mais comum no inquérito policial. Suspeitos, vítimas e testemunhas são convocados para apresentar suas versões para esclarecer os fatos. Nessa ocasião, podem ainda apresentar documentos ou indicar outras testemunhas. O investigador entrevista suspeitos, testemunhas e vítimas a fim de esclarecer os fatos e confrontar seus depoimentos com outros depoimentos e com outras provas (periciais, por exemplo). O investigador deve observar, sobretudo no caso dos suspeitos, o respeito às garantias constitucionais das pessoas que estão sendo ouvidas. Ninguém pode ser induzido mediante violência ou ameaça a falar ou a deixar de falar alguma coisa. O investigador não deve ainda sugerir ou induzir nenhuma resposta do entrevistado. Ele pode, no entanto, confrontar a versão do entrevistado com outras versões ou com fatos já conhecidos para desmascarar uma falsa declaração. Se a pessoa entrevistada for menor de idade, deve ser assistida por um representante legal (pai, mãe, tio, tia, entre outros) ou por um curador. Representante legal ou curador deve acompanhar o depoimento sem se manifestar. Isso também se aplica ao advogado: ele tem a prerrogativa de examinar o inquérito e orientar seu cliente, mas, durante a oitiva, deve permanecer em silêncio. Sendo o entrevistado maior e capaz, não se deve permitir a presença de outras pessoas durante a entrevista. É comum que a pessoa a ser entrevistada venha acompanhada pelo cônjuge, irmãos, amigos.
Compartilhar