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UDESC – UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PPGPLAN – PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL Curso: Doutorado Disciplina: Teorias Sociais Contemporâneas Professora: Carmen Tornquist Aluna: Aline Almeida da Silva Trabalho: Relatoria do livro Os sentidos do Trabalho, de Ricardo Antunes. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2.ed. - São Paulo, SP : Boitempo, 2009. A partir da análise do metabolismo social e a ligação do trabalho a este a obra percorre diversas fases e adaptações pelas quais o trabalho e trabalhadores foram submetidos, ao final do século XIX e século XX, perante o sistema do capital e o modo de produção capitalista. Os sentidos do trabalho, de Ricardo Antunes, inicia discorrendo sobre os chamados sistema de metabolismo social do capitalismo e sistema de mediações, definições extraídas da obra de Mészaros1, em que o autor qualifica a submissão do trabalho ao capital como um processo histórico, e não como consequência de uma determinação ontológica inalterável. Neste sentido, os sistemas de controle do metabolismo social precedentes ao modo de produção capitalistas, prioritariamente, produziam visando suprir as necessidades de auto- reprodução e autovalorização. No sistema capitalista, segundo Antunes, cria-se a lógica que o diferencia radicalmente dos demais, visto que não considera como prioridade as reais necessidades societais e que independe das reais necessidades auto reprodutivas da humanidade. O autor acrescenta que o capital não constitui uma entidade material e nem um mecanismo que possa ser racionalmente controlável, e sim uma poderosíssima estrutura totalizante de organização e controle do metabolismo societal, à qual todos, inclusive os seres humanos, devem se adaptar. Esse sistema mantém domínio e primazia sobre a totalidade dos seres sociais, sendo que suas mais profundas determinações estão orientadas para a expansão e impelidas pela acumulação Enquanto nas formas societais anteriores ao capital, “no que concerne à relação entre produção material e seu controle, as formas de metabolismo social se caracterizavam por um alto grau de autossuficiência”, com o desenvolvimento do sistema global do capital, este tornou-se expansionista e totalizante, alterando profundamente o sistema de metabolismo societal. E essa nova característica “fez com que o sistema do capital se tornasse mais dinâmico que a soma do conjunto de todos os sistemas anteriores de controle do metabolismo social” .Por ser um sistema que não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de organização societal anteriores, que buscavam em alguma medida o atendimento das necessidades sociais), o sistema de metabolismo social do capital configurou-se como um sistema, em última instância, ontologicamente incontrolável e como sistema de controle no qual o valor de uso foi totalmente subordinado ao seu valor de troca, às necessidades reprodutivas do próprio capital. A subordinação estrutural do trabalho ao capital e sua consequente divisão social hierarquizada é parte fundamental para a consolidação de tal sistema de controle, 1 MEZSÁROS, István. (1955) Beyond Capital (Towards a Theory of Transition), Merlin Press. Londres. fundada sobre o trabalho assalariado e fetichizado. As funções vitais da reprodução individual e societal foram profundamente alteradas, erigindo-se um conjunto de funções reprodutivas. Antunes apresenta a denominação utilizada por Mészáros "mediações de segunda ordem" em que desde as relações de gênero até as manifestações produtivas materiais e também as simbólicas, como as obras de arte, estão subordinadas aos imperativos da valorização e da reprodução do sistema de capital. Com relação a regulação do valor de troca e predomínio deste sobre o valor de uso e outros valores qualitativos o autor apresenta citações de Lowy, Marx e Carlyle. Antunes aponta o valor de uso, e redução da vida útil das mercadorias como sendo dos principais mecanismos para o incomensurável crescimento do capital ao longo da história, exceto com relação à existência das grandes crises em intervalos razoavelmente longos, seguidas de fases expansionistas. A produção de computadores é apresentada como um exemplo claro da lei de tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, entre tantos outros que podem ser encontrados. Traçando um panorama a partir dos “anos dourados” do pós-guerra, o autor então relata que a crise contemporânea está vivenciando a eclosão de precipitações mais frequentes e contínuas, desde quando deu seus primeiros sinais de esgotamento, que são frequente (e equivocadamente) caracterizados como crise do fordismo e do keynesianismo. (p.29-30) O boicote e a resistência ao trabalho despótico, taylorizado e fordizado assumiam modos diferenciados. Desde as formas individualizadas do absenteísmo, da fuga do trabalho, do turnover, da busca da condição de trabalho não operário, até as formas coletivas de ação visando a conquista do poder sobre o processo de trabalho, por meio de greves parciais, operações de zelo (marcados pelo “cuidado” especial com o maquinário, que diminuía o tempo/ritmo de produção), contestações da divisão hierárquica do trabalho e do despotismo fabril emanado pelos quadros da gerência, formação de conselhos, propostas de controle auto- gestionárias, chegando inclusive à recusa do controle do capital e à defesa do controle social da produção e do poder operário. Realizava-se, então, uma interação entre elementos constitutivos da crise capitalista, que impossibilitavam a permanência do ciclo expansionista do capital, vigente desde o pós-guerra: além do esgotamento econômico do ciclo de acumulação (manifestação contingente da crise estrutural do capital), as lutas de classes ocorridas ao final dos anos 60 e início dos 70 solapavam pela base o domínio do capital e afloravam as possibilidades de uma hegemonia (ou uma contra- -hegemonia) oriunda do mundo do trabalho. A confluência e as múltiplas determinações de reciprocidade entre esses dois elementos centrais (o estancamento econômico e a intensificação das lutas de classes) tiveram, portanto, papel central na crise dos fins dos anos 60 e inícios dos 70 (p.42). Tratou-se, portanto, de uma fase de ofensiva das lutas dos trabalhadores, resultado de ações que frequentemente ocorriam 60-70, retomavam e davam enorme vitalidade e concretude à ideia de controle social do trabalho sem o capital (Mészáros, 1986: 96-7). Estas ações, entretanto, encontraram limites que não puderam transcender. Primeiro, era difícil desmontar uma estruturação organizacional social-democrática consolidada durante décadas e que tinha deixado marcas no interior do próprio proletariado. A luta dos trabalhadores, se teve o mérito de ocorrer no espaço produtivo fabril, denunciando a organização taylorista e fordista do trabalho bem como dimensões da divisão social hierarquizada que subordina o trabalho ao capital, não conseguiu se converter num projeto societal hegemônico contrário ao capital. Nas palavras de Alain Bihr (1991: 69-70), “a contestação do poder do capital sobre o trabalho não se estendeu ao poder fora do trabalho”, Antunes explica a incapacidade dos movimentos trabalhistas de articular-se com os chamados “novos movimentos sociais” então emergentes, como os movimentos ecológicos, urbanos, antinucleares, feministas, dos homossexuais, entre tantos outros. As práticas auto-organizativas acabaram por se limitar ao plano microcósmico da empresa ou dos locais de trabalho, e não conseguiram criar mecanismos capazes de lhes dar longevidade. Sua capacidade de auto-organização, entretanto, “perturbou seriamente o funcionamento do capitalismo”, constituindo-se num dos elementos causais da eclosão da crise dos anos 70 (Bernardo, 1996:19). O enorme salto tecnológico,que então se iniciava, constituiu-se já numa primeira resposta do capital à confrontação aberta do mundo do trabalho, que aflorava nas lutas sociais dotadas de maior radicalidade no interior do espaço fabril. E respondia, por outro lado, às necessidades da própria concorrência intercapitalista na fase monopólica. Foi nesse contexto que as forças do capital conseguiram reorganizar-se, introduzindo novos problemas e desafios para o mundo do trabalho, que se viu a partir de então em condições bastante desfavoráveis. A reorganização capitalista que se seguiu, com novos processos de trabalho, recuperou temáticas que haviam sido propostas pela classe trabalhadora. No entanto, o quadro crítico, a partir dos anos 70, expresso de modo contingente como crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, já era expressão de uma crise estrutural do capital que se estendeu até os dias atuais e fez com que, entre tantas outras consequências, o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando recuperar do seu ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de dominação societal, abalado pela confrontação e conflitualidade do trabalho, que, como vimos, questionaram alguns dos pilares da sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controle social. O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, em que se destaca especialmente o “toyotismo” ou o modelo japonês. Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista (num momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolistas) e, por outro lado, da própria necessidade de controlar as lutas sociais oriundas do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural. Opondo-se ao contrapoder que emergia das lutas sociais, o capital iniciou um processo de reorganização das suas formas de dominação societal, não só procurando reorganizar em termos capitalistas o processo produtivo, mas procurando gestar um projeto de recuperação da hegemonia nas mais diversas esferas da sociabilidade. Parte desta reestruturação, destaca Antunes, se dá no plano ideológico, por meio do culto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social. O autor traz a descrição de Ellen Wood, que diz que trata-se da fase em que transformações econômicas, as mudanças na produção e nos mercados, as mudanças culturais, geralmente associadas ao termo “pós-modernismo”, estariam, em verdade, conformando um momento de maturação e universalização do capitalismo, muito mais do que um trânsito da “modernidade” para a “pós- -modernidade” (Wood, 1997: 539-40). Ainda coloca a contribuição de Tomaney, que faz um desenho crítico de tais tendências, com a tese de que a “nova organização do trabalho”, dotada de um “novo otimismo”, vem sido desmentida. Ao criticar a teoria da especialização flexível ele mostra que, em sua abordagem, “é possível identificar três conjuntos maiores de problemas”: “primeiro, a utilidade da dicotomia entre produção de massa e especialização flexível; segundo, a incapacidade de dar conta dos resultados do processo de reestruturação e tratar das implicações políticas disso; finalmente, o fato de que, mesmo onde exemplos de especialização flexível podem ser identificados, isso não necessariamente tem trazido benefícios para o trabalho, como eles supõem”. Ao contrário, tem sido possível constatar exemplos crescentes de intensificação do trabalho onde o sistema just in time é implantado. Ele conclui que a “nova ortodoxia”, baseada na ideia de que “as mudanças técnicas estão forçando os empregadores ao estabelecimento de um relacionamento mais cooperativo com o trabalho”, está sendo revista pelas novas pesquisas que mostram tendências diferenciadas. O autor aponta que sua reflexão tem maior afinidade com essa linhagem: as mutações em curso são expressão da reorganização do capital com vistas à retomada do seu patamar de acumulação e ao seu projeto global de dominação. E é nesse sentido que o processo de acumulação flexível, com base nos exemplos da Califórnia, Norte da Itália, Suécia, Alemanha, entre tantos outros que se sucederam, bem como as distintas manifestações do toyotismo ou o modelo japonês, devem ser objeto de reflexão crítica. A expansão do trabalho part time, assim como as formas pelas quais o capital se utiliza da divisão sexual do trabalho e do crescimento dos trabalhadores imigrantes, cuja expressão são os dekasseguis executando trabalhos desqualificados e frequentemente ilegais, constituem claros exemplos da enorme tendência à intensificação e exploração da força de trabalho no universo do toyotismo. Este se estrutura preservando dentro das empresas matrizes um número reduzido de trabalhadores mais qualificados, multifuncionais e envolvidos com o seu ideário, bem como ampliando o conjunto flutuante e flexível de trabalhadores com o aumento das horas extras, da terceirização no interior e fora das empresas, da contratação de trabalhadores temporários etc., A vigência do neoliberalismo, ou de políticas sob sua influência, propiciou condições em grande medida favoráveis à adaptação diferenciada de elementos do toyotismo no Ocidente. Sendo o processo de reestruturação produtiva do capital a base material do projeto ideopolítico neoliberal, a estrutura sob a qual se erige o ideário e a pragmática neoliberal, não foi difícil perceber que desde fins dos anos 70 e início dos 80 o mundo capitalista ocidental começou a desenvolver técnicas similares ao toyotismo. Este mostrava-se como a mais avançada experiência de reestruturação produtiva, originado do próprio fordismo japonês e posteriormente convertida em uma via singular de acumulação capitalista, capaz de operar um enorme avanço no capitalismo no Japão, derrotado no pós-guerra e reconvertido à condição de país de enorme destaque no mundo capitalista dos fins dos anos 70. A conversão do sindicalismo em inimigo central do neoliberalismo trouxe consequências diretas no relacionamento entre Estado e classe trabalhadora. Dirigentes sindicais foram excluídos das discussões da agenda estatal (particularmente em relação às políticas de desemprego e ao direcionamento da economia e do papel do Estado) e retirados dos diversos órgãos econômicos, locais e nacionais. Assistiu- -se também ao fechamento de vários órgãos tripartites, como o National Enterprise Board, que estabelecia o campo da intervenção estatal, o Manpower Services Comission, voltado para o treinamento de recursos humanos e para a política de mercado, além do National Economic Development Committe, voltado para as medidas nacionalizantes e corporativas, que vigorava desde os anos 60. Essa prática de exclusão acentuou-se nos anos 80 e 90. O thatcherismo reduziu fortemente a ação sindical, ao mesmo tempo em que criou as condições para a introdução das novas técnicas produtivas, fundadas na individualização das relações entre capital e trabalho e no boicote sistemático à atuação dos sindicatos. Incluiu nessa política anti-sindical a restrição à atuação dos shop stewards e limitou também os locais de trabalho (closed shop) onde eram garantidos os direitos de filiação sindical. Compatibilizando-se com os mecanismos presentes nas principais economias capitalistas avançadas, as unidades produtivas britânicas adaptavam-se aos processos de enxugamento (downsizing ou lean production), à introdução de maquinário, à “japonização” e ao toyotismo, à acumulação flexível, em suma, ao conjunto de mecanismos requeridos pelo capital nessa fase de concorrência e transnacionalização. As formas mais estáveis de emprego, herdadas do fordismo, foram desmontadase substituídas pelas formas flexibilizadas, terceirizadas, do que resultou um mundo do trabalho totalmente desregulamentado, um desemprego maciço, além da implantação de reformas legislativas nas relações entre capital e trabalho A invenção societal de uma nova vida, autêntica e dotada de sentido, recoloca, no início do século XXI, a necessidade imperiosa de construção de um novo sistema de metabolismo social, de um novo modo de produção fundado na atividade autodeterminada, baseado no tempo disponível (para produzir valores de uso socialmente necessários), na realização do trabalho socialmente necessário e contra a produção hetero determinada (baseada no tempo excedente para a produção exclusiva de valores de troca para o mercado e para a reprodução do capital). Conforme os trechos destacados a obra Os sentidos do trabalho, traz as formas de adaptação do trabalho e do metabolismo social relacionando as políticas econômicas e estratégicas as transformações do modo de produção e do capital. Destaca a reestruturação do sistema, especialmente na Inglaterra, com a configuração do neoliberalismo e desqualificação dos movimentos e organizações sindicais. Antunes enumera os elementos fundantes de um novo sistema de metabolismo social e dos princípios constitutivos centrais dessa nova vida, os quais serão encontrados ao se erigir um sistema societal em que: 1) o sentido da sociedade seja voltado exclusivamente para o atendimento das efetivas necessidades humanas e sociais; 2) o exercício do trabalho se torne sinônimo de auto atividade, atividade livre, baseada no tempo disponível. O sistema do capital, desprovido de uma orientação humano-societal significativa, configurou-se como um sistema de controle onde o valor de uso foi totalmente subordinado ao seu valor de troca, às necessidades reprodutivas do próprio capital. Para que tal empreendimento fosse consolidado, segundo ele, efetivou-se uma subordinação estrutural do trabalho ao capital e sua consequente divisão social hierarquizada, fundada sobre o trabalho assalariado e fetichizado.
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