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A Polícia Judiciária no Estado Democrático de Direito - José Pedro Zaccariotto

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Dedico este trabalho a todos aqueles que insistem em 
acreditar que, apesar de tudo, algo ainda pode e deve ser 
realizado em prol da construção, no mundo real, de uma 
sociedade brasileira livre, justa e solidária, onde cada policial 
venha a ser mirado não com a desconfiança e o medo 
suscitados pelo guerreiro, que apenas acena com a morte e 
a destruição, mas sim divisado com o apreço e a admiração 
despertados pela benevolência e pela segurança que 
irradiam os verdadeiros artífices da paz. 
Assim, nomeadamente, à memória do Professor 
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, exemplo de homem e 
jurista, que não apenas sonhou, mas muito laborou na busca 
desse feliz amanhã. 
 
 
 
 
 
 
Não levantarás falso boato, e não pactuarás com o 
ímpio, para seres testemunha injusta. 
Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem 
numa demanda darás testemunho, acompanhando a 
maioria, para perverteres a justiça; nem mesmo ao pobre 
favorecerás na sua demanda. 
Se encontrares desgarrado o boi do teu inimigo, ou o 
seu jumento, sem falta lho reconduzirás. 
Se vires deitado debaixo da sua carga o jumento 
daquele que te odeia, não passarás adiante; certamente o 
ajudarás a levantá-lo. 
Não perverterás o direito do teu pobre na sua 
demanda. 
Guarda-te de acusares falsamente, e não matarás o 
inocente e justo; porque não justificarei o ímpio. 
Também não aceitarás peita, porque a peita cega os 
que têm vista, e perverte as palavras dos justos. 
Êxodo 23, 1-8. 
 
E a obra da justiça será paz; e o efeito da justiça será 
sossego e segurança para sempre. 
Isaías 32,17. 
 
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça 
porque eles serão fartos. 
Mateus 5, 6. 
SUMÁRIO 
 
CAPÍTULO 1. A POLÍCIA HISTÓRICA E ATUAL : UMA VISÃO 
PANORÂMICA 
 
 1.1. Polícia : abordagem semântica ............................................................................... 18 
 1.2. A polícia e suas origens .............................. ........................................................... 23 
 1.2.1. A polícia antiga ............................................................................................. 23 
1.2.2. Séculos de transição ...................................................................................... 28 
1.2.3. A polícia moderna ......................................................................................... 31 
 1.3. A polícia no Brasil .................................................................................................. 38 
 1.3.1. Período colonial .......................................................................................... 38 
 1.3.2. Período imperial ......................................................................................... 39 
 1.3.3. Período republicano .................................................................................... 47 
 1.4 A polícia judiciária ................................................................................................ 55 
1.4.1. A investigação criminal : antecedentes históricos ........................................ 55 
1.41.1. Os primeiros passos ....................................................................... 56 
1.41.2. Roma .............................................................................................. 58 
1.41.3. Inquisição ....................................................................................... 60 
1.4.2. A polícia investigativa ................................................................................ 62 
1.4.2.1. Intróito ........................................................................................... 62 
1.4.2.1.1. Lei de 3 do Brumário do ano IV : a certidão de 
nascimento da polícia judiciária .................................... 
 
63 
1.4.2.1.2. Reforma napoleônica : a polícia judiciária no processo 
penal ................................................................................ 
 
65 
1.4.2.2. A polícia judiciária no Brasil ......................................................... 66 
1.4.2.3. Um relance sobre a hodierna polícia judiciária no mundo 
ocidental ........................................................................................ 
 
70 
1.4.3. A polícia judiciária e sua classificação jurídica : uma nova visão ............. 72 
CAPÍTULO 2. A EVOLUÇÃO ESTATAL COMO FATOR DETERMINANTE 
DA TRAJETÓRIA POLICIAL PELOS SÉCULOS 
 
 2.1. Considerações preliminares ................................................................................... 83 
 2.2. A gênese estatal ...................................................................................................... 85 
 2.3. Os fins do Estado .................................................................................................... 86 
 2.4. O Estado absoluto ................................................................................................... 88 
 2.5. O Estado de direito ................................................................................................. 90 
 2.5.1. O Estado liberal de direito .......................................................................... 92 
 
 2.5.2. O Estado social de direito ........................................................................... 94 
 2.5.3. O Estado democrático de direito ................................................................. 97 
CAPÍTULO 3. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO, 
A REALIDADE NACIONAL E O PAPEL RESERVADO À POLÍCIA 
 
3.1. Antelóquio ............................................................................................................... 103 
3.2. A tradição autoritária e a difícil transição para a democracia ................................. 105 
3.3. As origens e os rumos do Estado democrático brasileiro......................................... 111 
3.4. A democracia brasileira ........................................................................................... 114 
3.5. O Estado democrático de direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa 
humana .................................................................................................................... 
 
118 
3.5.1. A dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à segurança .......... 122 
3.5.2. A dignidade da pessoa humana, o direito à segurança e o devido processo 
legal ................................................................................................................................. 
 
131 
Capítulo 4. A POLÍCIA JUDICIÁRIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 
1988 E A SUA FIDELIDADE AOS PARADIGMAS DEMOCRÁTICOS. 
 
4.1. Introdução ................................................................................................................ 138 
4.2. A institucionalização da segurança pública : mera acomodação constitucional ou 
um passo necessário à defesa da ordem democrática ? ......................................... 
 
139 
4.3. O artigo 144 da Constituição e a Polícia Judiciária : um duplo equívoco ............... 143 
4.4. A Segurança Pública como razão de ser ou causa de degeneração da Polícia 
Judiciária ? ............................................................................................................. 
 
146 
4.4.1. Necessárias reflexões .................................................................................... 146 
4.4.2.O discurso político do crime ......................................................................... 148 
4.4.3. Polícia Judiciária : função essencial à Justiça Criminal................................ 152 
4.5. Polícia Judiciária democrática ................................................................................. 157 
4.5.1. A Polícia Judiciária e a defesa das instituições democráticas ...................... 157 
4.5.2. Da teoria à prática .........................................................................................158 
4.5.3. Os novos paradigmas ético-culturais da Polícia Judiciária ........................... 160 
4.5.3.1. A lei da força revogada pela força da lei ......................................... 163 
4.5.3.2. Dignidade x corrupção...................................................................... 168 
 4.6. O futuro da Polícia Judiciária brasileira ................................................................. 173 
4.6.1. Considerações iniciais ................................................................................ 173 
4.6.2. Por uma nova e democrática arquitetura estatal ......................................... 174 
4.6.3. A polícia judiciária e sua efetiva incorporação ao mundo jurídico: o 
necessário respeito à premissa constitucional.............................................. 
 
182 
Conclusão ....................................................................................................................... 190 
Referências Bibliográficas ............................................................................................ 198 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
1. Apresentação do tema: justificativa e limites. 
Anos de observações, de estudos e especialmente de vivência nesse meio 
permitiram-nos concluir que, no Brasil, a polícia judiciária é uma ilustre 
desconhecida, conformando-se, no mais da vezes, quase uma ficção, aos moldes do 
que já é possível inferir de uma análise mais atenta da vigente ordem constitucional 
- que a seu favor, neste ponto, conta apenas com o fato de haver perfeitamente 
reverberado a ignorância e o desinteresse geral sobre a matéria. 
Na verdade, não somente em nosso País, como em boa parte do mundo, e 
não de hoje, o tema polícia perfaz-se um tabu. De fato, o assunto dificilmente 
consegue suscitar interesses circunspectos, sendo invariavelmente confinado no 
lúdico ambiente cinematográfico - que no mais das vezes nenhum contato guarda 
com a realidade, máxime com a brasileira -, ou explorado, também impropriamente, 
pela imprensa, principalmente por aquela chamada marrom – e que não por acaso se 
confunde com o denominado jornalismo policial, dedicado tão-somente à 
divulgação, quase sempre apriorística e parcial, de toda sorte de catástrofes, 
brutalidades e pseudo-escândalos destinados a alimentar o sensacionalismo mórbido 
na opinião pública -, restando, por essa via, igualmente marginalizado no recinto 
científico, e notadamente no âmbito jurídico. 
A busca das razões justificadoras dessa generalizada insciência, que 
certamente refletem o maior obstáculo à configuração de uma polícia judiciária 
vocacionada e capacitada à defesa das instituições democráticas, condição sine qua 
non ao cumprimento dos objetivos inerentes ao nosso novel e também ignoto, senão 
despercebido, Estado Democrático de Direito, pareceu-nos, destarte, medida 
relevante, da qual pudemos nos ocupar regressando no tempo, em direção às origens 
 
da sempre ambivalente organização policial, que pelos séculos vem gerando, 
contraditoriamente, fascínio e repulsa, medo e segurança, opressão e libertação. 
Assim foi-nos dado visualizar, e de forma muito clara, dois interessantes 
aspectos nesse desenvolvimento histórico : primeiro o seu absoluto enredamento 
com o processo de maturação estatal, e depois, nada obstante tamanha proximidade, 
o fato de que um persistente retardamento tem caracterizado a progressão policial 
nessa comum senda transmutativa – coisa de muitos passos atrás -, perfazendo essa 
paradoxal distância exatamente aquela que misteriosamente afasta a prática da 
teoria, que separa a Constituição real da Carta de papel. Surgem, pois, as imagens 
apresentadas sob prisma policial como a única projeção fidedigna, e realizada em 
tempo real, acerca da realidade composta pelas concretas e complexas relações 
havidas, ao longo dos séculos, entre a autoridade do soberano e a dignidade dos 
súditos-cidadãos. 
Nesse diapasão, porquanto depositária da força monopolizada pelo Estado, 
enquanto milenar mecanismo de repressão utilizado pelos detentores do poder 
contra as massas, certamente exsurge a polícia, em seu exercício diuturno, sobre e 
ao largo dos discursos, como o parâmetro perfeito para se levar a cabo a aferição 
não só da distância que solidamente medeia os apresentados termos, mas também – 
e neste ponto pretendemos nos fixar – da real e efetiva possibilidade de aproxima-
los e harmoniza-los. 
 Para tanto, cuidando da polícia judiciária no Estado Democrático de Direito 
brasileiro, buscaremos primeiro clarificar a polícia histórica, mantendo o Estado 
como pano de fundo. Na seqüência, em pauta algo mais célere, mas sem perder de 
vista esse entrelaçamento, miraremos o Estado de Direito, até construir as bases de 
sua formatação contemporânea. 
Estabelecidas tais premissas, tão memoriais quanto científicas, poder-se-á, 
então, divisar o presente Estado pátrio, graficamente definido, já há quinze anos, 
como democrático de direito, mas que insiste permanecer, no plano da realidade, 
ainda hoje arraigado à sua cultura e tradições autoritárias, ensejando, pois, 
paradoxalmente, graves disfunções a contaminar a atividade policial judiciária, que 
resta necessariamente exercida às margens das fórmulas legitimadas pelos 
fundamentos e objetivos verdadeiramente democráticos. 
E o diagnóstico dessas impropriedades aponta diretamente para a 
Constituição da República, imprecisa, infeliz e ineficaz em sua programação 
policial, e que dentre tantos erros e equívocos relegou a previsão acerca da função 
policial judiciária para o capítulo da segurança pública, fazendo-a encargo de 
órgãos policiais civis da União e dos Estados (art. 144, §§ 1
o
, I e IV, e 4
o
), mediante 
pífia menção, posta à mingua de definição ou conteúdo, ou de texto que favoreça a 
sua acendrada compreensão e, especialmente, sua conformação como efetivo 
instrumento de defesa e promoção da dignidade da pessoa humana. 
Com efeito, e literalmente inovando, a nossa Lei Fundamental, em gritante 
descompasso histórico e jurídico universais, cindiu – embora cuidadosamente em 
favor de órgãos únicos ! - as inextricáveis atividades policial judiciária e 
investigativa, conquanto represente esta o próprio cerne daquela, sua razão de ser, 
tanto aqui quanto alhures, há cerca de duas centúrias. 
Essa inicial imprecisão, que por si só já denota o acerto da conclusão 
inaugurativa, serve para evidenciar, outrossim, e em face dessa topografia 
constitucional, não apenas o desconhecimento sobre o real significado que a função 
policial judiciária deve assumir no Estado Democrático de Direito, mas, também, e 
o que parece ainda pior, a falta sequer de suspeita sobre a essencialidade de sua 
purificada prestação à realização da justiça criminal nesse qualificado modelo 
estatal. 
1
 
De efeito, no seio do citado Estado deve a polícia judiciária ser tão-somente 
identificada como a atividade de pesquisa, necessariamente desenvolvida dentro de 
 
1
 Não se descurará, neste trabalho, de procurar “transmitir” este Brasil que se pretende democrático “em 
tempo real”, ou seja, precisamente como “funciona” no seu dia a dia, com suas vicissitudes e mazelas, 
notadamente políticas e jurídicas, a principiar pela elaboração de sua vigente lei constitutiva – sempre 
permeada por muito oportunismo, casuísmo, e quase nenhuma leal convicção. Busca-se estabelecer, com 
essa sistemática, um debate entre o poder real e o poder constituído, aliás, mal constituído, como o cotidiano 
presta o obséquio de afiançar. 
parâmetros garantidores de isenção e de justiça, voltada à elucidação da verdade 
sobre fatos considerados transgressores às leis penais, assim mirando, e em caráter 
restritivo, proporcionar condições excelentes ao Poder Judiciário para a aplicação 
do direito em face do aclarado caso concreto. No Estado Democrático de Direito, o 
exercício policialjudiciário somente se fará legitimo quando balizado por um único 
e exclusivo compromisso, firmado não com a administração e/ou a segurança 
públicas, mas sim, e cogentemente, com os fins da justiça criminal. 
Outro não é o magistério de Colomer, para quem a escorreita compreensão 
do papel destinado à polícia judiciária num Estado de Direito efetivamente 
democrático, exige o entendimento de dois cruciais pontos, a saber : 1
o
) o processo 
penal ao qual se subordina - “como o produto de um compromisso público entre 
eficácia da persecução penal e respeito à dignidade humana” - deve absoluto 
respeito à Constituição, velando, simultaneamente, pelos direitos fundamentais dos 
cidadãos e pela maior eficiência possível da investigação criminal; e, 2
o
) a sua 
função (da policía judicial), que não pode ser confundida com a dos órgãos 
acusador e julgador, se apresenta, mesmo assim, de extrema importância para a 
instrução da causa
2
. E arremata enfático : 
“Dito isso, a perspectiva de análise jurídica do significado da 
Polícia Judiciária parte de uma afirmação inegável : O 
Estado (...) está obrigado a articular uma Polícia Judiciária 
agilmente organizada e tremendamente efetiva na 
averiguação do delito e determinação da pessoa ou pessoas 
que tenham podido cometê-lo, fixando taxativamente os 
limites de suas possibilidades de atuação, porque isso é o que 
quer a sociedade (...). 
De modo que se pode dizer, sem exagero algum que, dado 
que nem o Juiz nem o Ministério Público podem investigar 
materialmente os delitos, pois não tem possibilidade, nem 
conhecimentos técnicos, nem devem estar especialmente 
capacitados para isso, sem a Polícia Judiciária o 
desenvolvimento adequado do processo penal é impossível”. 
3
 
 
2
 COLOMER, Juan-Luís Gómes. Estado de Derecho y Policía Judicial democrática : Notas sobre el alcance e 
y límites de la investigación policial en el proceso penal, con consideración especial de los actos de mayor 
relevancia. El proceso penal en al Estado de Derecho (Diez estudios doctrinales), p. 95 e 97. 
3
 Ibidem, p. 97-98. 
Para tanto, reclamam-se salvaguardas de proficiência e efetividade, devendo, 
nesse sentido, ser a polícia judiciária imunizada contra a influência típica do 
Executivo, ou melhor ainda, do Governo, cujos integrantes, invariavelmente 
envolvidos pelas contingências do jogo eleitoral travado em torno da eternização no 
Poder – e por vezes a qualquer custo, como a história sobejamente comprova -, nem 
sempre partilham desse nobre desiderato, chegando por vezes mesmo a impedir o 
seu alcance. 
Mister ponderar, além disso, em relação à vigente Constituição pátria, que 
assim como é verdade que a eficácia da atuação policial judiciária pode propiciar 
bons frutos à segurança individual e coletiva, emerge não menos correto afirmar que 
esse fato, que se repete com a boa prestação dos serviços de educação, com a 
ampliação do mercado de trabalho, dentre tantas outros fatores próximos, não induz 
à automática e/ou compulsória inserção dos responsáveis pelas listadas atividades 
no rol de organismos que respondem, a teor do “caput” do art. 144 da Constituição 
da República, pela “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e 
do patrimônio”. Importa aqui considerar, e em três sintéticos lanços, que no Estado 
Democrático de Direito brasileiro: 1
o
) a segurança pública assoma-se como 
responsabilidade de todos; 2
o
) a investigação criminal avulta como função 
especializada, eminentemente técnico-jurídica, cujo único compromisso deve ser 
com a verdade sobre um fato aprioristicamente tido por criminoso; e, 3
o
) a 
realização dessa tarefa deve assim visar um único resultado : a realização de justiça, 
incessantemente buscada através de procedimentos imparciais, honestos, 
competentes, inteligentes e diligentes. 
Descaberá, portanto, à polícia judiciária, sob qualquer pretexto, tomar parte 
do combate contra a criminalidade, diuturnamente prometido pelos donos do poder, 
como luta sem trégua e quartel, ou a qualquer outro exercício de índole repressiva, 
que sempre pode importar em prejulgamentos e partidarismos : vide, por exemplo, o 
clássico “os bons versus os maus” (inimigos). Com efeito, na defesa das instituições 
democráticas, e conseqüentemente comprometidos com o respeito e a promoção da 
dignidade da pessoa humana, e assim de todos os valores que lhe são inseparáveis, 
será devido aos seus operadores, noutra mão de direção, defender a liberdade, 
sustentando com firmeza e consciência jurídica, com fulcro nas provas eficiente e 
legitimamente coligidas, as excepcionais e inelutáveis hipóteses a sua restrição. 
Aí estão as bases da polícia judiciária democrática, consentâneas ao processo 
penal constitucional do Estado Democrático de Direito, como pontua José Jairo 
Baluta, em sua atilada percepção da doutrina de Ferrajoli : 
o desenvolvimento de um processo de modo respeitoso dos 
direitos fundamentais, encontra-se intimamente ligado com a 
busca da verdade acerca de uma hipótese delitiva, a qual 
impõe-se – diante de um Estado de Direito – como 
indispensável requisito a dar guarida à dignidade humana 
constituindo-se, na ótica do precursor, da “teoria do 
garantismo”, em verdadeiro princípio garantista a 
salvaguardar os direitos humanos, que aparecem – 
particularmente no processo penal – altamente 
comprometidos diante das conseqüências danosas que lhes 
pode acarretar. 
4
 
Com fidelidade a essas premissas, cumpre, agora, e em respeito a vontade da 
Constituição, que somente pode ser depreendida dos postulados fundamentais do 
Estado Democrático de Direito por ela criado
5
, adotar-se entendimento desse jaez, 
garantindo-se, por necessário, uma nova e compatível conformação também 
orgânica ao escorreito labor policial judiciário, valorizando-se, primacialmente, o 
elemento humano incumbido desse exercício, uma vez que o seu depurado e eficaz 
desempenho afigura-se condição essencial à ultimação de justiça. 
2. Plano de Trabalho. 
À comprovação da pertinência do tanto aduzido, reservamos o capítulo 
inicial desta dissertação para o registro de uma breve história da polícia, desde que 
 
4
 BALUTA, José Jairo. O Juiz garantidor e o processo como meio respeitoso de garantir os direitos 
individuais, p. 10. 
5
 Consoante a douta dicção de Cleber Francisco Alves : “no constitucionalismo aberto da pós-modernidade, 
livre das amarras de um reducionismo inerente a uma perspectiva jurídico-positivista, abre-se um novo 
horizonte para a compreensão dos princípios gerais do direito, que ao contrário do caráter supletivo e 
secundário que inicialmente lhes era conferido, passam a ocupar uma posição de proeminência jurído-
normativa, presidindo e vivificando todo o ordenamento constitucional”. O Princípio Constitucional da 
Dignidade da Pessoa Humana : o Enfoque da Doutrina Social da Igreja, p. 177. 
vislumbrada como órgão estatal diretamente envolvido com a lida criminal. Desse 
marco, percorrendo caminho milenar, acompanhar-se-á, em seus principais passos, 
o desenvolvimento da atividade policial nos principais centros da cultura ocidental, 
mediante a análise crítica dos modelos assim forjados, e que acabaram reproduzidos 
em todo o mundo. 
Por essas veredas avistaremos o hesitante despontar da polícia judiciária, 
denominação francesa para uma especializada polícia investigativa, que não tardaria 
a surgir também na Inglaterra, em conjuntura tão mais técnica quanto civilizada, 
para além de imperativos políticos ocasionais. 
Idêntica marcha será reservada à apreciação do específico panorama pátrio, 
regredindo-se, para tanto, ao período colonial. Procurar-se-á evidenciar, nessa 
trajetória, a distância que sempre marcou, e infelizmente ainda marca, o desígnio 
oficial das corporações, sedimentadas durante séculosde autoritarismo, e a 
preocupação com o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, justamente a 
marca registrada do nosso Estado, donde ressairá inconteste a imprescindibilidade 
de contarmos com uma nova estrutura policial neste País, desta feita assentada em 
paradigmas atuais, democráticos, consoante clarifica a vigente Constituição da 
República, ainda do recente ano de 1988. 
Ao cabo dessa leitura histórica, ao meio da qual desfar-se-ão certos mitos e 
evidenciar-se-ão falsas ufanias, poder-se-á atinar para as raízes de diversos erros e 
acertos que se refletem, para mal ou para bem, na realidade policial hodierna, 
inclusive brasileira, tudo servindo de norte às devidas e indispensáveis correções de 
rumo. 
Conseqüentemente, no Capítulo II, dar-se-á vez à dissecação do Estado, 
privilegiando, em face dos interesses específicos deste estudo, a construção do 
Estado de Direito, desde o seu nascimento, vincando o ocaso do absolutismo real, 
até sua versão contemporânea, de matiz democrática. 
De efeito, para a melhor visão da polícia judiciária democrática que já 
esboçamos, impõe-se retornar, ainda que rapidamente, às origens do Estado, para, 
daí seguindo atentamente o processo de transformação político-social - de fundo 
igualmente filosófico, histórico, jurídico e econômico - que conduziu à maturação 
de sua versão hodierna, em meados do último século, perfeitamente compreende-
lo, mediante a identificação de seus fundamentos e finalidades. 
Não se olvidará, nessa linha evolutiva, de se produzir as consentâneas 
intersecções com o plano policial histórico, obedecendo às diretivas anteriormente 
desveladas. 
Depois, na seqüência desse pretendido descortino - certamente enxuto, 
porquanto cingido às raias próprias deste trabalho -, chegará o momento do 
esquadrinhamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, de gênese ainda 
atual, buscando em seu âmago, com o apoio, uma vez mais, nas proposições 
precedentemente contextualizadas, os genes do devido processo penal, de origem 
constitucional, garantista, jungido à preservação da dignidade da pessoa humana. 
Nesse ponto, enfrentando fortemente a questão do autoritarismo, inexorável 
padrão cultural pátrio, tenciona-se destacar as enormes dificuldades que se somam 
contra a edificação do Estado Democrático constitucionalmente desenhado há 
pouco mais de quinze anos. Desde a falta de entendimento popular, resultante da 
ignorância generalizada, que não pode ser apartada dessa entranhada cultura 
arbitrária responsável pelo acentuado complexo de inferioridade nas massas, tarda a 
democracia escrita a ecoar no plano fático. Não se fazendo assim, pois, presente em 
nossas cidades, ruas, praças, em meio ao povo, como haveria de vivificar a 
existência e a atuação do Estado e dos seus organismos ? Como os seus valores 
poderão - há então de ser indagado -, por via de conseqüência, determinar o 
exercício policial judiciário ? 
As respostas para essas e outras correlatas indagações prestar-se-ão para 
impulsionar a discussão corrente, toda dedicada ao cotejo do ser e do dever-ser no 
ambiente estatal brasileiro, sem nunca perder de vista, como já enfatizado, o ideal 
da dignidade da pessoa humana, ponto fulcral dessa caminhada, referencial 
absoluto da nova polícia judiciária, democrática, divisada, sob pano de fundo 
constitucional, e sob renovado substrato ético, no subseqüente Capítulo IV. 
Na última parte do trabalho, como acima exposto, tratar-se-á exclusivamente 
da compatibilização policial judiciária aos expendidos cânones do Estado 
Democrático de Direito brasileiro, mediante o estabelecimento de apropriada 
dialética com o texto e o espírito da Constituição da República, perpassando a teoria 
em direção aos atos. 
Ao delineamento teórico dessa polícia judiciária democrática aliar-se-á a 
preocupação de desmistificar – tanto no plano dos (pré) conceitos jurídicos, quanto, 
objetivamente, no âmbito igualmente implicante da realidade sensível e 
comprovável - a muito difundida crença (que mais se assemelha a um complexo de 
ordem cultural ou até mesmo a um despeito, de índole francamente elitista) na 
impossibilidade da existência, e ainda no terceiro mundo, de um organismo dotado 
de denominação policial, exclusivamente responsável pela a investigação criminal, 
volvido ao patrocínio dos ideais de liberdade, de justiça e de dignidade humana. 
Nessa toada, e coerentemente à crítica reservada ao constituinte em face da 
forma e conteúdo finais dados ao capítulo constitucional dedicado à Segurança 
Pública, que revelam o despreparo e/ou o desprezo de seus autores em relação a 
essa crucial temática, buscar-se-á patentear os tantos equívocos e erros que a 
permeiam. Tratando-se de questão genuinamente política, atinente a determinação 
da função social da investigação criminal no Estado Democrático de Direito, 
efetivamente há de se deplorar a opção, pouco consciente e consistente ao que se 
percebe, configurada através da inclusão da polícia judiciária no elenco de funções 
inerentes à segurança publica, conforme estabelecido no art. 144 da Constituição. 
Por essa via de escolha, logrou-se inviabiliza-la, na incipiente realidade democrática 
pátria, como função essencial à justiça, deixando-se conseqüentemente de cerca-la 
com cuidados e prerrogativas afins, largamente difundidos em título (IV) e capítulo 
(IV) diversos da Lei Magna. 
Antes que uma vã alegação, os objetivos eleiçoeiros, plenamente 
evidenciados em sua expressão fundamentalmente carreirista que bem caracteriza as 
relações de poder também neste País, plenamente visíveis no aborrecido e 
antropofágico “discurso político do crime”, endossam totalmente, na prática, essa 
firme ilação, cujo reverso, entrementes, servirá perfeitamente como farol a indicar 
um porto seguro para a polícia judiciária inapelavelmente democrática, consentânea 
ao Estado brasileiro, e que ainda há de ser implantada. 
Essa nova polícia judiciária, que espera para ser normativa e materialmente 
moldada, foi, dentro desses lindes, o objeto da parte derradeira deste finalizador 
capítulo, onde buscou-se tracejar os contornos éticos da investigação criminal no 
Estado Democrático de Direito, secundada pela caracterização orgânica de seus 
executores, que antes de qualquer outra coisa haverão de vencer os grilhões do 
preconceito que impedem o seu ingresso no mundo jurídico. 
Enfim, dentre as tantas idéias que permeiam este trabalho, crê-se que uma 
em especial chame a atenção, qual seja aquela que aduz a íntima e direta 
identificação da polícia judiciária não mais como missão de segurança pública, mas 
sim como inelidível pressuposto de justiça criminal. Independente de sua 
originalidade, o vertente conceito procura ousar em um campo no mais das vezes 
desvalorizado pelo dogmatismo jurídico e desprezado pela prática política: a 
efetividade. Eis o imo desta pesquisa, centrada no Estado Democrático de Direito, e 
voltada ao patrocínio de uma específica mudança que a sua implantação está 
rigorosamente a exigir, a da polícia judiciária, compreendendo a implementação da 
efetividade ética e jurídica da investigação criminal. 
 
18 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1 – A POLÍCIA HISTÓRICA E ATUAL: 
UMA VISÃO PANORÂMICA 
1.1. Polícia: abordagem semântica. 
O vocábulo “polícia” emana, etimologicamente, da raiz grega polis, que em 
sua trivial conversão para a língua portuguesa, adquire o sentido de cidade 
autônoma ou Estado. Já a sua derivação politeia, tendo por base as acepções 
extraídas das mais abalizadas leituras e traduções dos clássicos
1
, vem a denotar, 
dentre tantos significados de expressões próximas, “qualidade e direitos de cidadão, 
direito de cidadania, modo de vida do cidadão, vida e administração de homem de 
Estado, participação nos negócios públicos, medidas de governo, forma de governo, 
regime político em geral, constituição do Estado; autogovernodos cidadãos”.
2
 
Em Roma, a latinização do vocábulo grego politeia levou ao surgimento do 
termo politia
3
, que inicialmente se prestou a comunicar, de forma bastante genérica, 
o entrelaçamento de duas idéias : a de coisa pública - res publica com a de civitas - 
os negócios da cidade. Com o tempo, porém, deixou de ter um sentido tão 
abrangente, passando melhor a servir ao dogmatismo político. É o que explica 
Monet, reportando-se à idealização jurídica de 
 
1
 LÊ CLÈRE, Marcel. História breve da polícia, p. 89. Afirma esse autor que, para Aristóteles, a polícia, 
“que assegura a ordem e o governo da cidade”, é “o maior e o primeiro de todos os bens”. 
2
 CRETELLA JÚNIOR, José. Do poder de polícia, p. 25. 
3
 Nesse sentido Antonio Houaiss : “polícia: do latim polìtia, ae 'organização política, governo, sistema 
governativo' < gr. politeía, as 'qualidades e direitos de cidadão, vida de cidadão; o conjunto de cidadãos; vida 
e administração de homem de Estado'; em sentido coletivo: 'medidas de governo; forma de governo, regime 
político; governo dos cidadãos por eles próprios; constituição democrática'; ver polit-; fontes históricas Séc. 
XV: policia, Séc. XV: policia, Séc. XV: pollicia” (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa). 
Idem De Plácido e Silva: “Polícia: derivado do latim politia, que procede do grego politeia, originariamente 
traz o sentido de organização política, sistema de governo e, mesmo, governo. Assim, por sua derivação, em 
amplo sentido, quer o vocábulo exprimir a ordem pública, a disciplina política, a segurança pública, 
instituídas, primariamente, como base política do próprio povo erigido em Estado” (Vocabulário jurídico, 
edição eletrônica). 
 
 
19 
 
um conteúdo e um lugar específicos à noção de “polícia”, em 
construções teóricas que visam a justificar a soberania 
absoluta do Estado imperial sobre os seus súditos. Nessa 
concepção, o imperium constitui o fundamento último do 
poder coercitivo do Estado – a potestas – e aquele que se 
manifesta concretamente através da ação administrativa, 
judiciária e policial. A essência da função governamental 
consiste em definir as fronteiras entre o público e o privado, 
através da produção de normas cujo respeito é assegurado por 
órgãos administrativos específicos, que utilizam, se 
necessário, o constrangimento físico. Em Roma, o praefectus 
urbis – o “prefeito da cidade” – dispõe tanto do poder de 
editar regulamentações referentes a todos os aspectos da vida 
social quanto da autoridade sobre os corpos de polícia 
especializados.
4
 
Na Europa medieval, coincidindo com o período de redescobrimento do 
direito romano, a palavra polícia ganhou primordial projeção ao particularizar as 
atividades exercidas pela autoridade temporal, distinguindo-as das imposições 
morais advindas das instâncias religiosas. Com o tempo, passou a designar, de 
modo ainda mais claro, o feixe de poderes e de cuidados, que ao príncipe e aos seus 
barões, socorria como meio de garantir a ordem entre seus súditos e servos, até 
finalmente exprimir, num conceito que logo se difundiu pelo continente, “toda a 
atividade da Administração, quer dirigida a prevenir os males e as desordens da 
sociedade, quer a zelar através dos serviços públicos pelo bem-estar físico, 
econômico e intelectual da população”. Do jus politae, acrescenta Cretella Júnior, 
apenas excluíam-se os exercícios estatais relacionados às administrações financeira 
e militar. 
5
 
Nesse compasso, e no contexto da afirmação teórica do absolutismo real, 
chegou a palavra polícia a identificar e a qualificar o próprio Estado. O denominado 
Estado de Polícia ou Estado Policial (Polizeistaat) soergueu-se firmemente 
alicerçado na doutrina romana do imperium, e em pleno século das luzes não 
titubeou em se apoderar das preocupações filosóficas então em voga a justificar sua 
gestão, hoje reconhecidamente arbitrária. Com efeito, ao Estado caberia, segundo a 
 
4
 MONET, Jean-Claude. Polícias e sociedades na Europa, p. 20-21. 
5
 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 25-26. 
20 
 
ideologia dominante, a adoção de todas as iniciativas e providências tendentes a 
perseguir e a garantir o bem-estar da população, ou, como desvenda Monet, “a 
moralidade superior desse objetivo justifica a extensão dos poderes do Estado (...) 
pois só ele dispõe do poder de definir a felicidade de seus súditos, cujos meios de 
realizar só ele detém, inclusive pelo exercício da coação física ...”.
 6
 
7
 
Esse Estado atribuía-se o papel de promotor da felicidade e do bem-estar 
social. Em situação de proeminência em relação ao Direito, o soberano – um 
“déspota esclarecido” – é quem ponderava e dizia o que era bom e o que era mau 
para seus súditos, que assim remanesciam privados de tudo, exceção feita ao direito 
de acatar e respeitar a ordem estabelecida. Explica Pierangelo Scheira que o 
qualificativo polícia, assim dotado de sentido pejorativo, traduzindo idéia 
contraposta e degenerativa em relação ao direito, serviu inicialmente para qualificar 
a Prússia de Frederico II, cognominado “O Grande”, como um Estado de índole 
absolutamente paternalista e extremamente intervencionista, e que ganhou 
notoriedade especialmente por se constituir numa potência militar. 
8
 
Somente a partir do Estado de Direito, comenta Scheira, é que o vocábulo 
polícia deixou, pouco a pouco, de delinear a administração estatal em seu todo, com 
sua gama quase infinita de atribuições, especialmente a molde de uma verdadeira 
panacéia pública, passando, assim, gradativamente, a especificar, em linguagem 
corrente e leiga
9
, contudo impregnada de um sentido remanescente, o “setor 
 
6
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 22. 
7
 Lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, com o Estado de Polícia, o “direito público ficou na 
penumbra”, atuando as monarquias absolutas por força de duas idéias fundamentais, “a de soberania e a de 
polícia, ambas chegando ao seu apogeu com o iluminismo”. E citando Vinício Ribeiro emenda: “os príncipes 
passam a ser agora os soberanos esclarecidos – daí a designação por volta da segunda metade do século 
XVIII de despotismo esclarecido – que não prestam contas a ninguém a não ser a Deus. A polícia é 
preocupação de desenvolvimento, de elevação de nível, de brilho, de grandeza. Há para os homens do século 
XVIII uma preocupação enorme de civilização. O príncipe vai utilizar a sua ausência de limites não para o 
seu engrandecimento pessoal, mas com a intenção de se tornar possesso da idéia de progresso do seu país; 
torna-se o primeiro funcionário; ele é o único portador dessa idéia de racionalidade, é capaz de definir a 
organização racional do Estado e realizar uma nação culta” (Discricionariedade administrativa na 
constituição de 1988, p. 12). 
8
 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, p. 413. 
9
 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, p. 697. É certo que o termo 
polícia, em linguagem técnico-juridica, prossegue a conceituar, no âmbito do Direito Administrativo, e mais 
precisamente sob o prisma da polícia administrativa, “o conjunto de intervenções da Administração que tende 
impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade”, consoante magistério de 
21 
 
subsidiário da atividade do Estado, visando, sobretudo, à prevenção e punição dos 
ilícitos, mediante o emprego de um aparelho rígido e autoritário de investigação e 
intervenção” 
10
. 
“A polícia não tem mais de se encarregar de tudo que é necessário à 
felicidade dos indivíduos, mas apenas garantir a sociedade contra riscos que é 
preciso situar e definir de maneira legal”, asseverou Monet 
11
. Superado, pois, o 
Estado absoluto, o termo polícia, como detalha Sérgio Bova, ganhou um novosignificado: 
[...] no início do século XIX, passou a identificar-se com a 
atividade tendente a assegurar a defesa da comunidade dos 
perigos internos. Tais perigos estavam representados nas ações e 
situações contrárias à ordem pública e à segurança pública. A 
defesa da ordem pública se exprimia na repressão de todas 
aquelas manifestações que pudessem desembocar numa 
mudança das relações político-econômicas entre as classes 
sociais, enquanto que a segurança pública compreendia a 
salvaguarda da integridade física da população, nos bens e nas 
pessoas, contra os inimigos naturais e sociais. 
12
 
Na França, a Revolução de 1789 patrocinou, dentre seus principais 
corolários, a separação das funções do Poder, demandando, por essa via, a 
 
Jean Rivero apresentado por Celso Antonio Bandeira de Mello. De efeito, impende ao Estado criar barreiras 
de contenção ao exercício abusivo dos direitos individuais e coletivos, assim como salvaguardar o interesse 
público. Daí, impor-se a todos os setores da Administração Pública – e também, portanto, aos órgãos 
responsáveis pela segurança pública – o cogente exercício, na exata medida de suas atribuições legais, do 
“Poder de Polícia”, ou seja da atividade “que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, 
regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à 
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades 
econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao 
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”, conforme define o “caput” do art. 78 do 
Código Tributário Nacional. Portanto, e a servir de exemplo, cumpre, em linhas gerais, à polícia sanitária, 
como manifestação da administração estatal no setor da saúde pública, laborar, com baldrame em suas 
atribuições legais e regulamentares, mirando a prevenção e a contenção da propagação de doenças 
transmissíveis. Derradeiramente, é conveniente assinalar que a expressão em tela, inegavelmente relacionada 
ao Estado de Polícia, e assim contaminada pela idéia de arbítrio àquele peculiar, encontra-se sob a 
generalizada e veemente crítica dos mais doutos tratadistas, esclarecendo o mesmo Bandeira de Mello que na 
Europa, excetuada a França, “o tema é tratado sob a titulação ‘limitações administrativas à liberdade e à 
propriedade’, e não mais sob o rótulo de ‘poder de polícia’” (Op. cit., p. 696). Ainda acerca da ambivalência 
e imprecisão da expressão, vide, dentre tantos outros, Lúcia Valle Figueiredo (Curso de direito 
administrativo, p. 195), Antonio A. Queiroz Telles (Introdução ao direito administrativo, p. 280-282), e 
Odete Medauar (Direito administrativo moderno, p. 403-404). 
10
 BOBBIO et al. Op. cit., p. 413. 
11
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 22. 
12
 BOBBIO et al. Op. cit., p. 944. 
22 
 
especialização das atividades estatais. Assim, em 1791, a Assembléia Geral 
Francesa definiu que em suas relações com a segurança pública, impenderia à 
polícia preceder a ação da justiça; a vigilância deve ser o seu principal caráter; a 
sociedade considerada em massa é o objeto essencial de sua solicitude. 
13
 
Dessa forma, o vocábulo polícia passou a ser cada vez mais utilizado para 
identificar as atividades estatais voltadas a prevenir e reprimir, no seio da sociedade, 
as ações capazes de abalar a paz e de violar os interesses de seus membros, 
consoante específica previsão legal. Com o passar do tempo esse sentido foi sendo 
progressivamente popularizado, a ponto de se conformar, hodiernamente, e em 
praticamente todo o mundo civilizado, como a melhor senão a única expressão leiga 
para o termo, servindo a denominar o órgão ou o conjunto de órgãos do Estado 
encarregados de garantir a segurança na comunidade, protegendo, especialmente, a 
incolumidade pessoal e patrimonial dos indivíduos
14
, ou, na precisa dicção de Maria 
Helena Diniz, a “corporação governamental que deve manter a ordem pública, 
prevenir e descobrir crimes, fazendo respeitar as leis e garantindo a integridade 
física ou moral das pessoas”.
15
 
16
 
 
13
 MENDES JÚNIOR, João. O processo criminal brasileiro, p. 245. 
14
 Aos moldes do que dispõe, por exemplo, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 
1988, que por seu art. 144 prescreve: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de 
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, 
através dos seguintes órgãos: I - § 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, 
estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em 
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, 
assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão 
uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, 
o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas 
áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, 
com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão 
permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao 
patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, 
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento 
ostensivo das ferrovias federais. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, 
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações 
penais, exceto as militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem 
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de 
atividades de defesa civil. (...)”. 
15
 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, p. 623. A autora insere tal definição no rol de significados 
correntes do verbete polícia – de sua vez aduzido como pertencente ao âmbito do Direito Administrativo –, a 
ainda compreender: “Segurança pública. Conjunto de normas que garantem a segurança da coletividade. 
Guarda policial ou membro daquela corporação. Profilaxia”. 
16
 Coteje-se, a título de ilustração, a “policia” difundida entre os países de língua espanhola e portuguesa, a 
“police” comum aos países de influência inglesa, a “polizia” italiana, a “police” francesa, e a “polizei” alemã. 
23 
 
1.2. A polícia e suas origens. 
1.2.1. A polícia antiga. 
Insta ponderar que ainda não possuindo a denominação “polícia” ou mesmo à 
míngua de qualquer epíteto específico, as atividades anteriormente versadas, 
destinadas a assegurar, no mínimo, alguma ordem na comunidade, induvidosamente 
sempre permearam a história humana, fazendo-se visível em todas as civilizações. 
Lê Clère registra, por exemplo, atuação policial já no antigo Egito, por volta de 
3.000 a.C., à época do faraó Menés
17
. 
Nos livros de história
18
 e de literatura universal
19
, e também naqueles que 
compõem a Bíblia
20
, encontramos inúmeras referências às forças com as quais 
contavam os soberanos – guardas, soldados, guardiões - para assegurar a 
concretização de seus éditos e o cumprimento de seus comandos. Longe, 
entrementes, de se apresentarem como organismos estruturados, instruídos e 
disciplinados para promover, máxime em caráter permanente, a mantençada ordem, 
tais corpos de guardas, ao que se percebe, faziam-se indistintos em face dos 
respectivos exércitos, sendo naturalmente integrados pelos mesmos soldados ou 
funcionários análogos empenhados na defesa da cidade contra o inimigo externo ou, 
 
17
 Op. cit., p. 12. 
18
 BAYLEY, David. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa, p. 51. Anota ainda 
esse autor que : “Detetives, espiões e mantenedores da ordem pública são encontrados nos registros imperiais 
dos Mauryas (c. 321 - c. 184 a.C.), dos Guptas (c. 320 - c. 535) e dos Moguls (1526-1858) na Índia, dos 
Mings (1368-1644) na China e dos Heyans (794-1185) no Japão”. 
19
 Basta a lembrança das menções reservadas aos guardas na tragédia Antígona, de Sófocles (p. 90-95 e 108-
111). De efeito, ora relatando ao soberano a ocorrência de um crime, ora conduzindo à sua presença a 
protagonista, tão-logo da realização de sua prisão, bem como, e por derradeiro, promovendo a execução da 
sumária sentença proferida por Creonte, os guardas da trama ensejam uma boa idéia acerca do corriqueiro 
proceder das forças que, desde a mais remota antiguidade, eram constituídas pelos reis a garantir efetividade 
ao seu poder, em diapasão absolutamente independente de alguma idéia de legitimidade e talvez até mesmo 
de uma apurada organização. 
20
 Dentre tantas, avultam bastante expressivas as seguintes passagens: Gênesis 12,20: “E Faraó deu ordens 
aos seus guardas a respeito dele, os quais o despediram a ele, e a sua mulher, e a tudo o que tinha”. Cântico 
dos Cânticos 3,3: “Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Vistes, 
porventura, aquele a quem ama a minha alma?”; idem 5,7: “Encontraram-me os guardas que rondavam pela 
cidade; espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros”. João 7,32: “Os fariseus 
ouviram a multidão murmurar estas coisas a respeito dele; e os principais sacerdotes e os fariseus mandaram 
guardas para o prenderem”; Idem 18,12 “Então a escolta, e o comandante, e os guardas dos judeus 
prenderam a Jesus, e o maniataram”; Idem 19,6 “Quando o viram os principais sacerdotes e os guardas, 
clamaram, dizendo: Crucifica-o! Crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e crucificai-o; porque nenhum 
crime acho nele”. Atos 5,26-27: “Nisso foi o capitão com os guardas e os trouxe, não com violência, porque 
temiam ser apedrejados pelo povo”. 
24 
 
então, e apenas, na escolta pessoal do rei e na proteção direta de seus interesses 
pessoais e familiares. 
Fazendo rápida referência à polícia ateniense dos séculos V e IV a.C. – cuja 
principal função consistia em vigiar, tanto os escravos, quanto a ociosa e ambiciosa 
aristocracia rural, indistintamente engajados em conspirações e prontos às sedições 
– Monet afirma, em posição não contestada, que somente em Roma pode ser 
encontrada uma organização policial algo similar àquelas modernas, ou seja, 
instituída e planejada com o fim de propiciar especificamente segurança e 
tranqüilidade aos cidadãos. 
Destaca o autor, nessa esteira, que a história romana do último século a.C. foi 
inteiramente marcada por um terrível caos político e social, que naturalmente se 
desdobrou numa era de extrema violência, qual perpetuado pelo poeta Juvenal, que 
através de gracejo, não menos sinistro do que revelador, afiançou à posteridade: “só 
um insensato sairá na cidade após o jantar sem ter redigido seu testamento”
21
. E 
não desejando contar com os préstimos de seus militares – eis que as legiões, 
sabiamente tidas como um risco às liberdades públicas, não eram regularmente 
admitidas no interior de suas muradas –, Roma, chegando a contar, na época de 
Augusto, com população já próxima a um milhão de habitantes, optou pela criação 
de um corpo policial adequadamente estruturado como a solução mais razoável ao 
enfrentamento desse grave problema. Segundo Casal de Nís, essa primitiva polícia 
romana dispunha, em organização hierarquizada, de “comissário, inspetores, 
lugares-tenentes, capitães e sete mil homens”.
22
 
23
 
O chefe de polícia, completa David Bayley, era o praefectus vigilium – o 
prefeito de vigilância, em tradução livre – um dos integrantes da equipe do prefeito 
 
21
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 34. 
22
 CASAL DE NÍS, Emílio. La policia y sus mistérios (biologia criminal), p. 18. 
23
 Mister aqui esclarecer que essa não se apresentou como a única medida adotada pelo governo romano a 
refrear a violência. Relata Monet que, em atividade assistencial e complementar, passou a promover, nessa 
mesma época, freqüentes distribuições graciosas de trigo para o povo, chegando-se assim a beneficiar uma 
população de miseráveis, estimada em algo próximo a duzentos mil almas, formada por infelizes que de todas 
as partes do mundo fluíam à capital do Império em busca de benesses e oportunidades, quiçá exatamente 
desse naipe (Op. cit., p. 35). Posteriormente, cabe acrescentar, veio a referida gestão paternalista a ganhar 
corpo, dando vazão à celebre política do “pão e circo”, consoante expressão cunhada por Juvenal. 
25 
 
da cidade, o praefectus urbe. Eis, de fato, a primeira polícia pública da qual se tem 
incontroverso conhecimento histórico, composta por “agentes executivos da coerção 
física, pagos e dirigidos pela autoridade pública suprema” 
24
. 
Nesse sentido mais nos esclarece João Mendes Júnior: 
O praefectus vigilium, creado por Augusto, para substituir os 
triumvirus, era o chefe de polícia preventiva e repressiva dos 
incêndios, escravos fugidos, furtos, roubos, vagabundos, 
ladrões habituaes, em summa, das classes perigosas, 
recomendando-se-lhe principalmente a policia nocturna (Dig., 
de off. praef. vigilum). Conhecia, pois, dos crimes não punidos 
com pena capital, por isso que os delinqüentes de taes crimes, 
depois de presos, eram postos à disposição do praefectus urbi 
(Dig. cit. L. 3 § 1
o
 Cód., eod. tit., L um). (Sic) 
Subordinados a estes praefecti, principalmente ao praefectus 
vigilum, estavam os irenarche, os curiosi, os stationari, 
agentes policiais incumbidos de percorrer incessantemente 
todas as partes do território, com a missão especial de 
investigar os crimes, prender os indiciados, interrogal-os, 
colligir esclarecimentos, proceder a buscas e apprehensões, 
fazer em summa, o inquérito com todas as diligencias, reduzir 
tudo a autos escriptos, e remeter ao prefeito ou á autoridade 
judiciaria competente (Dig., de cust. reor., L 6 § 1
o
).
25
 (Sic) 
Fora da cidade, nos campos próximos e mesmo nas províncias, a tarefa de 
manutenção da ordem incumbia às milícias formadas por legionários, postadas, em 
regra, de légua em légua, pelas estradas romanas. Nas cidades maiores, os cuidados 
com a segurança em geral recaíam, no estilo da metrópole, aos prefeitos, depois 
titulados, notadamente na França, condes ou comites no original. 
É exato afirmar que, mergulhando em fatal decadência e sucumbindo ao 
avanço bárbaro, o império romano não tardou em se ver multifacetado, dando 
origem a um grande número de novos reinos, aos quais, dentro das raias de seus 
territórios, passou a incumbir as tarefas de manutenção da ordem, de contenção da 
violência e do julgamento dos criminosos. Portanto, sopesadas as correspondentes 
necessidades e possibilidades, cada governante teve que tratar da implementação, 
 
24
 BAYLEY, David. Op. cit., p. 41. 
25
 MENDES JÚNIOR, João. Op. cit., p. 33. 
26 
 
em seus domínios, de algum tipo de policiamento, incumbindo-o quer a militares 
profissionais, quer a corpos de guardas ou, até mesmo, a vigilantes-cidadãos. 
Desse período, e das principais cidades européias, remanescem registros 
sobre os feitos públicos em prol da segurança dos cidadãos, nada, contudo, que 
possa ser comparado aos grandiosos e complexos empreendimentosjungidos à 
edificação e manutenção da tranqüilidade naquela que foi vista como a capital do 
mundo antigo. 
A tendência, à época, não se centrava na constituição de organismos 
policiais, mas sim, como demonstra Lê Clère, na delegação, pelo rei, de poderes a 
certos funcionários para o desempenho das responsabilidades na área da segurança 
interna. 
Assim, por exemplo, Clotário II, em 615, instituiu, em Paris, os 
“comissários-inquiridores ou examinadores”, primitivamente conformados como 
um misto de oficial de polícia e juiz. Igualmente na França, já ao tempo de Carlos 
Magno, cerca de duzentos anos depois, delegados ambulantes – os missi dominici – 
foram nomeados para auxiliar os condes nas suas missões de promover a ordem, de 
investigar abusos e apurar crimes, de interrogar os “delinqüentes em acção (Sic)” 
(aqueles presos em flagrante delito) e de vigiar os estrangeiros 
26
. 
Todas essas iniciativas restringiam-se, de fato, às principais cidades, 
remanescendo a proteção aos campônios e a todos aqueles que viviam em pequenas 
aldeias absolutamente negligenciada, a cargo tão-somente de agentes reais 
itinerantes, que em momento algum da história lograram se sobressair pela 
eficiência, e muito menos pela confiabilidade. Observa Monet, que em face de 
tantas deficiências não restou aos frágeis suseranos opção outra além de anuir com a 
transferência de suas cuidadas obrigações aos seus vassalos. Com isso, e na prática, 
cada barão passou a dispor de sua própria justiça, que impunha aos servos da gleba, 
sempre em nome do rei, porém, ao seu inconseqüente alvedrio. 
 
26
 LÊ CLÈRE, Marcel. Op. cit., p. 15-18. 
27 
 
Evidentemente falho, quando não mesmo inexistente, o sistema de segurança 
das aldeias acabou sendo desenhado e executado por seus próprios beneficiários, ou 
seja, através de milícias de configuração comunitária, que na vaza desse improviso, 
sob a indiferença, ou por vezes até mesmo com o apoio da autoridade, 
invariavelmente também se encarregavam de fazer justiça, sempre de forma sumária 
e simétrica em relação aos sentimentos e ressentimentos experimentados em face de 
cada caso concreto. 
27
 
Essas polícias locais, não profissionais, grassaram também por toda 
Inglaterra, todavia sob a rigorosa tutela estatal, aos moldes do medieval sistema 
denominado Frankpledge. Lá, Tythings e Hundreds exerciam, em regime forçado, 
as tradicionais funções policiais de manutenção da ordem e de prisão de criminosos, 
sob a supervisão de um sheriff, que em sua missão recebia o auxílio dos constables. 
Embora ostentasse a qualidade de preposto real, não recebia o sheriff remuneração 
alguma proveniente do tesouro público
28
. Tão-somente, na primeira metade do 
século XVIII, é que nesse país surgiram as primeiras milícias mantidas total ou 
parcialmente por impostos, inauguradas, e apenas em nível experimental, em 
algumas poucas paróquias da capital do reino. 
29
 
 
27
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 35-38. Malgrado o fato dessas organizações escaparem da esfera de 
interesse imediato deste trabalho, parece-nos de bom alvitre ao menos referenciá-las, apresentando-as como 
grupos de aldeões armados que voluntariamente tomavam para si a tarefa de propiciar segurança às suas 
comunidades, decerto protegendo seus próprios interesses, como foram os notáveis casos, por exemplo, dos 
“encapuzados” de Puy-em-Velay, que para o resguardo dos peregrinos e do comércio circundante caçavam e 
dizimavam os assaltantes que infestavam o caminho de Santiago de Compostela, e das “Hermandades”, 
também espanholas, que se voltaram ferozmente contra o arbítrio dos barões. 
28
 Os Tythings eram formados pelos homens livres, saudáveis e maiores de doze anos provenientes de dez 
famílias, ao passo que a reunião de dez Tythings compunha um Hundred. Estruturados de acordo com o 
sistema Frankpledge, incumbia-lhes, de forma compulsória, reprimir quaisquer delitos, bem como o 
encaminhamento dos criminosos – mesmo sendo um de seus integrantes – a julgamento. O descumprimento 
desse dever sujeitava os omissos ao pagamento de impostos, aplicados à guisa de sanção, cabendo percentual 
dos valores pertinentemente recolhidos ao sheriff (palavra composta por “shire” e “reeve”, a designar, 
literalmente, o “prefeito do distrito”), que apenas assim, a par de semelhantes cobranças realizadas aos 
criminosos, encontrava os meios necessários para a subsistência. Bayley anota, como fato histórico, o 
persistente protesto formulado pelos Hundreds contra os sheriffs, os quais acusavam de rotineiramente 
imputar-lhes falsas omissões, obviamente com o fim deliberado de se locupletarem com a parte das multas 
que em decorrência haver-lhes-ia de reclamar (cita como exemplo o romance Robin Hood). O constables, 
inicialmente eleitos pelo próprio Hundred, tinha por obrigação prestar auxílio ao sheriff, especialmente no 
que tange à fiscalização das aldeias. Ainda conforme Monet (op. cit., p. 38-39), sistemática próxima pode ser 
observada também nos países do norte da Europa, cabendo ao Lensman, na Noruega, Suécia e Dinamarca, 
desempenhar funções símiles àquelas exercidas pelo constable e pelo sheriff ingleses. 
29
 Ibidem, p. 37 e 41-42. 
28 
 
1.2.2. Séculos de transição .
30
 
Consideram os autores, em aparente unanimidade, que o primeiro embrião de 
uma polícia profissional, arregimentada, organizada e paga pelo Estado, somente 
despontou na Europa do século XIII, sediada na França, mais precisamente em 
Paris. Criada por Luís IX, a polícia parisiense era dirigida por um superintendente, o 
preboste
31
, ao qual, informa Lê Clère, foram facultados “poderes excepcionais” para 
“o exclusivo cuidado de dirigir a polícia e julgar os processos-crimes”. Compunha-
se, ademais, de comissários investigadores e sargentos, além de contar com os 
serviços de uma patrulha que, sob a divisa vigilat ut quiescant (pela vigia para que 
eles repousem), incumbia-se da guarda noturna da cidade, integrada por cavaleiros 
militares e por todos os citadinos válidos, engajados de forma compulsória ao 
serviço do chamado Guet
32
. 
Pelos anos e séculos seguintes, esse modelo inicial sofreu inúmeras reformas, 
todas intentadas não apenas com o fito de lapidar esse novel organismo, mas 
também com o inequívoco intuito de conter a contumaz criminalidade que nunca 
deixou de assolar a capital francesa
33
. Nessa senda progressista, foram adotados 
 
30
 Muito embora o desenvolvimento do tema leve à abordagem exclusiva do histórico policial europeu, cabe 
aqui – aos moldes do que já foi en passant realizado através da nota de nº 18 – o registro atinente à natural 
existência, ao longo dos tempos, de corpos propriamente policiais, dotados de razoável organização, também 
em outros centros culturais mundiais, como observado no grandioso Cairo do século XIV. Nesse capital do 
sultanato islâmico mantinha-se, sob as ordens do seu governador militar, o wali, uma vigorosa e notoriamente 
corrupta força policial, incumbida de combater o crime, controlar o toque de recolher, verificar a hora de 
abrir e fechar as lojas e o acatamento dispensado aos regulamentos de saúde, além de patrulhar as ruas, 
especialmente as áreas de má reputação, tavernas e antros de haxixe. A espionagem, levada a efeito por 
agentes dissimulados, principalmente nos mercados e visando os estrangeiros, também compreendia função 
comezinha dessa polícia, que, de quebra, ainda se prestava à execução das sentenças emitidas pelos juízes 
religiosos, que variavam desde as penas de prisão até as capitais, como a decapitação, o garrote e a 
crucificação (A evolução das cidades, p. 73). 
31
 LÊ CLÈRE, Marcel. Op. cit., p. 21-23. De proepositus, o preposto. A instituição do prebostado, criada em 
1032 por Henrique I, tratava-se de uma magistratura, comjurisdição sobre o viscondado de Paris, 
encarregada do exercício de inúmeras funções governamentais, dentre as quais, e sem dúvida as mais 
importantes, apareciam as de juiz, chefe militar e de polícia. Com a reforma empreendida por Luís IX, esse 
órgão ganhou força e as condições necessárias para realizar o seu novo e exclusivo mister: a direção da 
polícia e o julgamento dos processos criminais. 
32
 BAYLEY, David. Op. cit., p. 43. 
33
 LÊ CLÈRE, Marcel. Op. cit., p. 23, 32, e 38. Registra Lê Clère que já em 1258 “não havia noites sem 
incêndios, violações, pilhagens, assassínios, até dentro dos muros do Louvre”. Que em 1549 os protestos 
contra a impotência do governo francês contra a criminalidade eram generalizados, eis que o período ficou 
conhecido, emblematicamente, como a sinistra época da “pera da angústia”, quando roubadores enfiavam a 
fruta pela garganta das infelizes vítimas para as impedir de gritar”. E também que, em 1660, Boileau irritava 
as autoridades versejando: “Mal que da noite as sombras sossegadas / Obrigam a trancar janelas e portadas / 
29 
 
todos os tipos de medidas imaginadas válidas e viáveis a garantir a otimização da 
força parisiense, a contar, dentre as mais comuns, com as reiteradas alterações 
estruturais, passando por soluções meramente quantitativas, com realce para a 
criação de novos corpos policiais
34
, ou para a singela majoração dos efetivos já 
existentes, até chegar àquelas de saudável aspecto qualitativo, como a exigência, 
fixada por intermédio de leis de 1546 e 1583 respectivamente, de prévia seleção à 
contratação dos candidatos a postos policiais, mediante exames de conhecimentos e 
da comprovação de bons antecedentes cívicos e morais, reclamando-se aos 
pretendentes a dignidade de comissário prévio licenciamento pela faculdade de 
jurisprudência e a submissão de exame de direito e a processo perante o 
Parlamento.
35
 
Dentre todas essas reformas uma mostrou-se inegavelmente a mais relevante, 
a ponto de cunhar o que seria posteriormente conhecido como o modelo francês de 
polícia. Em 1667, Luís XIV, o Rei Sol, criou no prebostado o cargo de “tenente da 
polícia de Paris”, destacando-o do de tenente civil, até então a maior autoridade da 
cidade, e dotando-o com amplos poderes e competências que transcendiam o plano 
da segurança pública para abarcar as demais áreas vitais da administração da cidade, 
percorrendo desde o combate aos incêndios e inundações até a fiscalização 
sanitária. Cerca de três mil homens totalizaram os contingentes a sua disposição, ao 
passo que a população dessa capital já passava de meio milhão de habitantes. 
Entrementes, a mais marcante peculiaridade dessa renovada força pública 
inegavelmente veio a se constituir a sua polícia secreta – composta por espiões 
recrutados em todos os meios, de estudantes a criminosos – responsável por manter 
o rei informado sobre tudo e todos, desde movimentações políticas até 
particularidades pessoais e morais de seus súditos. Completava esse modelo a 
 
... Nesse instante os ladrões tomam conta da urbe / O mais funesto bosque, o mais deserto e escuro / À vista 
de Paris é refúgio seguro”. 
34
 Assim, em 1549 nascia na França a Maréchausée, corpo de polícia militarizado – inicialmente formado 
para guarnecer as retaguardas do exército – que passou a ter a incumbência de patrulhar os campos, e, 
correndo de cidade em cidade, manter a ordem e combater os criminosos. Em 1791, essa força foi rebatizada, 
passando a chamar-se Gendarmarie, denominação que persiste até os dias atuais. 
35
 LÊ CLÈRE, Marcel. Op. cit., 23-60. 
30 
 
castrense Maréchausée, então destinada ao patrulhamento dos campos e cidades 
interioranas. 
Prossegue Monet, aduzindo que esse modelo francês logo se irradiou para 
boa parte da Europa, influenciando a formação de polícias públicas de caráter 
permanente em vários Estados – notadamente naqueles de governo abertamente 
despóticos –, como na Rússia, em 1718, na Prússia, em 1742, e na Áustria, em 
1751. 
Já a Inglaterra, país de histórica orientação liberal, rejeitou asperamente esse 
figurino policial, o qual mereceu, em 1785, no Daily Universal Register, 
sintomático registro acerca do exasperado sentimento bretão a seu respeito: “Nossa 
Constituição não pode admitir nada que se pareça com a polícia francesa; e muitos 
estrangeiros nos declararam que preferiam deixar seu dinheiro com um ladrão inglês 
à suas liberdades nas mãos de um tenente de polícia”.
36
 
37
 
De fato, outros foram os caminhos seguidos nos domínios insulares, 
colimando o aperfeiçoamento policial. Em 1749, Henry Fielding, com o apoio de 
seu irmão John, magistrado londrino, lançou-se à construção de uma nova e 
profícua força policial, baseando-se, de forma inusitada, em prévios estudos 
desenvolvidos à detecção das causas da criminalidade
38
. Durante suas lucubrações, 
diagnosticou como o principal responsável pela ineficiência da polícia inglesa o 
despreparo de seus agentes, historicamente mal selecionados
39
 e inadequadamente 
 
36
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 48. 
37
 Ibidem, p. 64. A menção reservada à polícia francesa pelo Ministro da Justiça José Alencar, em 1869, torna 
realmente mais fácil a compreensão acerca dessa invectiva: “Creio que o nome só da polícia tornou-se um 
oprobrio na França, por causa da natureza mysteriosa dos meios e do caracter pouco moral dos agentes que 
ella emprega; ao passo que si na Inglaterra a policia é respeitada, póde-se sem hesitação attribuir sua 
popularidade á franqueza e á dignidade de seus processos” (Sic) (conforme João Mendes Júnior, Op. cit., p. 
261). A retidão e o profissionalismo da polícia inglesa foram bem retratados, outrossim, pelo genial francês 
Júlio Verne naquela que é considerada sua maior obra: A volta ao mundo em oitenta dias, publicada 
originalmente em 1874. Aproveitando o relato do insucesso do açodado detetive Fix, cuja desarrazoada 
pretensão detentiva foi prontamente indeferida pelo Chefe de Polícia de Bombaim, Verne fez textual: “Essa 
severidade de princípios, a observância rigorosa da legalidade são perfeitamente compreensíveis nos 
costumes ingleses que, em matéria de liberdade individual, não admitem nenhuma arbitrariedade” (p. 64). 
38
 Publicados em 1751, sob o título “Investigação Sobre as Causas do Aumento dos Roubos”. 
39
 Monet revela que, na verdade, em toda Europa, raríssimas exceções à parte, os policiais menos 
categorizados eram selecionados praticamente ao largo de quaisquer exigências, tratando-se essa realidade de 
uma conseqüência das dificuldades de recrutamento, já que a péssima remuneração dessa atividade não fazia 
31 
 
remunerados 
40
. Buscou, destarte, priorizar, quando da organização dos Fielding’s 
Bow Street Runners, sistemas de recrutamento elaborados sobre critérios rígidos e 
de remuneração regular, efetuada através do pagamento de “prêmios de captura”, 
sigilosamente patrocinados pelo erário. Coroado de bom êxito, esse sistema 
permaneceu em funcionamento por oitenta anos, até a derradeira reforma da polícia 
de Londres. 
41
 
1.2.3. A polícia moderna. 
Imperioso firmar, neste ponto, um conceito plausível e efetivo para a polícia 
“moderna”, assim vislumbrada por Monet: 
Mais que o progresso dos efetivos, é a profissionalização que 
cava o fosso entre as formas antigas e modernas de polícia. A 
noção de “polícia moderna” remete, com efeito, a evoluções 
precisas que constituem a função policial como profissão : 
estabelecimento de critérios meritocráticos – o concurso – em 
matéria de recrutamento; elaboração e transmissão de um 
saber técnico através dos processos de formação; remuneração 
suficiente para que o oficial policial seja exercido em tempo 
integral; desenvolvimento, enfim, deuma identidade 
profissional que se exprime por uma cultura que tem suas 
normas, valores e ritos. 
42
 
Uma polícia fiel a tais contornos somente pode ser vista, pela primeira vez, 
em 1829, na extensão da benfazeja experiência dos irmãos Fielding. Coube a Sir 
Robert Peel fundar a “Polícia Metropolitana de Londres”, ou simplesmente a Met
43
, 
constituída por um “regimento policial civil, mantido com recursos públicos, grande 
o bastante para conter e dispensar multidões urbanas”. 
Forjava-se, desse modo, um novo molde policial, o inglês, que não demorou 
a se tornar o preferido em boa parte do mundo, refreando, especialmente na Europa, 
 
por atrair muitos ou bons interessados. A situação já se apresentava diferenciada em relação aos Chefes de 
Polícia, dos quais normalmente era exigido, como condição para a ascensão ao posto, o diploma do curso de 
Direito. 
40
 CLIFT, Raymond E.. Cómo razona la policía moderna: vista panorámica de actividades policíacas, 
p. 28. 
41
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 62. 
42
 Ibidem, p. 61-62. 
43
 Ibidem, p. 72. Recebeu a Met, outrossim, a glamorosa denominação Scotland Yard, título relacionado ao 
edifício que primeiro lhe serviu como sede, um palácio que anteriormente abrigava os reis escoceses quando 
em visita a Londres. 
32 
 
num curto espaço de tempo, uma forte tendência de militarização dos corpos 
policiais existentes. 
44
 
Essa inovadora polícia de Peel – tido por alguns como o pai da polícia 
moderna – apresentou-se realmente surpreendente sob diversos aspectos, 
evidentemente porquanto lastreada em uma filosofia absolutamente incomum para o 
seu tempo, qual hoje se pode inferir das alvissareiras diretrizes estabelecidas pelo 
seu criador : 
O constable deve ser civil e cortês com as pessoas de qualquer 
classe ou condição... Ele deve ser particularmente atento para 
não interferir desastradamente ou sem necessidade, de modo a 
não arruinar sua autoridade... Ele deve lembrar que não existe 
nenhuma qualidade tão indispensável ao policial como uma 
aptidão perfeita para conservar seu sangue-frio. 
45
 
Nessa esteira, ganhou corpo o processo de especialização das principais 
forças policiais, que a partir de meados do século XIX iniciaram um gradativo 
abandono, em favor de outros órgãos da administração estatal, de todas as funções 
estranhas à tarefa de contenção da criminalidade. Mais do que isso, e para além da 
 
44
 BAYLEY, David. Op. cit, p. 56. Registre-se, em sentido contrário, a opinião de Carlos Magno Nazareth 
Cerqueira, que com supedâneo único e literal na obra de Raymond E. Clift (vide nota nº 53), revela sua 
crença que “Peel tenha influenciado as polícias mundiais a adotarem o modelo militar”. É bem verdade que 
Cerqueira reconhece, com base na lição de um oficial da Gerdarmeria francesa, a existência de uma grande 
diferença entre uma “força de polícia com estrutura militar” e uma polícia militar. Alude à primeira, embora 
de forma fragmentada, como uma força de caráter até mesmo civil, regida por “normas militares nos aspectos 
relacionados à organização, instrução e regime disciplinar” (Questões preliminares para a discussão de 
uma proposta de diretrizes constitucionais sobre a segurança pública, p. 143-147). Ainda assim, o erro 
de Cerqueira torna-se evidente ao se compulsar os preceitos fundamentadores da Polícia de Pell, eis que logo 
o primeiro apresentava-a como uma alternativa à força militar (apud Luiz Antonio Francisco de Souza, 
“Polícia, Direito e Poder de Polícia. A Polícia brasileira entre a ordem pública e a lei, p. 295-319) 
Registre-se, por oportuno e necessário, a classificação operada pelo professor José Manuel Castells Arteche, 
catedrático de Direito Administrativo da Universidade do País Basco, contemplando o modelo policial anglo-
saxão como “civil e descentralizado, profissional e orientado à investigação criminal”, enquanto apresenta o 
francês ou napoleônico como “militarizado, ao serviço do Estado e centrado na manutenção da ordem 
pública” (“La policía judicial como objetivo”, p. 46). Não bastassem as evidencias expostas, o absurdo em 
se aludir a uma polícia inglesa militar ou militarizada, máxime e especificamente em se tratando da polícia 
judiciária, se há patente com René David, que em seu célebre O Direito Inglês (p. 49) se pronunciou 
categórico : “A polícia se apresenta, na França, como um corpo semi-militar, estritamente hierarquizado, por 
trás do qual se descobre, aos olhos de todos, o poder público com todos os seus privilégios e suas 
prerrogativas. Na Inglaterra, ao contrário, a polícia, comparável outrora a uma espécie de milícia e 
representada pelo parish constable (policial do distrito ou comarca), conservou um caráter local, um vínculo 
com a população, que ainda em nossos dias são uma característica geral da instituição (...) concebida 
tradicionalmente no âmbito das coletividades locais, a polícia não se apresenta aos ingleses como o braço do 
poder executivo (...) não se associa à concepção de polícia a idéia de prerrogativas do poder público, menos 
ainda a da irresponsabilidade, que a existência de uma polícia de estado arraigou no espírito dos cidadãos do 
continente”. 
45
 MONET, Jean-Claude. Op. cit, p. 52. 
33 
 
prevenção criminal, distinguiram-se as “novas polícias”, que naquela época 
pululavam na Europa, pelo desenvolvimento de pujante atividade investigativa, 
inclusive de índole científica. Fundou Londres, em 1863, no seio de sua MET, o 
Criminal Investigation Departament, sendo rapidamente acompanhada por nações 
vizinhas.
46
 
Enquanto isso, na nova França, nascido da vitoriosa revolução de 1789, o 
recém-fundado Estado de Direito exigia uma nova polícia. A Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão fez proclamar por seu cânone XII: “A garantia 
dos direitos do homem e do cidadão necessita da força pública; esta força é, pois, 
instituída pela vantagem de todos e não para a utilidade aos quais foi confiada”
47
. 
Uma vez definida sua alma, coube à Lei de 3 do Brumário do ano IV (25 de outubro 
de 1795) traçar a fisionomia dessa nova polícia, de plano bipartida: 
A polícia é administrativa ou judiciária. A polícia 
administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem 
pública em cada lugar e em cada parte da administração geral. 
Ela tende principalmente a prevenir os delitos. A polícia 
judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não 
pode evitar que fossem cometidos, colige as provas e entrega 
os autores aos tribunais incumbidos pela lei de puni-los. 
48
 
No plano dos fatos não fez a França, entrementes, por merecer maior 
destaque, senão negativo, nesta divisada evolução policial. De fato, em meio a 
incessante turbulência social e política demandada ao longo das décadas que se 
seguiram, a novel polícia francesa – construída sobre os escombros do terror – não 
se distanciou muito daquela que a precedeu no ancien regime, assim frustrando as 
expectativas criadas ao seu redor. 
Extrai-se de Lê Clère, que a polícia francesa que daí se seguiu, enveredou 
por uma trajetória absolutamente errática, não conseguindo tomar forma ou rumo 
 
46
 MONET, Jean-Claude. Op. cit., p. 60. Em 1856 uma lei uniformizou todo o sistema policial vigente na 
Inglaterra e País de Gales, excetuada apenas a polícia londrina. 
47
 Quando reeditada, em 1791, esta Declaração já não mais trazia a vertente assertiva em seu texto. 
48
 Artigos 19 e 20. 
34 
 
que lhe pudesse enquistar um sentido proveitoso de modernidade e muito menos de 
exemplaridade. 
Ora estruturada em torno de um ministério específico, ora vinculada 
singelamente a uma Prefeitura, outra vez subordinada a um órgão ainda de menor 
expressão, não

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