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Considerações psicanalíticas sobre a angústia

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Considerações psicanalíticas sobre a 
angústia 
 
“O grito”, de Edvard Munch, 1893 
 
A angústia é um afeto da maior importância para a psicanálise: ela é um problema 
central para a clínica das neuroses e se constitui em um sinalizador fundmental do 
progresso do tratamento analítico. Pretendo aqui explicar algumas razões para essa 
afirmação, mas para tanto, é primeiramente necessário discorrer sobre o que é a 
angústia e, também, sobre o que ela não é. 
 
Na cultura, em virtude da disseminação do jargão psiquiátrico, a angústia costuma ser 
expressa com termos como “ansiedade” e “pânico”. Observamos pessoas queixosas de 
ansiedade no cotidiano e nos meios de comunicação, sendo muitas vezes associada ao 
ritmo acelerado da vida moderna, aos compromissos intermináveis da rotina diária, à 
velocidade crescente das tecnologias da informação e comunicação, aos imperativos de 
produtividade e ao trabalho que passa a ser levado para casa. Em consultório, novos 
pacientes aparecem, alguns muitos jovens e por vezes já dopados por ansiolíticos, com a 
certeza de serem tomados por crises de pânico sem qualquer razão aparente. Como diria 
Lacan, a angústia é da ordem do real, ou seja, ela invade o corpo e constitui para o 
sujeito uma certeza absoluta – ninguém tem dúvidas quanto ao fato de estar 
angustiado. 
 
No campo da psiquiatria, a angústia é delimitada sob o amplo guarda-chuva dos 
“transtornos de ansiedade”, os quais, ao contrário do que se faz em psicanálise, são 
diagnosticados tão somente pelos sintomas desvinculados da estrutura psíquica de cada 
sujeito. Nesse grupo encontravam-se abrangidos, ao menos até a quarta versão do 
DSM, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, classificações 
nosográficas já famosas como o “transtorno de pânico” e o “transtorno de ansiedade 
generalizada”, entre outros. Mas o discurso psiquiátrico não reconhece essas patologias 
para dotá-las de uma escuta na vida psíquica do sujeito – muito ao contrário, com o 
apoio crescente da psicofarmacologia, trata-se de tentar apagá-las da experiência 
humana, esquecendo-se de que a angústia é parte daquilo que faz o homem 
propriamente humano. 
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Em psicanálise não falamos em ansiedade. Mas por quê? Ansiedade é um estado 
psíquico de expectativa frente a algo que ocorrerá, seja bom ou ruim. Angústia, por sua 
vez, envolve sempre um sofrimento psíquico e também físico, corporal, pois por 
definição tem a ver com uma sensação de estreitamento, um aperto no peito, uma 
dificuldade de respiração que muitos sentem nesse estado. A angústia vai além da 
ansiedade, ela é uma condição existencial: não é somente um sofrimento mas também a 
sensação de impotência do sujeito frente a esse sofrimento. 
 
Sendo uma condição existencial, a angústia acompanha a própria história do homem. Na 
perspectiva filosófica, por exemplo, a angústia envolve a dor propriamente humana de 
existir: a ausência de um saber último que norteie a ação humana; a necessidade de 
fazer escolhas que sempre implicam em perdas; a experiência da finitude da vida 
humana, ou seja, o temor da morte. 
 
Todos as pessoas estão sujeitas a experimentar a angústia existencial, mas há também 
a angústia neurótica, aquela que surge no quadro das psicopatologias. Foi Freud quem a 
ela prestou destacada atenção desde os primórdios da sua psicanálise, chegando a 
propor a categoria nosológica da “neurose de angústia”. Esse quadro neurótico perdeu 
enfoque em sua obra posterior, porém não propriamente o afeto da angústia, que é 
analisada em muitos de seus textos e, inclusive, chega a ser posicionada como o 
fenômeno fundamental e o problema central das neuroses para a psicanálise. 
 
Assim, a preocupação freudiana em compreender teoricamente a angústia permeia todas 
as grandes fases da sua obra. Seja na clínica das neuroses atuais ou das psiconeuroses, 
Freud encontrou invariavelmente esse afeto na base do sofrimento de seus pacientes, 
expresso de maneiras à primeira vista tão diversas como dispneias, arritmias, 
expectativas ansiosas, fobias, ataques de “pânico”, terrores noturnos e pesadelos. 
 
A esse respeito, é importante dizer que Freud também aproximou a angústia da 
sensação do medo. A palavra alemã Angst pode designar as duas coisas e os tradutores 
debatem até hoje a esse respeito. Nesse sentido, a forma paradigmática de angústia é 
aquilo que todos nós já vivenciamos no pesadelo: dificuldade de respiração, peso no 
peito e, acima de tudo, a sensação de impotência frente a algo terrível que ameaça 
acontecer. Acordamos suados e em pavor. Por outro lado, quando esse terror acontece 
na vida cotidiana, podemos ver aí o famoso estado de pânico – trata-se de uma 
intensificação insuportável da angústia. 
 
Freud também observou a relação da angústia com as fobias. Nelas, o sujeito tenta de 
todas as formas se livrar da angústia ligando-a a uma situação ou objeto específico que 
passa a ser evitado ao máximo – as fobias são, precisamente, essas construções 
protetoras contra a angústia. Mas se pensarmos a angústia como medo, parece 
inicialmente contraditório dizer que o sujeito se protege do medo por meio de uma fobia. 
A chave para essa questão é o seguinte: a angústia indica uma forma de medo 
generalizado, sem um objeto específico. Assim, desenvolvendo uma fobia, o medo torna-
se localizável e é possível ao sujeito tentar evitá-lo afastando-se do objeto temido. 
 
Trago esse exemplo das fobias para explicar que a angústia, por definição, se diferencia 
do medo por não ter um objeto. E é isso que mais observamos na clínica diária: 
pacientes nos procuram angustiados, mas não sabem por qual motivo, não fazem ideia 
do que os angustia. Quando têm ataques de pânico, não sabem porque motivo ficam 
assim e o que desencadeia o processo. 
 
Afinal, então, o que desencadeia a angústia? Em um de seus principais trabalhos sobre o 
assunto, Freud afirmou que a angústia é um sinal de perigo frente a uma situação de 
perda muito temida. Essa situação varia ao longo do desenvolvimento psíquico do 
sujeito: para a criança muito pequena, trata-se do perigo do desamparo, pois ela é 
completamente dependente da pessoa que assume a função materna. Já na primeira 
infância, ganha destaque o perigo da perda do amor dos pais, pois o infante percebe que 
seus cuidadores não estão sempre disponíveis para ele. Mais tarde, quando as crianças 
percebem a diferença entre os sexos, o perigo fantasiado é a ameaça de castração. Já 
no período de latência, com a dissolução do complexo de Édipo, a angústia é 
transformada em temor de ser punido pelo supereu (a instância psíquica herdeira das 
proibições parentais), ou de perder o seu amor. A transformação final é o medo da 
morte enquanto temor do supereu projetado nos poderes do destino. 
 
Há pessoas que buscam um analista angustiadas com o perigo de perder um grande 
amor. Como mencionei, Freud localizou a origem disso no medo infantil da perda do 
amor dos pais, e daí tornou-se comum falar em angústia de separação. Mas Jacques 
Lacan inverteu essa proposição de Freud, trazendo uma contribuição ímpar à 
psicanálise: a angústia não é originada pelo perigo de separação, mas sim porque a 
separação ainda não se fez. 
 
Vale repetir: a angústia não é um simples sinal de perigo diante de uma perda de 
objeto. Ou seja, ela não constitui sinal de uma falta, mas sim o sinal da “falta da falta”. 
O que seria isso? Vamos dar um exemplo: para a criança pequena, em última análise, 
não é a falta da mãe que provoca a sua angústia, mas quando essa mãe nunca falta, 
nunca se ausenta, está sempre presente e buscando suprir suas demandas. Diz Lacan: 
“O que provoca a angústia é tudo aquilo que nos anuncia, que nos permite entrever que 
voltaremos ao colo” (2005, p. 64). Ou seja, não é angustiante a alternância da mãe 
entre presença e ausência, pois a criança aprende a simbolizar ativamente essa 
situação, comobem Freud ilustrou com jogo do Fort-Da de seu neto. Em outras 
palavras, o que tranquiliza a criança acerca da presença da mãe é a possibilidade de sua 
ausência. Comenta Lacan a esse respeito: 
 
“A criança fica perturbada ao máximo quando não há possibilidade de falta, quando a 
mãe está o tempo todo nas costas dela, especialmente a lhe limpar a bunda, modelo da 
demanda, da demanda que não pode falhar” (Lacan, 2005, p. 64). 
 
A demanda, seja da criança ou do adulto, engana porque não deve ser tomada 
literalmente, ao pé da letra. A angústia se constitui quando a essa demanda, sempre 
parcialmente falsa, se dá “uma resposta saturadora”, uma resposta “que não pode 
falhar”. Nesse raciocínio, o que a criança realmente pede à mãe não é o preenchimento 
completo da sua falta, pois ela precisa estruturar a relação de presença-ausência, tal 
como exemplifica a brincadeira do Fort-Da. 
 
Assim, é imperativo que a criança não tenha tudo o que demanda. Precisa-se preservar 
um vazio para a manutenção do desejo, e a angústia surge, justamente, para sinalizar o 
perigo dessa saturação. Esse é, precisamente, o mal-estar que vemos hoje em dia, mais 
do nunca: pais que não conseguem dizer “não” aos seus filhos, que tentam nunca 
frustra-los achando que, com isso, estarão fazendo-lhes um grande bem; e os filhos 
(crianças, adolescentes ou até adultos), como resultado, extremamente angustiados sob 
diversas manifestações: inibidos, violentos, hiperativos, usuários de drogas, etc… 
 
Qual o remédio mais efetivo para a angústia? Não é o ansiolítico, a “ritalina”, etc. A 
medicação apaga o sintoma, mas não transforma o sujeito. Somente a psicanálise sabe 
e defende que o único remédio efetivo para a angústia é o desejo. E para haver desejo, 
é necessário que o sujeito suporte a falta, ou seja, que nele se inscreva aquilo que, em 
psicanálise, chamamos de castração simbólica. 
 
Para haver desejo é preciso haver, primeiro, a falta. Se eu desejo algo ou alguém, é 
porque esse algo ou alguém me faz falta. Se, ao contrário, me sinto completo, nada 
tenho a desejar, pois nada me falta. Mas se não desejo, me angustio, pois um sujeito 
sem desejo não é mais um sujeito, ele se torna um objeto para o desejo e para o gozo 
do Outro. Por isso Lacan dizia que a angústia é a sensação do desejo do Outro, o temor 
de ser um objeto para esse Outro. Em outras palavras, o sujeito angustiado está sempre 
preso na ilusão de que deve satisfazer as demandas daqueles a sua volta e, ao mesmo 
tempo, o seu desejo fica em último plano ou ele nem mesmo o conhece… 
 
É possível superar a angústia pela sua evitação? Na neurose, a angústia é evitada de 
todas as formas: pelos sintomas ruminantes do neurótico obsessivo, nas queixas 
intermináveis do histérico, no temores do sujeito fóbico, no uso de drogas pelo 
toxicômano. A psiquiatria, quando age somente por via da medicação, não faz mais que 
continuar essa série, prometendo ao sujeito um mundo paradisíaco sem angústia. A 
psicanálise é a única prática que faz o contrário: ela não foge da angústia, ela possibilita 
ao sujeito uma escuta que tem por efeito dar-lhe a chance de suportar sua angústia 
para, então, atravessá-la e chegar ao desejo. 
 
Mas, como assim “atravessar” a angústia? 
 
Como afirmado por Lacan, o tempo da angústia não está ausente da constituição do 
desejo: “é depois de superada a angústia, e fundamentado no tempo da angústia, que o 
desejo se constitui” (2005, p. 193). Ou seja, não é possível superar a angústia por meio 
de sua evasiva, pode-se apenas atravessá-la no caminho para chegar ao desejo. 
 
Pode-se mesmo dizer, então, que a angústia serve para sustentar o desejo, porquanto 
este requer uma diferenciação entre o buscado e o obtido. Ela nos alerta do risco de 
sufocar o desejo, surgindo quando começa a se apagar a divisão entre o gozo neurótico 
do sintoma e a fruição da vida pelo desejo. Produzir o desejo é o melhor remédio para a 
angústia e, vale dizer mais uma vez, somente a psicanálise combate a angústia 
precisamente com esse remédio. Aos interessados, a psicanálise convida para uma 
travessia, sempre balizada pela angústia, do gozo para chegar ao desejo. Nessa trilha, 
de objeto passivo do gozo do Outro, pode o sujeito tornar-se desejante, ativo na 
produção de prazer para sua vida. 
Referência: 
LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. 
Por Marlos Terêncio 
Trabalho apresentado na I Jornada Psicanalítica de Biguaçu, em 5 de outubro de 2013.

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