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CARVALHO Soraya - A morte pode esperar (2014)

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Prévia do material em texto

A 
MORT� 
PODE 
ESPERAR? 
CLÍNICA PSICANALÍTICA DO SUICÍDIO 
[ ... ] Assim como amor e ódio por uma 
pessoa habitam em nosso peito ao 
mesmo tempo, assim também toda a 
vida conjuga o desejo de manter-se e 
o desejo da própria destruição. Do 
mesmo modo com um pequeno 
elástico esticado tende a assumir a 
forma original, assim também toda a 
matéria viva, consciente ou incons-
cientemente, busca readquirir a 
completa, a absoluta inércia da 
existência inorgânica. O impulso de 
vida e o impulso de morte habitam 
lado a lado dentro de nós. A Morte é a 
companheira do Amor. Juntos eles 
regem o mundo. [ ... ] No começo, a 
psicanálise supôs que o Amor tinha 
toda a importância. Agora sabemos 
que a Morte é igualmente importante. 
Soraya Carvalho 
A morte pode esperar? 
Clínica Psicanalítica do Suicídio 
Salvador - Bahia 
Setembro de 2014 
~ 
-----
© Soraya Carvalho, 2014 
© para esta edição, 2014 
!"edição: setembro, 2014 
Projeto gráfico da capa e primeiras páginas 
Alex Oliveira 
Revisão 
Adriana Tellçs 
Composição eletrônica 
Jotabele informática 
Depósito legal Impresso no Brasil / Printed in Brazil 
Sistema de Bibliotecas - UFBA 
Carvalho, Soraya. 
Suicídio / Soraya Carvalho. - 1. ed. - Salvador : Associação Científica 
Campo Psicanalítico 20 14. 
150 p.: il. 
1SBN 978-85-89388-18-4 
1. Depressão. 2. Melancolia. 3. Suicídio. 4. Psicanálise. I. 
Título. A morte pode esperar? Clínica Psicanalítica do Suicídio 
CDD - 616.8527 
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Dedico este livro àqueles que me confiaram seus 
sofrimentos mais íntimos e a quem eu ofereci em troca 
apenas uma escuta interessada e despida de preconceitos. 
; 
l 
Agradecimentos 
Inicialmente, gostaria de agradecer ao CIAVE, 
pela oportunidade de trabalhar numa clínica, na qual sou 
constantemente convocada a novas reflexões éticas e técnicas. 
Agradeço pelo respeito e reconhecimento ao meu trabalho, e por 
tornar meu sonho do NEPS uma realidade. Por fim, sou grata pela 
colaboração na realização deste livro. 
Aos pacientes, um agradecimento especial, por terem me 
concedido a chance de fazer parte de suas vidas num momento 
de extremo sofrimento. Foram os desafios dessa escuta que me 
motivaram a escrever este livro, e agora compartilhá-lo, para, 
quem sabe, poder contribuir para aqueles que atuam na clínica do 
suicídio. 
Agradeço aos estudantes dos cursos de graduação em 
Psicologia que, durante o período de estágio, pude participar da 
sua formação profissional, não somente com conhecimentos, 
mas, sobretudo, com valores imprescindíveis ao exercício da 
profissão, como o respeito e a seriedade em relação àqueles com 
os quais tratamos. Agradeço a oportunidade de dividir meus 
questionamentos, minhas dúvidas, meu saber, pois, como nos diz 
o psiquiatra cubano Sergio Perez, "um saber que não se socializa, 
não é um saber". 
À minha família, um agradecimento muito especial, pelo 
apoio incondicional. 
À equipe do NEPS, com quem divido diariamente a 
responsabilidade pela manutenção de um serviço sério e eticamente 
comprometido com o ser humano. 
Ao Campo Psicanalítico de Salvador, um lugar não apenas 
de formação, mas de interlocução para minhas inquietações 
e avanços teóricos. Agradeço também pela participação na 
editoração deste livro. 
l~ ·~1 
Apresentação 
Introdução 
Parte I - Depressão 
1. Depressão 
Sumário 
2. Depressão não é sintoma 
3. A relação sexual não existe, e eu com isso? 
4. Sintoma e fantasia fundamental 
Parte II - Melancolia 
5. Melancolia, um pouco de história 
6. Melancolia e psicanálise 
7. Melancolia: neurose ou psicose? 
8. O objeto a no luto e na melancolia 
Parte III - Suicídio 
9. Suicídio, um ato 
10. Suicídio, uma escolha 
11. Suicídio nas estruturas clínicas 
Parte IV - Clínica do suicídio 
12. Ética e suicídio 
13. Na clínica do suicídio a resposta do analista é orientada 
por que ética? 
14. · O bonde chamado desejo não circula mais ... só a van 
filosofia 
1 5. A interpretação no discmso melancólico 
16. A morte pode esperar por uma análise? 
; 
Apresentação 
Este livro é o produto de inquietações despertadas a partir de 
uma prática clínica de mais de duas décadas, acompanhando, em 
psicanálise, sujeitos que tentaram o suicídio ou que corriam o risco 
de fazê-lo, em contextos público e privado - respectivamente, no 
Centro de Informação Antiveneno/Núcleo de Estudo e Prevenção 
do Suicídio (CIAVE/NEPS), um ambulatório de saúde mental 
ligado à rede pública de saúde do estado da Bahia, e em consultório 
particular. 
Na clínica do suicídio encontramos sujeitos mergulhados 
numa angústia desmedida, perdidos nos emaranhados de 
uma existência marcada pela falta de sentido, desesperança e 
sofrimento. Esses sujeitos, quando nos chegam, na maioria das 
vezes, já tomaram sua decisão pela morte, de maneira que não 
estão em busca de ajuda ou tratamento. A morte não lhes faz 
enigma, razão pela qual não há uma questão a ser dirigida ao 
analista. Ao contrário, a morte é a certeza de uma saída para sua 
dor de existir. Essa é, portanto, uma clínica do limite, da urgência 
e do sofrimento psíquico extremo, com especificidades que nos 
11 
A MORTE PODE ESPERAR? 
colocam, em muitos momentos, diante de impasses técnicos e 
éticos, que nos levam a repensar e, por que não dizer, reinventar 
alguns conceitos. 
O desejo de compartilhar as inquietações vivenciadas nessa 
clínica, bem como as elaborações teóricas desenvolvidas a partir 
dessa prática, foi o que motivou a produção deste livro, que reúne 
artigos já publicados anteriormente, em coletâneas do Campo 
Psicanalítico de Salvador e em capítulos de livros diversos, além 
de trabalhos inéditos. 
Partindo da concepção do suicídio como uma manifestação 
1 
humana, como uma das respostas do sujeito frente ao real, isto 
é, à impossibilidade, este livro não tem como :finalidade concluir, 
mas, sobretudo, ampliar a discussão em tomo do ato suicida, 
desmitificando-o e convocando os analistas a não recuarem diante 
desse ato, tal como propôs Lacan diante da psicose. 
Yale salientar que não temos a pretensão de explicar o 
fenômeno do suicídio, reduzindo-o a causas psicológicas, sociais 
ou hereditárias. Em outras palavras, não iremos responsabilizar o 
ambiente, muito menos a biologia, na intenção de compreender 
tal fenômeno. Nosso enfoque será no suj eito, naquilo que ele tem 
de mais íntimo e particular, posto que, mesmo portador de uma 
história e inserido nwn contexto sociocultural, trata-se, sobretudo, 
de um ser de linguagem, um jàlasser, cujo corpo é sensível ao 
significante e cujas escolhas se orientam por outra lógica, a do 
inconsciente. 
Dessa forma, este livro tem como objetivo permitir ao 
leitor um maior entendimento sobre o que leva alguns sujeitos 
à enigmática escolha pela morte, e a reflexão se, diante do seu 
12 
APRESENTAÇÃO 
anúncio, há tempo de e o que fazer - ou seja, por que as pessoas 
decidem morrer e se a morte pode esperar por urna análise. Para 
isso, serão discutidas, à luz da psicanálise, algumas questões 
específicas dessa clínica e da consequente direção do tratamento. 
O livro está dividido em quatro partes: as três primeiras 
são dedicadas à discussão de alguns conceitos psicanalíticos 
importantes na clínica do suicídio, como depressão, melancolia e 
o próprio suicídio; a quarta parte destina-se a questões referentes 
à clínica propriamente dita. 
A primeira parte, DEPRESSÃO, está distribuída em quatro 
capítulos: o capítulo I traz as referências do conceito de depressão 
na obra de Freud e de Lacan; o capítulo 2 trata de uma afirmação 
de Freud no seu artigo Inibição, sintoma e angústia, retomado por 
Lacan em seu Seminário 1 O, de que depressão não é sintoma, mas 
inibição, para Freud, e afeto, para Lacan; o capítulo 3 apresenta o 
axioma lacaniano A relação sexual não existe, axioma que orienta 
a clínica psicanalítica, tornando indispensável sua compreensão 
paraa leitura deste livro; e o capítulo 4 esclarece a relação entre 
sintoma e fantasia, conceitos que fundamentarão a hipótese sobre 
os fatores determinantes do suicídio desenvolvida nos capítulos 
sobre a clínica. 
A segunda parte, MELANCOLIA, está dividida em quatro 
capítulos: o capítulo 5 conta com um breve histórico sobre a 
melancolia; o capítulo 6 introduz o conceito de melancolia e 
sua relação com a depressão, com o luto e a tristeza, a partir 
da perspecbva da psicanálise, percorrendo esse conceito nas 
teorias freudiana, lacaniana e pós-lacaniana; o capítulo 7 traz à 
tona a discordância entre autores psicanalistas acerca da posição 
13 
A MORTE PODE ESP ERAR? 
nosológica da melancolia, classificada como neurose ou psicose, 
debate crucial para a direção do tratamento; e o capítulo 8 discorre 
sobre o conceito de objeto na clínica do luto e da melancolia, uma 
distinção não menos importante na clínica do suicídio. 
A terceira parte, Surcioro, compreende três capítulos: o 
capítulo 9, Suicídio, um ato, retoma as características do ato no 
sentido analítico, definindo o ato suicida a partir do acting out e da 
passagem ao ato; o capítulo 1 O discute o suicídio como uma escolha 
do sujeito, partindo de duas situações - quando a morte escolhe 
o sujeito e quando o sujeito escolhe f morte - , exemplificando 
com um recorte de caso; o capítulo 11 salienta as particularidades 
do suicídio neurótico e do suicídio melancólico, tomando como 
referênCLa as respostas do sujeito diante do significante da falta no 
Outro, S(A), e do objeto a, objeto causa de desejo, correlacionando 
o ato suicida com a posição de objeto de gozo que um sujeito 
ocupa diante do Outro. 
A quarta parte, CLÍNICA oo Su1címo, está dividida em 
cinco capítulos: o capítulo 12, Ética e suicídio, define a ética para 
a psicanálise e, através de um fragmento de caso, questiona qual 
a posição ética do anal ista diante do anúncio de suicídio de um 
paciente; o capítulo 13 dá continuidade à discussão do capítulo 
anterior, introduzindo a hipótese do suicídio como uma resposta 
do sujeito ao real, portanto, passível de ser submetido à ética do 
bem-dizer; o capítulo 14, O bonde chamado desejo não circula 
mais .. . Só a van filosofia, retoma o conceito de depressão a 
partir da relação com o desejo, mais precisamente com as vias 
extraviadas do desejo adotadas pelo deprimido, e sua correlação 
com a lógica do discurso capitalista; o capítulo 15 apresenta as 
nuances do discurso melancólico, ilustrando-as com um recorte 
14 
APRESENTAÇÃO 
de caso, em que uma interpretação produz efeito de amarração, ao 
propiciar o surgimento de um significante novo com o qual o sujeito 
estabelece uma identificação narcísica e a consequente remissão do 
quadro melancólico; por fim, o capítulo 16 se inicia pela definição 
dos conceitos de tempo e de transferência para a psicanálise. Trata-
se da transferência numa clínica em que a suposição de saber não 
está posta, pelo menos a priori, estabelecendo um contraponto 
entre o ato suicida e o ato analítico, em que no primeiro a dimensão 
do tempo aponta para chronus, o tempo que se conta, o tempo da 
urgência, e, no segundo, a dimensão temporal é dada pelo tempo 
lógico, tempo do sujeito, tempo do inconsciente, para responder 
se, diante da decisão de morrer, há tempo para uma análise. 
Desse modo, esperamos que os capítulos que englobam 
os conceitos psicanalíticos, aliados aos capítulos da Clinica do 
suicídio, possibilitem ao leitor fazer sua própria travessia e, ao 
final, que ele possa responder à pergunta: a morte pode esperar? 
Boa leitura! 
15 
? , 
Introdução 
O sujeito do inconsciente não conhece a motte, isso quer 
dizer que não existe, no inconsciente, uma representação da morte. 
Então, por que as pessoas se suicidam? Por que para alguns sujeitos 
a morte se impõe como única saída? Se, diante do real, a resposta 
é sempre particular, por que alguns respondem com o sintoma e 
outros com o ato, e mais precisamente com um ato radical como 
o suicídio? 
O suicídio é um ato e, para a psicanálise, o ato é mais do que 
uma simples ação - ele possui características específicas, tomando 
seu conhecimento essencial para a clínica. Se, por um lado, o ato 
comporta uma dimensão de linguagem, a exemplo do ato falho 
e do Acting out, por outro, ele está além da linguagem, como na 
Passagem ao ato. O ato, como afirma Lacan no seu Seminário 
15, visa acabar com a indeterminação do sujeito, mas, ao mesmo 
tempo, ele é acéfalo, o que quer dizer que, no ato, o sujeito do 
inconsciente não se reconhece, está ausente, o ato é agido. Então, 
no suicídio, de que escolha se trata justamente ali onde o sujeito 
do inconsciente não está presente? De que escolha se trata, quando 
17 
117' 1 
1 
' 
---
A MORTE PODE ESPERAR? 
as dimensões do ato e do gozo se sobrepõem às dimensões do 
significante e do desejo? 
Classificado pelo Código Internacional das Doenças, 
capítulo XX da CID-1 O, como morte violenta por causas externas, 
isto é, morte não decorrente de doença (OMS, 1 Oª Revisão - CID-
1 O, 1995), o suicídio é um fenômeno complexo que não dispõe de 
urna explicação universal. Em linhas gerais, podemos dizer que 
o suicídio é uma manifestação humana, uma forma de lidar com 
o sofrimento. É até possível afirmar que o suicídio é uma carta 
na manga, aquilo de que o sujeito pode dispor quando a vida lhe 
parecer insuportável. 
1 
Ao longo da história da humanidade, o suicídio ou morte 
voluntária sempre esteve presente, adquirindo significados e 
valores diversos, a depender da civilização e do momento histórico. 
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), na atualidade, 
o fenômeno do suicídio vem ganhando proporções alarmantes, 
com taxas que ultrapassam um milhão de mortes/ano no mundo, 
representando uma média de um suicídio a cada 35 segundos, 
constituindo-se em uma das maiores causas de mortalidade no 
mundo, especialmente entre os jovens. 
A despeito de ser considerado um problema de saúde pública 
mundial e de representar mais da metade das mortes violentas no 
mundo, o suicídio ainda provoca uma série de questionamentos e 
embaraços, não apenas nos sobreviventes, isto é, aqueles que estão 
diretamente ligados ao sujeito que cometeu o ato, mas também 
nos profissionais que tratam esses suj eitos. Por mais humano e 
antigo que seja esse ato, ele continua causando perplexidade e 
indignação, posto que o suicídio ainda se constitui em um tabu, 
18 
'\ 
..., 
INTRODUÇÃO 
em tomo do qual persiste um grande preconceito. Tudo isso se 
reflete na dificuldade das pessoas em geral em lidar com aqueles 
que fizeram a escolha pela própria morte, o que impede, muitas 
vezes, que elas possam "enxergar" o sofrimento ou "ouvir" os 
pedidos de ajuda. Na maioria dos casos, tem1inam reduzindo e 
rotulando esse ato radical como um meio de chamar atenção e, 
por esse motivo, não o considerando digno de respeito e cuidado. 
Mas quem é esse sujeito que diz não à existência, tentando 
contra a própria vida? Para que lhe servirá o ato suicida? E, ainda, 
quando alguém já se decidiu pela morte, que ética deve orientar 
a prática do psicanalista? Há tempo para uma análise? Enfim, a 
morte pode esperar? 
19 
PARTE I - DEPRESSÃO 
' 
' I 
Capítulo 1 - Depressão 
[ ... ] onde está presente uma neurose - e não estou me referindo 
explicitamente apenas à histeria, mas ao status nervosus em 
geral - temos de supor a presença primária de uma tendência 
à depressão e à diminuição da autoconfiança, tal como as 
encontramos muito desenvolvidas e individualizadas na 
melancolia. 1 
A associação entre depressão e suicídio vem sendo citada 
em diversos estudos e pode ser amplamente verificada na clínica. 
Desse modo, uma compreensão aprofundada acerca da depressão 
toma-se indispensável para aqueles que pretendem tratar o suicídio. 
A depressão, hoje, segundo estimativa da OMS2, é um mal 
queacomete aproximadamente 100 milhões de pessoas em todo 
mundo, e, por essa razão, vem sendo considerada uma doença 
da modernidade. Mas seria a depressão um produto do discurso 
capitalista, como afirmam alguns? 
A história faz referências à depressão desde a Antiguidade, 
e a descrição da depressão pode ser encontrada em textos muito 
'FREUD, S. Um caso de cura pelo hipnotismo. [1 892- 1893]. In: Obras psicológicas 
completas. Rio de Ja-neiro: Imago, 1977, v. !, p. 176-7 
20rganização Mundial de Saúde (OMS). Relatório sobre a saúde no mundo 2001 - saúde l,, L 
I 
monral oo,a coocepção, ºº" ~ p,ra'I", """" (CH), MS; 200 L 
23 
A MORTE PODE ESPERAR? 
antigos, a exemplo da síndrome depressiva do rei Saul, no Antigo 
Testamento, ou mesmo o suicídio de Ajax, na Ilíada de Homero.3 
A depressão é um conceito e, como tal, sofre influências 
da cultura, já tendo sido associada às artes e às doenças. 
Aristóteles, por exemplo, compartilhava a teoria dos humores 
de Hipócrates, e desde o século IV a.C., considerava que os 
filósofos, políticos, poetas e artistas possuíam um temperamento 
predominantemente melancólico, determinado por um excesso de 
bile negra, responsável por lhes tornar pessoas mais profundas em 
suas emoções e percepções de vida4. De modo que a depressão 
melancólica foi sinal de genialidade criativa, num período em 
que a tristeza e o sofrimento profundo eram muito valorizados 
por manterem uma conexão estreita com a criação. O humor 
melancólico era um dom reservado a poucos, uma mais-valia no 
cenário artístico. 
Segundo Cordás (2002), o homem sempre sofreu de 
depressão, por isso ele a considera a mais íntima e familiar de 
todas as doenças mentais. Desse modo, o discurso capitalista não 
fabrica a depressão, mas faz dela um signo legitimado, ao qual 
são segregados os sujeitos que não compactuam com sua lógica, 
isto é: os fracos, os loucos, os deprimidos, posto que estes não 
consomem, vivem à margem da sociedade, são "marginais". Num 
discurso regido pelo imperativo do gozo e do sucesso, não há lugar 
para a falha, dor ou tristeza. Na lógica do capital, a depressão se 
constitui num signo de deficit, de fracasso e de menos-valia. Dessa 
forma, a depressão não é um produto do capitalismo, mas este, ao 
1
KAJ>LAN & SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Compêndio de psiquiatria: ciência do 
comportamento e psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 572. 
'CORDÁS, T. A. Depressão: da bife negra aos neurotransmissores. São Paulo: Lemos 
Editorial, 2002, p. 29-48. 
24 
" 
PARTE 1- DEPRESSÃO 
transformar os "improdutivos" em doentes, multiplica o número 
de deprimidos, para em seguida excluí-los e, com o auxílio dos 
psicotrópicos, silenciá-los. 
O termo depressão5 tem origem no latim deprimere, em 
que de significa baixar e premere, pressionar; pressionar para 
baixo ou pressão baixa. A palavra depressão deriva do termo 
depressus, também do latim, e que significa abatido ou aterrado. 
Quando aplicada à depressão mental, indica o rebaixamento do 
estado de espírito de pessoas padecendo de alguma doença. O 
termo depressão começou a ser utilizado nas discussões médicas 
sobre melancolia no século XVIII, mas apenas no século seguinte 
foi utilizado na psicopatologia. 
Quanto à palavra melancolia6, ela provém do grego me/anos, 
que significa escuro, preto, e cholia, que significa bife. Melancolia 
corresponde à transliteração da expressão melaine cole, cujo 
significado é bílis negra. Desde a Antiguidade, a melancolia foi 
estudada por Hipócrates, 400 a. C., criador da teoria dos humores. A 
teoria humoral pregava que a vida era mantida pelo equilíbrio entre 
os quatro humores: sangue, fleuma ou pituíta, bílis amarela e bílis 
negra, procedentes, respectivamente do coração, cérebro, fígado 
e baço. Para ele, a diferença encontrada nas doenças em geral se 
devia à variação desses humores. A melancolia, em especial, era 
desencadeada por uma alteração qualitativa ou quantitativa da 
bílis negra, geralmente associada ao seu excesso. Esse assunto 
será explorado no capítulo 2 - Melancolia. Em geral, a melancolia 
designa um estado de tristeza profunda e apatia. 
;J<iELElRO, A. Depressão e seus subtipos. Disponível em: <www.desvende.webmeeting. 
com.br/ ... /modulo03.pdt> 
6S0LOMON, A O demônio do meio-dia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 265. 
25 
A MORTE PODE ESPERAR? 
Partindo da concepção psicanalítica e, portanto, utilizando 
sua nosologia, observam-se, na clínica, dois grandes grupos de 
sujeitos que chegam com diagnóstico de depressão: de um lado, 
os melancólicos com um quadro clínico específico e, do outro, 
todos aqueles denominados "deprimidos", por cursarem um 
estado depressivo, independentemente de sua estrutura neurótica, 
psicótica ou perversa, mas que apresentam, em sua maioria, o 
humor triste associado à apatia. 
A psicanálise mantém-se fiel aos clássicos ao preservar o 
termo melancolia, para se referir a um quadro depressivo grave 
com características muito particulares, que se aproxima do que a 
psiquiatria denominava de psicose-maníaco-depressiva (PMD), ou 
ao que hoje o CID X classifica de transtorno afetivo e, em alguns 
casos, corresponde ao transtorno de personalidade. 
A depressão, segundo a teoria psicanalítica, não se constitui 
numa categoria nosográfica, nem mesmo pode ser considerada 
um s intoma no sentido analítico. Ela é, sobretudo, um afeto, ou 
simplesmente um estado. Verifica-se que sob o rótulo de depressão 
estão inseridos os mais variados tipos clínicos, tomando necessária 
a compreensão desse termo nas suas diferentes acepções. Este 
estudo se restringirá ao seu uso na perspectiva da psicanálise, 
fazendo um breve contraponto com a psiquiatria na atualidade. 
Depressão e psicanálise 
A depressão em Freud 
As primeiras referências à depressão nos escritos de Freud 
estão nas correspondências que ele enviou ao amigo F liess, 
entre 1892 e 1899, e que foram pub licadas em sua obra na 
26 
PARTE I - DEPRESSÃO 
seção Rascunhos. Nesses primeiros escritos, Freud se referia à 
melancolia e aos estados depressivos neuróticos como se fizessem 
parte do mesmo grupo psíquico, embora, mais tarde, ele tenha 
mudado sua opinião a esse respeito. Nesse período, ele utilizou os 
termos depressão periódica, melancolia de angústia, melancolia 
neurastênica, dentre outros, e somente a partir de 1915, com a 
publicação do artigo Luto e Melancolia, restringiu o emprego do 
termo melancolia para se referir a um quadro clínico particular. 
No Rascunho A 7, Freud (1892) considerava a depressão 
periódica um tipo de neurose de angústia, por seu desencadeamento 
estar associado à falta ou à inadequação de satisfação sexual, o que 
provocaria um acúmulo de energia sexual que se transformaria em 
angústia e depois em depressão. 
No Rascunho B8 , Freud (1893) aproximou a depressão 
periódica à neurastenia, pois, embora a depressão periódica 
tivesse sua causa relacionada à sobrecarga de energia sexual 
represada, nela também se verificava a existência de um trauma 
psíquico desencadeante, como na neurastenia, enquanto à 
melancolia propriamente dita era atribuída uma etiologia endógena 
e hereditária. 
No Rascunho E9 , Freud ( 1894) defendeu a hipótese de 
que os melancólicos, do ponto de vista sexual, são anestésicos, 
mas exibem, em contrapartida, uma intensa ânsia de amor, o que 
ele denominou de tensão erótica psíquica - concluindo assim 
que a melancolia seria o oposto da neurose de angústia, visto 
7F~UD, S'.'fGscunho A [1892). [n: Op. cit., 1977, v. I, p. 246. 
81d. Rascunho B [1893). ln: Op. cit., p. 253. 
9Jd. Rascunho E [1894) . ln: Op. cit., p. 268. 
27 
A MORTE PODE ESPERAR? 
que, enquanto na primeira haveria um acúmulo de tensão sexual 
psíquica, na segunda haveria um acúmulo de tensão sexual física. 
E, finalmente, no Rascunho G'º (1895), Freud tratou 
exclusivamente da melancolia, afirmando ser o luto seu afeto 
correspondente,caracterizado como o desejo de recuperar algo 
que fora perdido. Considerando que nesse período o conceito de 
objeto ainda não havia sido elaborado, a melancolia consistia num 
luto por perda de libido. Nesse momento, também, ainda não havia 
sido desenvolvido o conceito de narcisismo, fundamental para uma 
compreensão mais ampla da melancolia. No Rascunho G, sobre a 
melancolia hereditária, ele fez referência às suas formas periódicas 
ou cíclicas de manifestação com estados de mania. 
Tem-se , portanto, que, para Freud, inicialmente, a 
melancolia se constituía numa neurose atual e não numa neurose de 
defesa, uma vez que seu desencadeamento estaria condicionado a 
uma perda de libido na esfera sexual e não em processos psíquicos 
de defesa. Posteriormente, contudo, ele abandonou tal hipótese. 
A clínica também lhe permitiu perceber que não seria possível 
agrupar a melancolia de angústia e a melancolia neurastênica com 
a melancolia propriamente dita, por se tratarem de mecanismos 
distintos. Desde então, passou a empregar o termo depressão, 
no sentido descritivo, situando-o nas diversas categorias 
psicopatológicas, enquanto que o termo melancolia ficou restrito a 
um tipo exclusivo de adoecimento psíquico. De acordo com Freud, 
[ ... ] onde está presente uma neurose - e não estou me referindo 
explicitamente apenas à histeria, mas ao status nervosus em 
geral - temos de supor a presença primária de uma tendência 
à depressão e à diminuição da autoconfiança, tal como as 
'ºId. Rascunho G [1895). ln: Op. cit., p. 276. 
28 
PARTE I - DEPRESSÃO 
en111ntramos muito desenvolvidas e individualizadas na 
m1 lnncolia. 11 
Essa "tendência à depressão" na neurose pode ser verificada 
nos estados depressivos presentes em diversos casos clínicos 
tratados por Freud, conforme alguns exemplos a seguir: 
Histeria e Paranoia 
Frãulein Anna O, paciente de Breuer e Freud, foi descrita 
como uma moça inteligente e culta, portadora de uma série de 
sintomas, entre os quais contraturas musculares, redução do campo 
visual, tosse nervosa e absences alucinatórias. Segundo Freud, 12 
Seus estados de espírito sempre tenderam para um exagero, 
tanto na alegria quanto na tristeza; por conseguinte era as vezes 
sujeita a oscilações de humor. [ ... ].Uma violenta explosão de 
excitação era seguida por um profundo estupor. Havia dois 
estados de consciência[ ... ], ficava melancólica e angustiada, 
mas relativamente normal [ ... ] e no outro[ ... ] ficava ofensiva. 
Freud relata o caso da Sra. P 13 - um caso de paranoia, em 
que os fenômenos depressivos corresponderam ao início de sua 
doença e foram evoluindo com o aparecimento de alucinações 
visuais e auditivas, além das ideias delirantes de perseguição. 
Com relação a Emmy Von N 14, uma mulher de 40 anos 
que, após a morte precoce do marido, desenvolveu um quadro de 
histeria, embora seus sintomas psíquicos se manifestassem com 
uma quantidade pequena de conversão, Freud propôs que: 
" Id. Um caso de cura pelo hipnotismo (1892-93]. ln: Op. cit. , p. 176-7. 
121d. Estudos sobre histeria. II. Casos clínicos: Caso 1 - FrãuleinAnna O. [ 1895). ln: Op. 
cit., 1974, v.JI, p. 63;;6_§;..---
13Jd. Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa [1894). ln: Op. cit., 1974, v. 
III, p. 200-1 l . 
14ld. Estudos sobre histeria. 11. Casos clínicos: Caso 2, Emmy Von N., [ 1889). Tn : Op. 
cit., p. 131-2. 
29 
A MORTE PODE ESPERAR? 
[ ... ] eles podem ser divididos em alterações de temperamento 
(ansiedade, depressão melancólica), fobias e abolias (inibições 
da vontade). Ela sofria há vários meses de depressão, insônia 
e era atormentada por dores. 
Dora, a mais popular de suas pacientes, foi classificada como 
um caso de petite hystérie15, ou seja, uma pequena histeria com: 
[ ... ] os mais comuns de todos os sintomas somáticos e mentais: 
dispneia, tussis nervosa, afonia e possivelmente enxaquecas, 
juntamente com depressão, insociabilidade histérica e um 
taedium vitae, que provavelmente não era de todo autêntico. 
E, finalmente, Miss Lucy R 16, uma jovem governanta que: 
"sofria de depressão e fadiga e era atormentada por sensações 
subjetivas do olfato" e "ela estava, além disso, desanimada e 
fatigada e se queixava de peso na cabeça, pouco apetite e perda 
de eficiência". 
Ao analisar esse caso, Freud fez importantes considerações, 
como associar a depressão de Lucy R. a um trauma vivido por 
ela ( quando decepcionou-se profundamente com seu patrão, por 
quem havia se apaixonado), e também torná-la equivalente a um 
ataque histérico: 
Em nossas primeiras tentativas de tornar a doença inteligível, 
foi necessário interpretar as sensações olfativas subjetivas, 
visto que eram alucinações recorrentes, como sintomas 
crônicos. Sua depressão talvez fosse o afeto ligado ao trauma. 
[ ... ] Talvez seja mais correto considerar que as alucinações 
olfativas recorrentes, conjuntamente com a depressão que 
as acompanhava, como equivalentes de um acesso histérico. 
15
1d. Fragmento da análise de um caso de histeria (1905]. ln: Op. cit. , 1972, v. VH, p. 21-2. 
'
6
1d. Estudos sobre his teria. LI. Casos clínicos: Caso 3, Miss Lucy R. (1892]. Op. cit., p. 
153-4. 
30 
PARTE I - DEPRESSÃO 
Neurose obsessiva 
Na neurose obsessiva, o sujeito se defende dos seus desejos 
"impuros" reprimindo-os, e, em seu lugar, produz os mais variados 
sintomas. Diferentemente da histeria, que elege o corpo como 
palco para suas conversões, o obsessivo prefere mantê-los na 
esfera do pensamento, sob o formato de dúvidas, autoacusações, 
compulsões, podendo evoluir para atos e rituais obsessivos. 
Nessa neurose, as autoacusações , tão características 
dos quadros de melancolia, são frequentemente encontradas, 
merecendo, por isso, uma apreciação especial, com o objetivo 
de evitar avaliações clínicas equivocadas. Segundo Freud17, na 
neurose obsessiva, o afeto da autoacusação pode transformar-se 
em qualquer afeto desagradável, como por exemplo, vergonha, 
ansiedade hipocondríaca, ansiedade social, ansiedade rel igiosa, 
delírios de ser observado, entre outros . 
Por essa razão, os estados depressivos muitas vezes 
encontrados na neurose obsessiva podem ser formas de afetos e 
ideias obsessivas se manifestarem, o que levou Freud18 a afirmar: 
Muitos casos que, superficialmente examinados parecem ser 
hipocondria (neurastênica) comum, pertencem a esse grupo 
de afetos obsessivos; o que se conhece como neurastenia 
periódica ou melancolia periódica parece, em particular, 
resolver-se, com inesperada frequência, em afetos obsessivos 
e ideias obsessivas. 
Além disso , o sujeito obsessivo, mediante a perda do 
objeto de amor, manifesta uma tendência a desenvolver um 
luto patológico no Jugir do luto normal. Freud voltou a esse 
171d. Novos comentários sobre as neurops icoses de defesa [ 1896). ln: Op. cit., p. 197. 
181d. [bid., p.197. ""-
31 
A MORTE PODE ESPERAR? 
assunto cm /.,u/o e Melancotid 9 [1915], no qual esclareceu que 
o luto patológico na neurose obsessiva, expresso sob a forma de 
autorrecriminaçõcs, se distinguia do luto melancólico, porque 
na obsessão, diferentemente da melancolia, essas autoacusações 
ti veram origem em desejos inconscientes. Isso quer dizer que 
o sentimento de culpa e a autorrecriminação no obsessivo são 
decorrentes do fato de este ter, inconscientemente, desejado a perda 
do objeto amado. Todavia, "nos estados obsessivos de depressão 
que seguem à morte de uma pessoa amada", percebe-se que o 
conflito gerado pela ambivalência amor e ódio, em relação ao 
objeto, não é seguido pela concomitante regressão da libido ao 
eu, como se observa nos casos de melancolia. 
Em Luto e melancolia, artigo que Freud2º dedicou 
especialmente à explicação da melancolia, utilizando para isso 
sua correlação com o fenômeno do luto, ele considerava que tanto 
o luto quanto a melancolia seriam resultados de uma perda e se 
manifestavam de forma bastante semelhante: 
[ ... ] um desânimo extremamentepenoso, a cessação de 
interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, 
a inibição de toda e qualquer atividade. Entretanto, apenas 
na melancolia, se verifica uma diminuição dos sentimentos 
de autoestima, a ponto de encontrar expressão em auto-
recriminações e auto-envilecimento, culminando numa 
expectativa delirante de punição. 
Depressão não é sintoma, mas inibição. Essa foi a tese 
de Freud, publicada em 1925, no artigo Inibição, sintoma e 
Angústia21• Inibição foi definida como a redução de uma função do 
19
1d. Luto e melancolia (1915]. ln: Op. cit., 1974, v. XIV, p. 283-4. 
2ºLd. lbicl., p. 276. 
21
1d. In ibição, sintoma e angústia (1925]. ln : Op. cit., 1976, v. XX, p. 107, 110 e 11 1. 
12 
PARTE I - DEPRESSÃO 
eu, contrapondo ao sintoma, que seria quando uma função passou 
por alguma modificação ou quando uma nova manifestação surgiu 
dessa modificação. Para ele, na inibição e, portanto, na depressão, 
o eu evita entrar em conflito com as exigências provenientes do 
isso, ou seja, com as exigências pulsionais, não tendo, por esse 
motivo, que adotar novas medidas de repressão e, por conseguinte, 
abstendo-se da formação de sintomas. Com essa estratégia, o eu 
consegue manter sua supremacia sobre o recalque, mesmo que 
para isso tenha que lidar com limitações funcionais. 
Freud conclui esse texto afirmando que os quadros nos quais 
se verifica uma inibição geral das funções do eu são aqueles que 
caracterizam os estados de depressão na sua forma mais grave, 
ou seja, a melancolia. 
Dessa maneira, a psicanálise propõe que, diante da 
castração, do enigma do desejo do Outro, da impossibilidade do 
real, o sujeito lança mão de alguns recursos como o sintoma, a 
fantasia e a inibição. 
Ora, a castração é a operação que inaugura o sujeito 
no campo do desejo, mas também pode ser definida como a 
operação decorrente da sua entrada na linguagem. Por isso, 
dizer que um sujeito passou pela castração significa ao menos 
três acontecimentos: primeiro, que houve a constatação da falta 
no Outro, o que Freud chamou de Behjahum ou ! ª Afirmação; 
segundo, que dessa operação sobrou um resto, denominado por 
Lacan de objeto a, um objeto que fora para sempre perdido, razão 
pela qual ele se constituirá como o objeto causador do seu desejo 
e será responsável por impulsioná-lo na vida, numa busca cujo 
fim coincide com a própria morte; e terceiro, que essa perda terá 
.l 33 
A MORTE PODE ESPERAR? 
um valor de sacrifício e será sempre acompanhada da angústia, 
afeto que se tomará, por excelência, o afeto da castração. Por isso, 
sempre que o sujeito se deparar com o real, isto é, com situações 
em que a castração seja reproduzida, ele será convocado a se 
posicionar eticamente em relação ao seu desejo e ao seu gozo. 
Vale ressaltar que esse objeto a, objeto imaterial, mas de 
consistência lógica, é o mesmo objeto no desejo e no gozo. No 
primeiro, ele se apresenta como falta, sendo por isso o objeto causa 
de desejo; no segundo, enquanto objeto de gozo, e le é mais-de-
gozar e se apresenta como excesso. 
O real é um conceito lacaniano que não corresponde à 
realidade material, mas à falta de um significante na linguagem, 
o que impossibilita o sujeito de dizer tudo, e por isso se enquadra 
na categoria da lógica aristotélica do impossível. O real, esse 
impossível da linguagem que designa a falta no Outro, é outra 
forma de denominar a castração ( os conceitos de sintoma e fantasia 
serão novamente abordados nos capítulos: Sintoma e fantasia 
fundamental e Na clínica do suicídio a resposta do analista é 
orientada por que ética?). 
Dessa maneira, frente ao real , ou seja, à falta de um 
significante na linguagem - o que também pode ser dito como 
a falta de um significante no Outro ou, simplesmente, a falta no 
Outro - , o sujeito pode responder com o sintoma, a fantasia, a 
depressão, o ato. 
Afirmar que a depressão é uma resposta do sujeito ao real, 
isto é, à falta no Outro, não esclarece o teor dessa resposta. O 
deprimido é aquele que não consente a falta no Outro, preferindo 
adotar como resposta a posição de ceder do desejo, utilizando, para 
34 
PARTE 1 - DEPRESSÃO 
isso, o mecanismo denominado de evitação da castração. Evitar 
a castração é esquivar-se das situações nas quais ele tenha que se 
posicionar eticamente diante da falta, e, consequentemente, do 
objeto que causa seu desejo e que mantém seu gozo. 
Na teoria psicanalítica, o sintoma já adquiriu diversas 
definições tanto com Freud quanto com Lacan. Para Freud, ele foi 
uma formação de compromisso, o retorno do recalcado, uma forma 
substituta de a pulsão se satisfazer; para Lacan, foi uma mensagem 
cifrada, o modo como cada um goza do seu inconsciente, o que 
faz suplência à impossibilidade da relação sexual, entre outros. 
No final do seu ensino, a partir da introdução da topologia, 
e mais precisamente dos nós borromeanos, Lacan passou a 
considerar o sintoma como uma resposta ao real, isto é, como 
um recurso capaz de fazer suplência à falta do significante na 
linguagem, atribuindo a ele uma função primordial na efetuação 
da estrutura do falasser. O sintoma, a despeito das limitações que 
impõe ao sujeito, não o impede de continuar seguindo na vida 
em busca do seu objeto de desejo, ainda que para isso o sujeito 
eleja estratégias que reduzam seu desejo à insatisfação ou à 
impossibilidade, mas segue desejando e gozando com seu s intoma. 
Na inibição, por sua vez, o eu adota medidas restritivas 
a seu funcionamento, possibilitando ao sujeito inibido driblar a 
castração. A inibição identificada à depressão é aquela que vem 
acompanhada da angústia. Sendo a angústia o afeto da castração, 
quando um sujeito adota a inibição como defesa, em última 
instância, é da castração que ele está se protegendo. A inibição 
permite ao sujeito evitar o confronto com a castração e, através de 
I 
uma estratégia antecipada, ele consegue se proteger do encontro 
35 
A MORTE PODE ESPERAR? 
com o real, enquanto no sintoma se pressupõe que o sujeito não 
somente se deparou com a castração como teve que se virar 
com ela. Desse modo, o sintoma seria uma forma substituta de a 
pulsão se satisfazer e a inibição uma estratégia para não ter que 
lidar com as exigências da pulsão, como diria Freud, ou com a 
impossibilidade do real, como diria Lacan. Então, ao inibir funções 
do eu, como andar, falar e comer, o sujeito se ocupa com esses 
impedimentos e não tem que se dar ao trabalho de enfrentar a 
angústia da castração. Entretanto, segundo Freud22, uma função do 
eu sofrerá restrições inibitórias somente se os órgãos envolvidos 
em tal função estiverem acentuadamente erotizados. Além disso, 
a inibição também não pode ser confundida com um sintoma 
no sentido analítico, porque, diferentemente dele, o processo da 
inibição ocorre dentro do eu. 
Quanto ao sujeito neurótico, qualquer que seja a solução 
escolhida, sintoma ou depressão, será sempre um meio de obtenção 
de gozo, isto é, um modo de satisfação com o seu sofrimento. 
Todavia, ao passo que no sintoma o sujeito sustenta seu desejo, na 
depressão ele cede do desejo, refugiando-se num gozo mórbido, 
apático e inibitório, próprio da pulsão de morte. 
Assim, tristeza, depressão, luto e melancolia, ainda 
que guardem alguma semelhança entre si, são conceitos 
distintos. De maneira geral, a tristeza pode ser entendida como 
um sentimento humano, um afeto normal que expressa desânimo 
ou frustração, e, por isso, não deve ser tratada como doença. O 
luto, por sua vez, é uma reação frente à perda de um ente querido 
e se constitui num processo normal de elaboração dessa perda, em 
que o afeto da tristeza está presente. A depressão, por seu turno, 
22
1d. lbicl., p. 1 1 o. 
36 
PARTE I - DEPRESSÃO 
seria um estado em que a tristeza está associada à dor e à perda de 
capacidade, podendo, por isso, adquirir um aspecto de doença. A 
melancolia, também definida comoreação à perda de um objeto, 
se assemelha a um processo de luto, mas um luto gravemente 
adoecido. Propomos pensar que a tristeza está para a depressão 
assim como o luto está para a melancolia, e isso quer dizer que, 
se a melancolia se dá quando o luto ganha um cunho patológico, 
a depressão se dá quando a tristeza, ao se associar à dor, torna-se 
doentia. Isso não quer dizer que a depressão tenha sido elevada à 
categoria de uma doença no sentido nosológico, mas, antes, que 
se trata de um estado de grande sofrimento psíquico. 
A depressão em Lacan 
Nos escritos de Lacan, são raros os momentos em que 
ele menciona a depressão nos termos em que ela é concebida 
atualmente. A princípio, ele se referia a ela como dor de existir, 
expressão que tomou emprestado do Budismo. No ensino 
lacaniano, a dor de existir diz respeito à dor do desamparo da 
linguagem ao qual todos os falantes estão submetidos; ela é o 
preço pago pelo sujeito para se tornar um ser de linguagem. A dor 
de existir, portanto, é uma condição humana, não sendo exclusiva 
aos deprimidos, mas a todofalasser. 
O ser humano é determinado pela linguagem, razão pela 
qual, para existir, o falasser está condenado a alienar-se a ela. 
Como um ser de linguagem, entende-se ter sido constituído 
e afetado por ela. A isso Lacan acrescentou seu axioma: "o 
inconsciente é estruturado como uma linguagem", o que significa 
que ele é regido pelas mesmas leis: metáfora e metonímia, que 
correspondem à condensação e ao deslocamento respectivamente. 
37 
A MORTE PODE ESPERAR? 
É justamente por ter a estrutura de linguagem que o sujeito sofre 
seus efeitos23 • 
Ao nascer, o sujeito experimenta o desamparo da linguagem, 
desamparo que é estrutural e que o lança no campo do Outro, 
do qual depende sua sobrevivência. Desse lugar, o Outro deverá 
"ampará-lo" com seu desejo e seus significantes. Mas, para que 
isso ocorra, é necessário que o sujeito ocupe um lugar privilegiado 
no seu desejo. Ser fisgado pelo desejo do Outro lhe garante um 
lugar, que se denomina lugar no Outro. Ao desejar, o Outro mostra 
sua falta, falta que o sujeito acredita ser capaz de preencher, para 
finalmente tornar-se objeto do seu desejo. Todavia, o desejo do 
Outro se constitui num enigma para o sujeito, diante do qual ele 
responde com a fantasia. Dessa forma, ter um lugar no Outro, ao 
mesmo tempo em que protege o sujeito da angústia de castração, 
confronta-o com ela. Ou seja, o desejo do Outro lhe garante um 
lugar onde possa suportar a angústia de castração que ele mesmo 
produz. 
Nos casos em que o Outro não está lá para cumprir sua 
função - ou mesmo quando ele está, mas não coloca em jogo sua 
falta - o sujeito não contará com a "proteção" dos seus significantes 
nem com um lugar no seu desejo. Nessas condições, o desamparo 
da linguagem será experimentado de forma mais contundente, 
deixando o sujeito à mercê da própria sorte. Mais tarde, em 
situações nas quais esse desamparo inicial seja reeditado, muito 
provavelmente ele irá "reviver" esse sofrimento anterior, e a dor 
de existir se transformará numa dor perfurante e persistente, como 
''LI\CAN, J. Subversão do sujeito e a dialética do desejo [1957]. ln: Escritos. Rio de 
Junl.liro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 813. 
38 
PARTE I - DEPRESSÃO 
é possível constatar nos casos de melancolia e em alguns casos 
graves de depressão. 
Na neurose, a dor de existir pode se manifestar sob o título 
de uma depressão, e, na clínica, se apresentar por meio de um 
discurso queixoso, em que o sujeito atribui ao Outro a causa do 
seu sofrimento e da sua tristeza. Isso não ocorre na melancolia, em 
que o sujeito imputa a si mesmo a responsabilidade de todos os 
infortúnios que o destino lhe reservar. Além disso, Lacan identificou 
a presença da "dor de existir em estado puro" nos rnelancólicos24, 
dor que, segundo ele, não é idêntica à dor vivida como tristeza na 
neurose. Na melancolia, a dor de existir se transforma em uma 
existência de dor, alimentada por um culto à pulsão de morte e 
manifestada por um gozo que muito frequentemente precipita o 
melancólico num ato suicida. 
No seu Seminário sobre as psicoses, a propósito da noção 
de compreensão como o pivô da psicopatologia geral de Jaspers, 
Lacan criticou o que teria se tornado a finalidade da investigação 
psiquiátrica: restituir o sentido na cadeia dos fenômenos, o que, 
para ele, não seria falso. O falso seria conceber que o sentido é 
aquele que se compreende. Nessa linha, a compreensão seria dada 
pela evidência, mas nem tudo que é evidente num fenômeno pode 
servir para explicá-lo. Conforme Lacan25, 
[ ... ] Isso consiste cm pensar que há coisas que são evidentes, 
que, por exemplo, quando alguém está triste é porque não 
tem tudo o que o seu coração deseja. Nada mais falso - há 
pessoas que têm tudo o que os seus corações desejam e que 
24LACAN, J. Kant com Sade [1963]. ln: Op. cit., 1998, p. 788. 
25LACAN, J. Seminário livro 3: As psicoses [1955-1956]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 
Editor, 1981, p. 14. 
39 
A MORTE PODE ESPERAR? 
ainda assim são tristes. A tristeza é uma paixão de natureza 
inteiramente outra. 
Portanto, dizer que a tristeza não é propriamente o afeto 
experimentado por aquele cujo desejo não realizou é o mesmo 
que afirmar que a tristeza não é o afeto relacionado ao desejo, 
muito menos à sua frustração. Se um sujeito deseja, é mesmo 
porque ele passou pela castração, e o afeto da castração, como já 
foi mencionado, não é a tristeza, mas a angústia - esta é o sinal 
da aproximação de um perigo, o perigo da castração. 
Por essa linha, Colette Soler26 pergunta se o que deprime 
é o intolerável da castração. Sendo a castração o nome que se 
dá à perda inerente à entrada na linguagem, certamente ela está 
implicada na depressão, mas como condição, não como causa do 
afeto depressivo. Portanto, a castração não é o que deprime um 
sujeito; ao contrário, ela o lança na vida, numa busca incessante 
do objeto do seu desejo. Se a causa do desejo depende da eficácia 
da castração, o que Lacan nomeou de "potência de pura perda", 
ela é responsável pelo entusiasmo e pelas conquistas daquele que 
já teria sido "morto" pelo significante. De tal modo que o horror 
imposto pela verdade da castração não deprime, mas, ao contrário, 
desperta. 
Lacan aborda a tristeza depressiva em Televisão, como uma 
paixão e não como um estado da alma. Ele diz27: 
A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão, ao lhe dar 
por suporte a alma, ou então a tensão psicológica do filósofo 
Pierre Janet. Mas este não é um estado da alma, é simplesmente 
l<•SOLER, C. Um mais de melancolia. ln: Extravios do desejo: depressão e melancolia. 
Rio de .Janeiro : Marca d 'Agua, 1999, p. 105. 
17
1./\( 'AN, J. Televisão [ 1974]. ln: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 
2003, p. 5?.4. 
40 
PARTE ! - DEPRESSÃO 
uma falta moral, como se exprimiram Dante, ou até Spinoza: 
um pecado, o que significa covardia moral, que só é situado, 
em última instância a partir do pensamento, isto é, do dever de 
bem dizer, ou de se referenciar no inconsciente, na estrutura. 
Nessa passagem, Lacan propõe que a tristeza seja examinada 
a partir de dois registros: da ética ( e não na sua dimensão afetiva) 
e do saber. Ética e saber, portanto. Lacan considera a tristeza 
depressiva um pecado, uma covardia moral, justamente porque o 
sujeito deprimido se demite do seu dever ético de bem dizer seu 
desejo e seu gozo, isto é, de orientar-se no inconsciente, posto que 
ele nada quer saber sobre aquilo que o determina. 
Curiosamente, em 1892, ao analisar o mecanismo da 
histeria, Freud fez uma referência à covardia moral, termo uti lizado 
por Lacan para aludir à tristeza na depressão28 : 
Assim, o mecanismo que produz a histeria, representa, 
por um lado, um ato de covardia moral e, por outro, uma 
medida defensiva que se acha à disposição do ego. Com 
bastante frequência temos queadmitir que desviar excitações 
crescentes, provocando a histeria é, nessas circunstâncias, 
a coisa mais apropriada a fazer; com maior frequência, 
naturalmente, temos que concluir que uma dose maior de 
coragem moral teria sido vantajosa para a pessoa em causa. 
Identificar o recalque, mecanismo de defesa dos histéricos, 
a uma covardia moral, não significa que histeria e depressão sejam 
a mesma coisa, ou até que os histéricos sofram da mesma covardia 
moral que os deprimidos. O que Freud denominou de covardia 
moral na histeria se referia à submissão da sua sexualidade à 
moral da sociedade vienense da época. Para não ter que confrontar 
" FREUD, S. Estudos sobre histeria. II. Casos clínicos: Caso 3, Miss Lucy R. [l 892]. ln: 
Op. cit., p. 170-1. 
41 
A MORTE PODE ESPERAR? 
seus desejos sexuais "imorais" com a moral vigente, a histérica 
se acovardava, sucumbindo ao recalque dos seus desejos e assim 
produzindo seus sintomas, sua doença. A covardia moral que Lacan 
atribui ao deprimido não se refere à moralidade, mas à covardia de 
ceder do desejo, não pelo aspecto da moral e dos bons costumes, 
mas para não ter que enfrentar a castração. 
O deprimido, segundo Soler, é aquele que experimenta o 
par "dor-tristeza" além de uma diminuição de interesse ou de 
capacidade
29
• Entretanto, a tristeza não é a causa, mas um efeito. E, 
por mais variadas que sejam as formas que os estados depressivos 
se apresentem, eles têm em comum a suspensão da causa do desejo. 
Posto que o desejo é uma defesa contra o gozo, pode-se dizer que 
quanto mais o desejo está suspenso, maior será a presença do gozo; 
a autora conclui que "o estado depressivo é um modo de gozo", 
mas isso só pode ser operacionalizado se forem consideradas as 
particularidades de cada caso. 
O diagnóstico 
Na clínica psicanalítica, o diagnóstico é feito através do 
discurso do analisante, baseado nos fenômenos de linguagem que 
se apresentam nos seus ditos e no dizer. A semelhança entre os 
fenômenos depressivos na melancolia e na depressão pode gerar 
confusão no estabelecimento do diagnóstico, se este for baseado 
em evidências fenomenológicas. Nesses casos, corre-se o risco de 
reunir melancolia e depressão- isto é, uma categoria nosológica e 
um estado afetivo, num mesmo grupo psicopatológico - , podendo 
provocar consequências importantes na direção do tratamento. 
29S0LER, C. ln: Op. cit., 1999, p. 103. 
42 
PARTE I - DEPRESSÃO 
Além disso, se o diagnóstico de depressão for determinado 
através de e lementos como a insatisfação, a impotência, a 
inapetência ou a inércia, traços característicos do neurótico, 
acarretará um vertiginoso aumento da incidência de deprimidos 
na atualidade. 
Outro perigo nessa clínica é tomar a depressão como uma 
doença ou um sintoma, e com isso desresponsabilizar o sujeito 
quanto às suas escolhas e respostas frente ao real, negligenciando 
sua estrutura psíquica, seu desejo e seu gozo. Ao concordar que 
a depressão é um afeto, uma inibição, uma resposta do sujeito, 
ela deverá ser compreendida a partir de uma estrutura psíquica. 
E isso quer dizer que, ao se aceitar um deprimido em análise, ele 
deve ser a princípio acolhido, mas também escutado para além da 
sua queixa depressiva, não devendo ser reduzido a ela, visto que 
sua depressão se constitui em um dos recursos para lidar com sua 
condição de falta-a-ser, ou melhor, defalasser. 
Depressão e psiquiatria 
Em linhas gerais, a psiquiatria inclui a depressão no rol das 
doenças biológicas com etiologia preponderantemente hereditária e 
cujo principal tratamento é o medicamentoso, podendo, em alguns 
casos, associá-lo a uma psicoterapia cognitiva, por ser muitas vezes 
considerada pelos médicos a única psicoterapia capaz de contribuir 
no tratamento da depressão. Ao entender a depressão como uma 
doença biológica, a psiquiatria retira do sujeito a responsabilidade 
pelo seu adoecimento, atribuindo-o a fatores neurobiológicos. Por 
outro lado, quando se associa a depressão a fatores psicossociais, 
suas causas são imputadas a acontecimentos externos traumáticos 
e estressantes, determinados pelo ambiente e não pelo sujeito. 
43 
A MORTE PODE ESPERAR? 
O presente trabalho não tem a finalidade de fazer um estudo 
histórico da depressão no âmbito da medicina, mas apreendê-
la a partir da atualidade, estabelecendo um contraste com a 
psicanálise. Segundo os principais manuais psiquiátricos adotados 
na comunidade científica mundial, a depressão está incluída no 
DSM-IV, l 995 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos 
Mentais) no item Transtornos do Humor ou no CID-1 O, 1996-1997 
(Código Internacional das Doenças), corno Transtornos Afetivos. 
Os quadros são subdivididos em Transtornos Depressivos, 
Transtornos Bipolares e Outros Transtornos do Humor. O 
diagnóstico é determinado pela presença de determinados 
sintomas em função de sua duração, frequência e intensidade. 
Como principais sintomas, estão relacionados: humor deprimido 
( ou maníaco), alterações no sono, alterações no apetite, agitação 
ou retardo psicomotor, fadiga, culpa excessiva, pensamentos de 
morte, ideação suicida, tentativa de suicídio, entre outros. 
Observa-se que, nas últimas publicações desses manuais, 
os Distúrbios Afetivos ganharam várias subdivisões: no DSM-
1V30 são 29 subtipos para os Transtornos do Humor, enquanto 
no CID-10
31 
são 36 para os Transtornos Afetivos. Vale salientar 
que nessas subdivisões estão agrupados tanto quadros psicóticos 
quanto neuróticos, em razão de uma única interseção entre eles, 
a alteração do humor. 
A psiquiatria biológica a:firma32, por um lado, que a razão 
da tristeza é um drificit neuroquímico ou, por outro, um efeito 
'ºAssociação Psiquiátrica Americana (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de 
7}anstomos Menlais [2000] 4. ed. Revista. (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artmed, 2002 
11 
Classificação Eslatística !n1ernacio11a/ de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 
1 O. Revisão (CTD-10). São Paulo: Edusp [J 992), 2000. 
•?u ERBASE, J. Depressão não é sintoma, mas afeto. Inédito. 
•l<l 
PARTE 1- DEPRESSÃO 
do estresse. Assim, ao aceitar a hipótese de que a dopamina é a 
substância da alegria, se deduziu que a tristeza seria um déficit de 
dopamina. Quanto ao estresse, desde que foi compreendido como 
efeito de uma modificação da homeostase, a tristeza se tomou, 
por dedução, um estressor. Na opinião de Gerbase, o delicado é 
que não se considere essas hipóteses como conotativas e que se 
queira introduzi-las na psicologia sem a necessária redução, o que 
é exigível ao se tomar emprestado um conceito da física. 
A psiquiatria, diferentemente da psicanálise, agrupa os 
sujeitos deprimidos numa categoria única, a dos Transtornos 
Afetivos ou de Humor, independentemente da sua "patologia de 
base" ou mesmo de possuírem alguma patologia. 
Nessa perspectiva, a psiquiatria considera doente o sujeito 
acometido por alterações no humor, manifestadas num determinado 
período. Segundo o DSM-V, um sujeito que, após a morte de um 
ente querido, continue apresentando o humor triste num período 
superior a três semanas, já pode ser considerado portador de um 
transtorno. Em outras palavras, o luto, um trabalho absolutamente 
natural e necessário para a elaboração da perda de alguém 
essencial, deve ser suprimido num período de duas semanas, pois, 
caso ultrapasse esse tempo, o sujeito receberá o diagnóstico de um 
transtorno mental, podendo, inclusive, ser submetido à terapêutica 
medicamentosa. Restam as questões - por que não se pode mais 
chorar pelos mortos além de duas semanas? Por que não há mais 
lugar para a tristeza? A serviço de quem está a recomendação de 
medicar o luto se ele ultrapassar o tempo previsto, do médico, do 
paciente ou das indústrias farmacêuticas? 
45 
A MORTE PODE ESPERAR? 
Para a psicanálise, os estados depressivos são respostas do 
sujeito, e não, como entende a psiquiatria, urnadoença produzida 
pelo organismo. A posição ética do deprimido, em ceder do desejo 
e nada querer saber sobre isso, não faz dele um doente, mas um 
sujeito de uma escolha e que, portanto, deve responsabilizar-se 
pelo seu sofrimento. 
Ao propor a medicalização do mal-estar e da dor de existir, 
a medicina tem a pretensão de eliminá-los, enquanto a psicanálise, 
ao convidar o sujeito a falar, faz vigorar a falta, acenando para 
o desejo. Se, para Lacan, "o melhor remédio para a angústia é o 
desejo"33, e sendo a psicanálise orientada pela ética do desejo, 
ao falar, o sujeito não somente é "obrigado" a traduzir para 
significantes esse afeto real que é angústia como se empenha na 
busca do objeto que causa seu desejo. 
Dessa maneira, se na depressão o sujeito se extravia do 
desejo sem querer saber sobre sua determinação inconsciente 
ou sobre sua submissão ao significante, e considerando que a 
psicanálise se orienta pela ética do bem dizer, ela pode produzir 
um efeito antidepressivo, uma vez que convoca o sujeito a sair 
da inércia de um gozo mortífero para se entregar a uma aventura 
do desejo, ou melhor, de bem dizer seu desejo. Esse assunto será 
tratado nos capítulos sobre a clínica. 
33
LACAN, J. Seminário livro 8: A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1992, p. 357. 
46 
Capítulo 2 - Depressão não é sintoma 
A partir da constatação clínica da existência de neuroses nas 
quais se observava a presença de inibições, mas não de sintomas, 
Freud (1925), no artigo Inibição, sintoma e angústia34, defendeu 
a tese de que depressão não é sintoma, mas inibição. Segundo ele, 
inibição diz respeito à restrição de uma função do eu, enquanto 
sintoma se refere a uma modificação de uma função, descrita como 
uma formação sintomática. 
Lacan35, no Seminário da angústia, a ludindo a esse texto de 
Freud, acrescentou que, na inibição, trata-se de um impedimento -
não da locomoção ou da função, mas um impedimento do sujeito. 
Por sua própria etimologia, impedicare significa ser apanhado 
na armadilha. O sujeito inibido é aquele que foi apanhado na 
armadilha narcísica, e, como consequência, experimenta toda 
uma sorte de impedimentos, embaraços e perturbações. Nesse 
Seminário, ele argumenta que a angústia é um afeto36 e não um 
'FRF.UD, S. Inibição, sintoma e angústia [1925]. ln: Op. cit., p. 107. 
' I .ACAN, J. Seminário livro 10: A angústia [1962-1963]. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 
'OOS, p. 19. 
lei. lbid., p. 28. 
47 
,. 
\ 
A MORTE PODE ESPERAR? 
sentimento, mas, também, que ela é um sinal: "A angústia, de 
todos os sinais é aquele que não engana"37, posto que ela é sinal 
do real. Seu surgimento está atrelado ao desejo, mais precisamente 
ao enigma que representa o desejo do Outro para o sujeito. Tendo 
em vista a relação essencial que a angústia estabelece com o 
desejo do Outro, isto é, com a falta no Outro, Lacan deduziu 
que a angústia é quando a falta falta. Ora, se concordamos que 
nas depressões o desejo se encontra suspenso, paralisado, e se a 
angústia mantém com o desejo uma estreita relação, não é possível 
reduzir a depressão à angústia. 
Desse modo, se para Freud depressão não é sintoma, mas 
inibição, e, se para Lacan depressão não é sintoma nem angústia, 
para Gerbase "depressão não é sintoma, mas afeto"38. 
Gerbase esclarece a tese freudiana a partir de atualizações 
propostas por Lacan. Por funções do eu, entendem-se as atividades 
de andar, tocar, escrever, comer etc., que podem ser simplesmente 
funções objetivas. Entretanto, quando essas funções sofrem 
inibição, isso significa que a elas foi atribuída uma função 
subjetiva. A inibição seria a restrição de uma função subjetiva 
que estava vinculada a urna função objetiva. Essa vinculação 
ocorre somente se o órgão responsável por tal função estiver sob 
erotização. Por isso uma inibição tem finalidades bem específicas. 
Para atualizar a tese freudiana nos termos lacanianos, recorremos 
a Gerbase39 : 
Se, por exemplo, tocar, escrever, andar, comer são funções 
objetivas, quando estão inibidas é porque adquir iram uma 
significação fálica. A significação fálica é o que no dicionário 
171d. Ibid., p. 178. 
"GERBASE, J. Depressão não é sintoma, mas afeto. Op. cit. 
1
'
11d. Jbid. 
48 
PARTE 1- DEPRESSÃO 
se chama de significação metafórica, conotativa, em oposição 
à significação, literal, denotativa. Assim uma função objetiva 
pode, por alteração de sua finalidade se tornar uma função 
fálica, uma função de satisfação subjetiva. De modo que se 
uma função objetiva assume um sentido substitutivo, com uma 
conotação proibida, esta função objetiva pode ser inibida na 
medida em que ela representa um ato interditado, quer dizer, 
uma proibição de uma satisfação subjetiva. 
Dessa maneira, Gerbase conclui que "o sujeito restringe a 
função para não ter que adotar outra medida de defesa, tal como 
o recalque,[ ... ] evitando assim um conflito com seus impulsos", 
c a formação sintomática. 
O ponto de vista apresentado por Freud acerca do mecanismo 
da formação dós sintomas na neurose, presente nos seus primeiros 
escritos sobre as psiconeuroses de defesa40, baseava-se na ideia 
de que um representante psíquico (RP) era constituído de ideia 
(l) mais afeto (A), em que 
RP = I + A 
e apenas a ideia ( o significante) poderia ser recalcada, enquanto o 
afeto (a angústia) livre sofreria o deslocamento, ficando à mercê 
de vicissitudes específicas: na histeria, e le tomaria o destino do 
corpo, formando o sintoma de conversão; na neurose obsessiva, 
ele se ligaria a outras ideias, transformando-as em pensamentos e 
rituais obsessivos; enquanto na fobia, o afeto se uniria a um objeto, 
convertendo-o em um objeto fobígeno, constituindo os sintomas 
fóbicos. Para Freud41 : 
[ .. . ] Na histeria a ideia incompatível é tornada inócua pela 
soma de excitação em alguma coisa somática. Para isso 
eu gostaria de propor o nome conversão. [ ... ] ela opera ao 
"'FREUD, S. As neuropsicoses de defesa. [1894]. ln: Op. cit., 1976, v. ur, p. 61. 
" ld. lbid., p. 61. 
49 
A MORTE PODE ESPERAR? 
longo da inervação motora ou sensória que é relacionada ... à 
experiência traumática[ ... ]. 
Nesse mesmo artigo, ao se referir àqueles sujeitos que, 
embora tenham uma "disposição" para neurose, não têm a 
"aptidão" para a conversão, a saber, os neuróticos obsessivos, ele 
acrescenta42 : 
[ ... ] a fim de rechaçar uma ideia incompatível, ele se 
dispõe a separá-la do afeto dela, então tal afeto fica 
obrigado a permanecer na esfera psíquica. A ideia, agora 
enfraquecida, é ainda deixada na consciência, separada 
de toda associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-
se a outras ideias que não lhe sejam incompatíveis; e, 
graças a essa 'falsa conexão', tais ideias desenvolvem-se 
como obsessivas. 
Esse afeto, ao qual Freud se referia em seus primeiros 
escritos sobre a etiologia das neuroses, é a angústia, o mesmo que 
mais tarde ele atribuirá à castração. Por não poder ser submetida 
ao recalque, como os pensamentos, a angústia pode deslocar-se 
metonimicamente até atingir seu exílio no corpo ou no pensamento, 
lugar em que desfrutará alguma "paz", uma vez que as ideias 
responsáveis pela angústia estão mantidas no inconsciente, sob a 
custódia do recalque. 
Para compreender a asserção de Gerbase, segundo a qual 
"depressão não é sintoma, mas afeto"43, faz-se necessário retomar a 
noção de afeto em psicanálise, considerando suas especificidades, 
principalmente no ensino lacaniano. Apesar de ter sido acusado de 
não atribuir a devida relevância ao afeto, Lacan reservou todo um 
421d. Tbid., p. 64. 
43GERBASE, J. Op. cit. 
50 
PARTE I - DEPRESSÃO 
Seminário ao estudo daquele que ele considerou o mais importante 
deles, a angústia. 
A hipótese lacaniana e que a angústia é um afeto e não uma 
emoção baseia-se no pressuposto de que o afeto é da ordem de uma 
perturbação e não de um sentimento e, por isso, ele mantém uma 
"estreitarelação de estrutura com o que é um sujeito. "44 
Quando Lacan atribui à depressão a categoria de um 
afeto, não é para afirmar que o afeto da depressão é a angústia, 
embora ela esteja presente nos fenômenos depressivos. O afeto da 
depressão é a tristeza. Se a tristeza é um afeto, ela é um sentimento, 
e como todos os outros, ela mente, senti (ment), o quer dizer que 
os sentimentos, os afetos, camuflam sua causa, como afirmou 
Lacan no Seminário da Angústia. O único afeto que não engana 
é a angústia, posto que ela é real45• 
Por essa razão, quando Lacan considerou a depressão um 
afeto, foi justamente porque afeto não é um estado de humor nem 
uma emoção, e concerne ao corpo, não à alma. Sendo o afeto 
sujeito ao deslocamento, isto é, à metonímia, pode-se concluir que 
a tristeza depressiva está sujeita a tais efeitos. Por essa perspectiva, 
Lacan irá afirmar que, na depressão, a tristeza não é a causa, mas 
um efeito46 . 
Enquanto a psiquiatria biológica atribui ao estresse ou a um 
déficit neuroquímico a causa da tristeza, Lacan se inspirou nos 
clássicos, preferindo compreendê-la corno pecado ou covardia 
moral. São Tomás de Aquino, um dos grandes pensadores da 
Igreja Católica, transformou a doença que os antigos gregos 
44 LACAN, J. Seminário livro 10. Op. cit. p. 23. 
45 1d. Ibid., p. 88. 
46 GERBASE, J. Op. cit. 
51 
A MORTE PODE ESPERAR? 
denominavam tristeza em pecado, incluindo-a na lista dos 
pecados capitais - gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e 
orgulho. Foi nele que Lacan se inspirou para identificar a tristeza 
depressiva a um pecado - não no sentido da moral, mas no sentido 
de ceder do desejo e do dever ético de bem dizê-lo. Dante, por 
sua vez, acrescentou que os homens tristes se encontram no 
inferno, submersos em seu sofrimento, de onde obtêm satisfação. 
E a tristeza seria um tipo de punição que as pessoas que não se 
interrogavam sobre o pecado infligiam a si mesmas, deixando-se 
levar pelo sentimento de culpa47• 
A relação entre a tristeza depress iva e a ética do bem dizer, 
apresentada por Lacan em Televisão, foi inspirada na ética de 
Spinoza48, que visava determinar a lógica da afetividade. Este 
supunha a natureza como uma rede de conexões causais, em 
que a inteligibilidade deveria ser alcançada pelo pensamento. 
Segundo ele, as paixões con-espondem aos afetos dos quais não 
somos a causa adequada, pois são ideias que nos chegam de causas 
exteriores e se revelam confusas. Desse modo, ele reconhecia no 
afeto da tristeza uma ausência de tensão lógica do pensamento, 
contrariando os princípios da sua ética. Para combater o vazio 
do tédio decorrente da tristeza, resta o dever ético do bem dizer. 
O depressivo pretende sofrer de um estado de alma, quando na 
verdade comete uma falta do pensamento: ele se recusa a zelar 
pela tensão necessária à sua vontade para situar logicamente a 
causa que o determina na estrutura 49• 
47TEfXEfRA, Antônio M. R. Depressão ou lassidão do pensamento? Reflexões sobre o 
Spinoza de Lacan. Psicologia Clinica, v. 20, nº. 1, Rio de Janeiro, 2008. 
4Hfc[. lbid. 
'"lcl. lbid. 
52 
PARTE I - DEPRESSÃO 
O sintoma, definido como o retorno do recalcado ou o 
substituto de uma satisfação pulsional, como pensou Freud, em 
Lacan, em um percurso da metáfora à letra, foi definido como "a 
maneira como cada um goza de seu inconsciente"5º, ou "o que faz 
existir a relação sexual"51 , e, finalmente, o produto dos significantes 
de alíngua52 • Esses conceitos serão melhor explorados no capítulo 
seguinte. 
Qualquer que seja a definição psicanalítica do sintoma, 
nenhuma se aproxima da conceituação de depressão, visto que 
esta última não apresenta sua estrutura, sua consistência, nem 
sua função. Todavia, o fato de ambas se constituírem em formas 
de sofrimento e, portanto, meios de gozo, pode gerar alguma 
confusão. 
A depressão também não é a angústia, o afeto real produzido 
pela castração. Sua presença representa um sinal de perigo, isto 
é, um sinal da aproximação do desejo do Outro, enquanto a 
tristeza depressiva é um sentimento. Embora a angústia seja um 
afeto habitualmente presente nas depressões, ela não deve ser 
confundida com a tristeza, que engana sobre sua causa. Nesse 
sentido , pode-se concluir que a depressão não é um déficit na 
química cerebral, muito menos um sintoma ou angústia. Para 
a psicanálise, a depressão é um afeto sujeito ao deslocamento e 
capaz de produzir sofrimento no sujeito, sofrimento além de uma 
série de impedimentos. 
5ºLACAN, J. Seminário livro 22: RS!, 1975. lné<lito. 
51Jd. Seminário livro 23: O sinthoma [l 975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 98. 
52S0LER, C. Corpo fa lante. Caderno de Stylus, EPFCL, 201 O, p. 23. 
53 
A MORTE PODE ESPERAR? 
Para concluir, segundo Soler53, a depressão, na clínica, ao 
se apresentar como tristeza depressiva, embora possa se mostrar 
como queixa, e em alguns casos até motivar uma demanda, não 
deve ser compreendida como um sintoma, nem mesmo como 
angústia, mas, sobretudo, como um estado compatível com 
qualquer estrutura clínica. 
53S0LER, C. ln: Op. c it., 1999, p. 104. 
54 
Capítulo 3 -A relação sexual não existe, 
e eu com isso? 
Desde Freud, sabe-se que a especificidade da realidade 
sexual para o ser falante gira em torno da impossibilidade, pois, no 
que diz respeito à pulsão, jamais alcançará a satisfação completa. 
Para ele, o sintoma faz relação com o sexual, urna vez que o 
sintoma pode ser definido como um modo substituto de satisfação 
pulsional. Lacan defende a ideia de que o sexual no ser falante 
não faz relação, mas, tal como Freud, ele acredita que o sintoma 
faz relação com o sexual, ou melhor, que o sintoma faz suplência 
à relação sexual impossível. 
Lacan54 divide os seres sexuadas de forma que sua pertença 
sexual não dependa de sua anatomia nem de sua escolha objetal, 
mas, exclusivamente, das modalidades do seu gozo. Ao introduzir 
as fórmulas da sexuação, ele distribuiu os sujeitos em duas 
maneiras de inscrição na função fálica: o sujeito identificado do 
lado masculino, aquele que se encontra inteiramente submetido 
s•LACAN, J. Seminário livro 20.· Mais, ainda (1972-1973]. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 
1985, p. l5. 
55 
A MORTE PODE ESPERAR? 
à função fálica, é todo fálico e desfruta do gozo fálico; do lado 
feminino, encontram-se os sujeitos que não estão todos submetidos 
à função fálica e, por isso, assumem uma posição não-toda fálica 
no que diz respeito ao gozo fálico, dispondo do Outro gozo, um 
gozo a mais, suplementar, no corpo e para além do falo. 
Da posição dita masculina, existem duas condições 
necessárias para o sujeito gozar: a primeira é que ele tem que estar 
submetido à castração e a segunda, que da castração a lgo tenha 
escapado. Sem a castração não se goza, posto que, ao interditar o 
gozo, ela institui a falta e o desejo. O que escapou à castração é 
o objeto a, justamente o que permitirá ao sujeito gozar do corpo 
da mulher, através da fantasia. De modo que, quando um homem 
aborda uma mulher, ele está, em última instância, abordando o 
objeto a, ou seja, a causa de seu desejo. Nesse sentido, pode-se 
deduzir que o sujeito masculino só tem como parceiro o objeto a, 
como mostra a fónnula da fantasia (S O a). 
Fórmulas da sexuação55 
3: ,e <f) ,e TI c!JX 
V X (f> X VX <l>X 
J! 
.M 
<f> 
O falasser é aquele que sacrificou parte do seu gozo para 
falar. Mas existe ao menos um que ficou fora dessa inserção: a 
11 id. lbid., p. 105. 
56 
PARTE I - DEPRESSÃO 
mulher, que, atendendo à fantasia de um homem, pode nela alojar-
se como objeto. Dessa maneira, é possível afirmar que o homem 
goza do objeto, enquanto a mulher goza como objeto, mas não 
unicamente. No que tange ao gozo feminino, o sujeito pode gozar 
pela via fálica como histérica (<l>), ou no lugar de objeto de desejo 
na fantasia de um homem (a), ou no que falta no Outro, S(A), 
isto é, no Outro gozo, umgozo no corpo, suplementar e fora do 
significante. 
Dessa dissimetria entre os gozos masculino e feminino se 
produz o impasse entre os sexos. O gozo da mulher56 é construído 
dentro do discurso amoroso e do seu parceiro ela espera que lhe 
sejam endereçadas palavras de amor; o gozo do homem, por sua 
vez, implica uma silenciosa abordagem do objeto de sua fantasia. 
As palavras de amor que as mulheres tanto solicitam podem servir 
de anteparo simbólico para um gozo sem suporte significante, 
mas também possibilitam a uma mulher suportar-se na posição de 
objeto de desejo na fantasia de um homem, justamente porque o 
amor funciona como uma espécie de proteção para os infortúnios 
próprios desse lugar, o que propomos escrever: 
($0~) 
. O amor que lhe sustentava na condição de objeto de desejo, 
ao ser perdido, faz com que ela se experimente na outra face desse 
mesmo objeto, ou seja, como objeto de gozo. Assim, sem o amor, 
resta-lhe ser reduzida a objeto de gozo, gozo numa dimensão de 
resto, de dejeto. Identificada unicamente a objeto de gozo e não 
mais de causa de desejo para um homem, o sujeito feminino pode 
56Jd. ]bid., p . 109. 
57 
A MORTE PODE ESPERAR? 
precipitar-se em atos, não raro, em atos suicidas, caracterizados, por 
vezes, como actings, noutras como passagens ao ato ( esse assunto 
será tratado no capítulo Suicídio, um ato). Trata-se de tolerar, resistir 
a servir-se como objeto dor de sustentação nesta condição. 
A relação sexual não existe 
"A relação sexual não existe", afirma Lacan em L 'Etourdit 
e no Seminário 20. A fórmula "não há relação sexual"57 só pode 
ser articulada graças ao discurso analít ico, visto que a relação 
sexual só tem suporte na escrita, justamente no que ela não pode 
se escrever. Lacan introduziu a função da escrita para expl icar seu 
efeito no discurso analítico. Para ele, a condição de uma escrita é 
que ela seja sustentada por um discurso e, no discurso analítico, a 
relação sexual não pode se escrever como um verdadeiro escrito, 
justamente porque a lógica introduzida por e la aponta para a 
impossibilidade de escrever um dos gozos, o gozo do Outro, só 
sendo possível escrever o gozo fálico. Para Lacan, 
[ ... ] gozar de um corpo não diz respeito à questão do que faz 
Um, ou seja, à questão da identificação58 ou do amor; diz 
respeito à questão da escrita. A relação sexual é aquilo que 
' não pára de não se escrever'59• 
Trata-se aí, de uma impossibilidade lógica. 
Na relação sexual, é necessário disti nguir a maneira 
masculina ( toda fálica) e a feminina (não-toda fálica) de se 
posicionar em torno da inexistência60 da relação. A posição diante 
" ld . lbid., p. 49. 
'"Id. lbid., p. 14. 
'"ld. lbid., p. 127. 
"'GERBASE, J. Os paradígmas da psicanálise. Salvador: Associação Científica Campo 
Psica nalítico, 2008, p. 44. 
58 
PARTE [ - DEPRESSÃO 
do sexo não diz respeito ao gênero ou à anatomia, mas ao gozo 
eleito pelo falasser. 
" Il n 'y a pas de rapport sexuel" pode ser traduzida por "não 
há relação sexual", mas, também, por "não há proporção sexual". 
Dessa maneira, ele explicará sua fórmula sobre a impossibilidade 
da relação sexual, a partir de duas vertentes: pela proporção e 
pela equivalência, isto é, através da matemática e da topologia, 
respectivamente. Com a proporção matemática, utilizando a teoria 
dos conjuntos e com a equivalência, através dos nós borromeanos. 
A relação sexual não existe porque não há proporção 
A proporção, segundo Gerbase6 1, é uma propriedade 
matemática dos conj untos usada para se referir a uma relação 
biunívoca - a relação que associa cada elemento de um conjunto 
com um único elemento de outro conjunto e vice-versa. Desse 
modo, a impossibilidade da relação sexual é determinada pela 
irnpossibi !idade de estabelecer uma relação biunívoca entre o 
gozo fá lico, que pode ser escrito por (<1>), e o Outro gozo, o gozo 
não-todo fálico, que só pode ser representado pelo conjunto vazio 
[(cl>) = (0)]. 
Se não há relação biunívoca entre o significante do gozo 
fálico e o significante do Outro gozo, conclui-se que não há 
proporção sexual, ou seja, não há relação sexual entre aquele que 
se s itua na posição masculina e o que se situa na posição feminina. 
Po1tanto, não há relação entre os sexos, não há relação sexual. 
Enquanto na Instância da Letra o Outro era o lugar da fala, tesouro 
do significante, no Encore o Outro é o Outro sexo, o Outro gozo, 
" Jd. Deus é Ã Mulher: a f eminilidade em Lacan. Conexão Lacaniana, 2009. Vidco 
conferência. 
59 
A MORTE PODE ESPERAR? 
A Mulher. E o Outro sexo é Outro tanto para o homem quanto 
para a mulher, e para se ter acesso a ele, seja homem ou mulher, 
é necessário estar numa posição fálica. 
Nesse sentido, pela vertente da proporção, não há relação 
sexual porque não há proporção entre os gozos e, por conseguinte, 
não há proporção entre os significantes que possam escrever os 
dois gozos no inconsciente. 
Diante do gozo, o significante tem uma dupla função: por 
um lado, ele é a causa do gozo e, por outro, é o que lhe faz limite. 
Dessa forma, o significante torna-se responsável por determinar os 
modos de gozo. O gozo62 , antes afetado pela linguagem, passa a ser 
afetado por alfngua. Foi precisamente a definição do inconsciente 
como um saber sobre o corpo, corpo enquanto substância gozante, 
que possibilitou a Lacan considerar os efeitos de alíngua, e não 
mais da linguagem, como primordiais e decisivos na formação da 
identidade de gozo, e a definir como esses efeitos tomam o corpo63• 
O significante de alíngua é o significante na dimensão 
real, e o significante real é aquele que o sujeito escuta antes 
mesmo de ter assimilado seu sentido, produzindo um efeito de 
afeto. O significante real afeta o sujeito como uma comoção64 • A 
alíngua se produz à medida que o sujeito, na aquisição da língua 
materna, vai acumulando equívocos e mal-entendidos gerados 
pelos significantes que são ouvidos, mas que ainda não dispõem 
de sentido. Se "o inconsciente é um saber-fazer com alíngua"65, o 
significante de alingua faz cicatriz, marca o falasser e seu corpo 
''21,ACAN, J. Seminário livro 20. Op. cit., p. 190. 
º'SOLER, C. Corpo falante. ln: Op. cit., 2010, p. 27. 
"'rniRBASE, J. Sargento Pimenta. ln: CARVALHO, Soraya (Org.). O inconsciente e o 
111Htério do corpo falante. Salvador: Campo Psicanalítico de Salvador, 2009, p. 231-2. 
°'I ,!\('t\N, J. Seminário livro 20. Op. cit., p. 190. 
CiO 
PARTE I - DEPRESSÃO 
, u111 esses equívocos, que se vão fixando até formar uma identidade 
d~ gozo, que se constituirá em sua matriz sintomática, a partir da 
qunl se formarão os sintomas. Assim, a aiíngua cria o mistério do 
vorpo falante, ou seja, o rea1. 
Com() seres de linguagem, os sujeitos e seus corpos só se 
acoplam mediados por ela. Numa relação sexual, estão implicados 
ao menos dois sujeitos, dois gozos, dois significantes, dois corpos, 
com identioades que não são asseguradas pela anatomia, mas 
pelo gozo. Sendo o significante a causa do gozo, pode-se concluir 
que a identidade sexual é conferida pelo significante e que, na 
relação sexual, o que está em jogo é a relação entre significantes. 
Isso levou Lacan a propor que apenas os significantes copulam 
no inconsciente, ou seja, que "[ ... ] o homem faz amor com seu 
inconsciente"66. 
Na relação sexual, o parceiro do sujeito não é o Outro, mas 
quem vem substituí-lo no fom1ato da causa do seu desejo, o objeto 
a, que Lacan diversificou em quatro: objeto oral, objeto fezes, 
objeto olhar e objeto voz67 • Além disso, o Outro não é o Um nem 
se adiciona ao Um. O Outro é o Um-a-menos68, o que significa 
que ao Outro falta um significante. 
A relação sexual não existe porque há equivalência 
Por equivalência entende-se a correspondência entre 
proposições lógicas ou a igualdade entre grandezas. No seu 
Seminário 23, Lacan69 explica a relação sexual pelo viés da 
topologia, sob a luz dos nós borromeanos.

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