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APOSTILA DE DIREITO PENAL SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO 1. Conceito; 2. Direito Penal objetivo e subjetivo; 3. Direito Penal comum e especial; 4. Direito penal material e formal; 5. Funções do Direito Penal; 6. Fontes do Direito Penal; 6.1. Fonte material (substancial ou de produção); 6.2. Fonte formal (de cognição ou de conhecimento); 6.2.1. Fonte formal imediata; 6.2.2. Fonte formal mediata (secundária); II - APLICAÇÃO DA LEI PENAL 1. Princípio da reserva legal (estrita legalidade) e da anterioridade; 2. Lei penal ou norma penal; 2.1. Características; 2.2. Classificação; 2.3. Normas penais em branco (normas cegas ou abertas); 2.3.1. Normas penais em branco em sentido lato ou homogêneas; 2.3.2. Normas penais em branco em sentido estrito ou heterogêneas; 2.3.3. Normas penais em branco inversa ou avessa; 2.3.4. Normas penais em branco de fundo constitucional; 2.3.5. Normas penais em branco ao quadrado. 3. Interpretação da lei penal 3.1. Interpretação quanto ao sujeito; 3.1.1. Interpretação legislativa (autêntica); 3.1.2. Interpretação doutrinária (científica); 3.1.3. Interpretação jurisprudencial; 3.2. Interpretação quanto ao meio (método); 3.2.1. Interpretação gramatical (literária ou sintática); 3.2.2. Interpretação lógica (teleológica); 3.2.3. Interpretação progressiva (adaptativa ou evolutiva); 3.3. Interpretação quanto ao resultado; 3.3.1. Interpretação declaratória (estrita); 3.3.2. Restritiva; 3.3.3. Extensiva; 4. Interpretação analógica ou intra legem; 5. Analogia; 6. Analogia, interpretação extensiva e interpretação analógica; 7. Formas de procedimento interpretativo 7.1. Equidade; 7.2. Doutrina; 7.3. Jurisprudência. 8. A lei penal no tempo 8.1. Tempo do crime 8.2. Eficácia temporal da lei penal 8.3. Conflito de leis penais no tempo 8.3.1. Irretroatividade da lex gravior; 8.3.2. Retroatividade da lex mitior; 8.3.2.1. Abolitio criminis; 8.3.3. Ultra-atividade das leis penais temporárias e excepcionais (lei intermitente); 8.4. Combinação de leis; 8.5. Norma penal em branco e o conflito de leis no tempo 9. A lei penal no espaço 9.1. Lugar do crime; 9.2. Conceito de território; 9.3. Princípio da territorialidade temperada (regra); 9.4. Princípio da extraterritorialidade (exceção); 9.4.1. Princípios que fundamentam a extraterritorialidade; 9.4.1.1. Princípio da nacionalidade (personalidade); 9.4.1.2. Princípio da defesa (proteção ou real); 9.4.1.3. Princípio da justiça penal universal (justiça cosmopolita); 9.4.1.4. Princípio da representação (pavilhão ou bandeira); 9.4.2. Extraterritorialidade incondicionada; 9.4.3. Extraterritorialidade condicionada; 9.5. Eficácia da lei penal em relação às imunidades parlamentares e outras 9.5.1. Imunidade material (penal ou absoluta); 9.5.2. Imunidade formal (processual ou relativa); 9.5.2.1. Foro especial; 9.5.2.2. Imunidade à prisão; 9.5.2.3. Imunidade processual; 9.5.2.4. Imunidade para servir como testemunha; 9.5.2.5. Imunidade parlamentar e estado de sítio; 9.5.3. Presidente da República e Governadores; 9.5.4. Inviolabilidade do advogado (imunidade judiciária); 9.6. Conflito aparente de normas 9.6.1. Princípio da especialidade 9.6.2. Princípio da subsidiariedade 9.6.3. Princípio da consunção; 9.6.3.1. Crime progressivo; 9.6.3.2. Crime complexo; 9.6.3.3. Progressão criminosa; 9.6.3.3.1. Progressão criminosa em sentido estrito; 9.6.3.3.2. Fato anterior (ante factum) não punível; 9.6.3.3.3. Fato posterior (post factum) não punível; 9.6.4. Princípio da alternatividade; 9.7. Eficácia da sentença penal estrangeira; 9.8. Contagem de prazo. 9.9. Legislação penal. DIREITO PENAL I - INTRODUÇÃO 1. Conceito: "Direito Penal é o conjunto de princípios e regras destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal (pena ou medida de segurança)". (Cleber Masson) (sob o aspecto formal) Sob o aspecto sociológico, Direito Penal é um instrumento de controle social de comportamentos desviados, visando assegurar a necessária disciplina social. Obs. 1: o Direito Penal pertence ao Direito Público, pois suas regras interessam a toda a sociedade. Regula as relações do indivíduo com a sociedade e com o Estado. Quando o indivíduo pratica uma conduta considerada infração penal, estabelece-se uma relação jurídica entre ele e o Estado. Surge o ius puniendi do Estado. O violador da norma penal tem o direito de liberdade, ou seja, não ser punido fora dos casos previstos em lei. Obs. 2: diferença entre crime e contravenção penal Não há diferença essencial. Um fato que hoje é contravenção penal, amanhã poderá ser definido como crime. Nelson Hungria dizia que contravenção é um crime anão, ou seja, uma conduta com consequências de menor gravidade. O porte ilegal de arma e a embriaguez ao volante passaram de contravenção penal a crime. Diferenças: 1) a pena - crime é a infração penal a que a lei comina pena de detenção e reclusão, e, a contravenção a lei comina prisão simples (Lei de introdução ao CP); 2) as contravenções penais sempre são de ação penal pública; alguns crimes são de ação penal privada; 3) as contravenções penais não admitem tentativa; 4) o elemento subjetivo do crime é o dolo ou a culpa; não contravenção penal basta a voluntariedade. 2. Direito Penal objetivo e subjetivo Direito Penal objetivo é o próprio ordenamento jurídico-penal, o conjunto de leis penais em vigor. É constituído pelo Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) e as leis penais especiais (extravagantes), tais como a Lei de Armas de Fogo (Lei 10.826/2003), a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3688/41), Sonegação Fiscal (Lei 8137/90), Crimes de Trânsito (Lei 9503/97) etc. Direito Penal subjetivo é o direito de punir, o ius puniendi, exclusivo do Estado, que nasce no momento em que é violado o conteúdo da lei penal incriminadora. Mesmo nos casos de legítima defesa e de ação penal privada, o exercício desses direitos não é transferido ao particular, pois o Estado conserva o monopólio do direito de punir. O Direito Penal subjetivo é limitado, ou seja, condicionado: limite temporal (prescrição); limite espacial (princípio da territorialidade); e, limite modal (limitado pelo princípio da dignidade humana). Exceção: o direito de punir é exclusivo do Estado. Mas há uma exceção em que é tolerada a punição pelo particular. É a Lei 6.001/73, art. 57 - Estatuto do Índio: será tolerada a aplicação pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte. Deve haver respeito à dignidade da pessoa humana. A norma penal não cria direitos subjetivos somente para o Estado, mas também para o indivíduo. Se o Estado tem o ius puniendi, o cidadão tem o direito subjetivo de liberdade, que consiste em não ser punido senão de acordo com as normas ditadas pelo próprio Estado. 3. Direito Penal comum e Direito Penal especial (Cleber Masson) Direito Penal comum é aquele que se aplica a qualquer pessoa. É o caso do CP e as leis especiais, sujeitos à aplicação pela Justiça Comum. Direito Penal Especial é aquele que se aplica a pessoas que preenchem determinadas condições legais. Se a norma se aplica somente por meio de órgãos especiais constitucionalmente previstos, tal norma tem caráter especial. É o caso do Código Penal Militar, da Lei 1.079/50 (crime de responsabilidade do Pres. da República, Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da República, Gov. e Secretários de Estado) e o Decreto-lei 201/1967 (crimes de responsabilidade de prefeitos - "apropriar- se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; utilizar-se, indevidamente,em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas ..."). 4. Direito Penal substantivo ou material: é o próprio Direito Penal, composto pela totalidade das leis penais em vigor. Direito Penal formal: é o Direito Processual Penal, composto pelo conjunto de leis processuais penais em vigor. Denominado ainda de adjetivo. 5. Funções do Direito Penal As mais importantes são: a proteção dos bens jurídicos e a manutenção da paz social. Bem jurídico é o conjunto de valores ou interesses do indivíduo e da coletividade que são reconhecidos e protegidos pelo Direito Penal. Ex.: vida (crimes de homicídio, aborto), patrimônio (crimes de furto, roubo, estelionato), integridade física (crimes de lesão corporal), dignidade sexual (crimes de estupro, favorecimento a prostituição). Quem define quais os bens jurídicos importantes que merecerão a intervenção do Direito Penal é o legislador, sempre com base nos valores constitucionais (tanto os do art. 5º como os dispersos no texto constitucional) e na dignidade da pessoa humana. Paz social: o homem quando resolve viver em sociedade abre mão de uma parcela de sua liberdade. O Estado somente poderá interferir na órbita individual do cidadão quando a existência da sociedade, a paz social e a vida comunitária estiverem em risco. Somente será crime a conduta que puser em risco a paz social e a existência da sociedade. Guilherme de Souza Nucci entende que a função e a finalidade do Direito Penal se confundem com a finalidade da pena. A sua função é atuar quando os demais ramos do direito não foram suficientes, diante de um problema ou de uma lesão a um bem jurídico tutelado. A finalidade da pena retributiva (retribuir um mal injusto com um mal justo; é a punição) e preventiva, geral e especial. 6. Fontes do Direito Penal 6.1. Fonte material (substancial ou de produção): de onde provém o Direito Penal - União (órgão incumbido de sua elaboração - CF, art. 22, I). Obs.: Lei Complementar pode autorizar os Estados legislarem sobre questão específica de Direito Penal (CF, art. 22, parágrafo único). 6.2. Fonte formal (de cognição ou de conhecimento): refere-se ao modo pelo qual o Direito se exterioriza. 6.2.1. Fonte formal imediata: a lei (somente a lei cria os crimes e penas). Atentar para que os tratados internacionais, aprovados e ratificados pelo Brasil, ingressam no nosso ordenamento jurídico com força de lei (mas acima das leis - força supralegal) ou força de Emenda Constitucional (vide explicação abaixo); 6.2.2. Fonte formal mediata ou secundária: a Constituição Federal, os costumes e os princípios gerais de direito. a) Costumes - são normas de comportamento a que as pessoas obedecem de maneira uniforme (prática de atos da mesma espécie) e constante (reiteração contínua por período mais ou menos longo) pela convicção de sua obrigatoriedade. Os elementos objetivos são: uniformidade e constância. O subjetivo é a convicção da obrigatoriedade. O costume se distingue do hábito em razão da convicção de sua obrigatoriedade jurídica. O costume pode ser: contra legem (contra a lei), secundum legem (de acordo com a lei) e praeter legem (além da lei ou na ausência da lei). 1ª Questão - Lei penal não aplicada em razão do desuso - posso dizer que o costume (contra legem) revogou a lei? Exemplo: contravenção penal do jogo do bicho - artigo 58 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3688/41). R.: não, o desuso não revoga a lei, por força do art. 2º, §1º da LINDB 1 (Decreto-Lei 4657/42), segundo o qual uma lei só pode ser revogada por outra lei. Há corrente minoritária que diz que a contravenção do jogo do bicho foi revogada pelo costume. 2ª Questão - O costume pode criar um delito? R.: não, em razão do Princípio da reserva legal, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o define, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art, 5º, XXXIX, e, CP, art. 1º). 3ª Questão - O costume tem validade no campo das normas penais incriminadoras? R.: sim, trata-se do costume secundum legem, utilizado, não para criar um crime, mas servindo como elemento exegético (de interpretação) de certas expressões e consequente aplicação da lei. Ex.: "reputação" - art. 139 (difamação); "dignidade" e "decoro" (injúria) - art. 140; "repouso noturno" - art. 155, §1º (furto com causa de aumento de pena), "ato obsceno" - art. 233. 4ª Questão - O costume praeter legem pode ser utilizado nas normas penais não incriminadoras, cobrindo-lhes as lacunas ou lhes especificando o conteúdo e a extensão. No Direito Civil o exemplo seria do cheque pré-datado (ou pós datado). 5ª Questão - Qual o valor do costume em face das normas penais não incriminadoras? R.: no tocante às normas permissivas, ampliam a extensão das causas excludentes da antijuridicidade ou culpabilidade. Além das causas excludentes previstas no ius scriptum, o costume, como fonte secundária ou formal mediata, pode criar outras. São 1 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. as causas supralegais de exclusão da culpabilidade ou as causas supralegais de exclusão da ilicitude). Ex.: mãe que fura a orelha da filha. 6.2.2.2. Constituição Federal (normalmente a doutrina tradicional não inclui a CF como fonte do Direito Penal - vide a posição do professor Cleber Masson) A Constituição Federal não cria crimes e nem comina penas, o que cabe à União (CF, art. 22, IX) por meio de lei (CF, art. 5º, XXXIX). Mas, possui inúmeras disposições aplicáveis ao Direito Penal, tais como: XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (princípio da irretroatividade da lei penal); XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido (princípio da intransmissibilidade ou da personalidade da pena); XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes (princípio da individualização da pena): a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. 6.2.2.3. Princípios gerais de direito (PGD) "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,os costumes e os Princípios gerais de direito " (art. 4º da LINDB). Não há lacunas no Direito. Haverá, quando muito, omissões de previsão expressa. PGD - premissas éticas extraídas do ordenamento jurídico, que suprem lacunas e omissões da lei penal. Ex.: não punição da mãe que fura as orelhas do filho para colocar brinco. São regras que se encontram na consciência de cada povo e são universalmente aceitas, estejam ou não expressas em lei. Ex.: quem pode o mais pode o menos, ninguém pode beneficiar-se de sua própria torpeza. Obs.: a analogia não é fonte formal mediata do DP. É forma de autointegração da norma penal. A analogia será estudada adiante. Conforme a doutrina moderna, após a EC 45/2004, as fontes do Direito Penal ficaram assim: 1. Fontes formais imediatas: Lei; Constituição; Tratados Internacionais de Direitos Humanos; Jurisprudência (Súmula Vinculante). 2. Fonte formal mediata: a doutrina. 3. Fontes informais do Direito Penal: os costumes e os PGD não positivados. Tratados Internacionais de Direitos Humanos Os tratados internacionais podem entrar no nosso ordenamento jurídico com dois status diferentes. 1º status - Constitucional, se ratificado por quorum especial de 3/5 dos membros, em votação de dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional. O Tratado de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, aprovado pelo Decreto Legislativo 186/08,”, assinado em 30/03/07 e ratificada pelo Brasil em 01/08/08, é o primeiro com status constitucional. 2º status - Infraconstitucional, porém supralegal, ou seja, superior à lei - se ratificado por quorum comum. No histórico julgamento de 03.12.08 (HC 87.585-TO e RE 466.343- SP) o STF firmou o entendimento de que (só majoritário, por ora) os tratados de direitos humanos aprovados sem o quorum qualificado acima descrito valem como normas supralegais (ou seja: mais que a lei ordinária e menos que a constituição ). Venceu (por ora) a tese defendida pelo Min. Gilmar Mendes: cinco votos a quatro. Ficou vencida a tese do Min. Celso de Mello (no sentido da constitucionalidade dos tratados de direitos humanos). A partir desse histórico e emblemático julgamento impõe-se distinguir o seguinte: tratados de direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional com o quorum qualificado de dois terços (em dois turnos em cada Casa) valem como Emenda Constitucional. Os demais tratados (de direitos humanos), aprovados sem esse quorum, valem como normas supralegais. Numa ou noutra hipótese, de qualquer modo, é certo que o tratado de direitos humanos (quando entra em vigor no Brasil) derroga todas as normas legais contrárias (ou seja: a antinomia entre a lei, que está no patamar inferior, e os tratados - de nível superior - é resolvida pela derrogação da primeira). Como regra geral é http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 exatamente isso que deve ser observado (e é o que foi proclamado pelo STF). Foi com base nesse entendimento que o STF sublinhou que não cabe mais no Brasil prisão civil de depositário infiel (no HC 87.585-TO e RE 466.343-SP). GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos das pessoas com deficiência: a Convenção ainda não vale como Emenda Constitucional. Disponível em http://www.lfg.com.br. 20 de abril de 2009. Controle de constitucionalidade - é realizado quando a lei afronta a Constituição. Pode ser difuso ou concentrado. Controle de convencionalidade - é realizado quando a lei afronta os tratados de diretos humanos de caráter supralegal. Esse controle só pode ser difuso. II - PRINCÍPIOS Do Estado Democrático de Direito parte o princípio reitor de todo o Direito Penal, que é o da dignidade humana, adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e erigindo-o à categoria de Direito Penal Democrático. Da dignidade humana derivam outros princípios mais específicos, os quais propiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto é, sobre o seu conteúdo, em inúmeras situações específicas da vida concreta. Princípios são valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico. No Direito Penal, os princípios têm a função de orientar o legislador ordinário, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos. 1) Princípio da insignificância ou bagatela: originário do Direito Romano e de cunho civilista, funda-se no brocardo minimis non curat praetor. Foi introduzido no sistema penal por Claus Roxin em 1964 (jurista alemão, 1931-...). O Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, assuntos irrelevantes. Calcado em valores de política criminal, funciona como causa de exclusão da tipicidade. No terreno jurisprudencial, dispensam-lhe os tribunais, cada vez com maior frequência, destacado papel na tentativa de redução da intervenção penal, cujos resultados não traduzem, necessariamente, reforço na construção de um direito penal mínimo, principalmente diante do crescimento vertiginoso da utilização desse ramo do direito como prima ratio para solução de conflitos, quando deveria ser a ultima ratio. (STJ, RHC 31612/PB, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., DJe 29/5/2014). O STF e o STJ têm reconhecido a tese da inexistência de tipicidade nos chamados delitos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância. STF - circunstâncias que demonstram a inexistência da tipicidade material (todas objetivas): a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. (conforme decidido nos autos do HC nº 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU 19/04/2004) (STJ, AgRg no REsp 1.459.796/MG, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., DJe 07/05/2015). Reduzido valor patrimonial do objeto material: não autoriza, por si só, o reconhecimento da bagatela. Exigem-se também requisitos subjetivos. Não há valor máximo apto a limitar a incidência do PI. Sua análise deve levar em conta o contexto em que se deu a conduta. O STF já decidiu que não se deve levar em conta apenas o valor subtraído (ou pretendido) como parâmetro para aplicação do PI. O critério da tipicidade material deve levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. Não confundir delito insignificante ou de bagatela com crimes de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei 9099/95). O PI não existe no plano abstrato. Jurisprudência: a) "Tratando-se de furto de dois botijões de gás vazios, avaliados em 40,00, não revela o comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a condenação, aplicável o PI" (STF, AgRg no REsp 1043525/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, 2009). b) Furto de dois frascos de xampu, no valor de R$ 6,64 insere-se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela (STJ, 5ª T., HC 123.981/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 2009). c) "A subtração de gêneros alimentícios avaliados em R$ 84,46, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade material, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssima e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva, porquanto os bens foram restituídos". (STJ, 5ª T., HC 110.932/SP, Rel. MIn. Arnaldo Esteves Lima, 2009). d) O princípio da insignificância baseia-se na necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do Direito Penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, ausente dano juridicamente relevante. Sobre o tema, de maneira meramente indicativa e não vinculante, a jurisprudência desta Corte, dentre outroscritérios, aponta o parâmetro da décima parte do salário-mínimo vigente ao tempo da infração penal, para aferição da relevância da lesão patrimonial (STJ, HC 323.311/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 03/06/2016). Natureza jurídica do PI: causa supralegal de exclusão da tipicidade, por falta da tipicidade material (há apenas tipicidade formal). Crimes contra a Administração Pública: o STJ já decidiu que não se aplica o PI, pois a norma busca resguardar não somente o aspeto patrimonial, mas a moral da Administração STJ, 6ª T., HC 50863/PE, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 2006). Por sua vez o STF já admitiu em situações excepcionais. Crime de descaminho: a Fazenda Pública não ajuíza ação fiscal se o valor do débito for inferior a R$ 20 mil (Portaria MF 75/2012). Isso levou o STF a considerar atípico o fato, por influxo do PI (STF, 2ª T., HC 96.374/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2009). PI e tipicidade conglobante: a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Crime ambiental: há decisões em ambos os sentidos. "Predomina nesta Corte entendimento da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais, devendo ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto para aferir, com cautela, o grau de reprovabilidade, a relevância da periculosidade social, bem como a ofensividade da conduta, haja vista a fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações, consoante princípio da equidade intergeracional (STJ, RHC 64.039/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 03/06/2016). Crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa: não se aplica o PI (STJ, HC 136.059/MS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., DJe 18/04/2016). Crimes da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento): "A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que os crimes previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003 são de perigo abstrato, razão pela qual é desnecessária a comprovação de prejuízo para a configuração do ilícito e incabível a aplicação do princípio da insignificância" (STJ, HC 358.862/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 1º/08/2016). Crimes da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas): a jurisprudência do STF, via de regra, impede a aplicação do PI, uma vez que o bem jurídico protegido é a saúde pública. O STJ também (STJ, AgRg no REsp 1.578.209/SC, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 27/06/2016). Crimes militares: de acordo com a jurisprudência desta Corte, o princípio da insignificância não se aplica aos crimes militares. Precedentes (STJ, AgRg no AREsp 786.731/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 25/05/2016). Prevalece nesta Corte e no STF, o entendimento de que afigura-se inaplicável o princípio da insignificância ao delito de tráfico ilícito de drogas, pois trata-se de crime de perigo presumido ou abstrato, onde mesmo a pequena quantidade de droga revela risco social relevante (STJ, HC 195.985/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 18/06/2015). Valor sentimental do bem: exclui o PI, ainda que o objeto não apresente relevante aspecto econômico. Crime de menor potencial ofensivo (contravenção penal e crimes com pena até 2 anos, cumulado ou não com multa - art. 61 da Lei 9099/95): é possível o PI. Crime de médio potencial ofensivo (crimes com pena mínima até 1 ano e máxima acima de 2 anos): é possível o PI. Ex.: furto simples (CP, art. 155, caput). Crime de elevado potencial ofensivo (crimes com pena mínima acima de 1 ano e máxima acima de 2 anos): é possível o PI em alguns casos, desde que não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Questão da reincidência: o STJ já se posicionou favoravelmente à incidência do PI, por se tratar de causa de exclusão de tipicidade, que em nada se relaciona com a dosimetria da pena. O STF também já se posicionou nesse sentido, mas isso não é pacífico, havendo julgados em sentido contrário no STF e STJ. Contra: aplicar o PI seria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, especialmente tendo em conta aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. Assim, no caso concreto, a existência de antecedentes pode demonstrar a reprovabilidade e ofensividade da conduta, o que afastaria o PI. O princípio da insignificância não foi formulado para resguardar e legitimar constantes condutas juridicamente desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta de mínima ofensividade, considerados isoladamente, sejam sancionados pelo Direito Penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo insignificantes, quando constantes, devido à reprovabilidade, perdem a condição de configurar bagatela, devendo ser submetidos ao Direito Penal (STF, HC 133.252/MG, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 08/04/2016). A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas (STJ, HC 323.311/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 03/06/2016). Furto insignificante e furto de pequeno valor: no furto privilegiado a coisa é de pequeno valor (inferior a 1 salário mínimo); no furto de bagatela seu valor é insignificante para o Direito Penal. Habitualidade criminosa: impede o PI. Mas há decisão da 6ª Turma do STJ que reconheceu a sua aplicação. Atos de improbidade administrativa (Lei 8429/92): o STJ já decidiu pela inaplicação do PI, pois busca-se salvaguardar a moralidade administrativa. Atos infracionais (Lei 8.069/90): o STF admite o PI. O STJ também admite (STJ, HC 292.824/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 05/08/2015). A jurisprudência desta Corte tem pacificamente enunciado a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao fato cujo agente tenha praticado ato infracional equiparado a delito penal sem significativa repercussão social, lesão inexpressiva ao bem jurídico tutelado e diminuta periculosidade de seu autor (STJ, HC 163349; Proc. 2010/0032032-5/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 28/6/2010). PI e sua valoração pela autoridade policial: o STJ entende que somente o Poder Judiciário é dotado de poderes para efetuar o reconhecimento do PI. A autoridade policial está obrigada a efetuar a prisão em flagrante, cabendo-lhe submeter imediatamente a questão à autoridade judiciária competente. Cleber Masson discorda, pois se trata de atipicidade do fato. Princípio da insignificância imprópria ou da criminalidade de bagatela imprópria: aqui, ao contrário do PI própria, existe ação penal, mas o Juiz ao decidir, entende desnecessária a pena (Princípio da necessidade da pena - art. 59, caput). Funciona como causa supralegal de extinção da punibilidade. 2) Princípio da alteridade ou transcendentalidade (Claus Roxin): Proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente e que, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. O comportamento deve transcender a esfera individual do autor e ser capaz de atingir o interesse do outro. Autolesão - não é crime, em razão do PA, salvo quando houver intenção de prejudicar terceiros, como para fraudar seguro (art. 171, §2º, V do CP). Uso de droga (tão somente) - não é crime, idem. A Lei n. 11.343/2006 não tipifica a ação de "usar a droga", mas apenas o porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando facilitar a circulação pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de uso próprio. Assim, existe a transcendentalidade na conduta e perigo para a saúde da coletividade,bem jurídico tutelado pela norma do art. 28. "Não constitui delito de posse de droga para uso próprio a conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, incontinenti a consome" (STF, 1ª T., HC 189/SP, 2000). Nesse caso não houve detenção, nem perigo social, mas simplesmente o uso. Não confundir a conduta de portar para uso futuro com a de portar enquanto usa. Somente na primeira hipótese estará configurado o crime do art. 28. O PA veda a incriminação do pensamento e de condutas moralmente censuráveis, mas incapazes de penetrar na esfera do altero. Não se pune o suicida mal sucedido por isso. 3) Princípio da Confiança (requisito para a existência do fato típico) Funda-se na premissa de que todos devem esperar das outras pessoas que elas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando evitar danos a terceiros. Ex.1: médico que mata paciente com injeção trocada, durante cirurgia, que lhe foi passada erroneamente pela enfermeira; o médico não age com culpa, pois agiu impelido pela natural e esperada confiança depositada em sua funcionária. Ex.2: motorista que trafega por via preferencial na confiança de que veículo e pessoas da via secundária cumpra o seu papel social. Com efeito, não pratica conduta típica aquele que, agindo de acordo com o direito, acaba por envolver-se em situação em que um terceiro descumpriu seu dever de lealdade e cuidado. Mas não pode haver abuso de confiança, pois nesse caso haverá conduta típica. 4) Princípio da adequação social Todo comportamento que, a despeito de ser considerado criminoso pela lei, não afrontar o sentimento social de justiça não pode ser considerado típico. Não confundir com o PI, onde a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade. No PAS a conduta deixa de ser punida por não mais ser considerada injusta pela sociedade. Crítica: costume não revoga lei e o juiz não pode substituir o legislador e revogar lei em plena vigência. Ainda, o conceito de adequação social é vago e impreciso, criando insegurança e excesso de subjetividade material do tipo. Embora não possa ser aceito com exclusividade, pode colaborar com outros princípios, podendo levar à exclusão da tipicidade. 5) Princípio da intervenção mínima - subsidiariedade - fragmentariedade Um fato só pode ser considerado crime quando ofender ou colocar em risco um bem ou interesse. Assenta-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias. Ela tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade do DP. A intervenção mínima tem dois destinatários principais. Ao legislador ela exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando nota que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. Da intervenção mínima decorre a característica da subsidiariedade. O ramo penal só deve atuar quando os demais campos do Direito, os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela. A intervenção repressiva penal só tem sentido como imperativo de necessidade, quando a pena se mostrar como único e último recurso para a proteção do bem jurídico, cedendo a ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana a outros campos do Direito, e atuando somente em último caso (ultima ratio). A intervenção mínima e o caráter subsidiário do DP decorrem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e são uma exigência para a distribuição mais equilibrada da justiça. Cleber Masson diz que o Princípio da intervenção mínima subdivide-se em outros dois: a) Princípio da fragmentariedade - o DP não protege todos os bens jurídicos de violações: só os mais importantes. E dentre estes, não os tutela de todas as lesões: intervém somente nos casos de maio gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurídicos; b) Princípio da subsidiariedade - a atuação do DP só é cabível quando os outros ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Projeta-se no plano concreto. 6) Princípio da proporcionalidade (razoabilidade ou da convivência das liberdades públicas) Embora remontem à Antiguidade, suas raízes somente conseguiram firmar-se durante o período iluminista, principalmente com a obra intitulada Dos Delitos e das Penas, de autoria do Marquês de Beccaria, cuja primeira edição veio a lume em 1764. Em seu § XLII, Cesare Bonessana concluiu que, “para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”. O PP constitui-se em proibição ao excesso na cominação da pena pelo legislador, bem como na fixação da pena pelo juiz (deve ser a necessária), bem como na execução da pena. E ainda, veda a proteção insuficiente dos bens jurídicos (punições abaixo da medida correta). O PP possui três destinatários: o legislador (proporcionalidade abstrata), o juiz da ação penal (proporcionalidade concreta) e o os órgãos da execução penal (proporcionalidade executória). Esse princípio aparece em diversos artigos da CF: quando abole certos tipos de sanções (art. 5º, XLVII), individualização da pena (art. 5º, XLVI), maior rigor para casos de maior gravidade (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos graves (art. 98, I). O princípio da proporcionalidade da pena diz que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Do princípio da proporcionalidade são extraídas duas importantes vertentes, a saber: a proibição do excesso (übermassverbot) e a proibição de proteção deficiente (untermassverbot). "Sob a influência do princípio da proporcionalidade em seu duplo espectro – proteção contra o excesso e vedação da proteção penal deficiente –, não se mostra descabida a imposição cumulativa de cautelares alternativas como forma de proteger o bem ameaçado pela irrestrita e plena liberdade dos acusados, não se afastando o julgador dos vetores decorrentes do postulado da proporcionalidade – necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito –, evidenciando-se a inexistência de constrangimento ilegal a ser sanado" (STJ, HC 355.092/BA, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 23/06/2016). "Apesar da proibição contida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, é possível a substituição da pena por restrição de direitos, considerando que a vedação imposta configura tratamento genérico violador do princípio constitucional da proporcionalidade" (TJMG, Processo 1.0325.08.009178-9/001, Rel. Des. Adilson Lamounier, p. 6/7/2009). 7) Princípio da humanidade A vedação constitucional da tortura e de tratamento desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5, III), a proibição da pena de morte, da prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e das penas cruéis (art. 5º, XLVII), o respeito e proteção à figura do preso (art. 5º, XLVIII, XLIX e L) e ainda normas disciplinadoras da prisão processual, impõem ao legislador e ao intérpretes mecanismos de controle de tipos legais. Do PH decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do delinquente, ressalvados alguns dos efeitos extrapenais da condenação, como a obrigação de reparar o dano na esfera cível, que podem atingir os herdeiros do infrator até os limites da herança (CF, art. 5º, XLV). Decorre da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil consagrado no art. 1º, III, da CF. 8) Princípio da necessidadee idoneidade (decorrem da proporcionalidade) A incriminação de determinada situação só pode ocorrer quando a tipificação revelar-se necessária, idônea e adequada ao fim a que se destina, ou seja, à concreta e real proteção do bem jurídico. Do contrário o tipo penal será inconstitucional. 9) Princípio da ofensividade, princípio do fato Não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico. Este princípio considera inconstitucionais todos os chamados "delitos de perigo abstrato". Não se confunde com o princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente morais, éticos ou religiosos, mas tão somente os bens fundamentais para a vida social (aqui há uma limitação quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal). No Princípio da ofensividade só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto. Sem afetar o bem jurídico, não existe infração penal. Trata-se de princípio ainda em discussão no Brasil. Capez entende que subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio ainda embrionário, reprimindo- se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo concreto ou um dano efetivo. 10) Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico A função primordial do DP é a proteção de bens jurídicos fundamentais para a preservação e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, não podendo ser utilizado para resguardar questões de ordem moral, ética, ideológica, religiosa, política ou semelhantes. 11) Princípio da autorresponsabilidade Os resultados danosos que decorrem da ação livre e inteiramente responsável de alguém só podem ser imputados a este e não àquele que o tenha anteriormente motivado. Ex.: incentivo alguém voar de asa delta e ele morre. A culpa não é minha. 12) Princípio da responsabilidade pelo fato Existe um Direito Penal do fato, ou seja, você é punido pelo que você fez. Não há Direito Penal do autor, quando você é punido pelo que você é. Ex.: na Alemanha nazista se punia o judeu, o cigano etc. O art. 2º do CP: Ninguém pode ser punido por fato que deixa de ser considerado crime. A doutrina penal moderna critica a contravenção penal de vadiagem dizendo é direito penal do autor, pois é punido por seu estilo de vida. 13) Princípio da imputação pessoal O Direito Penal não pune quem não possua capacidade mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Não pune os inimputáveis, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa. O fundamento da responsabilidade penal é a culpabilidade (nulla poena sine culpa). 14) Princípio da personalidade ou da intranscendência Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa. A pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV). 15) Princípio da responsabilidade subjetiva Nenhum resultado objetivamente típico pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa, afastando-se a responsabilidade objetiva. O art. 19 do CP afasta a responsabilidade penal objetiva. 16) Princípio da coculpabilidade ou corresponsabilidade (Eugenio Raul Zaffaroni) Entende que a responsabilidade pela prática de uma infração penal deve ser compartilhada entre o infrator e a sociedade, quando essa não lhe tiver proporcionado oportunidades. Não foi adotada entre nós, mas há espaço para a sua aplicação nas atenuantes genéricas do art. 66 do CP, pelo magistrado. 17) Princípio do ne bis in idem Não se admite a dupla punição pelo mesmo fato. Com base nisso foi editada a Súmula 241 do STJ: "A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial". Ex.: quem comete um homicídio por motivo fútil, responde pelo art. 121, §2º, inciso II do CP, não podendo responder também pela agravante genérica do art. 61, II, "a". 18) Princípio da isonomia ou da igualdade A obrigação de tratar igualmente aos iguais, e desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades. 19) Princípio da culpabilidade: ele não se encontra no rol dos chamados princípios constitucionais expressos, podendo, no entanto, ser extraído do texto constitucional, principalmente do chamado princípio da dignidade da pessoa humana. Possui três sentidos fundamentais: 1) culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime; 2) culpabilidade como princípio medidor da pena; 3) culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva (responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado). "A colocação em estado de inconsciência decorrente de caso fortuito ou de força maior resulta na atipicidade dos resultados lesivos produzidos pelo agente em tal condição, não havendo que se falar em responsabilização criminal, sob pena de violação ao princípio da culpabilidade" (STJ, AgInt no HC 350.918/SC, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, 6ª T., DJe 03/05/2016). 20) Princípio da dignidade da pessoa humana: é uma qualidade irrenunciável e inalienável, que integra a própria condição humana. É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o mais vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel, é portador desse valor. Conceito de Ingo Wolfgang Sarlet: “é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. II - APLICAÇÃO DA LEI PENAL 1. Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade (art. 1º do CP e art. 5º, XXXIX da CF) e da anterioridade "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Nullum crimen nulla poena sine lege. É cláusula pétrea, direito de primeira geração (ou dimensão). Preceitua a exclusividade da lei para a criação de delitos (e contravenções penais) e a cominação de penas (e medida de segurança). A lei disse menos do que queria, por isso, pela interpretação extensiva, inclui as contravenções penais e as medidas de segurança, espécie de sanção penal. Fundamento jurídico: é a taxatividade, certeza ou determinação para o legislador no sentido de criar crimes e cominar penas somente por lei (não há espaço para analogia in malam partem), bem como para o juiz (a lei é a fonte e a medida do direito de punir). Ao legislador cabe a tarefa de selecionar as condutas mais graves que merecem a tutela penal (função seletiva do tipo). Fundamento político: é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado. E o Judiciário e o Executivo se vinculam à lei penal abstrata. Fundamento democrático: é o respeito à divisão de poderes ou separação de funções, pelos próprios poderes, respeitando a lei. Natureza jurídica: limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais. É garantia contra o arbítrio estatal. Origem: O Princípio da reserva legal possui origem histórica no Direito Romano e na Magna Carta Inglesa, de João Sem Terra, de 1215; - Consagrou-se na América com a Constituição de Maryland, de 1776; - Foi contudo na Declaração dos Direitos do Homem na RevoluçãoFrancesa, de 26/8/1789, que o princípio foi formulado em termos precisos. - A Constituição brasileira de 1824, do império, trouxe a aludida regra. - Está prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - art. 9º, da qual o Brasil é signatário. O princípio da legalidade é sinônimo de princípio da reserva legal? R.: 1ª Corrente - sim. 2ª Corrente - não se confundem. O Princípio da legalidade toma a expressão lei em sentido amplo (todas as espécies normativas do art. 59 da CF - Emenda Constitucional (EC), Lei Complementar (LC), Lei Ordinária (LO), Medida Provisória (MP), Lei Delegada (LD), Decreto Legislativo (DL) e Resolução (R). O Princípio da reserva legal toma a expressão lei no sentido estrito, abrangendo somente LO e LC. Esta é a posição do professor Flávio Augusto Monteiro de Barros. 3ª Corrente - considera que o PL nada mais é do que o Princípio da anterioridade, mais o Princípio da reserva legal. O PL só existe se você tem reserva legal somada à anterioridade. O CP adotou sim o PL porque junto com a RL exige respeito à anterioridade. Esta corrente prevalece na doutrina. PL = RL + ANTERIORIDADE. P.1: A Medida Provisória pode criar crime? R.: Não. P.2: A MP pode versar sobre Direito Penal? R.: em regra não, por força da CF, art. 62, §1º (veda a edição de MP sobre matéria relativa a direito penal, processual penal e processual civil). Contudo, há uma corrente minoritária, liderada por LFG que entende ser possível em normas não incriminadoras. Obs.: em dois casos o STF admitiu MP em norma penal não incriminadora: - RE 254.518/PR - MP 156(7)1/97 que permitiu o parcelamento de débitos tributários e previdenciários (sonegação) com efeito extintivo da punibilidade - admitiu a MP pro reo; - Estatuto do Desarmamento - Lei 10.826/03 - os arts. 30 e 32, por meio de Medida Provisória, criaram uma abolitio criminis temporária, ao fixar prazo para a regularização de armas de fogo ou a sua entrega (campanha do desarmamento). P.3: Lei delegada pode criar crime? Não, o art. 68, §1º da CF traz o rol taxativo de possibilidades. A CF veda à lei delegada versar sobre direitos individuais, logo, não pode versar sobre DP. Princípio da anterioridade: decorre também do art. 5º, XXXIX, da CF, e do art. 1º do C, quando estabelecem que o crime e a pena devem estar definidos em lei prévia ao fato cuja punição se pretende. A lei penal produz efeitos a partir de sua entrada em vigor não se admitido retroatividade maléfica. Não pode retroagir, salvo se beneficiar o réu. É proibida a aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante seu período de vacatio. Mas há entendimentos no sentido de aplicabilidade da lei em vacatio, desde que para beneficiar o réu. Legalidade formal e material - uma lei deve ser formalmente legal (obedecer ao processo legislativo) e material legal (obedecer o conteúdo da CF e dos tratados internacionais de direitos humanos (garantias - lei válida). Para que a lei seja válida deve respeitar a Constituição e os tratados de direitos humanos (caso não tenham status constitucional) no conteúdo. Casos recentes de inconstitucionalidade de leis: a) Foro por prerrogativa de ex-função - Lei 10.628/02: esta lei alterou o artigo 84 do CPP, criando foro por prerrogativa de ex-função e estendendo isso também para os atos de improbidade administrativa. Ela foi declarada insconstitucional - ADIN 2797, pois somente EC poderia ampliar tal rol, já que se trata de matéria constitucional, e ainda, feriu a isonomia, pois não poderia ser estendido para ex-autoridades. b) Regime integralmente fechado ou inicialmente fechado - Lei 8.072/90 - Lei dos crimes hediondos: a redação original vedava a progressão de regime (integralmente fechado); posteriormente, foi alterado pela Lei 11.464/07, que estabeleceu o regime inicialmente fechado; foi considerado pelo STF inconstitucional por ferir o princípio da individualização da pena, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. Foi editada a Súmula Vinculante 26. 2. LEI PENAL OU NORMA PENAL 2.1. Características da lei penal a) Exclusividade - somente a lei penal define o que é crime e comina penas (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º); b) Imperatividade - se impõe às pessoas, independente de concordância. c) Generalidade - se dirige a todos, inclusive os inimputáveis, erga omnes. d) Impessoalidade - projeta seus efeitos abstratamente para fatos futuros, para qualquer pessoa. Há duas exceções (fato concreto): lei de anistia e abolitio criminis. e) Anterioridade - as leis penais incriminadoras apenas podem ser aplicadas se estavam em vigor quando da prática da infração penal, salvo nos casos de retroatividade benéfica. 2.2. Classificação da norma penal 2.2.1. Norma penal incriminadora (norma penal em sentido estrito): aquela que descreve o crime e comina a pena. Há duas partes distintas: - o preceito (ou preceito primário - preceptum juris); - a sanção (preceito secundário - sanctio juris). A lei penal não é proibitiva, mas descritiva (Karl Binding, criador do tipo penal). A proibição é indireta (teoria das normas). A conduta criminosa não transgride a lei, mas sim o preceito proibitivo contido na lei (norma). O legislador não diz expressamente que é proibido matar, e sim, que matar alguém (ocisão) enseja a aplicação de pena. O preceito imperativo que deve ser obedecido não se contém de maneira expressa na norma penal. A sanção e o comportamento humano ilícito é que são expressos. Isso deriva do princípio da reserva legal. Para que haja crime é preciso uma lei anterior que o defina. A regra proibitiva permanece implícita na definição do crime e só por via indireta é que pode ser determinada. A técnica legislativa do Direito Penal é diferente do Direito Civil, no qual o comportamento ilícito é descrito de forma ampla e aberta, consoante contido em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 2.2.2. Norma penal não incriminadora: não descreve crime e nem comina pena. a) Permissiva (descriminante): torna lícita determinada conduta tipificada em lei incriminadora. São as causas de exclusão de ilicitude contidas na Parte Geral (arts. 23/25) e algumas na Parte Especial; b) Exculpante (justificante): estabelecem a não culpabilidade do agente ou a impunidade de determinadas condutas. Estão na parte Geral, mas também algumas na Parte Especial. Ex.: arts. 21, 22, 26/28 - causas que excluem a culpabilidade. b) Final, complementar ou explicativa: esclarece o conteúdo de outras normas e delimita o âmbito de sua aplicação. São quase todos os artigos da Parte Geral do CP e alguns da Parte Especial. Ex.: art. 327 do CP - define funcionário público; art. 155, §3º - equipara à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. c) Completas ou perfeitas: o preceito primário possui todos os elementos da conduta criminosa; c) Incompletas ou imperfeitas: aquelas cujo preceito primário não está completo, dependendo de um complemento que cabe a outra lei ou a um ato da Administração (norma penal em branco), ou, ao julgador (tipos penais abertos). d) Integrativas ou de extensão: são as que complementam a tipicidade no tocante ao nexo causal nos crimes omissivos impróprios, à tentativa (extensão temporal) e à participação (extensão espacial). São elas: CP, arts. 13, §2º, 14, II, e 29, caput. e) Diretivas: as que estabelecem os princípios de determinada matéria. Ex.: art. 1º do CP. 2.3. Normas penais em branco (normas cegas, abertas ou primariamente remetidas): aquelas que o preceito secundário está completo, permanecendo indeterminado o seu conteúdo. A descrição da conduta está incompleta, por isso dependede complementação por outra disposição legal ou regulamentar. 2.3.1. Normas penais em branco em sentido lato (amplo) ou homogêneas: quando o complemento provém da mesma fonte formal, ou seja, quando a lei é complementada por lei; * o complemento pode estar na mesma lei (homovitelinas). Ex.: art. 304 (uso de documento falso - fazer uso de quaisquer dos papéis falsificados ou alterados a que se referem os arts. 297 a 302) do CP; * o complemento pode estar em outra lei (heterovitelinas). Ex.: 236 (contrair matrimônio ocultando impedimento) do CP; o complemento está no art. 1.521 do Código Civil (CC). 2.3.2. Normas penais em branco em sentido estrito ou heterogêneas: o complemento provém de fonte formal diversa; a lei é complementada por ato normativo infralegal, como uma portaria ou um decreto. Ex.: art. 33 da Lei de Drogas e portaria da ANVISA. Aqui não há ofensa ao Princípio da reserva legal, pois a estrutura básica do tipo está prevista em lei. A determinação do conteúdo, em muitos casos, é feita pela doutrina e jurisprudência, não havendo problema. O importante é que a descrição básica está prevista em lei. 2.3.3. Norma penal em branco inversa ou avessa (secundariamente remetida, incompleta): o preceito primário está completo, permanecendo incompleto o secundário. Se a fonte formal foi ato administrativo, haverá inconstitucionalidade. Ex. crime de genocídio - art. 1º da Lei 2.889/1956. O complemento deve ser obrigatoriamente uma lei. Ex. 2: Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. 2.3.4. Norma penal em branco de fundo constitucional: quando o complemento provém da CF. Ex.: art. 246 do CP (deixar de prover sem justa causa a instrução primária de filho em idade escolar) complementado pelo art. 208 da CF. 2.3.5. Norma penal em branco ao quadrado: aquela cujo complemento também depende de complementação. Ex.: art. 38 da Lei 9605/98 - o complemento é o art. 6º da Lei 12.651/2012 (Código Florestal), que depende de complemento por ato do Chefe do Executivo. 3. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL Hermenêutica jurídica é a ciência que disciplina a tarefa de interpretar a lei, buscando a sua vontade, o seu conteúdo e significado. Exegese é a atividade prática de interpretação. A interpretação sempre é necessária, mesmo que a lei seja clara. Como qualquer regra jurídica, não prescinde do labor exegético, tendente a explicar-lhe o significado, o justo pensamento, a sua real vontade, a sua ratio juris. 3.1. Interpretação quanto ao sujeito que faz: 3.1.1. Autêntica ou legislativa: quando é feita pelo próprio Legislativo (próprio órgão de que emana). Pode ser contextual (feita no próprio texto - ex. conceito de funcionário público - art. 327 do CP) ou posterior (feita em lei posterior). É chamada de interpretativa e tem natureza cogente, obrigatória, dela não podendo se afastar o intérprete. As rubricas e epígrafes dos títulos e capítulos do Código não são formas de interpretação autêntica contextual, mas servem como elemento de interpretação. Os trabalhos preparatórios (anteprojetos e projetos) revelam a intenção do legislador, não são interpretação autêntica, mas elemento histórico de exegese. Obs.: a norma interpretativa alcança os fatos ocorridos antes de sua vigência? a norma de interpretação, afastando a incerteza acerca da compreensão e extensão do dispositivo contido em lei anterior, tem efeito ex tunc, retroagindo à data vigência da lei a que se liga, ainda que seja mais gravosa ao réu. Respeita contudo a coisa julgada. 3.1.2. Doutrinária ou científica: feita pelos estudiosos. É a communis opinio doctorum. Não tem força obrigatória, nem vinculante. Não se limita a fazer a exegese dos textos legais, mas sistematiza todo o Direito, formulando princípios e aconselhando reformas. A exposição de motivos do CP é interpretação doutrinária (e não autêntica) por não fazer parte da estrutura da lei. 3.1.3. Jurisprudencial: dada pela reiteração de decisões num mesmo sentido. Não há nada de colidente em colocar a jurisprudência como fonte formal imediata e como interpretação. Em regra, não tem força obrigatória, salvo em dois casos: no caso concreto (em virtude da formação da coisa julgada material) e quando constituir súmula vinculante (CF, art. 103-A, e Lei 1.417/2006). P.: A atividade jurisdicional é criadora do Direito? R.: o juiz não pode criar o Direito, sendo animadora do Direito a sua função, no sentido de aplicá-la ao caso concreto. P.: Qual o objeto da interpretação judicial? R.: a busca da vontade da lei e não a do legislador. O intérprete judicial, para descobrir a vontade da lei, deve empregar os métodos gramatical e teleológico, para chegar a um resultado declarativo, extensivo ou restritivo. 3.2. Quanto aos meios ou métodos (utilizados pelo intérprete) 3.2.1. Gramatical, literal ou sintática: leva em conta o sentido literal das palavras. É a interpretação mais pobre que tem. "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais que ela se dirige e às exigências do bem comum". (LINDB, art. 5º) 3.2.2. Lógica ou teleológica: busca a vontade ou intenção objetivada na lei, nos moldes do art. 5º da LINDB; esta interpretação se vale dos elementos ratio legis, sistemático, histórico, Direito comparado, extrapenal e extrajurídico; é a mais importante. 3.2.3. Progressiva (adaptativa ou evolutiva): interpreta-se a lei considerando o progresso da ciência, da tecnologia e da medicina. É a que se faz adaptando a lei às necessidades e concepções do presente. O juiz não vive alheio às transformações sociais, científicas e jurídicas. Ex.: "doença mental" e "coisa móvel" (arts. 26 e 155 do CP) devem ser interpretados segundo o progresso da Psiquiatria e da Indústria. Tem os seus limites determinados pela interpretação extensiva. Ex.2: O termo "mulher" na Lei Maria da Pen ha se estende aos transexuais, desde que haja "ablação de órgão" e alteração de registro. É a posição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves. Foi pergunta de Delegado de Polícia no RJ - 2ª fase. 3.3. Quanto ao resultado 3.3.1. Declaratória (declarativa ou estrita): é aquela que resulta da perfeita sintonia entre o texto da lei e a sua vontade. Há perfeita correspondência entre a letra e a vontade da lei, sem conferir a fórmula um sentido mais amplo ou mais restrito. Ex.: interpretação do art. 141 o CP ("várias pessoas"). 3.3.2. Restritiva: algumas vezes a linguagem da lei diz mais do que o pretendido por sua vontade. Lex plus scriprit, minus voluit. Aí, a IR restringe o alcance das palavras da lei até o seu sentido real. A lei disse mais do que desejava. Ex.: art. 28, I e II do CP (não exclui a imputabilidade penal a emoção e paixão, e, embriaguez voluntária ou culposa. 3.3.3. Extensiva: a lei diz menos do que pretendia dizer. Requer que seja ampliado o alcance das palavras da lei para que a letra corresponda à vontade do texto. Lex minus dixit quam voluit. Ex.: art. 235 do CP - bigamia (abrange a poligamia). Como se trata de atividade interpretativa, buscando o efetivo alcance da lei, é possível a sua utilização até mesmo em relação àquelas de natureza incriminadora. Cabe interpretação extensiva contra o réu? 1ª corrente - não cabe, em razão do princípio do in dubio pro reo, que é um princípio aplicável à prova. Para essa corrente, a arma aumenta a pena do crime de roubo (art. 157, §2º, I) deve ser apenas aquela construída com finalidade bélica. Uma faca, por exemplo, não aumentaria a pena do roubo. 2ª corrente - cabe sim. No caso acima, a expressão arma tem que ser tomada no seu sentido impróprio: instrumento com ou sem finalidade bélica capaz de servir ao ataque. Prevalece esta corrente. Assim, arma é considerado em seu sentido impróprio e é possível a interpretação extensiva,mesmo em norma incriminadora. 4. Interpretação analógica ou intra legem A que se verifica quando a lei contém em seu bojo uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica. Está na vontade da lei a extensão de seu conteúdo aos casos análogos. A diferença entre interpretação analógica e analogia reside na voluntas legis, ou seja, na primeira, pretende a vontade da norma abranger os casos semelhantes aos por ela regulados; na segunda, ocorre o inverso, pois não é a pretensão da lei aplicar o seu conceito aos casos análogos, tanto que silencia a respeito, mas o intérprete assim o faz, suprindo a lacuna. Ex.1: art. 28, II - não exclue a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos; Ex. 2: art. 291 do CP - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda. Ex. 3: art. 121, §2º, I do CP - homicídio qualificado pela paga ou promessa de recompensa (fórmula casuística) ou por outro motivo torpe (fórmula genérica). Ex. 4: art. 157, caput do CP - Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. 5. Analogia A lei deve reger a espécie; em sua falta, aplicam-se as disposições concernentes aos casos análogos; não as havendo, ver-se-á se o costume tem regra cabível; havendo omissão nos costumes, ela será fornecida pelos princípios gerais de direito. Essa ordem de invocação dos processos de auto-integração da lei, não pode ser desprezada pelo intérprete. A analogia é o principal recurso fornecido pela ciência jurídica na solução do problema da auto-integração da norma penal. 5.1. Conceito: consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. Não é fonte do direito, apesar de citada no art. 4º da LINDB. É, pois, forma de autointegração da lei para suprir lacunas porventura existentes. Trata-se de aplicação da lei e não de interpretação, pois é impossível interpretar uma norma inexistente. Fundamento: é a identidade da ratio legis, com inspiração no princípio de que, onde existe a mesma razão de decidir, é de aplicar-se o mesmo dispositivo de lei: ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio. 5.2. Espécies de analogia: analogia legal e analogia jurídica (baseada nos PGD). Não se trata de interpretação da lei penal. De fato, sequer há lei a ser interpretada. Cuida-se, portanto, de integração ou colmatação do ordenamento jurídico. A lei pode ter lacunas, mas não o ordenamento jurídico. Também conhecida como integração analógica ou suplemento analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de reguladora de caso semelhante. No Direito Penal somente pode ser usado em relação às leis não incriminadoras, em respeito ao princípio da reserva legal. O seu fundamento repousa na exigência de igual tratamento aos casos semelhantes. Espécies: analogia in malam partem (aplicação de lei mais maléfica para o réu; não é admitida no DP em razão do princípio da reserva legal); analogia in bonam partem (aplicação de lei mais favorável ao réu, reguladora de caso semelhante; é possível, exceto quanto às leis excepcionais, em razão do seu caráter extraordinário). Obs.: a expressão cônjuge abrange o companheiro? Depende. Se ampliar, beneficia, então abrange. Se ampliar vai prejudicar, não abrange. Simples assim. 6. Analogia, interpretação extensiva e analógica Na interpretação extensiva há vontade de a lei prever o caso, mas o seu texto diz menos que o desejado - estende-se o seu sentido até o fato; na analogia não há vontade de a lei regular o caso - o interprete amplia a voluntas legis até ele. Qual a diferença entre analogia e interpretação analógica? R.: a analogia é forma de auto-integração da lei. Omissa, parte-se da solução nela prevista para certo caso, chegando-se à validade da mesma para aquele não previsto. Não é a vontade da lei abranger os casos semelhantes. Na interpretação analógica (permitida pela própria lei) é o próprio dispositivo que determina se aplique analogicamente o preceito. A própria lei após definir a fórmula casuística, menciona os casos que devem ser compreendidos por semelhança. Ex.: art. 171, caput - qualquer outro meio fraudulento (quer dizer qualquer meio semelhante ao artifício ou ardil. Qual a diferença entre "interpretação extensiva" e "interpretação analógica"? R.: nas duas há vontade de a lei abranger os casos semelhantes; ocorre que na primeira ela diz menos que o desejado; na segunda, expressa e genericamente, relata os casos que devem ser abrangidos. A segunda é espécie da primeira. 7. Formas de procedimento interpretativo a) Equidade (oequus - aquilo que é justo, igual, razoável, conveniente): conjunto das premissas e postulados éticos, pelos quais o Juiz deve procurar a solução mais justa possível no caso concreto, tratando as partes com absoluta igualdade. Possui duas funções: na elaboração da norma, como critério político e ético, e, na interpretação da norma, como princípio de igualdade. Às vezes exclui a pena: perdão judicial. b) Doutrina - são as opiniões e as ideias emitidas pelos jurisconsultos ou escritores do Direito, que não se limitam a fazer a exegese dos textos legais, mas sistematizam todo o direito, formulando princípios, aconselhando reformas legislativas. Não é fonte do DP. A communis opinio doctorum é uma tarefa de interpretação do estudioso. c) Jurisprudência - é a repetição constante de decisões no mesmo sentido em casos idênticos. É a reiteração de decisões judiciais, interpretando as normas jurídicas em um dado sentido e uniformizando o seu entendimento. 8. A lei penal no tempo 8.1. Tempo do crime Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. 3.1. Teoria da atividade - crime se considera cometido no momento da ação ou da omissão, ou seja, no momento da conduta. 3.2. Teoria do resultado (do evento ou do efeito) - considera-se tempus delicti o momento da produção do resultado. 3.3. Teoria mista ou da ubiquidade - tempus delicti é o momento da ação ou do resultado. O CP adotou a teoria da atividade. Esta teoria também foi adotada pela Lei 9099/95. É no momento a conduta que o sujeito manifesta a sua vontade, inobservando o preceito proibitivo e, assim, rebelando-se contra a norma que caracteriza o ilícito penal. Consequências da adoção da teoria da atividade: a) aplica-se a lei em vigor ao tempo da conduta, exceto se a do tempo do resultado for mais benéfica (ou abole o crime - abolitio criminis); b) imputabilidade: é apurada ao tempo da conduta; c) crime permanente: a conduta se iniciou durante a vigência de uma lei e prossegue durante o império de outra, mais severa. Aplica-se a nova, porque a conduta continuou a ser praticada sob a vigência da nova lei. Ex.: extorsão mediante sequestro. d) crime continuado (crimes da mesma espécie que são praticados em mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução): idem ao item anterior. Aplica-se a nova lei ainda que mais severa, pois o crime continuado é considerado crime único (ficção jurídica) para fins de aplicação da pena. Há corrente minoritária em contrário. Obs.: Súmula 711 do STF - "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência". e) crime habitual: em que haja sucessão de leis, deve ser aplicada a nova, ainda que mais severa, se o agente insistir em reiterar a conduta criminosa. Obs.: quanto à prescrição, o CP adotou a Teoria do Resultado, art. 111, I, uma vez que a causa extintiva da punibilidade tempor termo inicial a data da consumação da infração penal. 8.2. Eficácia temporal da Lei Penal Como regra, a lei penal tem sua eficácia compreendida entre a sua entrada em vigor e a sua revogação. Não retroage e nem ultra-age. É o princípio tempus regit actum. Como decorrência do princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, há uma regra que domina o conflito de leis penais no tempo: é o da irretroatividade da lei penal, sem a qual não haveria nem segurança e nem liberdade na sociedade. Contudo, tal princípio só vale em relação às leis mais severas, havendo a admissão da retroatividade da lei mais benigna. Constitui-se em direito subjetivo de liberdade, com fundamento no art. 5º, XXXVI ("a lei não prejudicará o direito adquirido ...") e XL ("lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu") da CF. É possível a aplicação de uma lei não obstante cessada a sua vigência, quando mais benéfica em face de outra, posterior. É a ultra-atividade. Essas duas qualidades da lex mitior (retroatividade e ultra-atividade) recebem a denominação de extra-atividades. Lex gravior não possui extra-atividade. 8.3. Conflito de leis penais no tempo Art. 2º do CP: "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória". Parágrafo único: A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado". 8.3.1. Irretroatividade da lex gravior (novatio legis incriminadora e novatio legis in pejus): a lei nova incrimina fatos anteriormente considerados lícitos ou os agrava. É irretroativa uma vez que prejudica o sujeito. Inclui aqui eventual alteração nas condições de procedibilidade (regra penal). 8.3.2. Retroatividade da lex mitior (novatio legis in mellius - art. 2º, parágrafo único do CP): retroatividade da lei mais benígna. A benignidade da lei deve ser analisada em concreto (teoria da ponderação concreta). Competência para aplicação da lei mais benéfica: antes de proferir a sentença será o juiz da ação; havendo sentença transitada em julgado será o juiz de primeiro grau da execução (Súmula 611 do STF e LEP, art. 66, I). Ao Tribunal cabe analisar eventual recurso, mas se os autos estiverem em grau de recurso, a competência será dele. Cuidado: tratando-se que caso que não envolva questão meramente matemática, exigindo juízo de valor, dependerá de revisão criminal. 8.3.2.1. Abolitio criminis (novatio legis ou lei supressiva de incriminação): a nova lei suprime normas incriminadoras. Ex.: o adultério deixou de ser crime. Natureza jurídica: constitui fato jurídico extintivo da punibilidade (art. 2º e 107, III, CP). Flávio Monteiro de Barros considera que a abolitio extingue a tipicidade e a punibilidade, pois nela o tipo é excluído. Consequências: cessação dos efeitos penais da sentença condenatória, abrangendo os efeitos principais que são as penas e, secundários ou acessórios (efeitos reflexos), que são a reincidência, reabilitação, sursis, livramento condicional. Não cessa, porém, os efeitos civis (reparação civil), ou seja, a sentença penal condenatória continua servindo como título executivo. P.1: Lei abolicionista não respeita a coisa julgada. Isso não fere o art. 5º, XXXVI da CF que prevê que a lei respeitará a coisa julgada? R.: não, porque tal dispositivo traz garantias mínimas contra o Estado, que não pode usá-lo para punir o cidadão. Se desrespeitar a coisa julgada é bom para o cidadão e ruim para o Estado, pode. O que não pode é o contrário. A garantia é para o cidadão. P.2: Lei abolicionista pode retroagir na vacatio? R.: 1a. corrente - não pode, a lei ainda não tem eficácia jurídica ou social (prevalece); 2ª corrente - pode, pois considerando a finalidade da vacatio, que é dar conhecimento da lei, é possível retroagir para aqueles que demonstram conhecer que o ordenamento jurídico foi alterado. Se você demonstra isso, a vacatio para você surtiu efeito. Admite-se a abolitio criminis temporária, nas situações em que a lei prevê a descriminalização transitória de uma conduta, a exemplo do que ocorreu nos arts. 30 a 32 da Lei 10.826/03 - Estatuto o Desarmamento. Abolitio criminis x Princípio da Continuidade Normativo-Típica Na abolitio criminis o fato não será mais criminoso (revogação formal e material). Ex.: crimes de sedução (art. 217) e adultério (art. 240) foram abolidos. Mas não confundir com o PCNT, em que existe uma revogação formal do tipo, permanecendo o conteúdo típico em outro tipo penal. Aqui o fato continua sendo criminoso, não havendo revogação material. Ex.: o atentado violento deixou de existir como crime autônomo (art. 214 que foi revogado) e passou a integrar a definição típica do estupro, art. 213 do CP. Outro exemplo é o rapto violento, art. 219 do CP (privação de liberdade com objetivo sexual), que foi revogado, passando a ser uma qualificadora do crime de sequestro e cárcere privado (art. 148, §1º, V do CP). 8.3.3. Ultra-atividade das leis penais temporárias e excepcionais (lei intermitente) Art.3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. Lei excepcional é feita para vigorar em períodos de anormalidade. A excepcionalidade não tem prazo determinado de duração. Ex.: lei diz ser crime tomar banho demorado durante o período de racionamento. Lei temporária vigora em determinado período estabelecido na própria lei, ou seja, ela já traz em seu texto a data de sua revogação. Ex.: crimes previstos nos arts. 30 a 35 da Lei 12.663/2013 (Lei Geral da Copa), com vigência até 31 de dezembro de 2014. Elas são autorrevogáveis. A ultratividade da lei temporária e excepcional é importante para evitar a sua ineficiência. Elas vão continuar punindo os fatos praticados durante a sua vigência. São chamadas de leis intermitentes. Para Zaffaroni e a Defensoria Pública o art. 3º do CP não foi recepcionado pela CF, pois o seu art. 5º, XL diz que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Com isso, não poderia o CP criar tal exceção. Argumentos contra Zaffaroni: a lei nova não revoga a anterior porque não trata exatamente da mesma matéria, do mesmo fato típico (é a anterior que deixa de ter vigência em razão de sua excepcionalidade). Não há, portanto, conflito de leis penais no tempo (na medida em que a lei posterior não cuida do mesmo crime definido na anterior). Por isso é que não há inconstitucionalidade no art. 3º. Ex.: lei excepcional que torna os furtos qualificados durante a enchente em Santa Catarina. Quando uma lei é ab rogada por outra, significa que os rigores da lei precedente desapareceram em consequência de mudança na concepção do Direito Penal pelo legislador. Mas quando o legislador previu, antes, que a lei se aplicaria apenas em certo período, isto quer dizer que os rigores da lei temporária lhe pareceram necessários durante todo esse tempo; e então não se daria à LT todo o seu alcance, se sua eficácia estivesse dependendo do estado do processo do último dia da aplicação da lei. Na verdade, o problema deve ser colocado sob o prisma da tipicidade e não do direito intertemporal. O fundamento da ultratividade é simples e foi suficientemente explicado pelo item "8" da Exposição de Motivos da antiga Parte Geral do CP: "É especialmente decidida a hipótese da lei excepcional ou temporária, reconhecendo-se a sua ultra- atividade. Esta ressalva visa impedir que, tratando-se de lei previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais".
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