Buscar

AULA 2 biodireito dignidade da pessoa humana

Prévia do material em texto

22
Dignidade da Dignidade da PPessoa Humanaessoa Humana
2.1 Noção geral2.1 Noção geral
Perelman, ao defrontar-se com os temas da ética e do direito, declara que a
dignidade da pessoa humana é princípio geral de direito comum a todos os po-
 vos civilizados.1 Embora tenha conteúdo abstrato, é de suma importância para a
compreensão dos direitos humanos.
No ordenamento jurídico brasileiro, a dignidade da pessoa humana foi pre-
 vista na Constituição Federal, promulgada em 5.10.1988, como um dos “prin-
cípios fundamentais” a serem observados na República Federativa do Brasil, no
qual se constitui um Estado Democrático de Direito.2
José Afonso da Silva caracteriza a dignidade da pessoa humana como um valor superior, que atrai o conteúdo dos outros direitos fundamentais, desde o
direito a viver. Não se trata de defender apenas os direitos pessoais tradicionais,
esquecendo-a nos direitos sociais, ou invocá-la para construir a “teoria do núcleo
da personalidade” individual, ignorando-a quando se tratar de direitos econômi-
cos, sociais e culturais.3
1 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 401.
2 Art. 1 º, caput, inc. III.
3 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros,
1992, p. 96.
 
Dignidade da Pessoa Humana 1717
Não se deve relegar a segundo plano o fato de que a vida não pode ser de-
sumana. Tampouco se pode permitir o distrato do ser humano. O Estado tem o
compromisso de zelar por essas finalidades, possibilitando a liberdade a todos.4
O ser humano não serve aos aparelhos político-organizatórios. Ele é fim. É o
limite e o fundamento do domínio político da República. Nesse sentido, a Repú-
blica é uma organização política que serve a pessoa.5
Engisch, por sua vez, reportando-se a Coing, assevera que o respeito à dig-
nidade da pessoa, entre outros valores morais, é um dos elementos ordenadores
do direito privado genuinamente decisivo, situando-se em um plano superior.6
Estabeleceu-se um princípio geral de direito que deve resolver os conflitos
sociais, a dignidade da pessoa humana.7 Em consequência, é norma jurídica cuja
 violação não pode ser permitida.8 Nessa perspectiva, sua tarefa é descrever as
consequências que derivam de certos fatos e colocá-las em ação.9 Além de ser
interpretada, a norma é concretizada.10
4 Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de
1988). Colaboração de Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 1, p. 472-473.
5
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 225.
6 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. 7. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 378: “Os valores morais como a igualdade, a con-
fiança, o respeito pela dignidade da pessoa, não são interesses quaisquer ao lado de outros; eles
são antes os elementos ordenadores do Direito privado (e, primeiro que tudo, evidentemente, do
Direito penal e de outros ramos do Direito público) genuinamente decisivos; eles não se situam ao
lado dos fatos a ordenar, no mesmo plano, mas por cima deles, num plano superior.”
7 “Das relações jurídicas privadas recortamos alguns espaços problemáticos nos quais se projeta o
princípio da dignidade da pessoa humana, objeto precípuo do direito civil [...]” (MARTINS-COSTA,
Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais
constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17).
 “Tomada em si, a expressão é um conceito jurídico indeterminado; utilizada em norma, espe-
cialmente constitucional, é princípio jurídico” (JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Caracterização
 jurídica da dignidade da pessoa humana. In: Estudos e pareceres de direito privado, São Paulo, Sa-
raiva, 2004, p. 3).
8 “Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais generalíssimas do sistema, as
normas mais gerais. A palavra princípio leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas
se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como
todas as outras” (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C.
J. Santos. Revisão técnica de Cláudio De Cicco. Apresentação de Tercio Sampaio Ferraz Junior. 10.
ed. Brasília: Ed. UnB, 1999, p. 158).
9 “A tarefa de uma norma não é a de descrever as consequências que derivam de certos fatos, mas
de colocá-las em ação” (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Fernando Pavan
Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação de Alaôr Caffé Alves. Bauru: Edipro, 2001, p. 142).
10 “Princípio jurídico, por sua vez, é a ideia diretora de uma regulamentação (cf. LARENZ, Karl.
 Derecho justo. 1985, p. 32). O princípio jurídico não é a regra mas é norma jurídica; exige não so-
mente interpretação mas também concretização” (Junqueira de Azevedo, Antonio. Caracterização
 jurídica da dignidade da pessoa humana, 2004, p. 4, em continuidade à nota 7 de rodapé).
 
1818 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
Na qualidade de princípio, exige como pressuposto a intangibilidade da vida
humana. Sem vida, não há pessoa e, sem pessoa, não há dignidade.11 A pessoa é
o bem e a dignidade é seu valor, a sua projeção.12 A vida da pessoa humana deve
ser digna.
Uma das concretizações da intangibilidade da vida humana é a proibição do
abortamento do embrião, porque ele é um novo ser humano que já recebeu sua
própria parcela de vida, já se inseriu com individualidade no fluxo vital contínuoda natureza humana. Tem vida própria e, no mínimo, pode ser amado. Filoso-
ficamente, ou eticamente, é, pois, pessoa humana. Do prisma jurídico, não tem
personalidade jurídica (art. 2º do novo Código Civil), mas já é sujeito de direito
(art. 2º, última parte, do novo Código Civil).13
 A proteção dos direitos da personalidade, entre estes o “direito à vida”,14 as-
segurado expressamente no art. 5º, caput, da Carta Magna, conforme se percebe,
está intrinsecamente relacionada com a dignidade da pessoa humana.15
Não se pode menoscabar, entretanto, que esse não é o único princípio a
ser concretizado na República Federativa do Brasil. Deve-se harmonizá-lo com
outros,16 expressos e implícitos na Carta Magna.17
11 “O princípio jurídico da dignidade como fundamento da República exige como pressuposto a in-
tangibilidade da vida humana. Sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade” (JUNQUEI-
RA DE AZEVEDO, Antonio. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, 2004, p. 14).
12 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana,
2004, p. 3, nota 2.
13 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana,
2004, p. 15-16.
14 “Assim, a vida, entre os direitos fundamentais, é o bem por excelência. Todos os demais direitos
são bens da vidabens da vida, nesta fundamentados e, portanto, inferiores à própria vida” (NALINI, José Rena-
to. Ética geral e profissional, p. 57).
15 “A dignidade humana se afirma e se manifesta sob o influxo dos direitos da personalidade, por-
que é por meio desse respeito, consagração e manutenção que ela se apresenta” (JABUR, GilbertoHaddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo Código Civil. In: DELGADO, Mário Luiz;
 ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método,
2004, v. 1, p. 13 (Série Grandes Temas de Direito Privado).
16 “Caso por caso se verificará se não há causas que a levem a excluir justamente na situação em
causa, à luz da ratio, da fundamentação última do princípio enunciado; ou se outros princípios,
também presentes na ordem jurídica, não se impõem nesse caso e marcam outra solução.
 O que quer dizer que também aqui a atividade do jurista não é meramente lógica, antes exige
um trabalho complexo de valoração, uma conjugação de elementos provenientes de quadrantes
muito diversos da ordemjurídica. Mas nada tem na realidade de estranho que uma atividade, sensí-
 vel ao aspecto valorativo logo no momento da interpretação dos dados primários, o seja também na
fase da conciliação dos princípios detectados” (ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução
e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 437-438).
17 “Ao lado dos princípios gerais expressos há os não expressos, ou seja, aqueles que se podem tirar
por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas
 
Dignidade da Pessoa Humana 1919
Dificuldades são encontradas para tal intento, principalmente porque se pode
deparar com uma “contradição” e, sendo assim, privilegiar um princípio em detri-
mento de outro, se não for possível compatibilizá-los; ou, se se preferir, optar pela
existência de uma “oposição” ou “contraposição”, utilizando-se da interpretação
criativa do direito para não haver “quebra no sistema”.18
generalíssimas, formulados pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente
diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema” (BOBBIO, Norberto.
Teoria do ordenamento jurídico, p. 159).
18 Os princípios gerais do direito têm quatro características, segundo Claus-Wilhelm Canaris: “os
princípios não valem sem excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; eles
não têm a pretensão da exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa combi-
nação de complementação e restrição recíprocas; e eles precisam, para a sua realização, de uma
concretização através de subprincípios e valores singulares, com conteúdo material próprio” ( Pen-
 samento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Introdução e tradução de Antonio
Menezes Cordeiro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 88).
 Adiante, o autor explica a distinção entre “oposição” e “contradição”, criticando Engisch, o qual
admite a coexistência de princípios contraditórios: “pertence à essência dos princípios gerais de
Direito que eles entrem, com frequência, em conflito entre si, sempre que, tomados em cada um,
apontem soluções opostas. Deve-se, então, encontrar um compromisso, pelo qual se destine a cada
princípio um determinado âmbito de aplicação. Trata-se, pois, aqui da característica, acima elabo-
rada, da mútua limitação dos princípios. Como exemplo, recorde-se a tendência divergente entre
o princípio da liberdade de testar e o da protecção da família, que encontram o seu equilíbrio na
legítima. Contra a opinião de Engisch não se deve considerar semelhante ‘compromisso entre dois
diferentes princípios gerais’ da ordem jurídica como uma contradição, mas sim como uma oposição.
Pois uma contradição é sempre algo que não deveria existir e que por isso, sendo possível, deve ser
eliminado, ou seja, como diz Engisch, uma desarmonia, enquanto as oposições de princípios aqui
em causa pertencem necessariamente à essência de uma ordem jurídica e só a esta dão o seu pleno
sentido; eles não devem, por isso, de modo algum, ser eliminados, mas antes ‘ajustados’ através
de uma solução ‘intermédia’, pela qual a sua oponibilidade interna se ‘resolva’ num compromisso,
no duplo sentido da palavra” ( Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p.
205-206).
 Engisch tem conhecimento da reprovação de Canaris e responde: “A questão de saber se no caso
concreto surge uma ‘contraposição’ [traduzido como ‘oposição’ na outra obra] ou uma ‘contradição’,
nem sempre será de resposta fácil. De resto também no nosso texto é reconhecida a diversidade das
‘contradições de princípios”’ (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 355, nota 16).
 A sustentação não fica sem uma tréplica, por assim dizer, porque Canaris afirma que Engisch
não quer uma “desarmonia” (contradição) de princípios, “no entanto, ele não limita essa reserva
às oposições de princípios, antes incluindo nela (em parte) também as autênticas contradições (no
sentido da terminologia utilizada no texto); no último caso ele não pode, contudo, ser seguido (cf.
infra, 3, no texto), e porque o tratamento jurídico de ambos os fenômenos é diferente, também
por isso se recomenda uma clara delimitação terminológica” ( Pensamento sistemático e conceito de
 sistema na ciência do direito, p. 206, nota 14).
 Mas, afinal, como Engisch resolve o problema da existência das contradições de princípios he-
terogêneos? “Não é possível uma resposta unitária a esta questão” (ENGISCH, Karl. Introdução
ao pensamento jurídico, p. 321). Ele usa do escólio de Wengler para indicar uma solução, quando
este estudou as regras jurídicas do “Terceiro Reich”, contrárias ao renovado pensamento jurídico
humanitário e próprio do Estado de Direito, que teriam deixado de vigorar mesmo sem um ato
especial de revogação: “Wengler, em 1949, considera utilizável uma fórmula deste tipo: ‘certas
 
2020 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
Mais prudente seria, talvez, eleger a dignidade da pessoa humana como
“princípio prevalente”, diante do qual os outros são submetidos à exegese e à apli-
cação. Todavia, como sustentado, o enfoque constitucional civil não é adotado,19 
tampouco o que assenta a primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito
ideias político-jurídicas fundamentais pelas quais o legislador hoje presumivelmente se deixaria em
absoluto conduzir se houvesse de regular a questão, se houvesse de fornecer o critério de valoraçãoda legislação nacional-socialista’. Aquilo que não for conciliável com estes pensamentos ou ideias
fundamentais não terá aplicação.” E conclui: “Uma forma menos ampla de adaptação do antigo
Direito à nova situação jurídica global seria a já acima (p. 147) referida ‘interpretação conforme a
Constituição’, na medida em que também o ‘complemente’ ou ‘desenvolva’ com vista a harmonizá-
-lo, quanto ao seu conteúdo, com os princípios da Constituição agora vigente e com os princípios
das novas leis, interpretando estas de conformidade com aquela” (ENGISCH, Karl. Introdução ao
 pensamento jurídico, p. 323).
19 “Esta é a realidade em que vivemos: uma ordem jurídica constitucional que avocou para as
relações de Direito Privado, em particular para as relações de direito de família, a dignidade da pes-
soa humana como valor central, superando todos os outros interesses patrimoniais, institucionais,
matrimoniais ou ideológicos que pudessem, por assim dizer, se sobrepor na escolha de princípios ou
nas novas técnicas legislativas” (TEPEDINO, Gustavo José Mendes. Clonagem: pessoa e família nas
relações do direito civil. CEJ , Brasília, nº 16, p. 52, jan./mar. 2002). Sobre o direito civil constitucio-
nal, cf. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradu-ção de Maria Cristina de Cicco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997 e LORENZETTI, Ricardo Luis.
 Fundamentos de direito privado. São Paulo: RT, 1998, especificamente, p. 255; no Brasil, Moraes,
Maria Celina B. de. Constituição e direito civil: tendências. Revista on-line da PUC do Rio de Janeiro, 
Rio de Janeiro, v. 15, p. 1-17, 2004. Acesso em: 1º jan. 2004; Moraes, Maria Celina B de. A caminho
de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 65,
ano 17, p. 21-32, jul./set. 1993; LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. Revista do
 Advogado – novo Código Civil – aspectos relevantes, nº 68, São Paulo, Associação dos Advogados
de São Paulo, p. 19-30, dez. 2002; LOTUFO, Renan. O pioneirismo de Clóvis Beviláqua quanto ao
direito civil constitucional. RT , São Paulo, v. 768, p. 748-755, out. 1999 e TEPEDINO, Gustavo.
Relações de consumo e a nova teoria contratual. Disponível em: <http://www2.uefj.br/~direito/
publicacoes/publicacoes/diversos/tepedino.html>. Acesso em: 30 jun. 2006. Nessa visão, a dicoto-
mia entre direito público e direito privado, cujas diferenças foram lembradas por Carlos Alberto da
Mota Pinto, em Teoria geral do direito civil. 3. ed. 5. reimp. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 24-28, nãoexistiria. Por isso, alguns preferem a permanência da distinção e interpretá-los “conforme a cons-
tituição”, como método exegético (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico, p. 147-148;
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 480 e BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed.
São Paulo: Malheiros, 2002, p. 480. Sobre o estudo realizado da matéria, cf. fls. 473-480). Crítica
a essa tendência, da “constitucionalização do direito civil”, por todos, JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
 Antonio. O direito pós-moderno e a codificação. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 60. Não se pode olvidar, ainda, de fenômeno inverso, ou seja, da privativação do
direito público (GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. RT , São Paulo, v.
747, jan. 1998, p. 52-55).
 Mesma opinião tem Rosa Maria de Andrade Nery: “O tema é dos mais debatidos e estudados.
Em toda abordagem jurídica o intérprete invoca o princípio da dignidade do homem e os seus des-
dobramentos em todo o sistema jurídico. Mas esse princípio não é apenas uma arma de argumen-
tação, ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas
postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico”
( Noções preliminares de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 114).
 
Dignidade da Pessoa Humana 2121
do direito privado. Portanto, melhor não desprezar outros princípios, principal-
mente os privados, para a perfeita caracterização do direito civil nacional.
 Ao comentar o “conflito de leis” – em verdade, “conflito de normas”, porque,
de fato, a contradição existente é apenas entre algumas disposições (normas)
dessas leis, continuando-se a aplicar ambas as leis (à exceção das normas confli-
tantes) a um mesmo caso concreto, e a regra é, justamente, da continuidade das
leis no sistema –, Cláudia Lima Marques escreve que deve existir um “diálogocom as fontes”, que é a aplicação simultânea, compatibilizadora, das normas em
conflito sob a luz da Constituição, de efeito útil para todas as leis envolvidas,
mas com eficácias (brilhos) diferenciadas a cada uma das normas em colisão, de
modo a atingir o efeito social (e constitucional) esperado. O “brilho” maior será
da norma que concretizar os direitos humanos, mas todas as leis envolvidas par-
ticiparão da solução concorrente.20
Se realizada a concretização, tem-se a convivência harmônica na sociedade,
essencial ao ser humano, o qual vive em seu âmago.21 Se as pessoas possuem uma
 vida digna, a tendência é amenizar os conflitos, porque a satisfação das necessi-
dades, pelo menos primárias, foi obtida.
Nota-se, nitidamente, a importância da dignidade do ser humano. Ela não
deve ser esquecida e deixada em segundo plano. Ao contrário, em muitas ações,tais como as existentes sob a égide da ética, bioética e biodireito, deve ser lembra-
da, sob pena de se ter apenas casuísmos, soluções momentâneas, esquecendo-se
dos efeitos vindouros.
O valor “dignidade da pessoa humana” é crucial hodiernamente, para se evi-
tar retrocessos indevidos, face ao noticiado na imprensa: abandono de crianças na
20 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 519.
21 Muitas ciências estudam a sociedade de maneira direta ou indireta, porém, pode-se conceituá-
-la de forma simples, para não polemizar, como: “o conjunto de homens com grupos de diversas
dimensões e significados, que compõem a humanidade” (HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor
W. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Compilação de texto de Marialice
Mencarini Foracchi e José Souza Martins. 10. tir. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Edi-
tora, 1977, p. 17).
 A convivência em sociedade é primordial, e vem sendo explicada diferentemente por diversos
autores (JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Ciência do direito, negócio jurídico e ideologia. In:
 Estudos em homenagem ao professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 18-19).
 Sobre o estudo de A política de Aristóteles, M. Defourny diz que, na língua grega, pólis é, ao
mesmo tempo, uma expressão geográfica e uma expressão política: a palavra designa indiferente-
mente tanto o lugar onde bate o coração da Cidade (Cité ) como a população submetida à mesma
soberania absoluta. Mas o Estado (Cité ), mais amplo que a cidade, só se funda no momento em que
a própria cidade é estabelecida. O fenômeno geográfico e o fenômeno político caminham lado a
lado, pois um Estado sem cidade é um organismo sem músculo cardíaco (DEFOURNY, M. Aristote,
étude sur la politique. Paris, 1932, p. 466-467. Apud ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto
Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, nota 3, p. 308).
 
2222 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
rua, ausência de ensino, falta de assistência médica, temas de políticas públicas;
todavia, por via direta ou indireta, tendem à reflexão na bioética e no biodireito.
2.2 2.2 O O titular da titular da dignidadedignidade
 A Constituição brasileira indica, genericamente, quem é a “pessoa humana”a ser digna: o povo (art. 1º, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta
Constituição”); os pobres e os ricos, pois a Constituição tem por objetivo “erradi-
car a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”
(art. 3º, inc. III); enfim, “todos”, sem preconceito de srcem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inc. IV).
O mais discutível é saber em que momento começa a proteção pretendida.
Com o nascimento? Antes dele? Tais questionamentos serão abordados a seguir.
 2.2.1 Nascituro e embrião
2.2.1.1 Nascituro
O nascituro é aquele que ainda vai nascer, após a nidação, ou seja, instala-
ção do ovo, fruto da fertilização de um óvulo pelo espermatozoide, no útero ou
nas trompas de Falópio da mulher.22 Até esse momento, conforme o art. 2º do
novo Código Civil,23 não há personalidade civil, porém a lei põe a salvo, desde a
concepção,24 os seus direitos. O recente diploma legal manteve a redação anterior
do art. 4º da Lei nº 3.071/17.25
22 CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny A. Direitos de personalidade do nascituro. Revista do
 Advogado, São Paulo, nº 38, p. 21-30, dez. 1992, p. 21.
23
 O novo Código – cuja vacatio legis findou em 11.01.2003 com a supressão apenas do art. 374 daMedida Provisória editada em 9.1.2003 por sua excelência, o presidente da República, Luís Inácio
Lula da Silva – sucedeu o Código Civil idealizado por Clóvis Beviláqua (MOREIRA ALVES, José Car-
los. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil
brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 3-6). A codificação, conforme Judith Martins-Costa,
teria o condão de dar segurança jurídica e afastar o “não direito” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-
-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 516).
24 Moreira Alves explica que o conceito de concepção é exatamente o mesmo; o que mudou foi
apenas o método. O método era natural e, hoje, temos, ao seu lado, o método artificial (Clonagem,
 vida humana e implicações jurídico-morais. CEJ, Brasília, nº 16, jan./mar. 2002, p. 51).
25 Quando da elaboração do Código Civil de 1916, reverenciava-se o direito privado e, especifi-
camente, o direito civil, como já se fez na França quando da vigência do Código Civil de 1804, em
que se esperava codificar tudo para além daquela época (HESPANHA, António Manuel. Panorama
histórico da cultura jurídica europeia. 2. ed. Portugal: Publicações Europa-América, 1998, p. 168).
 
Dignidade da Pessoa Humana 2323
No parecer dorelator-geral do Projeto, Ricardo Fiuza, esclarece-se a manu-
tenção do texto passado, com referência ao que foi dito por Miguel Reale, “no-
 vidades como o filho de proveta só podem ser objeto de leis especiais. Mesmo
porque transcendem o campo do Direito Civil”.26
 A atitude da comissão de elaboração do anteprojeto agiu com acerto ao não
dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotadas de
certa sedimentação e estabilidade, deixando à legislação extravagante a discipli-na de questões ainda objeto de fortes dúvidas e contrastes, em virtude de muta-
ções sociais em curso, ou na dependência de mais claras colocações doutrinárias
ou, ainda, quando fossem previsíveis alterações sucessivas para adaptações da lei
à experiência social e econômica.27
Entretanto, a forma como ficaram redigidos alguns dispositivos talvez traga
dificuldades ao disciplinamento dessas questões pela legislação específica.28
Na “Jornada de Direito Civil”, realizada em Brasília, de 11 a 13 de setembro
de 2002, alguns enunciados foram elaborados pelos seus participantes, e entre
eles tem-se que: “sem prejuízo dos direitos da personalidade, nele assegurados,
o art. 2º, do Código Civil [Lei nº 10.406/2002], não é sede adequada para ques-
tões emergentes da reprodução humana, que deve ser objeto de um estatuto
próprio”29 – resultado da votação: aprovado por maioria. Dessa forma, são reco-
nhecidos alguns direitos a serem atribuídos ao nascituro, porém, quando se trata
de reprodução, outra é a sede de regulamentação.
Em Roma, uma pessoa começava a existir com seu nascimento. O feto, no
 ventre de sua mãe, não pode ser considerado uma pessoa. Tampouco sua existên-
cia retroage ao momento da concepção.30
26 ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Novo Código Civil confrontado com o Código
Civil de 1916. São Paulo: Método, 2002, p. 64.
27 ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Novo Código Civil confrontado com o Código
Civil de 1916, São Paulo: Método, 2002.
28
 ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Novo Código Civil confrontado com o CódigoCivil de 1916, p. 65.
 “Por exemplo, a redação aprovada pelo Senado, repetindo o Código de 1916, põe a salvo os di-
reitos do nascituro, ‘desde a Concepçãodesde a Concepção’ (art. 2º). Ocorre, como observou a Professora e Deputada
Sandra Starling, no brilhante artigo Clonagem, Bebês de Proveta e o Código Civil, que, “neste final de
século, a vida do ser humano não mais se inicia apenas pelo contato do espermatozoide com o óvu-
lo no útero da mulher. De fato, o projeto reconhece a inseminação artificial (art. 1.603). Mas essa
formulação, em si, não oferece resposta para indagações mais complexas, atinente aos ‘direitos do
nascituro, desde a concepção’, quando o embrião humano é gerado em proveta” (ALVES, Jones Fi-
gueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Novo Código Civil confrontado com o Código Civil de 1916, p. 65).
29 Associação Paulista dos Magistrados. Tribuna do Direito, São Paulo, ano XIV, nº 122, edição de
setembro, proposição de nº 2, p. 12.
30 SCHULZ, Fritz. Derecho romano clássico. Tradução da edição inglesa por José Santa Cruz Tei-
geiro. Barcelona: Bosch Casa Editoral, 1960, p. 72 (tradução livre). No Brasil, cf. MOREIRA ALVES,
José Carlos. Direito romano. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 1, p. 92.
 
2424 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
No Projeto de Clóvis Beviláqua, adotava-se doutrina diferente do então Códi-
go Civil e, como consequência, da do novo Código; para ele, a personalidade se
adquiria desde a concepção. O art. 3º do referido texto dispunha que: “a persona-
lidade começa com a concepção sob a condição de nascer com vida”.31
Em comentários ao antigo Código, Clóvis Beviláqua afirmou que seria mais
lógico o início da personalidade remontar à concepção, todavia, com a vigência
do Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, o início da personalidade passaria a
ter como marco o nascimento e a viabilidade.32 No decorrer de suas ponderações,
aduziu: “Parece mais lógico afirmar francamente a personalidade do nascituro.”33
O entendimento também era acolhido por Teixeira de Freitas, que, em seu
Esboço, tinha escrito a regra do art. 221: “Desde a concepção no ventre materno
começa a existência visível das pessoas, e antes de seu nascimento elas podem
adquirir alguns direitos, como se já estivessem nascidas.”34
Percebe-se que os juristas mencionados, Clóvis Beviláqua, Teixeira de Freitas,
entre outros, eram adeptos da teoria concepcionista.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho asseveram que, adotada a
teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se a par-
tir do nascimento com vida, é razoável o entendimento de que o nascituro tem
31 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – parte geral. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 36.
32 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 12. ed. Belo Horizonte/São Pau-
lo/Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo, 1959, v. 1, p. 143.
33 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 145. Nesta obra, ele faz refe-
rência expressa às Ordenações, à Consolidação de Teixeira de Freitas, art. 1º, e ao Direito Civil de
Carlos de Carvalho, art. 172, para reforçar seu entendimento.
 Ordenações são compilações de leis portuguesas que vigoraram de 1446 a 1867, até ser apro-
 vado o primeiro Código Civil de Portugal. No Brasil, foram mantidas até 1916, quando se deu a
promulgação do nosso Código Civil (Lei nº 3.071, de 1º.1.1916), que, no art. 1.807, sentenciou:
“Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernen-
tes a matérias de direito civil reguladas neste Código.”
 Houve três Ordenações portuguesas, na seguinte ordem cronológica: Ordenações Afonsinas
(1446-1521), Ordenações Manuelinas (1521-1603) e Ordenações Filipinas (1603-1867). Disponível
em: <www.dji. com.br/dicionario/ordenações.htm>. Acesso: 12 fev. 2007, p. 1.
 No texto, Clóvis Beviláqua refere-se a dois livros das últimas Ordenações Filipinas e correspon-
dentes títulos e parágrafos: Livro 3, Título 18, 7: “E podera ouvir e julgar sobre demanda que faça
alguma mulher que ficasse prenhe, que a mettam em posse de alguns bens, que lhe pertencerem
em razão da criança, que tem no ventre” (correspondente ao escrito nas Ordenações Manuelinas,
Livro 3, Título 28, 7); Livro 4, Título 82, 5: “Ontrosi, se o pai, ou mai ao tempo do testamento não
tinha filho legítimo, e depois lhe sobreveio, ou o tinha, e não era disso sabedor, e he vivo ao tempo
da morte do pai, ou mai, assi o testamento, como os legados nelle conteudos são nenhuns e de ne-
nhum vigor” (correspondente ao escrito nas Ordenações Manuelinas, Livro 4, Título 70, 5).
34 CHAVES, Antônio. Lições de direito civil: parte geral. São Paulo: José Bushastsky: Edusp, 1972,
 v. 3, p. 39.
 
Dignidade da Pessoa Humana 2525
mera expectativa de vida, pois não é pessoa.35 Outros estudiosos filiam-se à teo-
ria da personalidade condicional. Há os que são adeptos da teoria concepcionista,
influenciada pelo direito francês.36 Por fim, conforme Maria Helena Diniz, a ap-
tidão é apenas para a titularidade de direitos da personalidade (sem conteúdo
patrimonial), a exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável, uma vez
que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida (condição
suspensiva).37
Os autores concluem que a maior parte da doutrina segue a teoria natalis-
ta, sendo muito comum reconhecer ao nascituro mera expectativa de direito,38 
e, embora ele não seja pessoa, ninguém discute que tenha direito à vida, e não
mera expectativa.39 A legislação dos povos civilizados é a primeira a desmentir
que o nascituro não tem condição de pessoa. Não há nação que se preze não re-
conhecendo a necessidade de proteger os direitos deste, até mesmo na China. Ao
se atribuírem direitos ao nascituro, reconhece-se sua capacidade e, com sua inci-
dência, reconhece-se sua personalidade. Posto que não seja pessoa, tem proteção
legal de seus direitos desde a concepção.40Pontes de Miranda já alertava sobre a condição de “ser humano” do nascituro,
o que não é determinado é o sujeito do direito. O direito não é futuro e não é pre-
ciso pensar em sujeito parcial de direito.41 O Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
analisando norma do Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 238, asseverou
que a palavra filho, lá usada, inclui os nascituros, o douto relator, com base no
ensinamento de Pontes de Miranda, reconheceu a condição de “sujeito de direito”
do nascituro para fins do art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Ementa – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CRIME DE IM-
PRENSA. ENTREGA DE FILHO MEDIANTE PAGA OU RECOMPENSA.
O vocábulo ‘filho’, empregado no tipo penal do art. 238 da Lei 8.069/90,
abrange tanto os nascidos como os nascituros.
35 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil (abrangendo o
Código de 1916 e o novo Código Civil). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 91-92.
36 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 92.
37 Apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 92.
38 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 92.
39 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 93.
40 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 93. O pen-
samento é de Silmara Juny A. Chinelato e Almeida, que já defendia tal ideia quando o novo Código
Civil estava em elaboração, sendo projeto (O nascituro no Código Civil e no nosso direito consti-
tuendo projeto de Código Civil e a nova Constituição Federal). In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.).
O direito de família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 39-53).
41 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado: parte geral. Atualizado por Vilson Ro-
drigues Alves. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, t. I, p. 223.
 
2626 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
Todavia, a proposta genérica, sem endereço certo, sem vínculo de qualquer
natureza entre a promitente e terceira pessoa que se proponha a realizar a
condição, é ato unilateral imperfeito, sem maiores consequências, que não
preenche os elementos essenciais do tipo em exame.
Recurso Especial não conhecido” (Recurso Especial nº 48.119-8 – RS
(94/14018-5), relator o Ministro Assis Toledo, 5ª Turma, 20.03.1995, pu-
blicado no DJ em 17.4.1995, p. 9.587; RDTJRJ , v. 25, p. 66; e RT , v. 716,p. 525).
Prestigiou-se a legitimidade, em outra oportunidade, de o nascituro reque-
rer o dano moral, restrito no que se refere ao valor por não ter conhecido o pai
falecido, da lavra do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Recurso Especial
nº 399.028, São Paulo, 4ª Turma, 26.02.2002, V. Acórdão publicado no DJ, de
15.4.2002, p. 232; RSTJ , v. 161, p. 395; e RT , v. 803, p. 193, de cuja ementa se
extrai: “II – o nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai,
mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do
quantum”.
Em outra oportunidade:
“Com o nascimento, com vida, adquirindo-se a personalidade, ocorre a
aquisição de direitos pela pessoa. Possibilidade, porém, de retroação da
indenização à data da morte da vítima, pondo a lei a salvo os direitos do
nascituro, já concebido quando da ocasião do evento” (TJRS, 8ª CC TA,
 Apelação Cível nº 195123112, relator o desembargador Luiz Ari Azambuja
Ramos, j. 28.11.1995).
 Aceitando a possibilidade de o nascituro ajuizar a ação investigatória de
paternidade, por ser direito personalíssimo, conforme preceitua o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90 (arts. 26, parágrafo único, e 27),
 vide TJRJ, 7ª CC, Apelação Cível nº 1999.001.01187, relator o desembargador
Luiz Roldão de Freitas Gomes, j. 25.5.1999; TJRS, 1ª CC, Apelação Cível nº 
583052204, relator Athos Gusmão Carneiro, j. 24.4.1984, RJTJRS 04/418; e
TJRS, 7ª CC, Apelação Cível nº 70000134635, relatora a desembargadora Maria
Berenice Dias, j. 17.11.1999.42
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, já se decidiu pela necessidade de se
indenizar porque ocorreu erro médico no acompanhamento de gravidez, violan-
do-se a integridade física do nascituro:
“Age com culpa o médico que não procede ao devido acompanhamento
de paciente que se encontra em trabalho de parto, aplicando-lhe medi-
42 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de.Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República (parte geral e obrigações – artigos 1º a 420). Rio
de Janeiro: Renovar, 2004, v. 1, p. 8 e 10.
 
Dignidade da Pessoa Humana 2727
camentos que colocam em risco a saúde do NASCITURO” (Apelação Cí-
 vel nº 458.416-3, relator o desembargador Sebastião Pereira de Souza, j.
22.6.2005, publicado em 5.8.2005).
Escrevia João Manuel de Carvalho Santos, na égide do Código Civil de 1916,
que o nascituro não é nada mais que “víscera da mãe”, portanto, não é pessoa.43
 Vicente Ráo pontificou que a proteção conferida ao nascituro não lhe atribuipersonalidade jurídica, equivale a uma situação jurídica de expectativa, situação
que só com o nascituro se aperfeiçoa, ou, então, indica a situação ou o fato em
 virtude dos quais certas ações podem ser propostas, ou ao qual se reportam, re-
troativamente, os efeitos de determinados atos futuros.44
Silvio Rodrigues ensina que o nascituro não tem personalidade. Ele virá a tê-
-la com seu nascimento com vida. Todavia, como é provável que venha ao mundo
 vivo, preservam-se os seus interesses para o futuro.45
Sílvio de Salvo Venosa, com amparo jurisprudencial, tem a mesma linha de
pensamento. O nascituro não tem personalidade jurídica, pois esta advém apenas
com a vida.46 É apenas uma expectativa de direito.47
Washington de Barros Monteiro, criticando o fato de o legislador do novo
Código não ter enfrentado questões modernas no campo da medicina e na ge-
nética, preleciona que, seja qual for a conceituação dada ao nascituro, para
o feto, há uma expectativa de vida humana, uma pessoa se formando; dessa
forma, a lei não pode ignorá-lo, e, por causa disso, deve salvaguardar-lhe os
eventuais direitos. 48
Caio Mário da Silva Pereira é totalmente desfavorável a conceder direitos ao
nascituro, pois ele ainda não é uma pessoa, não é um ser dotado de personalida-
de jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial.
Não há que se falar em reconhecimento de personalidade ao nascituro nem se
admitir que antes do nascimento ele seja sujeito de direito. A doutrina da per-sonalidade jurídica do nascituro não é, pois, exata. Também não é a que conclui
pelo reconhecimento de direitos sem sujeito.
43 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, principalmente do ponto de vista
 prático (arts. 1-42). 14. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, v. I, p. 246.
44 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. anotada e atualizada por Ovídio Rocha Barros
Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, v. 1, p. 603.
45 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral, p. 36.
46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 1 , p. 160.
47 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 160, nota 2.
48 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. Atualizado por Ana Cristi-
na de Barros Monteiro França Pinto. 39. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 66.
 
2828 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
 Antes do nascimento, o feto ainda não é uma pessoa, mas, se vem à luz como
pessoa capaz de direitos, a sua existência, no tocante aos seus interesses, retroage
ao momento de sua concepção.
Pelo nosso direito, portanto, antes do nascimento com vida não existe per-
sonalidade. Até aí o que há são direitos meramente potenciais, para cuja consti-
tuição dever-se-á aguardar o fato do nascimento e a aquisição da personalidade.
 A fórmula do Código Civil, tal qual se dá com o Código alemão, o italiano e o
português, temo préstimo indiscutível da simplicidade.
Subordinando a personalidade ao nascimento com vida, não cabe indagar de
que maneira se processa a concepção: se por via de relações sexuais normais, se
por inseminação artificial ou se mediante processos técnicos de concepção extra-
-uterina (fertilização in vitro).49
 A negativa em reconhecer o vínculo de paternidade foi estampada no V.
 Acórdão proferido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 256.512,
relator o ministro Carlos Alberto de Menezes Direito, 3ª Turma, 9.12.1999, DJ 
28.2.2000, p. 82. O Tribunal a quo rejeitou pleito de alimentos provisionais,
confirmando a referida decisão, pois “ocorria mera expectativa de direito, não
amparada pela legislação, resumindo-se a hipótese a caso de ilegitimidade ativae passiva”.
Quando relator do RE nº 99.038, Minas Gerais, julgamento datado de
18.10.1983, o ministro Francisco Rezek elaborou voto, cujo Órgão Julgador, 2ª 
Turma, redigiu a seguinte ementa:
“Civil. Nascituro. Proteção de seu direito, na verdade proteção de expecta-
tiva, que se tornará direito, se ele nascer vivo. Venda feita pelos pais a irmã
do nascituro. As hipóteses previstas no Código Civil, relativas a direitos do
nascituro, são exaustivas, não os equiparando em tudo ao já nascido” ( DJ ,
publicado em 5.10.1984, p. 16452).
 Adotando a teoria concepcionista, assim se pronunciou o TJRS:
“O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nasci-
mento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns
direitos patrimoniais” (6ª CC, Apelação Cível nº 70002027910, relator o
desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 28.3.2001, RJTJRS
217/214).
João Manuel de Carvalho Santos, Vicente Ráo, Silvio Rodrigues, Sílvio de
Salvo Venosa, Washington de Barros Monteiro e Caio Mário da Silva Pereira aco-
lhem a teoria natalista.
49 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil, teoria
geral de direito civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 1, p. 217-218 e 221.
 
Dignidade da Pessoa Humana 2929
Não se tem uma posição pacífica para dizer se o nascituro possui ou não
personalidade jurídica. Dessa forma, não se pode desacreditar qualquer teoria de
plano. O respeito que o ser que vai nascer merece não advém do fato de ele ser
titular de direitos e contrair deveres e, tampouco, por possuir direitos da persona-
lidade em sua amplitude, mas emana do fato de ele representar a “vida humana”
em seus primórdios.
Gilberto Haddad Jabur menciona que os direitos da personalidade são aque-les que aderem à pessoa a partir do primeiro “sopro de vida”.50 Ou seja, reforça a
colocação de que o nascituro não tem personalidade nem, em consequência, di-
reitos a serem protegidos em sua inteireza. Mas não pode ser tratado de qualquer
maneira, “manipulado”, por representar vida humana em potencial.51 
O Projeto de Lei nº 478/2007 é nomeado “Estatuto do Nascituro”, e está em
trâmite no Congresso Nacional.
 A proposta legislativa, tal qual qualquer outra iniciativa legislativa, tem pon-
tos favoráveis e desfavoráveis.
O primeiro ponto positivo é elaborar-se um projeto para cuidar de assunto
tão delicado, secular, cuja preocupação vivia no espírito dos romanos.
O segundo destaque é a busca na proteção do ser mais frágil, aquele que não
pode, por si, pleitear direitos. A vulnerabilidade, enfim, é protegida.
 Ademais, como terceiro ponto não negativo, vê-se que num só diploma in-
serem-se noções de biodireito, direito civil e direito penal, fundamentalmente,
procura-se sistematizar o tratamento legal do nascituro, nomeando-o “ser huma-
no concebido”.
Num quarto momento, direito fundamentais são arrolados, tais como a vida,
a saúde, a alimentação, a dignidade, o respeito, a liberdade, a convivência fami-
liar, a integridade física, a honra, a imagem etc.
Preocupação muito salutar, quinta observação, e a inexistência de discrimina-
ção. Não importa a condição do nascituro, saudável ou não, ele deve ser respei-
tado. Proíbe-se, em última análise, a eugenia.O Ministério Público é chamado a intervir em favor do nascituro, primordial-
mente quando, no exercício do poder familiar, colidir algum interesse dele com
50 JABUR, Gilberto Haddad. Breve leitura dos direitos da personalidade. In: FILOMENO, José
Geraldo Brito; VAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (Coord.).
O Código Civil e sua interdisciplinaridade: os reflexos do Código Civil nos demais ramos do Direito.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 402.
 Carlos Alberto Bittar não faz distinção alguma entre a concessão de direitos de personalidade à
pessoa humana ou ao nascituro (Os direitos de personalidade. Atualizado por Eduardo Carlos Bianca
Bittar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 13).
51 Alguns são ressalvados por Gilberto Haddad, como o nascimento com vida, integridade física,
honra e a identidade ( Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos de
personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 357).
 
3030 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
os pais, requerendo a nomeação de curador especial. Um representante daquela
instituição, respeitabilíssima, isto é, um terceiro, terá melhores condições de pro-
teger o nascituro, é o sexto ponto favorável.
Por último, nessa sucinta análise de pontos vantajosos, não se descuidou em
criminalizar condutas ofensivas ao nascituro, sétima anotação.
De outro lado, há também posições não muito aceitáveis.
Em primeiro lugar, denomina-se nascituro o ser humano concebido e não
nascido, para, depois, talvez por receio das inovações científicas, incluir os seres
humanos concebidos “in vitro”, os produzidos através de clonagem ou por ou-
tro meio científica e eticamente aceito. Ora, confunde-se a noção de nascituro e
embrião pré-implantatório e, além disso, num projeção para o futuro, insere-se
“outro meio científico”, qual seria? Seria conveniente desde já legislar sobre o
que não se sabe “se” e “de que maneira” será descoberto? A cautela é de suma
relevância, desde que calcada em substratos concretos.
Em segundo lugar, verifica-se o intuito de modificar conceitos da área civil
e da biossegurança, pelo menos deve haver cuidado para evitar contradições de
legislações e dubiedades insanáveis; por exemplo, se é constitucional o art. 5º da
Lei de Biossegurança, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, não seria incons-
titucional um conceito amplíssimo de nascituro? É necessário ter-se cuidado ao se
inserir novos diplomas legais no ordenamento jurídico.
Para a interpretação da possível lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que
ela se dirige e as exigências do bem comum, os direitos individuais e coletivos,
e a condição peculiar do nascituro como futura pessoa em desenvolvimento. O
dispositivo, terceiro aspecto, é repetitivo, insere, se independente, conceitos jurí-
dicos, ou legais, indeterminados, causando mais incertezas que certezas.
Em verdade, quarta nota, embora dependa do nascimento para ter personali-
dade jurídica, pelos direitos fundamentais conferidos, proteção, curador especial,
receber doação, suceder, titular de direitos materiais ou morais, ele já é um ser
humano completo, não alguém que tem “natureza humana”, com flagrante con-
tradição entre os dispositivos do próprio Projeto.
Criminalizou-se o aborto como crime hediondo, entretanto, essa medida não
acabará com essa prática condenável se diferente dos casos legais. Se fosse assim,
o tráfico não existira mais, tampouco o homicídio e o latrocínio, diametralmen-
te o oposto acontece. O mais certo é esclarecer as pessoas em ser prejudicial o
aborto, legal ou ilegal, para que a população não tenha medo de se expor. Essa é
a quinta observação a ser feita.
Por fim, sexto ponto negativo, perdeu-se uma oportunidade em conciliar leis
 já mencionadas, Código Civil e Lei de Biossegurança, com o Projeto, para, com o
avanço da ciência e tecnologia, chegar-se a um consenso mínimo, bioético, para
possibilitar a cura de doenças coma manutenção de postulados mais tradicionais.
 
Dignidade da Pessoa Humana 3131
2.2.1.2 Embrião (“no útero” e “in vitro”)
 2.2.1.2.1 Personalidade jurídica
Com a evolução da reprodução assistida, tornou-se necessário pensar a res-
peito do embrião in vitro, bem como sobre o destino dos embriões excedentários,
se criopreservados (congelados), doados ou utilizados para pesquisa científica e,
finalmente, passíveis de clonagem.
Eduardo de Oliveira Leite entende que o embrião, em qualquer fase e conce-
bido no corpo humano ou fora dele, deve ser protegido desde a concepção. Ele é
sujeito de direito, reconhecendo-se seu caráter de pessoa desde a fecundação.52
O embrião, conforme Maria Helena Diniz, ou nascituro, possui resguardados,
normativamente, desde a concepção, os seus direitos, porque a partir dela passa
a ter existência e vida orgânica, além da biológica, própria, independente da de
sua mãe.
Na vida intrauterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal,
concernente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente, ad-
quirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião em
que será titular de direitos patrimoniais, os quais estão em estado potencial.53 
 A vida se inicia com a fecundação e a vida viável com a gravidez. O início legal
da consideração jurídica da personalidade, posto as ideias colocadas, é o momen-
to da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher.54
Reinaldo Pereira e Silva afirma ser o embrião, no útero ou in vitro, incluído
na noção jurídica de nascituro, pessoa, e, em consequência, tem plenos direitos
da personalidade.55
Edoardo Poeta, na Itália, também não pactua com a ideia da distinção entre o
embrião no útero materno e aquele pré-implantatório. Ele afirma que a clonagem
terapêutica está vedada pela existência de aborto quando se usa tal técnica, o que
 viola a dignidade da pessoa humana.56
52 LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito do embrião humano: mito ou realidade? Revista de Direito
Civil, nº 78, p. 22-40, out./dez. 1996, p. 35.
53 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 113-114.
O mesmo pensamento sobre a necessidade de se proteger o embrião desde a concepção, devido
aos recursos da ciência que permitem a identificação de sua carga genética, possíveis tratamentos e
cirurgias intrauterinas, pode ser visto na obra de Renan Lotufo (Curso avançado de direito civil: par-
te geral. In: CAMBLER, Everaldo Augusto (Coord.). 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
 v. 1, p. 90). Cf., ainda, PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião: análise bioé-
tica das técnicas de reprodução assistida. RT , São Paulo, v. 768, p. 89-91, out. 1999.
54 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 11. ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2005 , p. 9.
55 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião, p. 88.
56 Legge sull’aborto, “ostacolo” per la clonazione terapeutica. Disponível em: <http://www.dirit-
to.it/materiali/civile/poeta.html>. Acesso em: 11 dez. 2006.
 
3232 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
 Antonio Junqueira de Azevedo compartilha a ideia de que o embrião pré-
-implantatório, ou clonado, não pode ser desrespeitado, apesar de não ser consi-
derado “pessoa”, porque aqui se protege, na realidade, não a intangibilidade da
 vida, mas, sim, o menos forte, é uma vida em potencial, não fazendo parte do
“fluxo vital contínuo da natureza humana”. Uma vez implantado no útero, inicia-
-se a gravidez, não podendo ser interrompida, sob pena de favorecer o aborto.57
Comentando sobre o Pacto de São José da Costa Rica, Fábio Konder Compa-rato esclarece que a possibilidade do aborto não ficou totalmente afastada, pela
redação do art. 4º daquele diploma legal, e, eticamente, aceitar-se-ia a clonagem
terapêutica com a obtenção de embriões clonados para tratamento de doenças
neurodegenerativas do próprio sujeito.58
No entendimento de ambos, a concepção não faz que, de pronto, o embrião
no útero ou in vitro, pré-implantatório, tenha personalidade jurídica. Ele tem vida,
porém, em potencial; pode-se, em consequência, pesquisá-lo limitadamente.
Outro argumento – que não parece ser obtuso – é o seguinte: o art. 2º, posto
que não incida sobre a reprodução assistida, não é afastado para outros tipos de
situações no plano fático. E, se está vigorando, não é inconstitucional. Reforça o
fato de não padecer de inconstitucionalidade a proposta de mudança da redação
do art. 2º do novo Código Civil.59 A lei é vigente e de acordo com a Carta Magna,
por isso, conforme a Lei de Introdução ao Código Civil, é necessária outra legis-
lação para modificá-la.60
No novo Código Civil, a teoria natalista é acolhida pelo menos segundo al-
guns estudiosos, ou seja, a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com
 vida, mas é preciso lembrar da seguinte observação: não desacreditar de quais-
quer teorias a respeito do nascituro.
Desde a concepção, o “nascituro” (ovo que sofreu nidação)61 tem direitos
assegurados, entretanto, não plenos. O “embrião”, elaborado em laboratório
ou clonado, não foi alcançado pelo diploma legal, não possuindo, desde logo,
57 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana.
 RT , São Paulo, v. 797, p. 20-21, mar. 2002.
58 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2003 , p. 364.
59 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, p. 91.
60 Art. 2 º do Decreto-lei nº 4.657, de 4.9.1942: “Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue.”
61 “Assim, para nós, com ligações hauridas na Medicina e na Biologia, há de se ressalvar que, na
fecundação in vitro, não se poderá falar em ‘nascituro’ enquanto o ovo (óvulo fertilizado in vitro)
não tiver sido implantado na futura mãe, impondo-se, pois, o conceito de ‘nascituro’ sempre e ape-
nas quando haja gravidez, seja ela resultado de fecundação in anima nobile (obtida naturalmente
ou por inseminação artificial), seja de fecundação in vitro” (CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny
 A. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 11).
 
Dignidade da Pessoa Humana 3333
quando obtido fora do útero materno, direitos a serem assegurados, quer da
personalidade, quer patrimoniais. Não se pode desrespeitá-lo, sob o risco de se
 vulgarizar sua existência; contudo, não se pode tratá-lo como nascituro ou uma
pessoa plena. Reforçam este entendimento a diretriz “e” mencionada e adotada
por Miguel Reale na sistematização do novo Código Civil62 e o dito por Ricardo
Fiuza quando da vigência deste diploma legal.63 
“A gravidez começa com a nidação (isto é, quando o ovo se implanta no endométrio, revesti-
mento interno do útero), conforme entendimento já explanado do Professor Waldemar Diniz de
Carvalho e do Professor Dr. Odon Ramos Maranhão” (CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny A.
Tutela civil do nascituro, p. 11).
 Em outra oportunidade, lembra: “A lei poderá distinguir a capacidade do nascituro implantado
e do não implantado, lembrando-se a crítica dos diversos especialistas, entre os quais René Fridy-
man quanto à impropriedade da palavra ‘pré-embrião’ pois de embrião já se trata” (CHINELATO E
 ALMEIDA, Silmara Juny A. Adoção de nascituro e a quarta era dos direitos: razões para se alterar
o caput do art. 1.621 do novo Código Civil. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo.
Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004, v. 1, p. 370, nota 34 (Série
Grandes Temas de Direito Privado)).
62 Algumas diretrizes foram seguidas para a elaboração do novo Código Civil:
 “a) preservação do Código vigente sempre que possível, não só pelos seus méritos intrínsecos,
mas também pelo acervo de doutrina e de jurisprudência que em razão dele se constituiu;
 b) impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código Beviláqua,dada a sua falta de cor-
relação com a sociedade contemporânea e as mais significativas conquistas da ciência do direito;
c) alteração geral do Código atual no que se refere a certos valores considerados essenciais,
como o de eticidade, de socialidade e de operabilidade;
 d) aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas duas meritórias tentativas feitas
anteriormente por ilustres jurisconsultos, primeiro por Hahneman Guimarães, Orozimbo Nonato
e Philadelpho de Azevedo, com o anteprojeto do ‘Código das Obrigações’, e, depois, por Orlando
Gomes e Caio Mário da Silva Pereira, com a proposta de elaboração separada de um Código Civil
e de um Código das Obrigações, contando com a colaboração, neste caso, de Silvio Marcondes,
Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros;
 e) firmar a orientação de somente inserir no Código matéria já consolidada ou com relevan-
te grau de experiência crítica, transferindo-se para a legislação especial aditiva o regramento de
questões ainda em processo de estudo ou que, por sua natureza complexa, envolvem problemas e
soluções que ultrapassam o Código Civil;
 f) dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a Parte Geral – conquista preciosa do direito
brasileiro, desde Teixeira de Freitas –, mas com nova ordenação da matéria, a exemplo das mais
recentes codificações;
 g) não realizar, propriamente, a unificação do direito privado, mas sim do direito das obrigações
– de resto, já uma realidade operacional no País – em virtude do obsoletismo do Código Comercial
de 1850 – com a consequente inclusão de mais um Livro na Parte Especial, que, de início, denomi-
nou-se ‘Atividades Negociais’, e, posteriormente, ‘Direito de Empresa’” (REALE, Miguel. Visão geral
do novo Código Civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, nº 9, jan./mar.
2002, p. 11).
63 No parecer do relator-geral do Projeto, Ricardo Fiuza, esclarece-se a manutenção do texto pas-
sado, com referência ao que foi dito por Miguel Reale, “novidades como o filho de proveta só
podem ser objeto de leis especiais. Mesmo porque transcendem o campo do Direito Civil” (ALVES,
Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Novo Código Civil confrontado com o Código Civil de 1916.
São Paulo: Método, 2002, p. 64).
 
3434 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
Dessa forma, salutar era a redação do Projeto de Lei do Senado nº 90/99,
que, em seu art. 9º, § 1º, previa: “Não se aplicam aos embriões srcinados in vitro,
antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos
assegurados ao nascituro na forma da lei.”
O senador Rubens Requião ofereceu substitutivo ao Projeto nº 90/99, com
base em comentários de grupo interdisciplinar de Curitiba, e apesar de ter feito
ajustes no Projeto para tornar a proposição mais precisa do ponto de vista médi-
co, administrativo e jurídico, e mais coerente com os princípios éticos brasileiros,
enfatizou que ele não continha vício quanto à constitucionalidade ou juridicidade
e, no art. 14, § 2º, manteve a mesma redação anteriormente comentada.
O Projeto de Biossegurança, votado no Congresso Nacional, convertido em
lei com a sanção do presidente da República em 24.03.2005 com sete vetos, não
contém norma de igual redação.
O ensinamento de Jussara Maria Leal de Meirelles, a qual indica as teorias a
respeito do embrião obtido laboratorialmente, é, portanto, válido para o enten-
dimento de sua condição:64 (a) a corrente concepcionista sustenta que o embrião
goza de direitos a partir da concepção, pois, desde esse momento, é caracteri-
zado como pessoa; (b) a chamada teoria genético-desenvolvimentista baseia-seno fato de o ser humano, no início de seu desenvolvimento, passar por diversas
fases, apresentando, em cada uma delas, características diversas. A proteção do
embrião, em respeito à dignidade humana, ocorre em um segundo momento, no
qual se reconhece a necessidade de protegê-lo, sendo aquele em que já é possível
identificá-lo como único, individualizado. É o que se entende por “srcem suces-
siva da vida humana”; (c) a terceira vertente qualifica o embrião como um “ser
humano em potencial”, referindo-se à “potencialidade da pessoa” para designar
a autonomia embrionária e o estatuto que lhe é próprio.
 A posição da autora é diferente de todas as outras construções teóricas: evi-
dencia-se a desnecessidade de se recorrer a interpretações extensivas da catego-
ria abstrata de pessoa natural ou de seus “desdobramentos”. Também não é pre-ciso atribuir personalidade jurídica ao embrião. A pessoa humana, considerada
em qualquer fase de seu desenvolvimento como noção pré-normativa e, portanto,
merecedora de proteção jurídica ao que lhe é fundamental, ou seja, a vida e a
dignidade, antecede e supera as categorias jurídicas abstratas. Em qualquer etapa
do desenvolvimento, é valor.65
 Ao que parece, o legislador pátrio, ao disciplinar o uso de células-tronco
embrionárias, em parte, adotou a segunda corrente, ou seja, a teoria genético-
-desenvolvimentista, porque se pode utilizar o embrião inviável para a pesquisa.
64 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000 , p. 8-9.
65 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica, p. 9-16.
 
Dignidade da Pessoa Humana 3535
Mais detalhada é a classificação formulada por Daniel Serrão. Chamado a
elaborar trabalho sobre o uso de embriões em investigação científica, por solici-
tação do Ministério da Ciência e do Ensino Superior de Portugal, ilustra quatro
posições: (a) os que consideram que o estatuto moral do embrião é tão elevado
que as suas células stem não devem ser usadas e o embrião deve ser destruído;
(b) as células stem, em princípio, podem ser usadas logo que (as long as) benefí-
cios substantivos are available para tratar doença humana. Destes, alguns acham
que não há necessidade premente, no presente, de permitir a produção de células
stem embrionárias, para investigação ou para eventuais tratamentos de doença,
quer em embriões obtidos por clonagem, quer pela técnica in vitro, como a que
é usada na fertilização. Eles consideram que tratar doenças graves com células
stem é, ainda, apenas uma possibilidade teórica, e manipular embriões para ou-
tra finalidade que não seja o desenvolvimento do embrião até o nascituro pode
constituir uma erosão dos valores em causa. A opinião desse subgrupo é a de que
a investigação de células stem embrionárias deve usar apenas os embriões exce-
dentários do processo de fertilização in vitro; (c) o uso da clonagem terapêutica
para investigação sobre o tratamento de doenças graves é eticamente aceitável,
se for efetuada em embriões muito iniciais ( very early ). O uso desses embriões
em investigação é preferível ao uso de células fetais (fetos abortados legalmente,
presume-se), permitido na Dinamarca.66
No Brasil, também se prestigiou a teoria (b), em sua variação, ou seja, é
permitido realizar pesquisa para se obter células-tronco embrionárias a partir de
embriões congelados, excedentes das técnicas de reprodução assistida, desde que
há mais de três anos ou, quando da vigência da lei, completado aquele espaço
temporal, com o consentimento dos “pais”.
O embrião, no útero ou elaborado em laboratório, ao que parece, não tem
personalidade jurídica, tampouco possui direitos da personalidade, pelo fato de
não ter uma individualidade própria. Nessa fase, que começa com a formação do
sistema neural, a partir do 14º dia da concepção para uns67 ou 18º para outros,68 
ele tem vida independente e não pode sofrer qualquer intervenção.
Não se olvide que na lei de transplantes de órgãos, tecidos e outras partes
do corpo humano, Lei nº 9.434, de 4.2.1997, o art. 3º estabeleceu o momento da
morte com a cessação das atividades cerebrais; logo, por via inversa, o início da
 vida autônoma seria com o começo da formação do cérebro.
66 SERRÃO, Daniel. Uso de embriões em investigação científica. Trabalho elaborado por solicitação
do Ministério da Ciência e do Ensino Superiorde Portugal. Fev. 2003.
67 Assim optou-se no Relatório Warnock (LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito do embrião hu-
mano, p. 31) e na Lei Britânica de 2002 que permite a clonagem terapêutica.
68 MOORE, Keith L.; PERSAUD, N. Embriologia básica. Revisão técnica de Ithamar Vugman. Tra-
dução de Ithamar Vugman e Mira de Casrilevitz Engelhardt. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Kogan, 2000, p. 161. Entende-se que nessa fase, 18º dia, surgem os primeiros sinais do desenvol-
 vimento do encéfalo.
 
3636 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
 2.2.1.2.2 Embriões excedentários
Uma primeira postura ética é a de que os embriões excedentários não deve-
riam existir.69
Mário Emílio Forte Bigotte Chorão defende que a condição ontológica da
pessoa não é uma qualidade mensurável; ou se é pessoa por natureza ou não. De
acordo com um entendimento ontológico-substancialista, parece legítimo enun-ciar que onde está o corpo humano (vivo), aí está a alma espiritual; onde está o
produto da concepção, está o indivíduo humano; onde está o indivíduo humano,
está a pessoa.
Cada pessoa em concreto é um sujeito único e irrepetível, fim em si mesmo,
com uma dignidade incompatível com a sua instrumentalização e coisificação.
O ser embrionário deve ser respeitado como pessoa humana; assim, não só é
inviável causar-lhe dano, como também se lhe devem dispensar, positivamente, a
atenção e os cuidados que merece.
Todavia, mesmo com essas e outras ponderações, existe um relativismo ético
e, à sombra de “paradigmas bioéticos”, têm sido justificadas práticas de con-
gelamento, manipulação experimental e destruição de embriões, de procriação
artificial heteróloga, de eutanásia ativa e passiva, de aborto, em termos mais oumenos permissivos.70
Não obstante, para se ter uma gravidez completa, cuja probabilidade de ocor-
rer é de 18%, é preciso colocar mais de um “ovo” no útero. 71 Dessa maneira, é
necessária a formação de mais de um embrião.
Eles podem ser os embriões que, em razão do sucesso de tentativa biomédica
antecedente, não serão transferidos para o útero materno, ou ser os embriões
abandonados em laboratório (por exemplo, porque a mulher conseguiu engravi-
dar naturalmente e o casal desistiu da saída artificial).72
Quando se realiza a reprodução assistida, tem-se a preocupação com os
“embriões que sobram” – aqueles que não são utilizados para a implantação no
útero da mulher. Buscando resolver o dilema, o Conselho Federal de Medicina
oferece três destinos para o embrião nessa situação: ele pode ser doado para
outro casal que tenha problemas de fertilização; pode ser congelado; ou usado
para terapia genética. 73
69 O novo Código de Ética Médico (Resolução nº 1.931, de 17.9.2009), sinaliza para essa im-
possibilidade: “Art. 15, § 1º. No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve
conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários”.
70 CHORÃO, Mário Emílio Forte Bigotte. Bioética, pessoa e direito (para uma recapitulação do
estatuto do embrião humano). Lisboa, p. 1-15, jun. 2005. Disponível em: <http://www.ul.pt>.
71 Pereira e SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião, p. 86.
72 Pereira e SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião, p. 86, nota 46.
73 A Resolução n º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, no item “6”, impunha: “O número
ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para receptora não deve ser superior a quatro,
 
Dignidade da Pessoa Humana 3737
a) Embriões “doados”
 A terminologia “doar” embriões não é aceita por alguns autores. Isso porque
não se poderia “doar” um “ser vivo”, o que representaria a sua “coisificação”, tal
como ocorre em um contrato de doação.
Embora feita a ressalva, talvez sendo mais apropriada a terminologia “ado-
ção”, atual Resolução nº 2.013/13, tal qual na Resolução nº 1.358/92, usa-se a
palavra “doação” ao referir-se ao embrião, ele, e gametas, será “doado” sem cará-
com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.” A nova Resolução, nume-
rada 1957/2010, alterou um pouco essa possibilidade, porque, em seu item “I” (princípios gerais),
“6” estabelece: “O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não
podem ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as
seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões; b) mulheres entre 36 a
39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.”
 A Resolução n º 1.358/1992 proibia a utilização de procedimentos que visassem a reduçãoredução
embrionáriaembrionária (item “7”). Ela ocorre quando se implanta mais de um embrião no útero da mulher e
todos vingam, ou seja, todos os embriões dão ensejo a uma gravidez, no sentido jurídico do termo.
Para não haver risco à saúde da mãe e do ser gerado, poder-se-ia retirar um ou mais embriões,
atitude que encontra resposta nos Estados Unidos da América. Se permitida sua utilização em
nosso país gerar-se-iam discussões no âmbito da bioética e na esfera do biodireito muito importan-tes, exemplificativamente: (a) a mulher poderia escolher qual o embrião deve prosseguir com seu
desenvolvimento e aquele que será retirado? (b) a atitude não seria equiparada a aborto e, sendo
assim, considerada crime? (c) qual dos embriões retirar, o primeiro implantado, o último, ou am-
bos? (d) nessa escolha, se ela for entendida como viável, não deveria interferir o pai, se contribuiu
com seu material genético para geração do ser ou desejou que nascesse – filiação sócio-afetiva?
(e) pode haver a retirada do embrião do útero, mesmo com risco de vida à gestante, acaso ela e o
pai da criança não consintam? (f) qual o médico capacitado para realizar a redução embrionária,
o que fez a implantação ou outro profissional? (g) deve haver autorização judicial para o proce-
dimento de redução embrionária? (h) para qual Juízo, acaso afirmativa a resposta anterior, deve
ser endereçado o pedido? (i) se o casal que desejou a reprodução assistida não foi devidamente
orientado sobre a possibilidade de multiplicidade de gestações, poderia ajuizar ação de indenização
por dano material e dano moral? (j) o casal poderia ser compelido a assinar termo renunciando a
possível indenização por dano material ou moral acaso todos os embriões implantados resultassem
numa gravidez? (k) se ocorresse “troca” dos embriões implantados, um sendo do casal e os outrostrês sendo de casal diverso, poderia ocorrer redução embrionária? (l) se a gravidez prosseguisse,
com embriões de outro(s) casal(is) quem seriam, efetivamente, os pais da criança? (m) as crianças
poderiam ser adotadas pelo casal que contribuiu com seus gametas para sua formação? (n) se o
equívoco ocorreu, quem realizou o implante responde civil, ético e penalmente por seu ato? (o) e
se vários forem os profissionais envolvidos na reprodução, qual deles responsabilizar, acaso haja
resposta afirmativa à questão anterior? p) a relação entre o casal e o(s) a(s) médico(a)(s) é civilcivil,
comercialcomercial ou consumeristaconsumerista? (q) se a responsabilidade for civil e comercial, pelo que envolve a ati-
 vidade, ela seria objetivaobjetiva? (r) se a relação for adjetivadade consumode consumo, como se dará a inversão doinversão do
ônus da provaônus da prova? (s) se permitida a redução embrionária, o embrião retirado poderia ser utilizado
para outros fins: pesquisa para obtenção de células-tronco embrionárias, por exemplo? (t) se não
fosse para se conseguir células pluripotentes, poder-se-ia utilizá-lo para outra finalidade: terapia
gênica? A matéria é muito delicada e merece atenção. Essas ponderações subsistem, porquanto a
redução embrionáriaredução embrionária é novamente vedada na nova Resolução (item I, “7”: “Em caso de gravidez
múltipla, decorrente do uso e técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem
à redução embrionária”).
 
3838 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
ter lucrativo ou comercial (IV, “1”), ademais, os “doadores” não devem conhecer
a identidadedos “receptores” e vice-versa (IV, “2”).
b) Embriões congelados
Silmara J. Chinelato e Almeida alerta para a condição de “não nascituros”
dos embriões congelados, pois somente após a implantação deles no útero, me-
diante a qual se iniciará a gravidez, é que se poderá considerar que ali existe um
novo ser, uma pessoa, embora o embrião pré-implantatório deva merecer tutela
 jurídica como pessoa virtual ou “in fieri”.74
Reinaldo Pereira e Silva defende a necessidade de se reconhecer direitos ao
nascituro, entre os quais o direito à vida – logo, a teoria que garante à pessoa
que vai nascer personalidade jurídica é a mais apropriada, não podendo haver
manipulação de embriões, pois, no atual contexto dos avanços tecnológicos, deve
prevalecer a interpretação de que o concepto pré-implantatório, “in vitro” ou
“criopreservado”, por sua natureza, é pessoa humana.75
 A possibilidade de se congelar embriões para o futuro gera, igualmente, al-
guns questionamentos: até que momento pode-se deixar o embrião nessa situa-
ção? Pode-se utilizá-lo se um dos cônjuges falece?
Para a primeira questão, o Conselho Federal de Medicina Nacional determina
que os embriões com mais de cinco (5) anos poderão ser descartados se esta for a
 vontade dos pacientes, não apenas para as pesquisas de células-tronco, conforme
previsto na Lei de Biossegurança (Resolução nº 2.013/13, V, “4”).
Na segunda, embora controversa, a solução seria ter a anuência do outro
cônjuge, por testamento, ou outro escrito reconhecidamente verdadeiro.76
O tempo em que o embrião ficará congelado é importante atualmente, pois
a nova Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105, de 24.3.2005, em seu art. 5º, inc. II,
permite a utilização, para a pesquisa de células-tronco embrionárias, de embriões
congelados há mais de três anos ou, se ao tempo de vigência da lei, foram conge-
lados e exceder-se, igualmente, aos três anos.
Já se tem pronunciamento jurisprudencial sobre congelamento e descongela-
mento de embriões, com problema do material usado:
74 CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny A. Tutela civil do nascituro, p. 11.
75 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o
estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002 , p. 230.
76 Recentemente, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que uma mulher britânica que
ficou infértil depois de submetida a um tratamento contra câncer não poderá utilizar seus embriões
congelados para ter um bebê sem a concordância de seu ex-noivo. A Corte manteve decisão ante-
rior da Alta Corte, segundo a qual o consentimento contínuo tanto do homem quanto da mulher é
necessário durante todo o decorrer dos procedimentos de fertilidade ( Folha de S.Paulo. São Paulo,
quarta-feira, 8.3.2006, p. A21).
 
Dignidade da Pessoa Humana 3939
“Prestação de serviços – Reprodução assistida – Contaminação do material
utilizado no descongelamento de embriões – Impossibilidade de implanta-
ção de parte dos embriões formados – Responsabilidade objetiva da clínica
– Legitimidade passiva da comerciante do produto contaminado afastada,
por ter sido identificada a fabricante – Indenizações por danos material
e moral mantidas – Recurso da Ré provido e parcialmente provido o dos
 Autores” (Apelação n
º
 0005475-21.2011.8.26.0302 – 36
ª
 Câmara de Di-reito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador
Pedro Baccarat – J. 24.4.2014).
Em outro momento, fixou-se valor de indenização pelo descarte de em-descarte de em-
briõesbriões não autorizado:
“DANOS MORAIS – Pleito de indenização pela perda-descarte de pré-em-
briões criopreservados em Hospital Público – Descarte ou perda, sem o
consentimento do casal, que pretendia ter outro filho, por inseminação in
 vitro – Documentos e informações técnicas a revelar que a criopreservação
realmente aconteceu, mas não de quatro pré-embriões, mas de dois pré-
-embriões, uma vez que estavam em estágio de desenvolvimento (blasto-
cisto inicial) próprio para o congelamento – Prova testemunhas que não
infirmou os documentos apresentados – Valor pleiteado, no entanto, que
ora é reduzido a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) – Sentença de improce-
dência reformada – Recurso parcialmente provido” (Apelação nº 0212660-
67.2008.8.26.0000 – 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justi-
ça de São Paulo – Relator Desembargador Antonio Carlos Malheiros – J.
7.8.2012).
Denominou-se de obrigação de meio, não de obrigação de resultado, a manu-
tenção dos pré-embriões congelados e vivos:
“Indenização – Responsabilidade civil – Dano material e moral – Inocor-
rência – Morte de cinco pré-embriões – Ausência de nexo de causalidade– Todavia, entre o possível erro e o resultado – Manutenção em congela-
mento que não garante sobrevida aos embriões – Obrigação que é de meio
e não de resultado – Ausência de ilicitude do comportamento – Verba inde-
 vida – Ação julgada improcedente – Recurso da ré provido, prejudicado o
exame daquele dos autores” (Apelação Cível com Revisão nº 311.214-4/4-
00 – 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator
Desembargador Vito Guglielmi – J. 15.2.2007).
c) Embriões para pesquisa
Existe forte resistência ao ato de se “ceder” os embriões para pesquisas, prin-
cipalmente por se acreditar que se dispõe da vida de alguém, descaracterizando a
 
4040 Manual de Bioética e Biodireito • Namba
natureza humana, além dos abusos que podem ser cometidos: tentar a obtenção
do ser perfeito, o cruzamento de cargas genéticas (com a de animais, por exem-
plo) para favorecer o mercado cosmético.
Por causa disso, críticas severas foram feitas ao conceito de “pré-embrião”,
elaborado pela Comissão Warnock, para caracterizar o concebido até o 14º dia
após a fertilização “in vitro”. A proposição tinha como único fim ideológico ga-
rantir experimentações com seres vivos. O conceito de “pré-embrião” deveria ser
retirado do vocabulário embriológico, porque não se pode fundamentar objetiva-
mente; além disso, sugere equívocos acerca do status do embrião durante as duas
primeiras semanas de vida.77
Todavia, é mais razoável concedê-los para a obtenção de um proveito médico
para a humanidade, como prevê a Lei de Biossegurança em seu art. 5º, inc. II,
que eliminá-los pelo desinteresse do casal por uma outra gravidez ou porque a
clínica responsável por sua manutenção não se interessa mais em deixá-los em
criopreservação.78
Nos pretórios, conforme se verificou, existe uma tendência a se conferir di-
reitos ao nascituro, sendo ainda prematura alguma postura quanto ao embrião,
especialmente o pré-implantatório. Quanto a este último assunto, com o progres-
so da ciência e o dinamismo da realidade, logo se deverá adotar alguma posição
nos diversos Juízos.
2.3 De2.3 De lege ferenda
Por causa da insuficiência da noção de nascituro para a proteção do embrião
pré-implantatório, o deputado Ricardo Fiuza, com embasamento no ensinamento
de Maria Helena Diniz, propôs nova redação ao art. 2º do novo Código Civil. O
Projeto de Lei recebeu o nº 6.960/2002 e foi apresentado em 12.06.2002, aguar-
dando deliberação.
 A norma legal teria a seguinte proposição: “A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do embrião e os do nascituro.” O embrião, antes de implantado e via-
bilizado no ventre da mãe, não pode ser considerado nascituro, mas também é
sujeito de direitos.79
77 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião, p. 86-87, nota 48.
78 VELÁZQUEZ, José Luis. Células pluripotenciales y ética. In: Casado, María (Comp.). Estudios
de bioética y derecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p. 271. No mesmo sentido: ZATZ, Mayana.
Clonagem e células-tronco. Revista de Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, nº 51, 2004, p. 254.
79 FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. Colaboração de Mário
Luiz Delgado Régis. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 32.
 
Dignidade da Pessoa Humana 4141
Segundo Maria Helena Diniz, o embrião humano congelado

Continue navegando