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33 Aborto Aborto 3.1 Noção geral3.1 Noção geral Há preocupação no que concerne ao nascituro e ao embrião quanto à titula- ridade da dignidade humana. Igualmente se mostra tormentosa a possibilidade, ou não, da retirada do ser gerado do útero materno. O tema suscita intensa altercação. Uns desejam sua liberação, principalmente por entender que a mulher tem plena liberdade sobre seu corpo; de outro lado, outros afirmam que o ser gerado tem vida própria, sendo, em consequência, in- violável em seus direitos e, dentre estes, o primordial, à vida.1 Sobre aquela perspectiva, aliás, Henrique Mota assevera: “Do mesmo modo que a vida jamais pode ser degradada ao nível de objecto, também o direito não pode ser ames- quinhado a um sistema de preceitos, deixando amordaçar a sua vocação essen- cial para proclamar e defender os valores absolutos e para expressar o nível e o progresso civilizacional de cada sociedade. Igualmente, e do mesmo modo que a vida de um filho não depende da vontade arbitrária e egoísta da mãe – mesmo com o beneplácito do pai –, o direito não está subjugado à pretensão do legisla- dor – mesmo quando referendada por uma maioria democrática ou retificada por uma jurisdição de fiscalização da constitucionalidade.”2 1 GOMES, Edlaine de Campos; MENEZES, Rachel Aisengart. Aborto e eutanásia: dilemas contem- porâneos sobre os limites da vida. Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 18 (1), 2008, p. 81-82. 2 Interrupção voluntária da gravidez. In: ASCENSÃO, José de Oliveira (Coord.). Estudos de direi- to da bioética. Coimbra: Almedina, 2005, p. 292. 4444 Manual de Bioética e Biodireito • Namba Não se deve permitir o aborto, a menos que a vida da gestante esteja em ris- co, pela conciliação dos princípios da não maleficência, de beneficência e justiça, sob o ponto de vista bioético. Sob a ótica do biodireito, existe certa maleabilidade em algumas situações, permitindo-se o aborto.3 3.2 Definição3.2 Definição Julio Fabbrini Mirabete ensina que o aborto é a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção.4 É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente na expulsão. O produto da concepção pode ser dis- solvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou a gestante pode morrer antes da sua expulsão.5 Heleno Cláudio Fragoso afirma que o aborto consiste na interrupção da gra- videz com a morte do feto.6 Seu pressuposto, pois, é a gravidez, ou seja, o estado de gestação que, para efeitos penais, inicia-se com a implantação do ovo na ca- vidade uterina; do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a fecundação, isto é, quando o ovo forma-se na trompa, pela união dos gametas masculino e feminino, dessa forma, inicia-se a marcha do óvulo fecundado para o útero, com a duração média de três a seis dias, dando-se a implantação no endométrio. Daí em diante, é possível o aborto.7 Celso Delmanto também entende que existe aborto com a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto.8 Damásio E. de Jesus, igualmente, entende que o aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente morte do feto (produto da concepção).9 3 Até o século XIX o aborto era tido como assassinato e punido, agora, é multiplamente permiti- do, em certos limites. O que se discute são esses limites (STÖRIG, Hans Joachim. História geral da filosofia. Revisão geral de ORTH, Edgar. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 621). Ou seja, a maior flexibilidade das legislações foi constatada pela filosofia, abandonando-se a menção pura e simples da proibição do ato de interrupção da gravidez. 4 Manual de direito penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1986, p. 73. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 73. 6 Lições de direito penal, parte especial. V. I. 9. ed., rev. e atualizada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 112. 7 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 112-113. 8 Código penal comentado. 3. ed. atualizada e ampliada por Roberto Delmanto. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 215. 9 Código penal anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 391. Aborto 4545 A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa Júnior asseveram que aborto é a in- terrupção da gravidez antes do tempo normal, com morte do produto da concep- ção.10 Os obstetras diferenciam entre aborto e parto prematuro, usando aquela expressão quando a gravidez se interrompe antes do sexto mês; este vocábulo quando se interrompe depois. Para o médico-legista, havendo morte do produto, trata-se de aborto.11 Maria Helena Diniz explica que o termo é srcinário do latim abortus, advin-do de aboriri (morrer, perecer) e vem sendo empregado para designar a inter- rupção da gravidez antes de seu termo normal, espontaneamente ou de maneira provocada, tenha havido, ou não, expulsão do feto.12 3.3 3.3 Legislação constitucional Legislação constitucional e e ordináriaordinária Na Constituição Federal, promulgada em 5.10.88, se a exegese do art. 5º13 for restrita, não se deve permitir o aborto, em nenhuma situação, por ser absoluto o direito à vida. Permitindo-se exceções, pode haver regulamentação na legisla- ção ordinária. Na legislação infraconstitucional, existem algumas normas disciplinando a matéria, de maneira indireta e direta. No direito civil, especificamente no Código Civil de 2002, não há norma expressa, entretanto, pelo teor do art. 2º,14 em que se preservam os direitos do nascituro, desde a concepção, a resposta à problemática parece ser negativa. No Código Penal, coíbe-se o aborto, caracterizando-se sua conduta em cri- me contra a pessoa,15 cujo processamento é feito perante o Tribunal do Júri.16 A ilicitude é excluída em duas hipóteses, a saber, se em jogo a vida da gestante, o que se nomeou aborto “necessário” ou “terapêutico”17 e na gravidez decorrente de 10 Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1996, p. 364. 11 JÚNIOR, A. Almeida; COSTA JÚNIOR, J. B. de O. e. Lições de medicina legal, p. 364. 12 O estado atual do biodireito, p. 31. 13 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasilei- ros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualda- de, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 14 “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” 15 Arts. 124, 125, 126 e 127 do Código Penal. 16 Conforme o art. 5 º, inciso XXXVII, da Constituição Federal, ao Júri é assegurada a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 17 Art. 128, inciso I, do Código Penal: “Reconhecido o aborto terapêutico, realizado para salvar a vida da paciente, não se justifica a condenação do acusado pelas lesões corporais nela produzidas, em virtude da intervenção a que se submeteu ( RT 413/286)” (Julio Fabbrini Mirabete.Código penal 4646 Manual de Bioética e Biodireito • Namba estupro,18 o denominado aborto “sentimental”, “ético” ou “humanitário”.19 Existe controvérsia na necessidade de autorização judicial nesta última hipótese.20 Em ambos os casos, ele deve ser praticado por médico.21 Afirmou-se que as excludentes de ilicitude, tais como explanadas, devem ser interpretadas restritivamente, não se estendendo para outros casos, mesmo aná- logos, como de deformações do feto que tornariam inviável a gestação, dando ensejo à interrupção da gravidez. 22 interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 982). Mesmo nessa situação, existe forte polêmica. Recentemente, a mãe de uma menina de nove (9) anos, estuprada pelo padrasto e com gravidez de gêmeos, bem como a equipe de médicos, foi excomungada pelo Arcebispo de Olinda e Recife, por- que, mesmo com risco de vida da gestante, o religioso entendeu que não se poderia terminar com a vida de dois (2) seres em formação. Isso gerou muitas controvérsias, acirrando o debate sobre a criminalizaçãoda conduta, interromper a gravidez resultante de estupro, no Congresso Nacional. 18 Hoje em dia a noção de estupronoção de estupro mudou, sob esta nomenclatura tem-se configurado o cri- me acaso haja constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinosoa praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (grifei), nova redação do art. 213 do Código Penal, por meio da Lei nº 12.015, de 7.8.2009, que alterou o Código Penal, Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Ainda por aquela lei, o Título VI tem nova denominação, qual seja, “Dos crimes contra a dignidade sexual” e não mais “Dos crimes contra oscostumes”. Demais disso, diferente do que ocorria no passado, tem-se um tipo especial para o “es- tupro de vulnerável” – Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos. 19 Art. 128, inciso II, do Código Penal: “RECURSO EX OFFICIO – ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO – EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA – IN- TELIGÊNCIA DO ART. 128, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO IMPROVIDO. Evidenciada a incidência de excludente de antijuridicidade elencada no art. 128, inciso II, do Código Penal, impõe-se a absolvição das rés desde logo, consoante estabelece o artigo 411 do Código de Processo Penal” (Protocolo 31116/2004Protocolo 31116/2004 – Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso – 3ª Câmara Cri- minal – Relator Desembargador Flávio José Bertin – Julg. 14.2.2005). Nesta hipótese, mesmo sem a ingerência de um médico, a absolvição sumária não foi afastada. 20 Cf. Apelação Apelação Criminal Criminal nnº 63.749/6 63.749/6 – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – 3ª Câma- ra Criminal – Relator Desembargador Odilon Ferreira – Julg. 27.2.1996. A exceção foi anotada na Apelação Criminal Apelação Criminal nnº 11.853/9 11.853/9 – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – 1ª Câmara Cri- minal – Relator Desembargador Gudesteu Biber – Julg. 10.8.1993: “ABORTO – Autorização judicial – Possibilidade, se os pais ou responsáveis pela menor estuprada não podem dar o consentimento – Caso concreto – O juiz pode, em casos excepcionais, dar autorização para o aborto sentimental em caso de gravidez resultante de estupro – Tal autorização, entretanto, deve ser negada quando o aborto, pelo tempo de gravidez, induz perigo de vida para mulher – Recurso conhecido e impro- vido.” Em outra oportunidade, não se conheceu o recurso, por se entender descabida a apreciação judicial ( Apelação Criminal n Apelação Criminal nº 661083661083 661083661083 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Turma Criminal – Relator Desembargador Lúcio Arantes – Julg. 20.9.1984 – DJ do DF de 20.9.1984, p. 1). Noutra situação, asseverou-se que a intervenção judiciária era imprescindível ( Apelação Apelação nnº 7001816324670018163246 – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Câmara Medidas Urgentes Criminal – Relator Desembargador Marcelo Bandeira Pereira – Julg. 3.1.2007). 21 Art. 128, caput, in fine, do Código Penal. 22 Mandado de Segurança nMandado de Segurança nº 282.662-3/0-00 282.662-3/0-00 – 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Sinésio de Souza – Julg. 30.11.1999. Aborto 4747 Em outra ocorrência, entretanto, admitiu-se a cessação da gravidez, com in- terpretação extensiva do art. 128, inciso I, do Código Penal, tendo o feto Síndro- me de Patau, com difícil possibilidade de vida extrauterina, no caso, com oligo- frenia acentuada e frequentes convulsões, evitando-se risco para a saúde mental da mãe.23 No Programa Nacional de Direito Humanos – PNH-3, aprovado pelo Decreto n º 7.037, de 21.12.2009, DOU de 21.12.2009, a Secretaria Especial de Políticaspara as Mulheres da Presidência da República deveria apoiar a aprovação do pro- jeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos. Ademais, o Ministério da Justiça precisa imple- mentar mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado, garantindo seu cumprimento e facilidade de acesso. A repercussão quanto ao apoio ao aborto foi imediata, sendo que exigiu uma nova reflexão sobre a matéria, sendo encarregado de mudar o texto o Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, preci- puamente, para amenizar o desgaste junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na nova redação, o aborto integra matéria de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços públicos. Sob o enfoque do biodireito, portanto, não se permite o aborto indiscrimi- nadamente, a menos em momentos em que o ser gerado não foi desejado, sen- do sua concepção impingida; naqueles em que há dois direitos em jogo, quais sejam, o de quem gera e o do gerado e, por último, com controvérsia, quando há má formação do feto, com inviabilidade na vida fora do útero, com abalo psíquico dos pais. 3.4 Tratamento internacional3.4 Tratamento internacional A matéria não é regulamentada de maneira uníssona nos diferentes países. Existem os que proíbem a prática do aborto em todas as hipóteses, aqueles que permitem em certas situações e outros que são extremamente permissivos. No ChileChile, por exemplo, não há possibilidade de se abortar, mesmo em caso de risco à vida da gestante. O Código Penal não prevê a hipótese de exclusão da criminalidade nem mesmo quando a mãe está com a vida em risco (arts. 342 a 345). O aborto foi legal de 1964 a 1973; durante esse tempo, as complicações por aborto baixaram de 118 para 24 por 100 mil nascimentos. Em El SalvadorEl Salvador , ou apenas Salvador, igualmente, punem-se todas as mo- dalidades de aborto (arts. 133 a 137), inclusive, a culposa (art. 137 – quem 23 Apelação Apelação Criminal Criminal nnº 70006088090 70006088090 – 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Relator Desembargador Manuel José Martinez Lucas – Julg. 2.4.2003. 4848 Manual de Bioética e Biodireito • Namba culposamente provocar aborto será sancionado com prisão de seis (6) meses a dois (2) anos). Na NicaráguaNicarágua procura-se coibir a prática abortiva (arts. 162 a 164 do Código Penal). Todavia, no art. 165, prevê-se a possibilidade do “aborto terapêutico”, determinado cientificamente, com consentimento do cônjuge ou parente mais próximo da mulher, para os fins legais. No Afeganistão Afeganistão não se pode realizar a interrupção da gravidez para resguar- dar a saúde da grávida, tampouco em razão de crime sexual praticado contra a gestante, por anomalia do feto ou questão social. A única hipótese permissiva é se a mãe está em risco de vida (art. 404, (2), do Código Penal). De outro lado, no CanadáCanadá, o aborto não é restringido. Desde 1969, há lei que permite a prática abortiva em situações de risco à saúde e, a partir de 1973, a in- terrupção voluntária da gravidez deixou de ser ilegal. O Canadá é um dos países que dá mais liberdade de fazer o aborto. Nos Estados UnidosEstados Unidos o atual presidente, Barack Obama, suspendeu veto ao financiamento público de operações no exterior promovidas por organizações humanitárias favoráveis ao aborto. Na ChinaChina, também, o aborto é legal e, até mesmo, incentivado para conter o avanço demográfico. Alguns seguidores de Hung Liang Chi propuseram medidas drásticas para deter a explosão demográfica: relaxar as leis contra o infanticídio das meninas, estimular a prática de seu infanticídio de forma massiva, incentivar a abertura de mosteiros, proibir o casamento das viúvas, distribuir drogas este- rilizantes, aumentar a idade do casamento, criar impostos sobre as famílias com mais de duas crianças, afogar bebês, excetuando-se uma minoria selecionada.24 Em algumas regiões, as mulheres são forçadas a interromper a gravidez. Legalizado no JapãoJapão em 1948, durante muito tempo, o aborto foi usado como contraceptivo. As japonesas resistiamao uso de métodos anticonceptivos mais modernos, como a pílula. Quando legalizado, com o nome de “Lei de Pro- teção Eugênica”, o principal objetivo planejado seria a utilização do aborto como medida eficaz para os problemas da superpopulação e aceleração da taxa de crescimento populacional. A Lei de Proteção Eugênica japonesa permitia o aborto quando realizado por motivos médicos, eugênicos, humanitários e sociomédicos, nada obstante, a interpretação dada a esta lei foi ainda mais ampla e o aborto se tornou uma verdadeira prática a pedido, amplamente disseminada e amparada pelas instituições públicas.25 24 Disponível em: <http://www.aborto.com.br/historia/ha4-2.htm>. Acesso em: 6 fev. 2009. 25 Disponível em: <http://www.aborto.com.br/historia/ha5-18.htm>. Acesso em: 6 fev. 2009.
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