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A representação da mulher em Dona Guidinha do poço

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A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM DONA GUIDINHA DO POÇO 
 
FRANCISCO RAMON OLIVEIRA DOS ANJOS 
 
Resumo: Historicamente, as mulheres foram social, histórica, política e esteticamente tidas como menores 
aos homens. Por conta do patriarcalismo político, a mulher foi calada, isolada e sacrificada por 
descriminações e estereotipias jogadas na sua imagem ao longo da história. Quando se fala da mulher 
nordestina a condição é ainda mais complexa. Se as outras mulheres pertencia o silêncio e o domínio social, 
o espaço reservado à mulher nordestina era muito mais rebaixado. Com base nesta ideia, a literatura 
cearense causa um novo olhar sobre a produção literária produzida desde meados do século XIX até os dias 
de hoje. Vista de forma negativa, tanto na área da literatura como na cultura, a vivência até então da mulher 
explica a origem, no final do século XIX e início do século XX, representações femininas que mostravam 
a opressão e a marginalização da mulher nordestina. Com base no romance Dona Guidinha do Poço, de 
Manuel de Oliveira Paiva. Sendo uma obra de características regionalista e naturalistas, narra um 
assassinato passional que desestabilizou os princípios validos no século XIX, época que se passa à história, 
torna-se possível refletir sobre o lugar conferido à produção literária cearense dentro da formação da 
literatura brasileira, e, ainda, sobre o modo como se constrói a representação da mulher nordestina. 
PALAVRAS-CHAVE: Representação, mulher, Dona Guidinha do Poço. 
 
A consolidação da literatura cearense, cuja trajetória é iniciada em meados do 
século XIX, ganha consistência no transcorrer do século XX, suscita, conforme têm 
demonstrado muitas pesquisas no âmbito dos estudos literários, novas possibilidades, 
inclui outras perspectivas sociais e amplia a gama das representações literárias 
tradicionais da mulher. É sabido, igualmente, que o cânone literário ocidental, 
historicamente constituído de obras escritas por homens da elite sociocultural, é 
impregnado de ideologias dominantes, as quais lhe regem os códigos de produção e de 
representação. Daí vemos na produção literária os modelos propostos pela hegemonia 
dominante, masculina e de classe alta. A marginalização, repressão e/ou exclusão de 
mulheres do universo da Literatura encontra aí sua motivação. 
Historicamente, as mulheres foram consideradas abaixo dos homens, não só na 
área cultural, mas também na social, histórica e política. Uma situação gerada pelo 
patriarcalismo político, cuja ênfase estava em questionar a capacidade intelectual da 
mulher, neutralizando sua cidadania e seu direito de se constituir como sujeito. No campo 
da literatura e da cultura a vivência feminina sempre vista de forma negativa o que explica 
a origem, em meados do século XIX, representações femininas que mostravam evidenciar 
a opressão e a marginalização da mulher – construída ao longo da história. 
Da mesma maneira, a crítica literária alavanca o processo de desconstrução dos 
padrões literários existentes, calcados na representação feminina. Essas representações de 
mulheres, até então silenciadas e marginalizadas, nos impulsiona a lançar 
questionamentos sobre os discursos hegemônicos, desnudando o modo de 
funcionamento, desmascarando os processos de naturalização das diferenças 
hierarquizadas entre homens e mulheres e, consequentemente, problematizando o cânone 
literário estabelecido. O que promovem um novo modo de se fazer literatura, a partir da 
perspectiva da representação feminina. 
 
A REPRESENTAÇÃO DA MULHER COMO PRODUTO CULTURAL 
 
 Levando em consideração a noção de representação como um dos elementos de 
grande relevância no campo dos estudos de literatura tem-se como objeto de análise o 
romance Dona Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva, publicado no ano de 
1891, em folhetins, na Revista Brasileira, porém o romance só foi a público, em livro, no 
ano de 1952. Nosso objetivo aí é o de analisar sobre como as mulheres, mais precisamente 
a homônima ao título do livro, são representadas, mudando os modelos até então 
responsáveis por compor o painel das produções inseridas no cânone ao longo da história 
da literatura brasileira. O romance de Paiva (1891) propicia a observação no que toca à 
produção, por ter sido escrito no final do século XIX, bem como a representação de uma 
mulher transgressora e deslocada, destoante das mulheres comumente construídas com 
base no imaginário de ideologias machistas e patriarcalistas. 
Representação é um conceito sujeito de vários sentidos – por isso, polissêmico, 
abstrato e impreciso. É uma palavra de origem latina e oriunda do vocábulo 
repraesentare, designa “tornar presente” ou “apresentar de novo” etimologicamente. 
Segundo Roger Chartier (2002), a ideia de representação reforça o conceito 
apresentada anteriormente de, por meio de imagens ou palavras, invocar presente algo 
que está ausente, sendo a palavra compreendida como “instrumento de um conhecimento 
mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz 
de o reconstituir em memória e de o figurar como ele é” (CHARTIER, 2002, p.20). 
Seguindo da mesma ideia, Michel Foucault (2002) concorda que o termo 
representação remete a “semelhança”, “imagem” e “similitude”, de modo que outras 
representações são possíveis por meio de um padrão primordial, de um modelo e de uma 
dada realidade. 
Para realizar a tarefa proposta neste trabalho, tem-se o conceito de representação 
ligado ao conceito de identidade (será abordado depois). Remetendo, assim, uma visão 
sobre a questão da representação que se apresenta intimamente atrelada às questões 
relativas à identidade e diferença. 
Por conta da própria representação, a identidade e a diferença começam a aparecer 
e ganhar um significado. Identidades são determinadas, adquirem forças e se crstalizam 
no interior de uma dada sociedade, ganhando o lugar de posicionamento e de expressão 
do indivíduo dentro do ambiente social no qual está inserido, assim sendo oficializadas 
às relações de poder. Essa característica colabora para a análise e percepção da maneira 
como as representações, em Dona Guidinha do Poço (1891), contribuem e se ajustam 
diante dos discursos de poder determinados pela sociedade. 
Cabe destacar ainda que o poder e o discurso se relacionam profundamente e 
colaboram de modo significativo para os estudos relacionados à representação do 
indivíduo por meio da linguagem. De acordo com Foucault (2009), pela expressão do 
discurso é que o indivíduo terá sua representação construída e identificada. Tem que se a 
noção de que, como as práticas discursivas são intrinsecamente ligadas por relações de 
poder, o discurso será inconscientemente entendido como uma das maneiras mais 
eficientes de subjugação e, por consequência, se tornará o responsável pelas bases de 
funcionamento da sociedade. Assim, é a partir da expressão do discurso, cheio de um 
sistema de valores ideológicos de uma dada sociedade, que o indivíduo rebaixado pelas 
normas sociais passará a agir, aceitar e, por consequência, fazer a representação lançada 
em sua identidade. Percebe-se, logo, que através dos modelos simbólicos armados pelos 
discursos ideológico-culturais se fazem meios de dominação e organização do 
comportamento do indivíduo na sociedade, os quais se refletem inconscientemente em 
sua representação social. 
Segundo os princípios da Sociologia, a teoria da representação se importa 
justamente, como destaca Pierre Bourdieu (2012, p. 57), em entender a maneira como os 
indivíduos, dentro de seus grupos sociais, interpretam, constroem e representam suas 
vivências no mundo em que estão, ou seja, sua realidade social. Estabelece Chartier 
(2001, p.16-17) que o objetivo fundamental da história cultural é “identificar o modo 
como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, 
pensada, dada a ler”, e é nestes âmbitosque as representações sociais estão inseridas. 
É por meio da representação que são marcadas e reproduzidas as relações do 
indivíduo com a sociedade. As representações são vistas como variáveis e definidas pelos 
discursos dos grupos sociais que as fazem, nos quais relações de poder e domínio estão 
frequentemente presentes. Nessa perspectiva, Chartier (2012) compreende que a 
representação dos modelos simbólicos feitos pelos discursos de poder é difundida nas 
identidades por meio de práticas e signos, colaborando para a admissão de uma identidade 
social, uma condição simbolicamente limitada, em sua maioria oficializada pelos 
indivíduos no interior de certo contexto social. Portanto, nota-se que por meio da 
representação são provocadas divisões e categorizações sociais em que se percebe, 
justifica e configura uma dada realidade. 
 
A REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM DA MULHER NA LITERATURA 
 
 De acordo com o que foi dito no item anterior, representar significa tornar evidente 
e demonstrar algo sobre uma realidade retratada, mostrando a presença e, portanto, dando 
visibilidade ao outro (CHARTIER, 2002); mas representar também pode simbolizar 
transmitir em nome do outro. Nessa linha de pensamento, o sujeito que tem assegurado o 
direito ao discurso e que será tido como base, enquanto o outro continua no silêncio, é 
beneficiado de uma força que lhe é assegurada pelo local que ocupa dentro da sociedade, 
determinado através do juízo de sua classe social e seu gênero. 
 Trazendo este pensamento para o área da Literatura e refletindo-se a condição do 
gênero feminino, é importante enfatizar que, tradicionalmente, antes da origem das 
primeiras manifestações na literatura, o sujeito dono do privilégio ao discurso - e, 
portanto, do poder - era do homem de classe média alta, e as representações até ali 
estabelecidas se faziam principalmente por esta visão social, comprovando o 
rebaixamento e invisibilidade até ali atribuídos as mulheres. 
 A literatura aponta neste contexto especificamente com a intenção de 
desequilibrar a ideia de representação feminina no interior literário até ali produzida. A 
literatura passa a proceder na direção de permitir a representação de concepções sociais 
que o cânone da literatura masculino não foi competente de mostrar, exibindo a história 
costumeira e machista da representação feminina na área da literatura e portanto incluindo 
vozes antes menosprezadas, tanto na produção textual, quanto na representação na 
literatura, o que colaborou para que essas vozes fossem colocadas na área da literatura - 
logo, que fossem reconhecidas. 
 Por essa base, na ficção literária o discurso passa a representar identidades que se 
deslocam das normas tradicionais propostos para a mulher, a exemplo do que ocorre no 
romance do escritor brasileira Manuel de Oliveira Paiva, adotado como objeto desta 
pesquisa. 
 O local historicamente deixado para a mulher na sociedade e, simultaneamente na 
literatura, reconhecido pelo discurso predominante, é o do emudecimento; mas com a 
evolução das produções da literatura, as personagens tiveram o direito à fala, 
transformando-se em narradoras e passando a representar suas vivências de mulher que 
se afastam da concepção predominantemente dos homens. As práticas do discurso 
iniciadas a partir da concepção feminina conduzem consigo novas maneiras de dar 
importância que cada gênero desempenha nas culturas patriarcalistas no decorrer da 
história. Deste modo, a partir de algumas produções literárias, a ideia de representação 
adquire um novo significado, constituído em matéria de representatividade das 
identidades das mulheres antipatriarcais. 
 Apesar de os primeiros textos feitos no Ceará se mostrem retraídos no sentido de 
representar e discutir as relações de homem e mulher, confirmando os padrões vigentes 
com o decorrer do tempo as produções literárias cearenses foram ganhando espaço e voz 
na literatura e passaram a difundir a forma da mulher de pertencer a um de gênero 
tradicionalmente subjuga da e oprimida. Da mesma maneira que mostram atitudes 
revolucionárias em relação a essa ideologia tradicional de dominação. 
 A produção literária cearense passa a apontar, tendo em vista o romance Dona 
Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva (1891), para a reescritura de trajetórias, 
imagens e desejos femininos de mulheres que respondem subversivamente às ideologias 
conservadoras arraigadas na representação de sua imagem, produzidas tradicionalmente 
pela literatura canônica. 
Neste sentido, a literatura cearense, por suas diversas formas de representação da 
realidade, tem concebido novas formas de revelar/desnudar a mulher, que permaneceu 
por tanto tempo silenciada na literatura e na realidade extraliterária. Desta forma, a partir 
dessa produção literária têm sido concebidos novos padrões que encaminham no sentido 
de superar a distinção e separação das categorias binárias de gênero. Esses novos padrões 
também contribuem para a recusa da predominância de uma identidade masculina e 
legítima, além de trazerem à tona discussões sobre representação, identidade e diferença 
entre homem e mulher. 
Como Dona Guidinha do Poço (1891) é um romance de cearense e concebido por 
Manuel de Oliveira Paiva, torna-se oportuno observar o espaço concedido à mulher 
nordestina na produção de literatura e na representação literária, bem como uma reflexão 
sobre o espaço e o número de presenças de personagens nordestinas fortes na literatura 
tradicionalmente produzida. O romance de Paiva (1891) contribui justamente para a 
observação e análise do modo como a presença da mulher nordestina é representada na 
narrativa, até então ausente em posições de destaque na literatura canônica. 
A crítica literária tem justamente se mobilizado no sentido de mapear a área da 
Literatura brasileiro e apresentar, a partir de pesquisas realizadas, a frequência com que a 
mulher nordestina é representado na literatura; reconhecer o espaço de fala a ele deixado; 
e abordar a maneira como se dá a sua representação dentro das margens do texto de 
Literatura é nosso propósito. 
Nesta perspectiva, ficam algumas questões: como se dá a representação da mulher 
nordestina no texto de Literatura a partir de uma perspectiva de Manuel de Oliveira Paiva? 
A protagonista do romance é representada de maneira a se enquadrar nas representações 
tradicionalmente atribuídas à mulher nordestina? O que busca representar a mulher 
nordestina no cenário literário? 
 
A IDENTIDADE DA MULHER NORDESTINA NA LITERATURA: AUTORIA E 
REPRESENTAÇÃO 
 
Embora seja consenso o fato de a literatura cearense tem conquistado espaço no 
universo da Literatura brasileiro e tenha se transformando na grande seara de escritures, 
o espaço reservado à mulher nordestina nesse cenário ainda é bem pequeno: tanto a 
representação de personagens nordestinos no mercado editorial, quanto a representação 
de personagens mulheres no universo literário em geral. 
 Observa-se que a população nordestina, em decorrência dos discursos ideológicos 
de poder de que se encontra impregnada a sociedade (em sua maioria de caráter 
preconceituoso), é afastada dos espaços de poder e de produção de discursos, 
característica que se reflete também na literatura. 
É tendo em vista o fato de a condição do nordestino ser marginalizada na literatura, 
que um romance como Dona Guidinha do Poço (1891) deve ser considerado como sendo 
singular, pois, além de ter sido cearense, traz para o centro da narrativa a representação 
da trajetória de uma personagem feminina, desempenhando papéis de destaque como 
protagonista. 
 No espaço literário notam-se diversos emudecimentos e invisibilidades de várias 
concepções sociais. A concepção social implica a evidenciação de que, colocadas 
diferentemente dentro de uma sociedade, as pessoas portam vivências histórias e 
conhecimentos sociais variados, vindos desta posição. Pessoas de classificaçõessocioculturais variadas - como homens e mulheres, patrões e trabalhadores, brancos e 
negros, etc. - possuem perspectivas diferentes de mundo e se manifestam de modos 
variados. Sendo assim é essencial ressaltar a participação de conceptivas 
costumeiramente colocadas à margem do discurso historicamente feito e colocar o 
reconhecimento e visibilidade de textos, por exemplo, de escritores nordestinos, assim 
como colocar na narrativa personagens mulheres nordestinas detentoras de fala, para que 
outras expectativas sociais sejam reveladas e logo se conheça o outro lado da margem. 
 O sexismo, responsável pela discriminação que permeia a estrutura social no 
decorrer da história e cuja influência está também na literatura. Dessa maneira é uma 
opressão que se manifesta tanto material quanto simbolicamente e pode ser percebida na 
própria literatura, a qual escolhe os discursos que considera dignos de compor seu 
contexto e os toma como seu objeto. Nessa escolha, como podemos notar, têm sido 
ignorados, silenciados e deixados à margem os indivíduos subalternos e socialmente 
marginalizados. 
 Ser mulher em uma sociedade machista não significa somente ser de outro sexo, 
mas principalmente ter outra perspectiva social, outra vivência de vida, em grande parte 
marcada por alguma desvalorização. Não suficientes o emudecimento e a invisibilidade 
a que a mulher é submetida na sociedade e na literatura, ainda são inscritos na 
representação deste indivíduo estereotipias colocadas em sua imagem responsáveis ao 
mesmo tempo por categorizar seu posicionamento nas divisões sociais. Na criação da 
imagem de mulher, foi-lhe colocando uma carga simbólica negativa. Quando se trata da 
mulher nordestina a situação é ainda pior. À mulher nordestina foi deixado um espaço de 
submissão, responsável por minar qualquer possibilidade de exercer sua subjetividade. 
 No que toca à representação da mulher nordestina na produção literária brasileira 
no decorrer da história, percebe-se que a fala da mulher nordestina foi praticamente 
inexistente, ou quando existente, não foi devidamente questionada: seja por meio das 
vozes de outros escritores; seja através das próprias personagens inscritas nos romances 
canônicos. 
 Nessa perspectiva, Dona Guidinha do Poço (1891) se constitui como uma 
importante subversão no âmbito das práticas literárias e, em especial, dos paradigmas 
propostos pela maioria dos textos de Literatura no Brasil, especialmente no que tange à 
representação da mulher nordestina. Paiva (1891) traz para o centro da trama o sujeito 
antes deixado à margem da sociedade e do discurso, problematizando o modo como as 
ideologias, preconceitos e estereotipias colocadas na mulher se colocam na representação 
da identidade, instigando a revisão das normas, propondo um percurso diferente e 
possibilitando ao leitor uma releitura sobre a história do Ceará a partir da perspectiva de 
Manuel de Oliveira Paiva. 
 Guidinha, protagonista da história, torna-se sujeito na narrativa e desempenha o 
importante papel sociohistórico no Ceará do século XIX através dos relatos de sua própria 
história de vida e de um olhar extremamente direto sobre o contexto do estado naquela 
época. Paiva (2011) subverte a representação historicamente reservada a mulher na 
literatura: a submissa que luta por seus ideais, por suas terras e de sua liberdade, que 
sempre foi dada pelo pai e pala avó que a criaram e não era agora que estava casada que 
ia perde-la, inclusive enquanto mulher. 
 Diferentemente das representações inculcadas na imagem da mulher, pintada 
geralmente a partir da representação de um corpo sensualizado e convidativo ao pecado, 
Guidinha se mostra uma mulher bonita e forte, buscando sempre seus objetivos de forma 
segura e determinada, tomando suas próprias decisões e escolhendo o melhor caminho a 
ser percorrido na expectativa de assumir uma posição mais humanizada na sociedade. A 
personagem intenta fazer com que a mulher, o qual lhe determina uma das identidades ou 
uma das facetas de sua identidade, não se constitua como um empecilho à conquista de 
seus ideais. 
 Dona Guidinha do Poço (1891) põe em xeque a representação da mulher 
nordestina na narrativa através de uma diferença com o estereótipo costumeiramente 
colocado nas representações sociais que faz da mulher nordestina, representante de 
mulheres que se envolvem com um crime, mulheres subservientes - enfim, mulheres que 
são emudecidas e menosprezadas na sociedade. 
 A estratégia utilizada por Paiva (1891) de conceder o espaço central da narrativa 
a uma mulher nordestina possibilita o acesso a diferentes perspectivas sociais, a da 
mulher, a da nordestina e a do interior; além disso, contribui para o entendimento do que 
é ser nordestina e ser mulher, em um contexto social machista e patriarcal, impregnado 
por discursos dominante acerca da diversidade social e de gênero, como é o do Ceará. Por 
essa perspectiva, a respeito das personagens mulheres nordestinas no texto literário, 
Guidinha desvela a realidade de seu povo. A mulher nordestina se depara com outras 
trajetórias, trilha veredas, desloca-se no romance de acordo com histórias de vida, 
experienciados de modo distinto de personagens retirantes. 
 Esse percurso justifica a representação não esperada na literatura tradicional para 
uma mulher nordestina dona de fazenda que consegue ultrapassar significativamente 
objeções impostas pela sociedade sexista e patriarcalista do século XIX, detentora do 
poder de ordenação e exclusão cultural e social e encarregada pela divisão e categorização 
do espaço destinado a cada indivíduo em seu meio. 
 A obra apresenta, portanto, o percurso de uma mulher nordestina que caminha na 
contramão das imposições e expectativas sociais a ela impostas. Rompe com os 
parâmetros de sua época e torna-se um exemplo de mulher guerreira, mesmo que, para se 
libertar dos problemas advindos de sua condição social, e conseguir um espaço na 
sociedade, tenha adotado atitudes e aceitado imposições culturalmente determinadas pelo 
homem nordestino. 
 Guidinha subverte os padrões e supera as expectativas do homem em relação a 
mulher. Nesta concepção, a maneira como a trama literária se desenvolve e a 
representação da personagem é estabelecida nos induz a acreditar que Dona Guidinha do 
Poço (1891) quebra a expectativa do leitor que, ao buscar a representação de uma 
personagem submissa nos moldes costumeiramente achados na literatura, depara-se com 
uma personagem nova, diferenciada, que contraria os modelos estereotipias feitas por um 
discurso de homens machistas. 
 O acesso da mulher nordestina ao universo da produção literária tem aberto 
caminhos para a problematização da histórica opressão da mulher colocada na 
representação de sua imagem no decorrer dos anos. Certamente, a inserção da mulher 
nordestina na literatura não foi - e não tem sido - um trabalho simples, mas é por meio da 
literatura que a essa mulher é possibilitado projetar sua fala para a “libertação” dos 
estigmas sociais colocados em sua imagem, além da busca de uma sociedade mais justa 
e igualitária. 
 
REFERÊNCIAS 
 
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. – 2 
ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 
 
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: T. A. Queiroz, 2002. _______. 
et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2004. (Coleção Debates) 
 
CHARTIER, Roger. A história cultural. Rio de Janeiro: DIFEL 82 — Difbsao Editorial, 
S .A., 2002. 
 
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Trad. Jorge Coli. Rio de Janeiro: Paz e 
Terra, 2002. 
 
PAIVA, Oliveira. Dona Guidinha do Poço. São Paulo: Editora Escala, 2004.

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