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1 ÉTICA NO DIREITO Ética, moral e Direito, e aspectos da atuação profissional do advogado Prof. Daniel Tobias Leite de Almeida Unidade I APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR-AUTOR Daniel Tobias Leite de Almeida é professor convidado na Unidade Paulista – UNIP, atuando nas disciplinas comuns e específicas de Teoria Geral, Direito Tributário e Direito Civil, para os cursos de Pós-Graduação de Direito, na modalidade ensino à distância EAD. É bacharel (2010) em Direito pela Unidade Paulista – UNIP, realizando MBA em Gestão Pública pela rede LFG – Luiz Flávio Gomes, atual instituição Anhanguera- UNIDERP (2019). Atua como advogado na área do direito privado, especialmente em contratos e execuções. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/3489925247258042 3 INTRODUÇÃO Dando início aos estudos da disciplina de Ética no Direito, no curso de pós-graduação à distância, na Unidade I constarão informações e dados acerca da construção filosófica do conceito de ética e moral, ao longo da história ocidental. Serão abordadas as principais influências no campo da moralidade e seus principais pensadores. Aprofundado a lição, adentraremos em questões práticas do Código de Ética dos Advogados e a Lei Estatutária dos Advogados e da Ordem dos Advogados do Brasil, estabelecendo as principais distinções entre o trabalho profissional realizado pela pessoa física e por uma sociedade de advogados, e as idiossincrasias quanto ao intercâmbio entre profissionais estrangeiros de Direito no país e a relação de reciprocidade com Portugal para atuação como advogado. Ao fim, estudaremos os aspectos da litigância de má-fé e a atividade correcional exercida pelo Conselho Nacional de Justiça sobre o Poder Judiciário e quanto à atividade notarial no país. 4 1. ÉTICA, DIREITO E MORAL Antes de entrarmos na questão que envolve a ética no Direito, torna-se oportuno rememorar supedâneos da vida em sociedade, e da razão de existir de uma civilização. O homem, transcendendo condições básicas de um animal ordinário, desenvolveu a linguagem, a comunicação e noções básicas de autodeterminação, culminando na criação de ferramentas para atender suas necessidades, e, conjuntamente com outros iguais, consolidar uma coletividade minimamente organizada. Com o advento dessa organização, as necessidades singulares de cada membro colidiriam com a de outros, necessitando estabelecer padrões comportamentais e punitivos para manter essa sociedade sadia e funcional. Observara-se que assassinar pessoas da mesma tribo por motivos triviais, a própria coletividade poderia sofrer as consequências, com o declínio desse povo. Razão necessária e utilitária de considerar quais as hipóteses e métodos para eliminar alguém que representasse um perigo para o meio. Em muitos momentos das coletividades ocidentais da Antiguidade, a definição dos valores e padronizações dependia daquela autoridade ou grupo influente nessa sociedade. Em muitos aspectos, não se distinguia dos preceitos de origem religiosa – transcendental. O fenômeno aqui perscrutado consolida-se na figura do Direito, ou sistema judicial; porém, não deve ser hermeticamente considerado. O parâmetro que alimenta o sistema de normas de uma coletividade baseia-se em valores consagrados por essa sociedade em um período do tempo e espaço considerado. Daí, surgem as investigações acerca da natureza ética de determinados conflitos vivenciados por indivíduos de uma civilização, ou a base moral que um homem constrói a partir de suas experiências já maturadas. Não obstante, não são fenômenos estáticos e isolados, estando intrinsecamente ligado a toda uma sociedade, inclusive tendo muita interdependência com religiões praticadas por aquele coletivo. Embora os seres humanos sejam considerados animais políticos, conforme postulara Aristóteles (384-322 a.C.), na Grécia Clássica, tal característica não se dá per si, uma vez que sociedades complexas como as do Séc. XXI possuem 5 dificuldade adaptar e aglutinar as diversas identidades sociais. Tem-se, assim, o recrudescimento de preconceitos e hostilidades contra culturas e valores morais distintos, que por sua vez são antagonicamente distintos dos valores maturados pela sociedade. Embora sejamos uma espécie sociável e apaziguadora, há distinções e anseios que são despertos justamente quando da necessidade de negociar e tratar com semelhantes. Nesse sentido, o homo sapiens sapiens é culturalmente promíscuo, absolvendo identidades e práticas de outros povos, seja por meio da conquista de territórios ou pelo comércio. Por sua vez, existem limites não tolerados nessa miscigenação cultural, desde noções comportamentais entre os gêneros até hábitos alimentares. Podemos, portanto, observar críticas e piadas acerca da alimentação do povo chinês, na contemporaneidade, sem adentrar a fundo a saber se cachorro é um prato comum ou uma iguaria específica daquela cultura. Outro embate surge nas tradições religiosas, que costumam se expandir socialmente. Observa-se, nessa seara, o crescimento de práticas muçulmanas no continente europeu, havendo absorção de práticas e ojerizas a outras, e colidindo com valores seculares e liberais, como a defesa da liberação do aborto ou das drogas, em diversos países ocidentais. Cabe, portanto, ao Direito e às instituições o papel de resguardar o exercício de direitos dessas coletividades e ponderar acerca dos limites que não podem ser ultrapassados. O conflito moral é inevitável, principalmente em um mundo moderno e calcado em liberdades e direitos. A partir da Era das Revoluções, houve uma cisão da influência da religiosidade sobre a vida das pessoas, cabendo às instituições formais o aprimoramento da condição humana, por intermédio da tutela da cidadania. O jurista Fábio Konder Comparato, ao analisar Montesquieu (1689-1755), comenta1: 1 COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS, 2006. 6 “Na era moderna, os costumes tradicionais tendem a perder importância perante o direito emanado das instâncias de poder no Estado, mas nem sempre a lei consegue abolir usos e costumes de fundo religioso. Assim, por exemplo, na Índia, com a prática do sati, ou seja, a obrigação de toda viúva se imolar sobre o túmulo do seu marido. Muito embora proibida por uma lei britânica de 1829, proibição mantida até hoje pela legislação indiana, com a cominação de pena severa a todo aquele que faz do local da imolação um lugar de culto, essa velhíssima tradição ainda não desapareceu de todo, sobretudo nas regiões mais pobres do país.” (2006, p. 22) – destaque no original Até mesmo extraindo do contexto narrado, pode-se vislumbrar o excesso de sincretismos entre cultura e ordenamento jurídico na passagem. A Índia estando dominada pela Inglaterra, houve a amalgamação das culturas e valores distintos, até mesmo pela proibição de uma prática local já reiterada pelo advento de valores seculares oriundos do país no papel de dominância. Na cultura ocidental, o marco que perpassa a religiosidade e adentra ao campo da moral, deu-se a partir da concepção de uma divindade monoteísta, a partir do monoteísmo hebraico. Com a aurora do Cristianismo e, posteriormente, na Idade Média, tornaram- se consolidados para o senso comum a alma e valor intrínseco desta para o ser humano, necessitando de uma penalidade judicial individualmente considerada. Posto isso, tinha-se plasmado que Deus havia feito o homem à sua imagem e semelhança. A criatura, então, carrega uma centelha divina, não podendo ser conspurcado pela justiça dos homens. A partir da análise de Platão e de Aristóteles, a ética se torna algo distinto entre a ciência ea arte. Para o último destes pensadores, era incumbência da Ética a reflexão da natureza humana, ou da condição humana. Consistia, até mesmo, na atuação – práxis – da ação humana. Havia, assim, um bem maior a ser alcançado p 7 or intermédio da ética, que era a felicidade absoluta. Nos dizeres de Comparato, encontramos de maneira sintética o pensamento aristotélico nos seguintes termos2: (...) O seu objeto é o estudo do supremo bem a que podem aspirar os homens, isto é, a felicidade. A ética procura, pois, saber, em primeiro lugar, em que consiste a felicidade; em segundo lugar, qual a forma de organização política que assegure a felicidade geral. (...) (2006, p. 99) O jurista leciona que Aristóteles estabelecia a ação política para a consolidação da ética no campo da existência humana, possuindo esta natureza singular, distinta da noção comum que uma pessoa do Séc. XXI possa estabelecer sobre ética. Noções de caráter cultural, familiar ou religiosa se devotam perante o campo da ética, frente à atuação do cidadão perante a pólis grega. Dadas as respectivas considerações, haja vista o anacronismo, a teleologia por trás dessa construção sobre ética voltava-se para a imagem pública do cidadão, em essência. Outrossim, a tradição, o militarismo, a religião e todo campo da vida humana deveriam estar subordinados à finalidade política. Devemos observar que a concepção tida por Platão preceituava que um grupo seleto de filósofos deveriam ser os legítimos governantes, por possuírem a generalidade de conhecimentos e experiências, capazes de consubstanciar na política os interesses comuns da vida dos cidadãos. O fim político da pólis grega era alcançar a felicidade e bem-estar dos homens, e esse caminho seria traçado por intermédio das leis. Logo, a atividade legiferante deveria ser incumbência de pessoas seletas e sábias. Do pensamento platônico e aristotélico, consagrava-se a educação pública como finalidade precípua do Estado, para habilitar os jovens na atuação cidadã e participação política. 2 COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS, 2006. 8 Com esta investigação, podemos constatar uma sutil distinção entre ética de moral, porquanto despertar alguma dúvida se são ou não o mesmo fenômeno. Doravante, a moral pode ser considerada anterior à ética, atinente à vida íntima e vivência individual; após a entrada na atuação política, a moral é considerada como ética, tendo os valores e práticas como fins políticos para consagrar a felicidade humana aos cidadãos. Porém, a moral é de natureza objetiva ou subjetiva? Há um parâmetro básico (religioso, dogmático ou biológico) em absoluto para definição daquilo que é certo ou errado? Ao longo da história humana, foram tecidas considerações sólidas sobre essa gênese objetiva do certo. No contexto aristotélico, foi considerada a justiça natural, que era comum e aplicável a todos os homens; posteriormente consubstanciada na justiça da lei, para exercício dessa virtude em prol da felicidade. Com o enfoque advindo do cristianismo, tínhamos que Deus era a matriz dessa ética, de onde emanavam os padrões e valores comuns a todos os homens, como na forma dos 10 mandamentos, prescritos na bíblia. Posteriormente, tínhamos os postulados de Immanuel Kant (1724-1746capa), acerca do imperativo moral categórico, consistindo em uma noção objetivamente aceita pelos homens e que acarrete benefício de quem a praticaria. Porém, as circunstâncias dos conflitos não se sujeitam a normas de aspecto genérica, precisando de perscrutação aguçada. É o caso, para nosso contexto jurídico do Brasil, da figura da excludente de ilicitude sob o imperativo da legítima defesa, conforme consta no Art. 23, Inciso II, do Decreto-lei nº 2.848/1940, o Código Penal. Observa-se que há circunstância intensas e conflitivas, que para o âmbito do Direito não podem ser isoladas em sua consumação, sendo o caso das excludentes de ilicitude. Por este instituto, admite-se a ocorrência da lesão ao bem jurídico tutelado, mas as instituições criminais a consideram apartada do caráter da ilicitude, devido à natureza excepcional de o agente ativo ter buscado salvar a própria vida contra uma ação não provocada. No período da Antiguidade, em especial com a expansão do território do império romano, havendo contato ou influência desde a Grã-Bretanha, na Europa, ao Egito e Jerusalém, no Oriente Médio, na região conhecida como crescente fértil, 9 a figura do Direito institucional ganha um novo contorno: a denominação pra época como ciência do Direito, por intermédio da jurisprudência, exercida pelo pretor romano, o administrador da justiça. Sob esse escopo, o Direito deixava de ficar adstrito à sua nação, sendo aplicável a essas regiões sob sua influência (COMPARATO, 2006). 3 Neste momento histórico, houve uma constante influência da filosofia conhecida como estoicismo, iniciado pelo período helenístico. Surge, portanto, a dicotomia entre gênero e espécie, nascendo noções sobre conceituação dos fenômenos. É introduzida para a prática jurídica de então a dialética analítica da realidade jurídica, bem como a consolidação de princípios éticos para a jurisdição institucional. Estes axiomas seriam meios ferramentais de distinção entre uma ética valorada e o comportamento da natureza humana. Nascem, então, a prudência e a razoabilidade. A prudência consistia na busca pela felicidade, virtuosa e individual, enquanto o segundo princípio consistia na convivência e autolimitação em prol do respeito aos demais cidadãos. Pode-se dizer que já havia uma gênese sobre uma moral absoluta, como uma força da natureza, da mesma forma que foi postulado e concretizado com o pensamento advindo do cristianismo e da filosofia medieval (consubstanciando esse centro de valor na autoridade de Deus). No curso da Idade Média, principalmente pelos Sécs. X a XII, a Igreja já estava institucionalmente consolidada e influente pelos reinados da Europa. Inclusive, neste período também houve o crescimento de seitas heréticas, rompendo com o monopólio da interpretação da bíblia cristã concomitantemente com o crescimento do comércio e a participação de um grupo social de comerciantes – os burgueses - nas decisões da igreja e dos reinos. Esta nova casta era desejosa de participar dos deveres eclesiásticos e realizavam obras de caridade em colaboração com as igrejas. Não se obsta a influência de teólogos e santos católicos no tocante à pregação da aceitação das condições materiais e desapego dos bens materiais. 3 COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS, 2006, p. 114 10 Dentre os pensadores, São Tomás de Aquino (1225-1274) retorna a bases aristotélicas. Em seus postulados, propunha que a teologia era a mãe de todas as ciências, estando todos os fenômenos e métodos investigativos prostrados perante essa ciência de maior estatura. Aliada a esta proposta, o douto referendava a tradicional como base fundamental da vida, classificando a inovação especulativa uma aventurosa abertura para heresias e pecados. Na atividade intelectual, dava-se maior hierarquia aos argumentos baseados na autoridade, em contraponto ao paradigma greco-romano. Era primada a razão na aplicação da dialética, com a fé justificada racionalmente como norte do pensamento. Nesse sentido, a partir do pensamento teológico, concluía-se que Deus dotou o homem da capacidade de raciocínio, sendo livre para discernir entre praticar o bem ou o mal, sendo responsável em absoluto pelas suas decisões. Conclui-se ser um juízo exercido de maneira estritamente racional, coligido pela atividade intelectual,alheio de emoções ou sentimentos. Com o advento da noção tomista, a abertura do mal ou do pecado, em abstrato, no mundo é obra oriunda do livre-arbítrio humano e não oriundo de ação de Deus, considerado bom e absoluto. Uma das revoluções no âmbito da Igreja Católica se deu a partir da Reforma Protestante, iniciada pela leitura de Martinho Lutero (1483-1546), e com o destaque posterior de João Calvino (1509-1564), trazendo a predestinação à tona para o debate teológico. Neste paradigma, a vida pelo ascetismo ou apática consistira em uma falha perante Deus, sendo altivo da parte do homem o cumprimento dos deveres e desempenho de seus ofícios de maneira exemplar. Outra fonte de influência sobre a ética, retomando o campo político, foi decorrente do pensamento de Nicolau Maquiavel (1469-1527), mencionando ser de maior importância o pragmatismo na atuação do soberano, sedimentando que o governante conquiste o respeito pelo temor e postura do que por condescendência ou altruísmo. Com a perspectiva proposta após a Reforma Protestante, gerando conflitos entre as manifestações da fé, repercutindo no papel da religião sobre o Estado, Thomas Hobbes (1588-1679) clamava que o Estado deveria ser absolutista para compor a segurança do tecido social, haja vista a natureza nociva dos seres humanos. 11 Ademais, argumentava pela corrente de pensamento denominada ceticismo moral, que consistia em analisar que as condutas boas ou más não eram intrínsecas à natureza ou de uma objetivação moral pré-concebida, mas sim fruto dos anseios das pessoas. Assim, Hobbes e Maquiavel voltavam-se para um aspecto pessimista da natureza da condição humana, sendo esta mesquinha e interesseira, necessitando, portanto, de um tecido social sólido e presente, por intermédio de uma autoridade rígida, mas ponderada para administrar a sociedade. John Locke (1632-1704), posteriormente, influenciou uma nova forma de pensar a ética, a partir do amadurecimento das relações comerciais, culminando na noção de capitalismo como a conhecemos atualmente, e em defesa primordial dos direitos de liberdade e propriedade. De fundamental importância, porém, ilustrarmos o pensamento de Kant sobre a ética. Retomando posicionamentos cartesianos, que a construção do conhecimento dar-se-ia a partir da experiência, tornava-se oportuno a reconstrução de uma unidade ética. Assim, uma forma de conhecimento estaria alheia e aquém da experiência vivenciada sensorialmente, denominada de a priori. Kant também classifica a ética como a metafísica dos costumes, amparada por uma lei, que consiste na norma que contenha um imperativo categórico. O dever de cumprimento de um dever, nesse diapasão, está ligado à imposição de uma medida coercitiva, inerentemente ligada ao Direito. No campo do entendimento da ética, estas foram as principais correntes que fizeram pulular os vieses de interpretação racional daquilo que é condizente com as melhores condutas que um indivíduo pode tomar no convívio em sociedade. Urge, portanto, esclarecer que ética é tida como um ramo de investigação dentro da filosofia, agregando ao conjunto, que é composto pela metafísica e pela epistemologia. Em contraponto, podemos entender que a moral seria essa mesma valoração de condutas ou abstrações do certo e do errado, no campo da intimidade (ou tradição) e empirismo. Conduto, tínhamos visto que a ética adquire a postura mais próxima da racionalidade e pragmatismo já em Aristóteles. Pode-se conjecturar que moral também pode ser vista como a ética entendida a partir da cultura romana, de linguagem latina. 12 O Direito caminha sempre após o exercício desse campo de reflexão e experiência, e nesse sentido, os métodos de integralização do Direito são utilizados como fontes para preenchimento da lacuna e inércia legislativa, amparadas em preceitos éticos. De tal forma, o emprego da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de Direito, elencados no Art. 4º do Decreto-lei nº 4.657/1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, encontra-se amparado pelos valores consagrados na sociedade, em seu recorte histórico considerado, e com amparo da ética, ou do imperativo categórico vigente, ou na presunção inclusive de uma moral objetiva apriorística ou metafísica. Todas as correntes e posturas históricas, sendo de tradição ou de ruptura com valores já vigentes, consistiram em influenciar o pensamento e a prática das incumbências institucionais, repercutindo na conduta dos órgãos do Poder Judiciário. A partir das previsões legais, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é plausível de aferir que códigos de ética ou de conduta são normativos considerados como teleológicos: a conduta de determinado agente deve alcançar tal finalidade ou evitar determinados atos. É o que se pode depreender das condutas e penalidades descritas na Lei nº 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa, que possui o fim de sanear os atos praticados por agentes públicos e sujeitos privados em atuação com o Poder Público; e Códigos de Éticas profissionais e leis estatutárias de servidores públicos, de maneira genérica ou específica (TJ-MG Agrv. Instr. nº 1.0607.18.003324-5/002. 4ª Câmara Cível. Des. Relator: Moreira Diniz. Julgamento em: 11 out. 2018. Publicação em: 17 set. 2018). Feitas essas considerações iniciais acerca dos pressupostos filosóficos, os itens a seguir poderão analisar as noções do Código de Ética Profissional da atuação dos advogados no Brasil. 13 2. EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ADVOGADO E DAS SOCIEDADES DE ADVOCACIA No Brasil, a atividade profissional do advogado está conscrita pela Lei nº 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, e posterior edição conforme a Resolução nº 02/2015 da OAB, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. O Estatuto é de abrangência federal, portanto, com vigência e produção de efeitos por todo o território nacional. Com o passar dos anos, desde sua promulgação em 1994, foi sofrendo alterações e tutelando novos direitos e garantias para o profissional do Direito, alguns de fundamental importância, como a previsão de sociedade unilateral de advogados (Lei nº 13.247/2016) e tutela de direitos da advogada gestante (Lei nº 13.363/2016). Consta, dentre outras previsões, as prerrogativas da atuação do profissional e da sociedade de advogados, e as competências cabíveis de exercício por meio da Ordem dos Advogados do Brasil. O Código de Ética, esmiúça alguns desses aspectos, dispondo sobre as condutas proibitivas e permitidas pelo advogado, e estatui sobre os procedimentos disciplinares para apuração de infrações éticas. A atividade da advocacia é considerada como de âmbito privado e público. Nesse sentido, não há maiores distinções daquelas usualmente conhecidas para a iniciativa privada, sob regime do direito privado. São consideradas atividades privativas da advocacia a postulação em órgão do Poder Judiciário e perante os juizados especiais e as atividades de consultoria, assessoria e direção de natureza jurídicas (Art. 1º da Lei nº 8.906/1994). Por advocacia pública, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Federal da OAB, define como a atividade empenhada por procuradores e advogados públicos, ocupantes de cargo ou função públicas. São inclusos os ocupantes de função ou cargo de chefia e direção. Nesse aspecto, o dispositivo a seguir demonstra a amplitude de descrição sobre tais funções de caráter público: 14 Art. 8º As disposições deste Código obrigam igualmente os órgãos de advocacia pública, e advogados públicos, incluindo aqueles que ocupem posição de chefia e direção jurídica. §1º O advogado público exercerá suas funções com independência técnica, contribuindo para a solução ou redução de litigiosidade, sempre que possível.§2º O advogado público, inclusive o que exerce cargo de chefia ou direção jurídica, observará nas relações com os colegas, autoridades, servidores e o público em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo em que preservará suas prerrogativas e o direito de receber igual tratamento das pessoas com as quais se relacione. Embora definido por Resolução, o Estatuto da OAB – norma infraconstitucional – estabelece sua aplicação sobre os advogados ocupantes de cargos públicos: Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) § 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. (destaque) Ademais, a lei menciona haver igual tratamento, sem distinção de subordinação ou hierarquização entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público (Art. 6º, da Lei nº 8.906/1994). Com relação aos defensores públicos, sua inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil consiste em requisito para exercer a capacidade postulatória em juízo, não sendo condição para o exercício da função posteriormente à ocupação do cargo público. 15 Nesse sentido, há julgados emitidos pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios referendando essa tese, sendo eles: o processo nº 0700817- 18.2018.8.07.0003. 1ª Turma Cível. Des. Relator: Roberto Freitas. Data de julgamento: 05 dez. 2018. Publicação em: 12 jan. 2019; e o processo nº 0715472- 29.2017.8.07.0003. 5ª Turma Cível. Des. Relator: Robson Barbosa de Azevedo. Data de julgamento: 24 out. 2018. Publicação em: 07 nov. 2018. No segundo julgado mencionado, o Desembargador Relator esclarece que a capacidade postulatória atinente aos membros da Defensoria Pública possui natureza sui generis, distinta, sendo desta maneira denominada capacidade postulatória funcional. Cumpre mencionar que com a superveniência dos efeitos da Emenda Constitucional nº 69 de 2012, com alterações sofridas no Art. 21, XIII, da Carta Constitucional, a Defensoria Pública do Distrito Federal adquiriu independência funcional e institucional, não sendo mais mantida pela União Federal, sendo, desde então, incumbência do Distrito Federal. Todavia, agora a Defensoria Pública dos Territórios permanece sob manutenção da União. A Corte Estadual do Distrito Federal considera que a natureza funcional dos defensores públicos não possui natureza de advocacia pública ou privada, conforme vemos in verbis: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NA OAB. DESNECESSIDADE. CAPACIDADE POSTULATÓRIA QUE DECORRE DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI. APELO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. 1. A Defensoria Pública do Distrito Federal, sustentada pelos artigos 133 e 134 da Constituição Federal, possui atribuições e características próprias, que não se confundem com a advocacia pública ou privada. 2. Para que o defensor público disponha de capacidade postulatória não se faz necessário que esteja inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, pois, nos termos do art. 4º, § 6º, da Lei Complementar n.º 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios, A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. 3. Recurso de apelação conhecido e provido. Sentença cassada. 16 (TJDFT - Acórdão 0700672-59.2018.8.07.0003. 5ª Turma Cível. Des. Relator(a): Des. Silva Lemos. Data de julgamento: 05 set. 2018. Data de publicação: 03 out. 2018) (destaque) Embora estejam entre as atividades do advogado a prestação de serviços de assessoria jurídica, há possibilidade de questionamentos quanto à contratação de advogados privados para prestação dessa mesma atividade. No entanto, a legitimidade da conduta toma concretude quando o prestador de serviços preencher requisitos de condição inexigibilidade ou dispensa de licitação, considerando a notoriedade da especialização daquele advogado ou sociedade de advogados (TJ-SP – Apelação nº 1000284-41.2016.8.26.0483. 12ª Câmara de Direito Privado. Des. Relator: Souza Nery. Data de julgamento: 20 fev. 2018. Publicação em: 07 mar. 2018). Por fim, pode-se definir a atuação do advogado dativo, como exercício de múnus público, não sendo exercício de função pública. Logo, o encargo do pagamento dos seus honorários é competência do Ente Público, onde o defensor dativo exerceu seu dever (TRF-4 Apelação nº 5006852-68.2013.4.04.7204. 4ª Turma. Des. Relator(a): Salise Monteiro Sanchotene. Data de julgamento: 17 nov. 2015. Publicação em: 17 nov. 2015; TJ-MG Apelação nº 1.0024.14.249078-8/001. 4ª Câmara Cível. Des. Relator(a): Ana Paula Caixeta. Data de julgamento: 03 nov. 2016. Publicação em: 08 nov. 2016). Postas essas considerações, resta investigar o entendimento acerca das sociedades de advogados. 2.1 SOCIEDADE DE ADVOCACIA O Estatuto da Advocacia prevê a possibilidade de constituição de pessoa jurídica composta por advogados. Conforme caput do Art. 15 da lei, os advogados poderão reunir-se como sociedade simples para prestação de serviços de advocacia, ou por meio da sociedade unipessoal de advocacia. Estas duas formas societárias mencionadas constam na Lei nº 10.406/2002, o Código Civil de 2002, sendo a sociedade unilateral uma novidade criada pela Lei 17 nº 13.874/2019, possuindo natureza jurídica de sociedade limitada constituída por um único sócio (Art. 1.052, §2º). Este modelo societário em pouco difere da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), sendo mais flexível quanto à sua constituição e integralização do capital societário. A sociedade simples é de natureza não empresarial, em razão de realizar atividade alheia à comercial, de natureza estritamente empresarial. Consiste, portanto, em atividades de cunho intelectual, artístico, científica ou literária (Art. 966, parágrafo único). Assim como as formas societárias usualmente conhecidas, e dispostas no Código Civil, a sociedade advocatícia possui personalidade jurídica distinta das de seus membros ou sócios, requisitando inclusive representação judicial por intermédio de procuração (STJ – Edcl. AgRg. AREsp nº 112.911 – PR. 1ª Turma. Min. Relator: Sérgio Kukina. Data de julgamento: 27 out. 2015. Publicação em: 09 nov. 2015). Como medida de composição dessa novidade empresarial, o Art. 15, §7º possibilita que a forma unipessoal de advocacia resulte da concentração por parte de um advogado das quotas de sociedade de advogados, independentemente das razões motivadoras. Quanto à denominação social pertinente da sociedade unipessoal de advogado, constará obrigatoriamente o nome do titular, seja de maneira completa ou parcial, com a expressão Sociedade Individual de Advocacia (Art. 16, §4º). Presume-se ser um meio de estímulo para a constituição desse tipo societário, haja vista haver vedação expressa sobre um advogado atuar como sócio de mais de uma sociedade advocatícia: Art. 15 (...) (...) § 4º Nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de advogados, constituir mais de uma sociedade unipessoal de advocacia, ou integrar, simultaneamente, uma sociedade de advogados e uma sociedade unipessoal de advocacia, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional. 18 O provimento nº 170/2016 foi emitido para disciplinar as características, direitos e deveres concernentes à sociedade unipessoal de advocacia,e estabelece como requisitos iniciais os constantes do Art. 2º: Art. 2º O ato constitutivo da sociedade unipessoal de advocacia deve conter os elementos e atender aos requisitos e diretrizes indicados a seguir: I - a razão social, obrigatoriamente formada pelo nome ou nome social do seu titular, completo ou parcial, com a expressão "Sociedade Individual de Advocacia", vedada a utilização de sigla ou expressão de fantasia; II - o objeto social, que consistirá, exclusivamente, na prestação de serviços de advocacia, podendo especificar o ramo do Direito a que se dedicará; III - o prazo de duração, sendo que suas atividades terão início a partir da data de registro do ato constitutivo; IV - o endereço em que irá atuar; V - o valor do capital social e a forma de sua integralização; VI - não são admitidas a registro, nem podem funcionar, sociedades unipessoais de advocacia que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, ou que incluam como titular pessoa não inscrita como advogado ou sujeita à proibição total de advogar; VII - é imprescindível declarar expressamente que, além da sociedade, o titular responderá subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes, por ação ou omissão, no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer; VIII - não se admitirá o registro e o arquivamento de ato constitutivo ou de suas alterações com cláusulas que estabeleçam a admissão de qualquer outro sócio, ainda que de serviço; IX - o mesmo advogado não poderá integrar mais de uma sociedade de advogados, constituir mais de uma sociedade unipessoal de advocacia, ou integrar, simultaneamente, uma sociedade de 19 advogados e uma sociedade unipessoal de advocacia, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional; X - o ato constitutivo pode determinar a apresentação de balanços mensais, com a efetiva distribuição dos resultados ao titular a cada mês. O titular dessa forma societária responde pelos atos da sociedade, porquanto a exercer de maneira personalíssima, além de responder pelos atos de gestão, que podem ser delegados (Art. 3º). Pela natureza idiossincrática desse modelo societário, as condições sofridas pelo titular afetam a constituição e permanência da sociedade. Assim, a sociedade unipessoal de advocacia será extinta quando do falecimento do titular, pela exclusão deste dos quadros da OAB, ou pela incompatibilidade definitiva (Art. 4º). Com o intuito de facilitar o crescimento dos negócios ou facilitar operações societárias diversas, O Art. 11 admite a conversão de sociedade de advogados em sociedade unipessoal, bem como a operação em sentido contrário. Em sede de tratamento tributário, o STJ referenda que as sociedades de advogados, inclusive a profissional, tem garantido o regime tributário diferenciado constante do Decreto-lei nº 406/1968, acerca do imposto sobre serviços (ISS), de competência municipal (STJ- REsp nº 1.740.420 – PR. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benja. Data de julgamento: 12 jun. 2018. Publicação em: 26 nov. 2018). Trata-se de uma forma de tributação com base em valor anual fixo, e não no faturamento bruto. Houve já discussões acerca dessa norma ser inconstitucional; porém, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE nº 940.769 – RS, entendeu pela recepção da norma à ordem constitucional vigente. Quanto à obtenção de receitas dessas sociedades, não perdem natureza de caráter alimentar, por serem direito de pessoas jurídicas, conforme já entendido pelo Superior Tribunal de Justiça, não havendo distinção em razão da natureza jurídica do prestador de serviços de advocacia (STJ – REsp nº1.749.491 – RS. 2ª Turma. Min. Relator: Herman Benja. Data de julgamento: 06 nov. 2018. Publicação em: 19 nov. 2018). Portanto, possuem a mesma ordem de crédito alimentar quando do concurso de credores, inclusive no âmbito das execuções fiscais. 20 Em tutela do levantamento ou execução dos honorários advocatícios, há entendimento de que a sociedade possa requisitar os valores quando a procuração é outorgada a advogado da qual é integrante: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VERBA HONORÁRIA DE SUCUMBÊNCIA. ART. 85, § 15 DO CPC/15. OFÍCIO REQUISITÓRIO. SOCIEDADE DE ADVOGADOS. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. - Discute-se a decisão que indeferiu pedido de requisição da verba honorária de sucumbência em nome da sociedade de advogados. - A sociedade de advogados tem legitimidade para levantar ou executar honorários quando a procuração é outorgada a advogado da qual é integrante, este é o entendimento do § 15 do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.Nada impede, portanto, que a expedição de requisitório seja feita em nome de escritório de advocacia. - No caso, embora o nome da sociedade de advogados não integre a procuração acostada aos autos, a verba honorária poderá ser requisitada diretamente em seu nome, por ser o advogado integrante desta, conforme documentos acostados. - Agravo de Instrumento provido. (TRF3 - Agravo de Instrumento – SP nº 5007312-87.2018.4.03.0000. 3ª Seção. Des. Relator Convocado: Rodrigo Zacharias. Data de julgamento: 06 set. 2018. Publicação em: 11 set. 2018) Em circunstância similar, foi atacada decisão denegatória do levantamento com fulcro na limitação dessa requisição de valores, pela distinção de beneficiário ou como advogado ou sociedade de advogados (TJ-SP Agrav. Instrumento nº 2119325-08.2018.8.26.0000. 12ª Câmara de Direito Privado. Des. Relator: Cerqueira Leite. Data de julgamento: 07 out. 2018. Publicação em: 07 out. 2018). O disposto também é referendado quando do instituto da cessão de direitos entre patronos constituídos, tem-se a defesa do dispositivo do §4º, do Art. 22, do Estatuto da Ordem dos Advogados, respaldando o requerimento por parte da sociedade de advogados (TRF3 - Agravo de Instrumento – SP nº 5018346- 21 93.2017.4.03.0000. 3ª Seção. Des. Relatora: Tania Regina Marangoni. Data de julgamento: 23 ago. 2018. Publicação em: 29 ago. 2018). Porém, cumpre observar o momento adequado, já que a cessão de créditos após a expedição de precatório não vincula aos termos do documento (TRF-4 Agrv. Instrumento nº 5035140-65.2017.4.04.0000. 5ª Turma. Des. Relatora: Gisele Lemke. Data de julgamento: 28 nov. 2017. Publicação em: 28 nov. 2017). Acerca das disposições sobre a responsabilização da pessoa jurídica e do sócio, são aplicáveis as normas atinentes à ilicitude, conforme preceitua o Código Civil, em seus Arts. 186, 927, 932 e 933, e o próprio Estatuto da OAB, preceituando a responsabilização subsidiária e ilimitada da sociedade quando age em conluio com o sócio com fins ilícitos (TJ-DFT Processo nº 07005219-76.2018.8.07.0001. 3ª Turma Cível. Des. Relator: Flávio Rostirola. Data de julgamento: 25 jul. 2018. Publicação em: 31 jul. 2018). Em consonância a esta disposição, o Estatuto dos Advogados já estabelecia que o Código de Ética da OAB pudesse ser aplicável às sociedades quando fosse cabível (Art. 15, §2º). 2.2 ADVOGADOS ESTRANGEIROS NO PAÍS E ATUAÇÃO DE SOCIEDADES BRASILEIRAS EM PORTUGAL No ambiente globalizado por intermédio das tecnologias de comunicação e dados do Séc. XXI, torna-se razoável e justo que as pessoas tenham liberdade ir e vir em uma escala maior que a delimitada no interior de um Estado. Nesse sentido, é condizente e útil até em termos econômicos, que profissionais possam desempenhar seu ofício em outros países. Todavia, é uma questão mais adequável quando se trata de profissionais ligado a campos das ciências, porquanto a física, química e biologia serem a mesma independentemente de onde o trabalhador estiver. Em sentido oposto, o Direito de cada país é único, necessitandohaver algum expediente para adaptação de imigrantes profissionais da área. Com fulcro de facilitar o contato profissional e abertura de mercado para advogados estrangeiros, a lei nº 8.906/1994, Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil, prevê que o estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado 22 em direito no Brasil, deverá fazer prova do título de graduação, obtido por instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender os requisitos da norma (Art. 8º, §2º). As condições mencionadas constam Incisos do Art. 8º, e estão esquematizados na seguinte tabela: REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO - ADVOGADO Capacidade civil Diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada Título de eleitor e quitação do serviço militar – no caso de brasileiros Aprovação em Exame de Ordem Não exercício de atividade incompatível com a advocacia Idoneidade mora Prestação de compromisso perante o Conselho Fonte: Autor, 2020. O Superior Tribunal de Justiça manifesta-se que autorização, credenciamento e reconhecimento de instituição de ensino superior são etapas distintas quanto ao funcionamento desta entidade de ensino, não se tratando, portanto, de preciosismo semântico (STJ – REsp nº 1.288.991 – PR. 1 1ª Turma. Min. Relator: Napoleão Nunes Maia Filho. Data do julgamento: 14 jun. 2016. Publicação em: 01 jul. 2016). O Provimento nº 91/2000 prescreve o expediente administrativo para que o estrangeiro possa exercer a advocacia no Brasil quanto à atividade de consultor em direito estrangeiro. Pela natureza desse ofício, torna-se vedado o exercício de procuratório judicial ou consultoria e assessoria em direito brasileiro; a atividade autorizada, na letra desta norma, consiste exclusivamente na consultoria sobre direito estrangeiro dentro do país. Podemos contemplar essa disposição no dispositivo in fine: Art. 1º O estrangeiro profissional em direito, regularmente admitido em seu país a exercer a advocacia, somente poderá prestar tais serviços no Brasil após autorizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, na forma deste Provimento. 23 §1º A autorização da Ordem dos Advogados do Brasil, sempre concedida a título precário, ensejará exclusivamente a prática de consultoria no direito estrangeiro correspondente ao país ou estado de origem do profissional interessado, vedados expressamente, mesmo com o concurso de advogados ou sociedades de advogados nacionais, regularmente inscritos ou registrados na OAB: I - o exercício do procuratório judicial; II - a consultoria ou assessoria em direito brasileiro. § 2º As sociedades de consultores e os consultores em direito estrangeiro não poderão aceitar procuração, ainda quando restrita ao poder de substabelecer a outro advogado. A seguir, a norma estabelece que a autorização, para ser concedida, demandará a observação dos Incisos I, V, VI e VII, do Art. 8, e do Art. 10, do Estatuto da OAB, sendo elas: a) Capacidade civil; b) Não exercício de alguma atividade incompatível com a advocacia; c) Idoneidade moral; d) Prestação de compromisso perante o Conselho e) Inscrição profissional no Conselho Seccional do território onde estabelecerá seu domicílio profissional. Em comunhão com interesses ligados à língua lusitana, há um maior intercâmbio dos interesses profissionais dos advogados entre o Brasil e Portugal, sendo resolvido o Provimento nº 129/2008 para instrumentalizar essa troca profissional. Com este normativo, fica referendado o princípio da reciprocidade entre os dois países, sendo presumido que Portugal também estabelecerá similar procedimento para aceitação de advogados de origem brasileira para atuação profissional. Constam dados informados à imprensa, que houve aumento de mais de 300% (trezentos por cento) de advogados brasileiros atuando em Portuga4l; sendo que, até novembro de 2019, já haveria 2.270 advogados brasileiros registrados na Ordem dos Advogados Portugueses. Contudo, a superveniência desse normativo não exclui as disposições sobre o profissional consultor em direito estrangeiro de naturalidade portuguesa (Art. 2º). 4 “Número de advogados brasileiros em Portugal cresce mais de 300% e pode influenciar eleição da ordem.” Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/numero-de-advogados-brasileiros-em-portugal- crescemais-de-300e-pode-influenciar-eleicao-da-ordem-24105728> Acesso em: 24 fev. 2020. 24 De início, a norma mencionada estatui trâmite mais dinâmico para admissão do advogado português perante a Ordem dos Advogados do Brasil: Art. 1º O advogado de nacionalidade portuguesa, em situação regular na Ordem dos Advogados Portugueses, pode inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos do art. 8º da Lei nº 8.906, de 1994, com a dispensa das exigências previstas no inciso IV e no § 2º, e do art. 20 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. Doravante, devem ser preenchidos as disposições dos Incisos do Art. 8º do Estatuto dos Advogados, já mencionados; e o cumprimento do compromisso perante o Conselho Seccional, a Diretoria ou o Conselho da Subseção (Art. 20, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB). Ademais, os advogados portugueses inscritos na OAB, estarão sujeitos à disciplina constante do Estatuto, do seu Regulamento Geral, do Código de Ética e Disciplina, e das demais normas pertinentes, além de possuírem cadastro próprio perante a OAB, no Brasil, e informados à Ordem dos Advogados Portugueses sobre a situação cadastral e eventuais mudanças sofridas na condição de inscrito. Quanto ao princípio da reciprocidade entre as duas instituições, o Regulamento nº 913-C/2015 da Ordem dos Advogados Portugueses disciplina a Subsecção III, constante da Secção I, do Capítulo III, que trata do registro e inscrição de advogados estrangeiros. Preceitua o Artigo 17 da norma estrangeira o fim delineado a seguir: Artigo 17.º Inscrição de Advogados de nacionalidade brasileira 1– Por força do disposto no EOA, os Advogados brasileiros cuja formação académica superior tenha sido realizada no Brasil ou em Portugal podem inscrever-se na Ordem dos Advogados desde que idêntico regime seja aplicável aos Advogados de nacionalidade portuguesa inscritos na Ordem dos Advogados que se queiram inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil. 2– O regime de reciprocidade previsto no número anterior permite a inscrição de Advogado brasileiro com dispensa da realização de estágio e da obrigatoriedade de realizar prova de agregação. 25 Oportunamente, não é exigida a residência habitual em Portugal, apenas o domicílio profissional do advogado brasileiro, que pode ser declarado por outro advogado, inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses, que ficará incumbido de entregar ao estrangeiro as comunicações que lhe forem dirigidas. Em contrapartida, o rol de exigências cadastrais aos profissionais brasileiros encontra-se no Artigo 18 e é extenso em comparação ao exigido pela Ordem dos Advogados do Brasil: a) Boletim de inscrição com a assinatura pessoal e profissional do requerente; b) Certidão do processo completo da inscrição principal como Advogado na Ordem dos Advogados do Brasil; c) Certidão emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil comprovativa da inscrição em vigor, da situação contributiva, e bem assim do registo disciplinar do requerente; d) Comprovativo da habilitação acadêmica necessária oficialmente reconhecida, por faculdade de Direito de Portugal, ou diploma em Direito emitido por instituição de ensino oficialmente credenciada no Brasil, com menção da data de conclusão e respetiva média final, documento que será dispensado se constar do processo de inscrição mencionado na alínea b);e) Certidão de narrativa do registo de nascimento; f) Certificado do registo criminal emitido pela entidade competente do Estado brasileiro; g) Certificado do registro criminal emitido pela entidade competente do Estado português; h) Quatro fotografias iguais, a cores, tipo passe; i) Cópia do título de autorização de residência emitido pela autoridade competente do Estado português, devendo ser exibido o respetivo original; j) Cópia do Passaporte, devendo ser exibido o original; k) Cópia do Cartão de contribuinte, devendo ser exibido o original; l) Impresso para emissão da cédula profissional de Advogado; m) Autorização do requerente para o tratamento dos seus dados pessoais e profissionais; n) Declaração, sob compromisso de honra, datada e assinada pelo requerente, de não estar em situação de incompatibilidade com o exercício da 26 Advocacia, nos termos dos artigos 81.º e seguintes do Estatuto dos Advogados Portugueses; o) Cópia da carteira ou do cartão de identidade de advogado brasileiro, devendo ser exibido o original; p) Cópia do contrato de trabalho, do documento comprovativo do título de provimento, ou de qualquer outro vínculo contratual, com indicação das funções e respetivo horário, quando o requerente declare exercer qualquer atividade e, em termos gerais, qualquer que seja o cargo, função ou atividade desempenhada; q) Documento comprovativo dos requisitos necessários para que os Advogados portugueses se possam inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil. Além dessas disposições, sujeitar-se-ão, ainda aos expedientes necessários para a devida inscrição, tal qual os advogados lusitanos. Quanto a outros direitos e garantias, muitos se assemelham às garantidas perante as normas brasileiras e emitidas pela OAB, inclusive o direito de participação em eleição de dirigentes em Portugal e pagamento de anuidade em euros. 27 3. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Como representante judicial, com capacidade postulatória, nas demandas que envolvam seus clientes, é dever do advogado mantê-los informados sobre as práticas que podem coadunar com a presunção de má-fé perante o Poder Judiciário. Conforme estatui o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é defeso ao advogado expor os fatos em juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé (Art. 6º). O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) disciplina uma seção para a Responsabilização das partes por dano processual, estipulando em seu Art. 79, que o autor, réu e interveniente pelas perdas e danos decorrentes a má-fé em litígio. O Art. 80, seguinte, elenca as práticas que serão consideradas litigância de má-fé para os fins da lei processual: a) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; b) alterar a verdade dos fatos; c) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; d) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; f) provocar incidente manifestamente infundado; g) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. No curso da execução de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer, haverá incidência da litigância de má-fé quando houver descumprimento injustificado de ordem judicial, podendo responder ainda por crime de desobediência (Art. 536, §3º). Quanto à cobrança de multas ou de indenizações decorrentes da má-fé empregada no curso do processo de execução ou de atos atentatórios à dignidade da justiça, será realizada nos próprios autos da execução (Art. 777). Uma das causas que mais vem à tona, para fins exemplificativo, consiste na alteração da verdade dos fatos. Porém, abre margem para discutir acerca da possibilidade de discussão e contraposição entre autoria e parte requerida (STF – MS nº 33.805 – Agr – DF. 2ª Turma. Min. Relator: Edson Fachin. Data de julgamento: 02 mar. 2018. Publicação em: 14 mar. 2018). 28 A condenação acerca da litigância de má-fé será aplicada pelo juiz, na forma de multa, variando de um valor superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa; e quanto a indenização da parte contrária pelos prejuízos sofridos, com os honorários advocatícios, e pelas despesas efetuadas no curso do processo. Na hipótese de concorrem dois ou mais litigantes de má-fé, a condenação será proporcional ao respectivo interesse na causa, ou de maneira solidária acerca da coligação com o fim de lesar a parte contrária (Art. 81, §1º). O valor das sanções impostas ao litigante de má-fé reverterá para benefício da parte contrária, e o valor das sanções impostas aos serventuários pertencerá ao Estado e à União. Estes entes federativos poderão criar fundos de modernização do Poder Judiciário, custeados com os valores das sanções pecuniárias processuais e outras verbas previstas em lei (Art. 96). Todavia, salienta-se a observação tecida pelo Superior Tribunal de Justiça acerca de ato processual com intuito procrastinatório, não configurando a má-fé, porquanto acobertado pelo direito de recorrer de maneira não abusiva (STJ – Edcl. AgInt. AREsp nº 1.188.719 – SP. 3ª Turma. Min. Relator: Ricardo Villa Bôas Cueva. Data de julgamento: 24 set. 2018. Publicação em: 27 set. 2018). O uso e permissividade acerca do direito de recorrer é acobertado pelo ordenamento jurídico, não podendo acusar todo e qualquer recurso como litigância de má-fé. Entender de maneira contrária, a parte recorrida poderia alegar que o insucesso da vida recursal pela parte recorrente seria estratagema para dissuadir o juiz ou postergar o trâmite processual (STJ - Edcl. AgInt. no AREsp nº 1.187.421 RS. 4ª Turma. Min. Relator: Luis Felipe Salomão. Data de julgamento: 07 ago. 2018. Publicação em: 10 ago. 2018; e STJ – AgInt. EAREsp nº 961.962 – RS. Corte Especial. Min. Relator: Jorge Mussi. Data de julgamento: 24 out. 2018. Publicação em: 09 nov. 2018). A hipótese contrária consiste no uso indevido das vias recursais, com recorrentes advertência nos autos, enseja a sanção por litigar com má-fé: EMENTA: AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ADVERTÊNCIA ANTERIOR. NÃO OBSERVÂNCIA. 1. É inviável recurso que não impugna todos os fundamentos da decisão agravada. 2. Os elementos concretos demonstram o reiterado uso de meios processuais manifestamente inadmissíveis, não cessados mesmo 29 após advertência, o que enseja a imposição de multa por litigância de má-fé. 3. Agravo interno desprovido. Condenação da parte ao pagamento de multa por litigância de má-fé, nos termos do art. 80, VI, c/c art. 81, § 2º, do CPC/2015. (STF – Rcl. Nº 27541 Agr – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Roberto Barroso. Data de julgamento: 01 dez. 2017. Publicação em: 15 dez. 2017) De maneira exemplar e ululante, observa-se o entendimento recorrente sob entendimento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NA PETIÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. MULTA. MANUTENÇÃO.DECISÃO MANTIDA. 1. A apresentação de seis petições com a mesma finalidade, após o trânsito em julgado do feito, e, ainda, após duas advertências de multa feitas pela Presidência, evidencia a litigância de má-fé do recorrente, motivo pelo qual deve ser mantida a penalidade aplicada. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com advertência de multa. (STJ – AgInt. Pet. AREsp nº 967.414 – RJ. 4ª Turma. Min. Relator: Antonio Carlos Ferreira. Data de julgamento: 08 fev. 2018. Publicação em: 23 fev. 2018) Na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), a medida aplicável para recursos claramente inadmissíveis consiste na deserção ou no não conhecimento. Na constânciado Código Processual Cível anterior, a Lei nº 5.869/1973, o agravo manifestamente inadmissível ou infundado, torna passível de condenação pelo Tribunal ao pagamento de multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor da causa corrigido, condicionando a interposição de outros recursos ao pagamento da imposição (Art. 556, §2º). Na letra do atual diploma processual civil, os embargos de declaração manifestamente protelatórios ensejam ao pagamento de multa que não exceda a 2% (dois por cento) do valor da causa atualizado. Pelo CPC/1973, a multa poderia alcançar o patamar de até 10% (dez por cento), considerando que na vigência do diploma, os embargos interrompiam o prazo para interposição de outros recursos, tornando-se um mecanismo para prolongar suas estratégias de defesa. 30 Ocorre que sob a vigência do CPC/2015, os embargos declaratórios não mais possuem efeitos suspensivos, embora interrompam o prazo para interposição dos demais recursos (Art. 1.026, caput). Erros e desídia cometida quanto à interposição recursal, ensejam, como regra, a deserção do respectivo recurso (Art. 1.007, caput), como ineficiência do preparo, porte de remessa e de retorno. A propositura de Recurso Especial contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em detrimento de previsão expressa de norma constitucional ou infraconstitucional configura de maneira clara a interposição de má-fé, no entendimento do STJ (AgInt. Pet. Recl. nº 34.891 – SP. 2ª Seção. Min. Relator: Lázaro Guimarães. Data de julgamento: 13 jun. 2018. Publicação em: 19 jun. 2018). A título de curiosidade, o Poder Público não se isenta de ser condenada por litigância de má-fé, porquanto se versar por intermédio de princípios de interesse público e de legitimidade. A perspectiva é inerentemente para coibir prejuízo a uma parte processual por intermédio de subterfúgios, independentemente de quem seja a parte processual envolvida e seu grau de autoridade (STJ – AgInt. AREsp nº 1.026.630 – SP. 2ª Turma. Min. Relator: Francisco Falcão. Data de julgamento: 06 dez. 2018. Publicação em: 14 dez. 2018). 31 4. ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é um órgão público integrante da estrutura do Poder Judiciário, cuja principal finalidade é o controle e aperfeiçoamento da atividade desempenhada pelos órgãos judiciais. A entidade foi criada por intermédio da Emenda Constitucional nº 61/2009, adicionando o Art. 103-B na Carta Magna, definindo suas funções primordiais como as que se vê elencadas: Art. 103-B (...) (...) §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do Art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí- los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção ou a disponibilidade e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; 32 VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. (destaque) Ademais, a atividade desempenhada pelo CNJ é exclusivamente de caráter administrativo na estrutura do Poder Judiciário, não exercendo nenhuma função ou ato de natureza judicial (STF – MS nº 35.421 – Agr – DF. 2ª Turma. Min. Relator: Gilmar Mendes. Data de julgamento: 25 mai. 2018. Publicação em: 06 jun. 2018). Até mesmo fatos e controvérsias submetidas à apreciação do Poder Judiciário não são sujeitas ao controle ou fiscalização do CNJ, apenas o desempenho e cumprimento da função judicial (STF – MS nº 28.845 – DF. 1ª Turma. Min. Relator: Marco Aurélio. Data de julgamento: 21 nov. 2017. Publicação em: 11 dez. 2017). Quanto à atividade desempenhada pelos Cartórios, sujeitam-se a fiscalização perante o Poder Judiciário, porquanto ser um ofício auxiliar no andamento da Justiça, por constituir certidões comprobatórias e dar publicidade aos atos declaratórios. Constitucionalmente, são serviços exercidos em caráter privado, mediante delegação pelo Poder Público (Art. 236, caput). O §1º estabelece que lei infraconstitucional regulará as atividades, disciplinando a responsabilidade civil e criminal dos agentes notariais, dos oficiais de registros e seus prepostos, e definindo a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Regulamentado o dispositivo, adveio a Lei nº 8.935/1994, deixando os Arts. 37 e 38 acerca da fiscalização do Poder Judiciário: Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos. Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio- econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 33 A delegação para o exercício da função notarial ou registral pode ser extinta em razão das circunstâncias expostas no Art. 35: a) de sentença judicial transitada em julgado; ou b) de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado amplo direito de defesa. Sob a égide da Lei nº 6.015/1973, compete aos juízes a correição e fiscalização nos livros de registro, conforme as normas de organização judiciária (Art. 48). Prevê, ainda, que, perante a recusa ou retardamento de registro, averbação ou anotação, além de obstaculizar o fornecimento de certidão, os prejudicados poderão reclamar perante o Poder Judiciário (Art. 47, caput). Embora exerça a função de corregedoria, não compete ao Conselho Nacional de Justiça a responsabilização diante de lesão oriunda de concurso públicode competência de algum Tribunal de Justiça (STF – MS nº 28.528 Agr - DF. Tribunal Pleno. Min. Relator: Dias Toffoli. Data de julgamento: 17 out. 2013. Publicação em: 19 nov. 2013). As controvérsias acerca do Poder Judiciário e, em especial, do Conselho Nacional de Justiça, consiste na propensão à função legiferante, considerando que o próprio Judiciário atue para sanar eventuais lacunas e omissões da lei. Neste escopo, o próprio CNJ emitiu a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, com o intuito de disciplinar os Cartórios de Registro acerca da união homoafetiva: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. Este instituto é uma inovação, mas que permaneceu alheia à inovação legislativa; portanto, tornou-se um direito exercido em face de uma norma infralegal, em perspectiva da atividade fiscalizatória sob os órgãos notariais. Em contraposição a essa noção, pode ser entendido que o CNJ instrumentalizou perante a atividade notarial (delegada e fiscalizada pelo Poder Judiciário) algumas das decisões já proferidas pelo Pretório Excelso acerca do reconhecimento judicial da união homoafetiva, ocorrido na ADIn nº 4.277 – DF e a ADPF nº 132 – RJ, ambas ações julgadas em 2011 O ativismo judicial exercido pelo Poder Judiciário (em grande medida, pela atuação do Supremo Tribunal Federal) não se limitou à seara judicial, como função 34 típica do Poder mencionado, mas se imiscuiu no âmbito administrativo e correcional do Poder Judiciário? Tornou-se um direito exercido em função da jurisprudência e na atividade administrativa-fiscalizatória do Poder Judiciário, mas alheio à previsão legal. Cumpre, ao pós-graduando atento, investigar essa vicissitude institucional e observar o andamento de novas mudanças legislativas sobre o assunto em tela, ou sobre o ativismo por parte do CNJ. Por fim, já foi discutida a potencial extrapolação das competências constitucionais quanto às Resoluções do CNJ. Na condução da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 125, foi entendido que, por exercer a função administrativa e de correcional do Poder Judiciário, e reiterando que o Conselho Nacional de Justiça é um órgão constitucionalmente previsto na estrutura do Poder Judiciário, sua função também é demandar cumprimento de dispositivos constitucionais no âmbito do Poder Judiciário, não havendo que falar em ofensa à competência constitucional ou lesão à separação dos Poderes. 5 STF – ADC nº 12 – DF. Tribunal Pleno. Min. Relator: Carlos Britto. Julgamento em: 20 ago. 2008. Publicação em: 18 dez. 2009. 35 REFERÊNCIAS COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. Companhia das Letras: SÃO PAULO, 2016 GONZAGA, Álvaro de Azevedo; NEVES, Karina Penna; BEIJATO JÚNIOR, Roberto. Estatuto da Advocacia e Novo Código de Ética e Disciplina da OAB comentados. 5ª ed. Rio de Janeiro: FORENSE; São Paulo: MÉTODO, 2019 RODRIGUES JÚNIOR, Alfredo. Ética geral e profissional. Rio de Janeiro: SESES, 2018 VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 37ª ed. Rio de Janeiro: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 2017
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