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La investigacion- accion participante. Inicios y desarrollos. Madrid: Editorial Popular: Universidad Nacional de Colombia, 1991, p. 65-84. DIARIO DE CAMPO: REFLEXOES EPISTEMOL6GICAS E METODOL6GICAS o termo "diario de campo" e usualmente utilizado para referir-se a uma tecnica especifica de registro de dados muito utilizado nas pesquisas qualitativas que utilizam principalmente a observa9ao. Sua origem remonta aos estudos antropo16gicos de Mali- nowski, no infcio do seculo, que observava os nativos das Ilhas Trobriand, no Oceano Pacifico. Conforme Minayo (1993: 135), a pr<itica da observa9ao foi logo contestada pela sociologia de tradi9ao quantitativa, que denominava de "empiristas" e "impres- sionistas" as observa90es antropol6gicas. Poi atraves da etno- metodologia e da fenomenologia sociol6gica que a observa9ao recuperou seu lugar de destaque nas pesquisas sociol6gicas, e desde entao, costuma-se utilizar 0 termo "trabalho de campo" para designar as pesquisas que utilizam este tipo de metodologia. Na Psicologia, a pr<itica da observa9ao tambem fez parte des de cedo das metodologias de abordagem da realidade psicol6- gica. Coohican (1997) relata que a psicologia do desenvol vimento se valeu bastante dos diarios das observa90es do cotidiano de crian9as. Ate 0 final do seculo XIX, praticamente nao existiam; a necessidade de transcender as interminaveis discuss6es sobre se as crian<;;asnasciam com tendencias inatas, boas, como afirmava Rousseau, ou como uma "tabula rasa", como pontificava Locke, e colocar 0 tema numa perspectiva cientifica produziu 0 que se pode chamar de "bi610gos de beMs". Esses primeiros relatos foram realizados com os pr6prios filhos dos pesquisadores e construidos como diarios de observa<;;6es cotidianas sobre seu crescimento e desenvolvimento; eram preferencialmente estu- dos longitudinais. Jean Piaget talvez seja 0 mais famoso destes pesquisadores na Psicologia. Ele utilizou inicialmente diarios de observa<;;6es cotidianas sobre 0 desenvolvimento dos filhos para construir e exemplificar aspectos de sua teoria do desenvolvimento cognitivo. A abordagem behaviorista tambem deve muito a essa tecni- ca, aplicada sob controle experimental, ao pretender teorizar, por exemplo, sobre os efeitos no comportamento animal e humano da administra<;;ao do refor<;;oe da puni<;;ao. Alem de urn instrumento de pesquisa, 0 diario de campo pode ser utilizado como uma estrategia didatico-pedag6gica. No ensino clinico de enfermagem, 0 diario de campo e uma pratica diaria em algumas disciplinas te6rico-pr<iticas, como 0 relato das experiencias de estagio. Nesta perspectiva, e uma estrategia para autorreflexao das a<;;6estanto do aluno como do professor, seus altos e baixos, suas conquistas, suas vit6rias, as emo<;;6esque per- passam a rela<;;aocom pacientes e com a equipe de trabalho. Como refere Freitag (1994), as anota<;;6esfeitas no diario de campo refletem a dialetica desencadeada pelo pr6prio pro- cesso pedag6gico, como tomada de consciencia de si mesma( 0) e do outro. Portanto, a importancia da observa<;;ao da realidade coti- diana para a constru<;;aodo conhecimento cientifico situa a obser- va<;;aoparticipante na discussao epistemol6gica e metodol6gica dentro das ciencias humanas e sociais. Desta forma, buscaremos situar a mesma no cenario da discussao contemporanea sobre estes dois temas, para depois aprofundarmos urn pouco mais so- bre as quest6es propriamente metodol6gicas e apresentar exem- plos da utiliza<;;aode anota<;;5esde campo em diversas pesquisas. A utiliza<;;ao de diario de campo nas pesquisas deve ser situada numa primeira discussao sobre 0 estatuto da realidade nas pesquisas das ciencias sociais, para as quais a observa<;;aoconsti- tui uma tecnica privilegiada de coleta de dados. A primeira vista, todas as ciencias se apropriam da obser- va<;;aode fenomenos para a constru<;;ao de seus conhecimentos. Mesmo nas ciencias naturais, que priorizam os metodos experi- mentais de controle de variaveis, a observa<;;aointegra 0 conjunto de tecnicas de coleta de dados disponiveis para 0 pesquisador registrar seus resultados. Entretanto, a controversia essencial e sobre 0 quanta po- demos considerar "naturais" os fenomenos que observamos nas ciencias humanas e sociais, tal qual 0 faz 0 observador nas cien- cias naturais. 0 campo das ciencias sociais, que tern no homem seu tema de estudo, apresenta-se como uma realidade completa- mente diversa do campo das ciencias naturais. Com efeito, ha quem defenda que os fenomenos sociais tambem podem ser considera- dos fenomenos naturais, mas a maior parte dos pesquisadores da atualidade considera os fenomenos humanos como parte da reali- dade hist6rica e cultural, ou seja, uma realidade construida dentro de urn determinado tempo e espa<;;oe submetida, portanto, a uma continua transforma<;;ao.Para Schutz (apud Minayo, 1993, p. 139): Rei uma diferenc;a essencial na estrutura dos objetos, dos pensamentos ou constructos mentais formados pelas ciencias sociais e pelas ciencias naturais. ( ...) 0 mundo da natureza tal como e explorado pelo cientista natural, nao "significa" nada para as moleculas, ,Homos e ele- trons que nele existem. 0 campo de observa<;aodo cien- tista social, entretanto, quer dizer, a realidade social, tern urn significado especifico e uma estrutura de relevancia para os seres humanos que vivem, agem e pensam dentro dessa realidade. El proprio concepto de dato tiene una profunda conno- tacion objetivista em sua definicion, pues se considera al dato como una entidad objetiva que representa al objeto estudiado, y cuya procedencia es empfrica. Los datos aparecen como teniendo un lenguaje proprio, que debe ser "respetado" por el investigador para garantizar el canicter objetivo de la investigacion (p. 108). Esse conceito/abordagem do dado pressup6e a correspon- dencia entre a constrw;;ao teorica e os fatos, entre a interpreta9ao e a realidade, 0 real, perspectiva que acompanha historicamente todas as formas de empirismo. 0 dado e tornado tambem nessa otica quando e considerado 0 resultado da aplica9ao de instru- mentos/tecnicas, sem a media9ao do pesquisador. A enfase nesse caniter objetivo dos dados, em contraposi9ao ao caniter subjetivo das ideias, chegou a restringir 0 uso da pro- pria observa9ao no campo de pesquisa em psicologia, mesmo quan- do 0 procedimento metodologico seguia todos os conselhos existentes sobre como realizar uma "observa9ao cientifica". Para o autor, Como tecnica de registro, 0 diario de campo e parte inte- grante da observa9ao participante, que constitui algo mais do que uma simples tecnica de coleta de dados. Para Fernando Rey (1999), que discute a epistemologia da pesquisa qualitativa em psicolo- gia, a representa9ao da pesquisa como trabalho de campo enfatiza a comunica9ao como processo que articula a pesquisa qualitativa em seus diferentes momentos, e a presen9a/participa9ao do pes- quisador dentro da institui9ao, comunidade ou grupo de pessoas que esta investigando, que the permite 0 acesso a fontes importan-tes de informa9ao "informal". o trabalho de campo diferencia-se de uma simples coleta de dados quando pressup6e a participa9ao do pesquisador no co- tidiano dos sujeitos estudados, possibilitando redes de comunica- 9ao e a observa9ao das mais variadas formas de expressao desses sujeitos, 0 que certamente e fonte excepcional para produ9ao de conhecimentos no ambito da psicologia. Trabalho de campo e aquele que permite 0 contato interativo do pesquisador-pesquisado em urn contexto relevante para 0 ulti- mo. Diferentemente da coleta de dados, 0 trabalho de campo re- presenta urn processo permanente de estabelecimento de rela96es e de constru9ao de conhecimento no proprio cenario em que estu- damos 0 fenomeno. E importante tambem assinalar que, em decorrencia desta visao da realidade, para as ciencias naturais 0 "dado" tern uma natureza completamente distinta do que para as ciencias sociais. Rey (1999) concorda que: la investigacion positivista, de marcada orientacion empi- rista, que domino el escenario de la investigacion psicolo- gica, desarollo una obsesion por el control de todo aquello que se pudiera considerar subjetivo em el desarollo de la investigacion (1999, p. 112). o trabalho de campo, portanto, e visto como essencial para o desenvolvimento da iniciativa e da bagagem intelectual do pes- quisador, na medida em que esse se ve obrigado/provocado a elaborar suas proprias ideias frente ao que esta acontecendo no cenario da pesquisa. A coleta de dados e 0 momenta de contato com a informa- 9ao, esta tera seu sentido/interpreta9ao atribufda so posteriormen- te, na etapa da interpreta9ao dos resultados. Na coleta de dados tradicional, 0 pesquisador tern urn papel totalmente passivo, que com frequencia se identifica com a aplicas;ao de instrumentos. Na maioria dos casos nao ha a minima possibilidade de registra- rem-se observas;6es imprevistas que podem ser relevantes para a qualificas;ao dos proprios instrumentos utilizados. Rey (1999) insiste que 0 pesquisador no trabalho de campo esta exposto permanentemente ao novo, com 0 qual tera que de- senvolver conceitos e explicas;6es que the deem sentido, processo fundamental para a construs;ao do conhecimento. 0 trabalho de campo revela-se totalmente congruente a nivel metodologico com os principais princfpios da epistemologia qualitativa. o autor acrescenta que 0 pesquisador nao deve refugiar-se nos dados para evitar as ideias, pois afirma que os dados nao sao substitutos das ideias e sim seus facilitadores. Lembra que a pes- quisa quantitativa do dado isolou-o da ideia com 0 objetivo de preservar uma suposta objetividade. Rey afirma tamMm que a analise e interpretas;ao de resul- tados e definida como urn processo nao definido pelos dados, mas como urn momenta de produs;ao teorica que os transcende e que nao necessariamente tern sua origem neles. A fonte das ideias nao se encontra somente nos dados, mas, fundamentalmente, no con- fronto entre 0 curso do pensamento, inspirado por multiplas vias. Confrontas;ao que desencadeia a produs;ao de novas ideias, cuja legitimidade so pode ser entendida dentro do processo de pensa- mento no qual foram geradas e nao por sua correspondencia com os dados produzidos no cenario onde apareceram. Maria Teresa A. Argilaga (In: Anguera et ali, 1995) agrega a essa discussao uma reflexao sobre os tipos de dados de campo: os que se coleta e os que se produz. Apesar de parecer uma dicotomizas;ao simplista, a autora considera que esse tipo de cate- gorizas;ao e logic a e real. Quando 0 pesquisador observa 0 com- portamento de outros ou 0 proprio, esta coletando dados, porem, quando se interpel a pessoas atraves de entrevista ou questionario se produzem dados novos que nao existiam anteriormente. Acres- centa que, no campo da metodologia qualitativa ha consenso em abordar/conceituar os dados/informas;6es como construidos no processo da pesquisa a partir de urn marco teorico ou metateo- rico existente, independentemente de que tenham sido coletados ou produzidos. o trabalho de campo, onde 0 pesquisador participa e inte- rage com a cultura, a linguagem e com os sujeitos de sua pesqui- sa, revela-se urn meio eficaz de contemplar a multiplicidade de aspectos da realidade social, as contradis;6es, a polifonia das vo- zes e das linguagens, permitindo maior apreensao da realidade social tal qual ela se apresenta. Considerar esta discussao sobre a subjetividade/objetivida- de das informas;6es nos imp6e a necessidade de refletirmos sobre as formas de melhor apreender as transformas;6es que se proces- sam na cultura e no nivel cotidiano da vida, que revelam tanto os aspectos de reprodus;ao da vida social e da conservas;ao dos cos- tumes, valores e crens;as dos grupos sociais, quanta os aspectos inovadores, criativos, que empurram os grupos para a sua trans- formas;ao. Neste senti do, pensamos que certos fenomenos darealidade nao podem ser apreendidos por formas de coleta de dados alta- mente estruturados, como questionarios, que so alcans;ariam des- crever seus aspectos menos complexos. o relacionarnento pesquisador/pesquisado: urn encontro de subjetividades Nadia D. Ribeiro (1998), em artigo em que faz reflex6es sobre pesquisa de campo e observas;ao participante na psicologia, contribui para enriquecer a discussao que tern sido feita ate 0 momento neste trabalho acerca do registro de dados, e a posis;ao do pesquisador eo tipo de relacionamento frente a seus sujeitos de pesqUlsa. Urn mergulho total do pesquisador na cultura pesquisada, como advogava Malinowski? Tornar-se urn "nativo", urn "seme- lhante"? Isso e possivel? Familiarizar-se com 0 ambiente, mas manter urn nivel de estranhamento permanente? Que posic;ao to- mar quando as pesquisas atuais, diferentemente das realizadas pelos precursores dessa abordagem referem-se, ocorrem no pro- prio contexto em que vive 0 pesquisador? Os profissionais envolvidos com seus projetos de pesquisa, ao tomar como tema de estudo outros segmentos socioeconomi- cos, cujas pniticas e cotidianos geralmente so conhecem superfi- cialmente, necessariamente entram no campo de investigac;ao com muito mais estranhamento do que familiaridade. A relac;ao que se estabelece, entao, entre 0 pesquisador e/ou equipe de pesquisa e os atores sociais envolvidos no trabalho parte de pIanos desiguais. Segundo Minayo (1996, p. 62), "0 objetivo prioritario do pes qui- sador nao e ser considerado urn igual, mas ser aceito na conviven- cia." Para isto, 0 diario de campo se apresenta como uma estrategia de registro dos dados, onde 0 pesquisador coloca suas percep- c;6es, angustias, questionamentos e informac;6es, tornando-se urn "amigo silencioso" que nao pode ser subestimado quanto a sua importancia" (Minayo, 1996, p. 63). Roberto Da Matta, antropologo frequentemente citado por Nadia Ribeiro, tern uma consideravel e respeitada produc;ao sobre a questao. Observa que nunca podemos nos transformar, enquan- to pesquisadores, em urn "nativo". Sobre a proposta de Malinowski, diz: "Na verdade, entra-se em uma cultura, mas ao mesmo tempo se sai dela (...) Somos nos mesmos, membros de nossa propria sociedade, visitantes em uma terra estranha" (1978, p. 302, apud Ribeiro 1998). Acrescenta Da Matta que as atividades que inte- gram 0 metoda da observac;ao participativa, momentos de refle- xao, teoricos ou praticos, registrados ou nao no diario de campo, implicam, necessariamente, mesmo que 0 pesquisador more na comunidade estudada, urn distanciamento. E urn instante de saida, uma "saida" simMlica. Ribeiro (1998) continua argumentando nessa direc;ao.Alerta quando nossa propria sociedade esta emjogo, quando a pesquisa pretende apreender, mesmo que provisoriamente, 0 momento, 0 contemporaneo, onde mais ainda 0 pesquisador deve estranhar 0 que e familiar, colocando-se, em relac;ao ao que ira pesquisar, num meta-ponto de vista. Considera, entretanto, que algo dessa distan- cia deve ser ultrapassada: e preciso que 0 contato entre pesquisador e seu objeto de estudo se de, pois esta e condi~ao preliminar para 0 exitodo trabalho de campo (oo.) Este contato nao poderia ser isento de conflitos, afinal, os objetivos de cada uma das partes envolvidas nao costumam ser os mesmos (p. 91) Essa relac;ao da subjetividade do pesquisador, com as emo- c;6esque ai estao implicitas, com a subjetividade dos seus sujeitos de pesquisa tern func;ao especial para Da Matta, pois alem das consequencias benefic as para a realizac;ao das metas de pesquisa, pode acrescer valor, enriquece-lo existencialmente e profissional- mente. 0 trabalho de campo e comparado por ele com urn "rito de passagem": o trabalho de campo, como os ritos de passagem, implica pois na possibilidade de redescobrir novas form as de rela- cionamento social por meio de uma socializa~ao contro- lada (1993, p. 152, apud Ribeiro 1998). Lidio Souza (in Menandro, 1999) publica pesquisa realiza- da por ele sobre urn linchamento abordado por urn estudo de caso. Interessa, para este trabalho, 0 fato do pesquisador ter se proposto urn tipo de enfoque que exigia aproximac;ao com a comunidade e 0 registro do cotidiano dos envolvidos no acontecimento, necessida- de, portanto, como ele proprio comenta, "de romper urn certo distanciamento que geralmente ocorre nas pesquisas entre pesqui- sadores, fenomeno estudado e sujeitos" (p. 91). Durante a coleta de informa<;oes, esbarrou na desconfian<;a da comunidade em rela<;ao aos seus objetivos com a referida pes- quisa. Os envolvidos estavam mais propensos a silenciar sobre 0 fato do que falar sobre ele. 0 que determinou mudan<;as consi- deniveis nos objetivos e metodos de pesquisa. Essa acabou se direcionando para entrevistas com pessoas da comunidade que aceitaram falar sobre a criminalidade e violencia da cidade, afas- tando-se, portanto, 0 pesquisador, tanto do objetivo/problematica anterior quanto dos sujeitos/grupo alvo da pesquisa. Chama aten<;ao a seguinte observa<;ao do autor: como parte dessas notas, 0 investigador registrani ideias, estrategias, reflexoes e palpites, bem como os padroes que emergem. Isto sac as notas de campo: 0 relato escrito da- quilo que 0 investigador ouve, ve, experiencia e pensa no decurso da recolha, refletindo sobre os dados de urn estu- do qualitativo (p. 150). Ele ou ela dao uma descri<;:aodas pessoas, objetos, luga- res, acontecimentos, atividades e conversas. Em adi<;:aoe, Atribuem as notas de campo de qualidade - detalhadas, precisas e extensivas - 0 exito das pesquisas com desenho qua- litativo, principalmente quando estas utilizam a observa<;ao parti- cipativa. Nesse ultimo caso os autores consideram todos os dados envolvidos no projeto como notas de campo. Isto inclui as pr6- prias "( ...) notas de campo assim como as transcri<;oes de entre- vistas, documentos oficiais, estatisticas oficiais, imagens e outros materiais" (p. 150). Os autores concordam com Argilaga (1995), ja referida anteriormente, identificando dois tipos de conteudos nas notas de campo: urn de carMer descritivo, cujo objetivo e captar uma ima- gem do local, pessoas, a<;6es e conversas observadas e 0 outro marcantemente reflexivo, que inclui 0 ponto de vista, as ideias e preocupa<;6es do pesquisador. Consideram que a parte descritiva das notas de campo e geralmente mais extensa e nela 0 pesquisador exercita ao maximo sua capacidade de escrita, sua mem6ria, energia e esfor<;o.0 pes- quisador deve resistir, nesse momento, a tenta<;ao de resumir ou avaliar. E fundamental que seja 0 mais descritivo possivel. Os aspectos descritivos das notas de campo englobam os retratos dos sujeitos, a reconstru<;ao do dialogo, a descri<;ao do espa<;ofisico, 0 relata de acontecimentos particulares, a descri<;ao de atividades e 0 pr6prio comportamento do pesquisador. 0 regis- tro cuidadoso do comportamento do pesquisador, com a descri<;ao sobre 0 modo de vestir, a<;6ese conversas com os sujeitos pode ajudar a entender 0 impacto que tais aspectos podem produzir. Para cada urn desses itens os autores fornecem "dicas" uteis e interessantes. Apesar do objetivo de aprender 0 cotidiano da cidade onde o linchamento ocorreu, considero que nao houve integra- <;:aoa comunidade, como poderia ser considerado deseja- vel. Nao hOllve, pO/tanto, a "inser<;:aototal" do pesquisador, preservando-se, por varias razoes, urn certo distanciamento. Nesse caso, eu fui urn elemento externo e "estranho" a comunidade, nela permanecendo apenas durante 0 tempo necessario e sllficiente para a coleta de dados (p. 97). Souza informa que, no entanto, foram estabelecidos vfncu- 10s facilitadores com alguns moradores que viabilizaram 0 novo design metodol6gico da pesquisa. Esse depoimento refor<;a a importancia do tipo de inser<;ao de relacionamento do pesquisador/observador com os sujeitos de pesquisa e seu contexte (0 campo) para a realiza<;ao da pesquisa e para 0 pr6prio registro das notas de campo. Bogdan e Bilken (1994) ofere cern uma defini<;ao de notas de campo, terminologia que preferem a diario de campo. Depois de cada observa<;ao ou outro metodo de campo, 0 pesquisador deve escrever 0 acontecimento: A enfase e na especula<;ao, sentimentos, problemas, ideias, palpites, impressoes e preconceitos. Tambem se inclui 0 material em que voce faz pIanos para a investiga<;ao fu- tura bem como classifica<;oes e corre<;oes dos erros e incompreensoes das suas notas de campo (oo.) 0 objetivo da reflexao nao e de fazer terapia (p. 165). tifica entre os recursos de informatica a introdU<;;aode "comen- tarios" que expressam ideias, lembran<;as ou frases do autor, com a fun<;ao de esclarecer e/ou lembrar 0 autor ou outros autores de certos aspectos do texto, principalmente em trabalhos colabo- rativos. E importante que 0 proprio pesquisador/observador fa<;a os registros, pois esses devem fluir e devem representar seu esti- 10 narrativo. Para disciplinar a memoria Bogdan e Bilken (1994) dao algumas pistas que incluem desde 0 nao adiamento das anota<;6es, o conselho para nao falar da observa<;ao antes de escreve-la e ate dieas sobre 0 local e 0 tempo ideal, aMm de outras recomenda<;6es preciosas para quem vai enveredar por esses caminhos metodo- logicos. Encontra-se na literatura especializada outros autores que tern 0 mesmo entendimento sobre as notas de campo. Pourtois e Desmet (1992) e Merrian (1998) concordam nas recomenda<;6es e apontam a importancia desta tecnica, pois as anota<;6es que constituem 0 diario de campo podem revelar fraquezas, inconsis- tencias, equivocos, assim como a riqueza e os aspectos positivos do metodo e da perspectiva te6rica/epistemologica adotada pelo pesquisador. o aspecto mais subjetivo do registro encontra-se na parte reflexiva das notas de campo. Segundo os autores: Esse momenta mais subjetivo das anota<;6es inclui refle- x6es sobre a analise, sobre 0 metoda, conflitos e dilemas eticos, reflex6es sobre pontos de vista do observador antes de entrar no campo e 0 que denominam pontos de clarifica<;ao, onde se corrige erros de informa<;ao que foram registrados em outras etapas da pesquisa. Aqui tamMm, Bogdan e Bilken apresentam uma farta rela- <;aode sugest6es que abarcam todos os referidos itens. A parte reflexiva tern uma fun<;ao extra para os autores, frente as critic as muitas vezes feitas as influencias "nefastas" e nem sempre visibilizadas dos aspectos subjetivos desse tipo de abordagem metodologica. Podem constituir uma forma de tentar dar conta e de controlar esse efeito. Insistem, entretanto, que toda a pesquisa, todo 0 comportamento humano e urn processo subjeti- vo e que tal condi<;ao nao impossibilita a produ<;ao cientifica. Muitas vezes 0 pesquisador, principalmente quando e iniciante no uso da tecnica, pensa ser impossivel registrar 0 que Ihe demanda a observa<;ao. Nesse caso, os autores aconselham a nao desistir. A disciplina e a capacidade de registro aumentam e se qualificam com seu proprio exercicio. Alguns ate se torn am, posteriormente, dependentes da observa<;ao e do registro/notas de campo. E dao uma "dica": 0 uso do computador, sempre que possive!. Esta tecnologia facilita 0 registro, alem de, num outro momento,ser urn otimo "ajudante" da pesquisa, quando os dados deverao se categorizados e analisados. Mattar Neto (2002) iden- Para ilustrar 0 diario de campo como urn dos instrumentos de pesquisa trazemos a pesquisa de Creuzberg (2000) cujo tema e: Vivencias de famflias de classe popular cuidadoras de pessoa idosa fragilizada: subsfdios para 0 cuidado de enfermagem do- miciliar. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo que tern como objetivos desvelar as vivencias de familias de classe popu- lar no cuidado a familiares idosos fragilizados, no domicilio, bem como obter subsidios para a sistematiza<;ao do cuidado de enfer- magem a essas familias. A utilizac;ao do diario de campo teve como objetivo ofere- cer subsidios para a compreensao e interpretac;ao dos dados. No diario de campo, foram registradas as notas de campo, que cons- tam das notas reais do campo, com detalhes da observac;ao; notas te6ricas, que sao as percepc;oes iniciais ou preliminares a compre- ensao e auxiliam no aprofundamento do conhecimento; as notas metodol6gicas, com analises do conteudo das notas de campo e reflexoes sobre a observac;ao; e as notas da pesquisadora que incluem registros dos sentimentos e reac;oes da pesquisadora. Al- gumas notas descritivas do diario de campo desta pesquisa: encontrasse com seu paciente(crianc;a) e buscasse conhe- cer sua historia atraves do prontwirio. Tambem foi pro- posta que cada aluna trabalhasse com a mae/pai uma tecnica de colagem onde eles expressariam como gosta- riam de ser cuidados. Percebi que as dias de afastamento dos pacientes e familiares nao possibilitaram a realizac;ao desta tarefa. Isto aconteceu naturalmente ou seja, as horas se passaram e a atividade nao aconteceu... Combinamos que a colagem sera feita amanhi'i."(18.11.1996). Outros pesquisadores preferem anotar separadamente as quest6es referentes aos sujeitos e ambiente de pesquisa e os co- mentarios pessoais, que expressam preocupac;6es ou sentimentos do pesquisador no campo. Esta escolha e percebida na Disser- tac;ao de Mestrado de Fernanda Amador (1999): Violencia PoU- cial: verso e reverso do sofrimento, que utilizou 0 diano de campo, entre outras tecnicas para estudar 0 cotidiano de trabalho de po- liciais militares, como no recorte seguinte, que encontra-se no anexo 8 do trabalho: Logo e possivel perceber a precariedade. A casa, inacaba- da - apenas urn revestimento basico, sem pintura. 0 chao, de cimento. As janelas feitas com tabuas. Nao ha vidra- c;as.Ao entrar logo vi 0 gato, 0 papagaio (02.1.4). Cheguei a casa. Como era urn dia de sol, novamente tudo parecia melhor do que no inicio. Tambem a casa estava mais limpa. Na frente da porta da cozinha, uma tabua impedia a entrada das galinhas e cachorro (08.1.88). Ficamos conversando na porta. A casa so tern duas pec;as, achei que eu nem poderia ficar em pe dentro! Ha muita coisa dentro daquelas duas pequenas pec;as.Arrumado a sua maneira. So percebi a estante na cozinha, uma mesa, o fogao. No quarto, uma cama larga, de casal, preenche praticamente todo 0 espac;o(01.4.3). COMENTARIOS EINTERPRETA<;OES DOS POLICIAIS COMENTARIOS E INTERPRETA<;OES DA PESQUISADORA Urn outro exemplo de notas de campo na pratica pedag6gi- ca do Curso de Enfermagem da PUCRS mostra outro estilo narra- tivo, mesclando a parte descritiva e a parte reflexiva das notas: 2) 0 trabalho dos po- liciais funciona como uma irmandade. Segunda feira pos-feriadao ... Percebi as alunas desvin- culadas dos pacientes e das tarefas. Poucas trouxeram os materiais solicitados para a colagem. Parece-me que as barreiras novamente se instalaram. Iniciamos 0 dia fa- zendo urn breve comentario sobre 0 final de semana. Optamos em trabalhar alguns textos teoricos ja no inicio da manha. A seguir, a proposta era que cada aluna se re- 2) 0 forte espfrito de grupo, neces- sario para que protejam-se e reali- zem seu trabalho, tambem pode ser o que coloca os policiais na imi- nencia da ac;aoviolenta. Parece necessario se estabelecer uma relac;ao de confianc;a entre os policiais para poderem fazer seu trabalho. E como se delegassem ao companheiro de trabalho a certeza de que nao sera atingido e que saini ileso dos confrontos. 0 colega pa- rece funcionar como retaguarda importante para realizarem os pro- cedimentos de trabalho. Entretanto, nao poderiam fortalecer, as avessas, os procedimentos de a9ao violenta? A confian9a que se estabelece no grupo, nao favoreceria 0 uso inde- vido da for9a? De que confian9a se trata? A pesquisadora informa no seu relatorio que os comentari- os dos policiais nao esHioregistrados literalmente, pois 0 trabalho de campo foi realizado sem uso de gravador. Pode-se observar, concordando com os autores citados, que, em qualquer caso, os comentarios abrangem os tipos de notas re- feridos, e que as anota90es sobre os sentimentos e 0 curso do pen- samento do pesquisador sao importantes instrumentos tanto para a interpreta9aO das observa90es, como para a eiabora9aO teorica que norteia a compreensao do contexto da pesquisa. Na area da saude, 0 diario de campo tern sido importante aliado na compreensao de problemas cuja relevancia esta na qua- lidade dos processos de cuidado, na atribui9ao de sentido aos sin- tomas e a complexa articula9aO entre fatores emocionais e biologicos na determina9ao dos processos de saude e doen9as. Alguns exemplos podem mostrar a utilizas;ao do diario de campo nas pesquisas qualitativas em saude, sempre acompanhando a tec- nica de observas;ao participante para a coleta de dados. Santos Junior, Silveira e Oliveira (2009) utilizaram 0 diario de campo para desvendar 0 cotidiano das residencias terapeuticas em saude mental, buscando compreender as principais dificuldades encon- tradas nas praticas de cuidado e como elas sao enfrentadas no dia a dia dos moradores e cuidadores. Santos e Vieira (2008) utiliza- ram a estrategia de observas;ao participante acompanhada do dia- rio de campo para analisar a potencialidade de uma intervens;ao grupal junto a medicos residentes na Estrategia de Saude da Fa- mflia para sensibilizas;ao dos profissionais para as questoes sexu- ais que envolvem as orientas;oes sobre contraceps;ao. Coerentes com a estrategia das investiga90es qualitativas, os autores busca- ram desvendar os principais mitos, realidades e desafios sobre a sexualidade que se apresentavam a pr<itica medica convencional de residentes que tinham entre suas tarefas aconselhar usuarios dos servi90s de saude sobre metodos contraceptivos. 3) Para se realizar a tarefa policial, e pre- ciso preparo para en- frentar. 3) A que tipo de preparo 0 policial se refere? Acompanhando 0 trabalho no co- tidiano, percebe-se que ha uma nftida distancia entre 0 trabalho prescrito e 0 trabalho real. A rigo- rosa prescriS;ao para os comporta- mentos e ate para os sentimentos que provem dos documentos e do treinamento e que SaG exigidas nas rela90es hierarquicas, nao con segue ser seguida fielmente. A mobiliza9aO subjetiva durante 0 exercfcio do trabalho e bem mais forte do que a observancia as pres- cri90es previas. E impossivel 0 su- jeito policial nao se desestabilizar ante as tarefas que implicam extre- ma violencia e agressividade. Qual e 0 pre90 psiquico do auto- controle permanente do policial? ANGUERA, M. et al. Metodos de Investigacf6n en Psicolog£a. Madrid: Sfntesis, 1995. CREUTZBERG, Marion. Vivencias de famflias de classe popular cuidado- ras de pessoa idosa fragilizada: subs£dios para 0 cuidado de enfermagem domiciliar. Dissertac;:aode Mestrado UFRGS. Porto Alegre, 2000, 194 p. COOLIGAN, Hugh. Metodos de Investigaci6n y Estat£sitca en Psicologia. Mexico: Editorial el Manual Moderno SA, 1997. FREITA, G. Barbara. Diario De Uma Alfabetizadora. 2" ed. Sao Paulo: Papirus, 1994. MATTAR NETO, Joao Augusto. Metodologia cientifica na era da informatica. Sao Paulo: Saraiva, 2002. Assim, conclufmos que a utilizac;ao de diario de campo faz parte da tradic;ao das pesquisas qualitativas nas ciencias sociais e da saude, onde a observac;ao participante e utilizada como tecnicade trabalho de campo, entre outras, por sua maior possibilidade de apreensao da complexidade dos fenomenos envolvidos na pes- quisa, e por revelar aspectos importantes para 0 conhecimento da realidade que so a interac;ao social com os sujeitos pesquisados permite obter. Podemos apontar neste trabalho 0 papel fundamental que 0 diario de campo assume quando 0 pesquisador nao so se propoe como objetivo registrar os "dados", informac;oes que 0 campo lhe permite observar, como tambem integrar a esses registros seu curso de pensamento, as ideias que vao surgindo no decorrer da observac;ao e do proprio registro. Entendemos que, nessa otica, as teorias produzem as questoes que os pesquisadores levam para 0 campo, mas certamente os elementos encontrados no campo per- mitem que as teorias sejam constantemente revisadas. A perspectiva que norteia nosso trabalho nos permite con- cordar com Fernando Rey (1999) em relac;ao ao debate objetivi- dade/subjetividade que atravessa ainda hoje 0 campo dos estudos epistemologicos. A "objetividade" da ciencia consiste menos em regras e procedimentos estabelecidos e mais na natureza auto- corretiva do processo cientffico, resultado desse trabalho de ela- borac;ao intelectual do pesquisador, que deve, necessariamente, ter abertura para novas ideias e perspectivas, frente a "dados" presentes no seu campo de pesquisa. MENANDRO, P. R. M.; TRINDADE, Z. A.; BORLOTI, E. B.(Org). Pesquisa em Psicologia: Recriando Metodos. Vit6ria: PROIN-CAPES, 1999. MINAYO, Maria Cecilia de Souza (arg.). Pesquisa Social: Teoria, metodo e criatividade. 6" ed. 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