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São João Crisóstomo - Homilias sobre a Natividade do Senhor http://precedejesus1.blogspot.com/ Tradução: Tito Kehl http://precedejesus1.blogspot.com/ São João Crisóstomo Primeira Homilia: Introdução ao Evangelho de São Mateus 1. Não precisaríamos, Irmãos, necessitar do auxílio das Escrituras, se nossa vida fosse pura o suficiente: então a graça do Espírito Santo tomaria o lugar de todos os livros. Tudo o que se escreve com tinta sobre papel, o próprio Espírito imprimiria em nossos corações. Mas como decaímos desse benefício, devemos no mínimo nos agarrar à prancha de salvação que nos resta. Aquele primeiro modo de comunicação com Deus valia mais; o próprio Deus no-lo demonstrou por seus atos, não menos do que por suas palavras. Ele falou a Noé, a Abrahão e a seus descendentes, a Jó e Moisés, não por caracteres e letras, mais de modo imediato, por si mesmo; porque a pureza de coração que encontrou neles os tornara suscetíveis dessa graça. Mas o povo judeu caiu depois no abismo de todos os vícios, e então foi necessário que Deus se servisse de palavras e de tábuas, e que ele tratasse com esse povo por meio da escrita. Deus manteve no Novo Testamento a mesma conduta que adotara no Antigo, e fez com os apóstolos da mesma maneira como fez com os patriarcas. Porque Jesus Cristo não deixou nada por escrito aos seus apóstolos, mas lhes prometeu, ao invés de livros, a graça de seu Espírito Santo: “Ele vos fará recordar de todas as coisas[1]”, disse Ele. Para entender o benefício dessa instrução interior em ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn1 relação à outra, basta escutar o que Deus disse por intermédio de seu Profeta: “Eu farei um novo Testamento, e escreverei minha lei em suas almas, e a gravarei em seus corações; e assim eles serão todos discípulos de Deus[2]”. São Paulo, sublinhando também a excelência dessa lei do Espírito Santo, disse: “De fato, é evidente que sois uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento; carta escrita, não com tinta, mas nas tábuas de carne de vossos corações[3]”. Mas como, com o passar do tempo, os homens infelizmente de desviaram do caminho reto, uns pela depravação de sua doutrina, outros pela corrupção de suas vidas e de seus costumes, tivemos mais uma vez a necessidade de que Deus nos desse por escrito suas instruções e seus preceitos. Quão culpados somos! Nossa vida deveria ser de tal modo pura, que sem necessidade de livros nossos corações fossem expostos ao Espírito Santo, como tábuas vivas nas quais fosse escrito tudo o que ele quisesse que aprendêssemos; mas, depois de havermos perdido tão grande honra, e de termos necessidade de que Deus nos desse suas instruções por escrito, sequer nos servimos desse segundo remédio que Ele nos concedeu para a cura de nossas almas! Se já constituiu uma falta termos tornado necessária a Escritura, e de termos deixado de atrair para nós e por nós mesmos a graça do Espírito Santo, que crime não consiste então sequer utilizarmos desse novo auxílio para avançarmos na piedade, em desprezarmos esses escritos divinos, como se fossem coisas vás e inúteis, e em nos expormos a uma condenação ainda maior por causa dessa negligência e desse desdém? Para evitar tal infelicidade, leiamos com cuidado a Escritura, e aprendamos de que modo nos foram dadas, tanto a antiga, como a nova lei. Vocês abem de que maneira e em que tempo e lugar Deus publicou a antiga lei. Lembram-se de que foi após a ruína dos Egípcios, no deserto, sobre a montanha do Sinai, no meio do fogo e da fumaça que se erguiam dessa montanha, ao som da trombeta, em meio ao brilho dos relâmpagos, ao som do trovão, e depois que Moisés penetrou na escuridão da nuvem. A nova lei não foi promulgada desse modo. Não foi nem no deserto, nem sobre uma montanha, nem no meio da fumaça e da escuridão, em entre as nuvens e as tempestades; mas ela foi dada nas primeiras horas do dia; os discípulos estavam sentados; tudo se passou na tranquilidade e na calma. Os judeus, cuja inteligência era limitada e as paixões desenfreadas, tinham necessidade de um aparato que atingisse os sentidos, de um deserto, de uma montanha, da fumaça, do ruído das trombetas, de todo esse aparato exterior; mas os discípulos, que tinham uma alma mais sublime e mais dócil, e que já se haviam elevado acima das impressões do corpo, não tinham necessidade de todas aquelas coisas. Assim, se o Espírito Santo desceu então com um grande ruído, não foi para os apóstolos que se produziu esse sinal exterior, mas para os judeus, do mesmo como que as línguas de fogo que apareceram concomitantemente. Pois, se mesmo depois de tudo isso, eles ainda ousaram dizer que os apóstolos estavam embriagados, quanto mais não diriam, se não tivessem visto essas maravilhas? No Antigo testamento, Deus desceu sobre a montanha depois que Moisés subiu nela; mas no Novo Testamento, o Espírito Santo desceu do céu depois que nossa natureza foi elevada até ele como sobre o trono de sua grandeza real. E isso já nos faz ver que o Espírito Santo não é menor do que o Pai, porque a nova lei que ele deu se elevou acima da antiga. Pois as tábuas da segunda aliança são, sem comparação, superiores às da primeira, e sua virtude muito mais nobre e excelente. Os apóstolos não desceram de uma montanha, como Moisés, trazendo tábuas de pedra em suas mãos; eles desceram do Cenáculo de Jerusalém, trazendo o Espírito Santo em seus corações. Eles abrigavam em si um tesouro de ciência, fontes de graças e de dons espirituais que distribuíram por todos os lados; eles saíram a pregar por toda a terra, tornando-se como uma lei viva e como livros espirituais animados pela graça do Espírito Santo. Foi assim que eles começaram por converter a três mil pessoas, e em seguida a cinco mil. E assim eles chegaram a converter todos os povos, e assim Deus se serviu de suas línguas para ele próprio falar aos habitantes da terra. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn2 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn3 2. Foi sob a inspiração desse mesmo Espírito, do qual estava cheio, que São Mateus escreveu todo seu Evangelho. Trata-se daquele Mateus que era publicano, e eu não enrubesço de confessar o que ele era, nem o que haviam sido os demais apóstolos, antes de serem chamados por Cristo. São essas coisas que destacam ainda mais a graça do Espírito Santo neles, e a excelência de sua virtude. Ele chamou seu livro de “Evangelho”, ou seja, a “boa nova”. Pois ele anunciava a todos, aos maus, aos ímpios, aos inimigos de Deus e aos cegos que se assentavam nas trevas e nas sombras da morte, a libertação das penas, o perdão dos pecados, a justiça, a santificação, a redenção, a adoção dos filhos em Deus, a herança de seu reino e a glória de se tornarem irmãos de seu Filho único. Poderia haver algo de maior do que essas “novas” que ele apresentava? Um Deus sobre a terra e o homem no céu; um acordo admirável restabelecido em toda a hierarquia dos seres; os anjos cantando com os homens, os homens se associando aos anjos, com as virtudes mais sublimes desses espíritos celestes. Que espetáculo poderia haver maior e mais divino do que ver uma guerra, tão antiga quanto o mundo, cessar de um só golpe; Deus, reconciliado com os homens; o diabo, confundido; os demônios, em fuga; o paraíso aberto e a maldição destruída; o pecado banido, o erro sufocado e a verdade restabelecida; a palavra divina frutificando por toda parte; a vida do céu introduzida na terra; os anjos descendo a toda hora aqui em baixo; as potênciase as virtudes familiarizadas com os homens, e a posse desses bens presentes assegurada a nós pela esperança dos bens futuros? Foi assim com grande razão que foi dado o nome de “Evangelho” a essa história sagrada. Todos os outros escritos que não prometem mais do que a abundância de riquezas, a grandeza do poder, o principado, a glória, as honras, e tudo o mais que os homens creem ser bens, não passavam de vaidade e ilusão. Mas aquilo que os pescadores nos anunciaram foi com razão chamado de “Evangelho”, a “boa nova”, não apenas porque eles nos prometiam bens estáveis, imutáveis e que estão muito acima de nós, mas ainda porque era possível desfrutá-los sem nenhum esforço. Pois não era nem por nossos trabalhos, nem por nossas penas, nem por nossas dores e nossas aflições que poderíamos adquirir esses bens. O simples amor de Deus por nós realizou tudo, e somente dele receberíamos essas graças. Mas por que, dos doze apóstolos que seguiam a Jesus Cristo, não houve mais do que dois, João e Mateus, que escreveram o Evangelho, juntamente com dois discípulos, Marcos, de São Pedro e Lucas, discípulo de São Paulo? É porque esses homens, esquecidos da vanglória, não consultavam, para agir, senão a simples utilidade. Mas nesse caso, dirão, não bastaria um único evangelista para dizer tudo? É verdade, mas quando vemos quatro pessoas escrevendo cada qual seu evangelho em tempos e lugares diferentes, sem se reunir ou conferir em conjunto, e não obstante falar como se tivessem uma só boca, essa união de sentimentos e de palavras é uma poderosa prova da verdade. Mas – dir-se-á – poderíamos aí ver o contrário, uma vez que existem diferenças em muitas coisas. E eu respondo que essas diferenças são precisamente a prova mais forte da veracidade dos evangelistas Pois eles se eles estivessem tão em conformidade uns com os outros e se concordassem até nas menores circunstâncias de tempo e lugar, e até nas expressões empregadas, ouviríamos os inimigos da Igreja dizer que eles foram escritos concertadamente, e que uma conformidade tão exata não poderia ser senão fruto de um entendimento prévio e de um arranjo inteiramente humano. Mas essas pequenas diferenças que se encontram entre os evangelistas os isentam visivelmente dessa suspeita, e justificam a sinceridade de sua conduta. Se eventualmente eles falaram diferentemente de lugares ou tempos, essa diversidade não prejudica em nada as verdades anunciadas, como esperamos, com a ajuda de Deus, demonstrar a seguir. Mas rogamos a vocês que notem, no que diz respeito às verdades capitais encerradas na vida da alma e à essência da predicação evangélica, que jamais encontraremos a menor oposição entre os evangelhos. Todos dizem que Deus se fez homem, e que realizou grandes milagres; que foi crucificado e sepultado; que ressuscitou e subiu aos céus; que virá um dia para julgar o mundo; que estabeleceu uma lei santíssima, que em nada contrariou a primeira; que ele era o Filho único de Deus, consubstancial a seu Pai, e outras coisas semelhantes, sobre as quais os evangelistas concordam perfeitamente. Não devemos nos espantar que eles não tenham relatado as mesmas circunstâncias relativas a alguns milagres, ou se encontramos alguns milagres em uns e outros em outros. Se apenas um evangelista houvesse dito tudo, não precisaria haver mais do que um; e se todos dissessem coisas novas e diferentes, não haveria meio de fazê-los concordar uns com os outros. É por isso que eles dizem coisas que são comuns a todos, a fim de que fosse preciso que houvesse muitos, e a fim de que cada qual pudesse trazer seu próprio testemunho da verdade a respeito dos mesmos fatos. 3. Essa foi a razão que levou São Lucas a escrever seu evangelho, conforme ele disse: “a fim de que vocês sejam persuadidos da verdade das coisas que lhes ensinamos”, ou seja, a fim de que, vendo tantas pessoas confirmar as mesmas coisas, não possam duvidar delas, e possam ficar perfeitamente assegurados. Quanto a São João, embora ele não esclareça a causa que o levou a escrever seu evangelho, aprendemos a partir da tradição de nossos pais que também ele teve uma razão para tanto. Como os três outros tinham como objetivo principal descrever Jesus Cristo como homem, tendo primeiramente se detido sobre sua humanidade, e temendo que passasse em silêncio a parte referente à sua divindade, ele resolveu, por um movimento particular de Jesus Cristo, compor seu evangelho com essa finalidade, como é fácil de ver, tanto pelo conjunto da sua obra, como por suas primeiras palavras. Pois ele não começa como os outros, pelo nascimento temporal; ele desde logo se eleva àquela geração divina e eterna, que primeiro o levou a escrever, e que corresponde à sua proposta ao escrever o Evangelho. Por isso ele fala, não apenas no começo, mas ao longo de todo o seu livro, de uma maneira maior e de mais relevo do que os outros. Quanto a São Mateus, diz-se que ele escreveu a pedido dos judeus que haviam se convertido à fé; esses lhe pediram para deixar por escrito os preceitos que ele lhes havia dado de viva voz, e ele se rendeu aos seus clamores, escrevendo em hebraico seu evangelho. Também São Marcos escreveu o seu no Egito para satisfazer aos apelos de seus discípulos. Escrevendo para os judeus, São Mateus não teve dificuldade em demonstrar que Jesus Cristo descendia da raça de Abrahão e de Davi. Mas São Lucas, que se dirige de um modo geral a todos os homens, foi além, e fez remontar essa geração até Adão. São Mateus começa seu evangelho pela genealogia de Jesus Cristo, porque nada poderia ser mais agradável aos judeus do que lhes dizer que jesus Cristo descendia de Abrahão e de Davi; mas São Lucas antes reporta outras coisas, para só então descer à genealogia de Jesus Cristo[4]. Demonstraremos, portanto, a união e a conformidade desses historiadores sagrados pelo consentimento de toda a terra que recebeu como verdade o que eles escreveram, e também pelo testemunho dos próprios inimigos da verdade. Pois depois deles levantaram-se numerosas heresias, que publicaram dogmas contrários ao Evangelho; algumas receberam de um modo geral tudo o que os evangelistas escreveram, enquanto outros, cortando o que lhes desgostava, seguiram um evangelho mutilado. Se fosse encontrada qualquer contradição no Evangelho, os heréticos que ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn4 pregavam coisas contrárias o fizeram por não tê-lo recebido inteiro, mas apenas as partes que lhes fossem favoráveis; e os que não receberam senão partes, não poderiam ser refutados por meio das partes não recebidas; tendo sido refutados, foi porque tudo está ligado no Evangelho, e a menor parte mostra uma relação que a liga ao todo. Quando cortamos uma parte de um homem, por pequena que seja, encontramos aí a carne, os ossos, os nervos, as artérias, as veias e o sangue, e podemos julgar, por essa pequena parte, tudo aquilo que encerra nosso corpo. O mesmo acontece com a Escritura. Cada palavra contém todo o seu espírito, e possui uma ligação inseparável com todo o resto. Se os evangelistas fossem contrários entre si, o Evangelho jamais poderia ter sido recebido; ele teria se autodestruído, segundo o oráculo: “Todo reino dividido será destruído[5]”. Mas o que hoje em dia faz ressaltar a força do Espírito Santo é persuadir assim aos homens de se ligarem com firmeza aos pontos capitais, e às máximas fundamentais do Evangelho, sem se preocupar com as pequenas diferenças que existem nele. 4. É inútil buscar o lugar no qual cada evangelista escreveu; eu prefiro me dedicar a mostrar nessa predicação que eles não combateram uns aos outros; quando os acusamos por causa dessas pequenas contradições aparentes, parece que pretendemos impor uma lei severa que os obrigasse a se servir sempre das mesmas palavras e das mesmas expressões. Eu poderiamencionar aqui muitos escritores, muito seguros de sua eloquência e de seu saber, que compuseram livros sobre um mesmo assunto, que não só eram diferentes entre si, como ainda eram inteiramente contrários uns aos outros. Existe uma diferença entre não dizer as mesmas coisas, e dizer coisas totalmente opostas. Mas não me deterei nisso. Deus me livre de buscar a apologia dos santos evangelistas na extravagância de falsos sábios. Não pretendo me servir da mentira para estabelecer a verdade. Limitar-me-ei a perguntar se uma doutrina que fosse contraditória em suas partes teria podido adquirir tamanha autoridade no mundo, se ela teria prevalecido sobre as demais, se, enfim, homens cujos discursos se destruíssem mutuamente, teriam podido adquirir a credibilidade e a admiração de toda a terra. Sabemos, além disso, que haviam muitos testemunhos e inimigos de sua doutrina. Pois eles não escreveram num fim de mundo qualquer, e não ocultaram nada de seus dogmas; eles percorreram as terras e os mares, falando diante de todos os povos; eles liam então, como lemos hoje, esses livros santos na presença de seus inimigos, e, no entanto, sua doutrina jamais feriu ninguém por suas contradições. E não devemos nos espantar com isso, porque a força e a virtude do próprio Deus os acompanhavam por toda parte, permitindo-lhes fazer tudo o que fizeram. Se não fosse por isso, como um publicano, ou um pescador, homens grosseiros e ignorantes, teriam podido anunciar verdades tão grandes e importantes? Pois eles publicaram e persuadiram com uma certeza maravilhosa mistérios a respeito dos quais os antigos filósofos sequer tinham a menor ideia; e eles os publicaram não apenas enquanto vivos, mas também depois de sua morte; e não a quinze ou vinte pessoas, nem a cem, a mil ou a dez mil, mas a cidades e povos inteiros, a Gregos e bárbaros, sobre os mares e as terras, nos lugares habitados e nos confins dos desertos. Ademais, eles anunciaram aos homens uma doutrina que se elevava acima da natureza humana. Eles não diziam nada de terrestre, não falavam senão das coisas do céu. Eles pregavam uma vida e um reino de que ninguém jamais ouvira falar. Eles descobriam novas riquezas e uma outra pobreza; outra liberdade, outra servidão; outra vida e outra morte; um novo mundo e um modo de vida totalmente novo; enfim, uma mudança, e como que uma renovação geral de todas as coisas. Eles estavam bem distantes de um Platão, que traçou a ideia dessa república ridícula, ou de um Zenon, ou desses outros filósofos que compuseram projetos de governo e de repúblicas, e que pretenderam se arvorar em legisladores dos povos. Não é preciso mais do que ler esses autores para ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn5 ver que foi o demônio, esse tirano das almas, esse inimigo da castidade e de todas as virtudes, que os inspirou, e que espalhou tão profundas trevas em seus espíritos para assim confundir a ordem das coisas. Pois se considerarmos essa comunidade de mulheres que eles pretenderam introduzir; esses espetáculos públicos vergonhosos de jovens nuas; esses casamentos clandestinos que eles autorizavam; e essa inversão universal de tudo o que existe de mais natural e de mais justo que existe no mundo; que mais podemos dizer senão que todas essas máximas foram invenções do demônio, que com elas tentava destruir as leis mais invioláveis da natureza? E certamente todas essas coisas que eles sustentavam são tão contrárias a ela, que ela testemunha isso não só recusando-se a ouvi- las, como invalidando-as. E entretanto aqueles filósofos tinham então a total liberdade de publicar essas máximas, sem temer perseguições nem perigos; e eles se esforçaram para insinuá-las nos espíritos, adornando-as com os mais belos ornamentos da eloquência. Ao contrário, o Evangelho, que não foi pregado senão por pescadores perseguidos por todo o mundo, tratados como escravos e expostos a todos os perigos, foi logo abraçado com profundo respeito por sábios e por ignorantes, por homens livres e por escravos, por guerreiros e príncipes; numa palavra, por gregos e pelos povos mais bárbaros. 5. Não podemos dizer que tenha sido pela simplicidade e pelo pretenso caráter terreno da doutrina dos apóstolos que fez com que ela tenha sido recebida tão facilmente por todo o mundo, porque, ao contrário, ela é infinitamente mais sublime do que todos os sistemas dos filósofos. Nem a ideia, nem o próprio nome da virgindade, ou da pobreza cristã, do jejum e de outros pontos mais elevados de nossa moral, jamais estiveram, seja no cérebro, seja nos lábios de um sequer dentre os sábios do paganismo, tanto eles estavam afastados daqueles primeiros doutores do cristianismo, os quais não condenavam apenas as más ações e os maus desejos, mas ainda os olhares impudicos, as palavras desonestas, os risos imoderados, e que estendiam sua solicitude até regrar as menores coisas, como a continência exterior, o caminhar, o tom da voz, e que propagaram por toda a terra a planta sagrada da virgindade. Eles inspiraram aos homens os sentimentos por Deus e pelas coisas do céu, coisas que nenhum daqueles sábios jamais suspeitou existirem. Com efeito, como aqueles adoradores de serpentes, de monstros e dos animais mais vis e mais horríveis, seriam capazes de compreender tais verdades? No entanto, essas máximas tão relevantes que os apóstolos anunciaram foram recebidas e abraçadas com amor por todo o gênero humano; elas floresceram e se multiplicaram dia a dia, enquanto que as ideias vãs daqueles filósofos se esvaíam a cada dia e desapareciam com a facilidade de teias de aranha, porque eram obras dos demônios. Além da impudicícia que os desonra, esses escritos eram ainda envoltos em tantas e tais obscuridades e trevas, que não se podia entendê-los sem grande trabalho. Existe coisa mais ridícula do que encher, como eles faziam, volumes inteiros para explicar o que é a justiça, e de confundir e fazer desaparecer o tema tratado sob as ondas transbordantes de uma irrefreável verborragia? Ainda que houvesse lá qualquer coisa de bom, essa prolixidade desmedida a tornaria inútil para regulamentar a vida dos homens. Pois, se um trabalhador, um pedreiro ou um marinheiro, ou qualquer outro artesão que ganha a vida com seu trabalho, quisesse aprender com essas pessoas o que é a justiça, seria preciso que ele deixasse sua arte e as suas ocupações mais necessárias; e assim, depois de passar muitos anos sem nada fazer, ele descobriria que, para aprender a bem viver, ele correria o risco de morrer de fome. Nada de semelhante existe nos preceitos do Evangelho. Nele, Jesus Cristo nos ensina o que é justo, honesto, útil e, de forma geral, todas as virtudes, em pouquíssimas palavras, claras e inteligíveis por todo o mundo, como quando ele disse: “Toda a lei e os profetas consistem nesses dois mandamentos[6]”, ou seja, no amor a Deus e ao próximo. Ou quando ele nos dá essa regra: “Façam ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn6 aos outros o que querem que façam a vocês; pois esse é o resumo da lei e dos profetas[7]”. Não existe trabalhador, nem escravo, nem a mulher mais simples, nem criança, nem pessoa quase desprovida de espírito, que não compreenda essas máximas sem nenhum esforço; essa clareza é a marca, e como que o caráter da verdade. É o que a experiência nos permite ver. Todo o mundo não apenas compreende essas regras divinas, como as tem inclusive praticado, seja nas cidades, seja nos desertos ou no alto das montanhas. É aí que podemos ver os coros dos anjos revestidos de corpos, e a vida do céu florescer sobre a terra. Foram pescadores que nos ensinaram essa divina filosofia. Eles não precisaram, para tanto, cultivar os homens desde a infância,segundo o costume daqueles filósofos, nem limitaram o estudo da virtude a um determinado número de anos; ao contrário, eles prescreveram regras para todas as idades. A maneira de instruir dos filósofos não passa de um jogo de crianças, enquanto que a nossa é obra da própria verdade. O lugar que nossos santos doutores escolheram como escola é o céu, e o próprio Deus é o mestre da arte que eles nos ensinam, e o legislador das leis que eles promulgaram. O prêmio que nos é proposto nessa academia celeste não consiste num ramo de oliveira ou numa coroa de louros, nem na honra de ser alimentado às expensas do público, ou numa estátua de bronze, coisas demasiado vãs e baixas; mas é a alegria de desfrutar no céu de uma vida sem fim, de se tornar filho de Deus, de se associar ao coro dos anjos, de assistir diante do trono de Deus e de habitar eternamente com Jesus Cristo. Os príncipes dessa república são pescadores, publicanos, fabricantes de tendas, que não viveram apenas uma pequena quantidade de anos, mas que estão vivos por toda a eternidade, e que podem auxiliar ainda seus imitadores e seus discípulos, e sustentá-los mesmo depois de sua morte. 6. Nessa república não se guerreia contra os homens, mas contra os demônios e as potências espirituais. É por isso q eu ela não tem como chefe, nesses combates invisíveis, nem um homem, nem um anjo, mas o próprio Deus. Também as armas desses soldados são diferentes das armas daqui de baixo. Elas não são constituídas de peles de animais, nem de ferro, mas da verdade, da fé, da justiça e das demais virtudes. Assim sendo, como esse livro que nos propomos explicar contém as leis dessa divina república, ouçamos com cuidado a São Mateus, que dela fala claramente – ou antes, escutemos falar Jesus Cristo, que é seu legislador, pela boca de seu santo evangelista. Apliquemo-nos a essas divinas instruções, a fim de podermos ser um dia contados entre seus felizes cidadãos, que se tornaram ilustres por seguirem suas leis, e que adquiriram coroas imortais. Muitos acreditam que esse livro é fácil, e que somente os Profetas são difíceis; mas esse sentimento pertence aos que não conhecem com bastante profundidade os mistérios do Evangelho. É por isso que eu peço a vocês que me sigam com cuidado, para que entremos juntos nesse vasto mar das verdades evangélicas sob a conduta de Jesus Cristo, que nos servirá de guia. A fim de que vocês compreendam melhor minhas explicações, eu os lhes peço fortemente, conforme meu costume, que primeiro leiam em particular a passagem da santa Escritura que eu irei explicar. Assim a leitura servirá de preparação ao ensinamento, como aconteceu ao Eunuco de que falam os Atos, e facilitará a nós a realização de nossa tarefa. No nosso caminho as perguntas vão se multiplicar umas sobre as outras. Considerem de que forma, desde a entrada do Evangelho, ele apresenta dificuldades a esclarecer! Primeiramente, de onde vem que se faça Jesus Cristo descender da genealogia de José, que sabemos não ser seu pai? Em segundo lugar, como podemos saber que o Salvador vem da estirpe de Davi, uma vez que os antepassados de Maria, sua mãe, são inteiramente desconhecidos, e que essa genealogia do Evangelho não parte do lado de Maria? ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn7 Em terceiro lugar, por que o Evangelho relata a genealogia de José, que é completamente estranha ao nascimento de Jesus Cristo, sem se dar ao trabalho de buscar os pais e avós da Virgem, de quem ele era filho? Por que, inventariando essa genealogia de homens, encontramos aí algumas mulheres? Por que, tendo nomeado algumas, não foram todas nomeadas? E por que, deixando de lado as mais santas, como Sara e Rebeca, e outras semelhantes, não são nomeadas senão aquelas conhecidas por algum vício, como a fornicação, o adultério, os casamentos ilegítimos, ou pela qualidade de serem estrangeiras e bárbaras em relação ao povo de Deus? Pois o evangelista fala de Ruth, da mulher de Urias, e de Tamar, das quais uma era estrangeira, outra impudica e a outra incestuosa, que pretendeu conceber de seu sogro, não segundo a lei do casamento, mas por uma surpresa que ela fez disfarçada de cortesã. Todo mundo sabe quem foi a mulher de Urias, e do adultério que ela cometeu com Davi. E, no entanto, o Evangelho, deixando de lado as outras mulheres, não fala senão dessas nessa genealogia. Não teria sido razoável, se se quisesse falar das mulheres, nomeá-las todas, ou, se fosse para nomear apenas algumas, escolher as que fossem mais recomendáveis por sua virtude, do que aquelas que eram descritas pelo desregramento de suas vidas? É fácil, assim perceber como esse começo é difícil, ainda que ele pareça claro a todos, e mesmo supérfluo a muitos, que não veem aí mais do que uma lista com alguns nomes próprios. Devemos ainda procurar porque essa genealogia passa por cima de três reis: se se disser que foi por causa de sua impiedade, não deveríamos também eliminar muitos outros que foram igualmente maus como eles? Nos perguntamos também por que, embora São Mateus diga expressamente que a genealogia de Cristo até Abrahão contém três séries, cada qual com quatorze gerações, esse número fique incompleto na terceira série dessa sequência? Nos perguntamos, enfim, por que São Lucas e São Mateus, tendo ambos feito a genealogia de Jesus Cristo, o primeiro não reporte os mesmos nomes, e inclusive reporte muitos mais do que São Mateus; em outros termos, por que São Mateus marca menos nomes, e nomes diferentes daqueles citados por São Lucas, embora ambos sigam a genealogia de Jesus Cristo até José? Compreendam, portanto, que será preciso aplicação para esclarecer essas coisas, porque ela será necessária inclusive para discernir aquilo que necessita ser esclarecido. Pois não é pequeno o benefício de bem discernir o que é duvidoso e o que pode dar lugar a dificuldades. Por exemplo, indagaremos ainda: por que Isabel, sendo da tribo de Levi, é chamada de prima da santa Virgem? 7. Mas, para não oprimirmos sua memória, vamos terminar por aqui esse discurso. As questões que nos propusemos a resolver bastarão para estimular seu ardor. Se as respostas lhes interessarem, dependerá de vocês conhecê-las, seguindo nossas conversações. Pois se eu vir em vocês um desejo verdadeiro de instrução, eu darei livre curso a satisfazê-los respondendo a essas questões. Mas se eu encontrar em vocês indiferença e frieza, eu esconderei as dificuldades e as respostas que poderia dar, porque a lei de Deus me proíbe de “entregar as coisas santas aos cães e atirar pérolas aos porcos, para que eles não as pisoteiem[8]”. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn8 Mas, dirão vocês, quem poderá querer pisotear tais pérolas? São aqueles que não as creem preciosas, e que não têm por elas a estima que elas merecem. E quem é tão infeliz, dirão vocês, a ponto de não as apreciar, de não as preferir a tudo? São os que dedicam a elas menos ardor do que mostram assistindo as comédias infames e os espetáculos diabólicos. Pois vemos a muitos que passam assim dias inteiros, que colocam em desordem os assuntos de suas famílias para satisfazer a esse tipo de paixão, que nada perdem daquilo que aí escutam e que conservam preciosamente em sua memória aquilo que pode por a perder e destruir suas almas. E quando essas mesmas pessoas estão na Igreja, onde o próprio Deus lhes fala, elas não conseguem permanecer aí um momento sem se tornarem impacientes. É por isso que nossas vidas, que deveriam ser totalmente celestes, nada têm em comum com o céu, e por isso somos cristãos apenas no nome e na aparência. É por isso q eu Deus nos ameaça com o inferno, não para nos lançar nele, mas para nospreservar dele por meio dessas ameaças, conduzindo-nos para que fujamos desses costumes detestáveis. Porém, nós fazemos o contrário daquilo que ele deseja. Ouvimos que ele nos ameaça com o inferno, mas corremos todo o dia em direção aquilo que nos levará para lá, que nos trará a danação. Deus nos ordena não somente escutá-lo, como também fazer o que ele nos diz; e não temos sequer paciência para ouvi-lo. Como, então faríamos o que ele nos ordena, se não podemos sequer suportar o que ele nos fala, se nos desgostamos, se nos impacientamos, se não somos capazes de lhe dar sequer um quarto de hora de nosso tempo? Quando, durante uma conversa, nossas palavras não obtêm a atenção das pessoas presentes, nós ficamos ofendidos como se fosse uma injúria, por vãs que sejam as coisas que estamos dizendo; e acreditamos que Deus não ficará ofendido, quando as grandes verdades que eles nos anuncia nos deixam indiferentes, quando nosso espírito vaga alhures, quando não nos dignamos sequer a nos aplicarmos a elas? Sentimos prazer em escutar pessoas que viveram viajando, que sabem e reportam exatamente a distância, a situação, a grandeza, os lugares públicos e os portos das cidades que visitaram; e nós, que somos viajantes nessa vida, e que caminhamos para o céu, não nos damos ao trabalho de saber o quanto ainda estamos afastados de nosso objetivo. Se pensássemos isso, talvez nos apressássemos em chegar lá. Mas se negligenciamos o caminho que conduz a Deus, estaremos infinitamente mais distantes de nosso objetivo do que está a terra do céu; mas se nos apressarmos em ir a essa cidade bem-aventurada, logo nos veremos às suas portas; pois seu distanciamento não provém da distância entre lugares, mas da desproporção de nossa conduta e de nossa vida. Vocês cuidam de se tornar hábeis na história desse mundo, de conhecer seu passado e seu presente. Vocês se lembram dos reis sob cujas ordens portaram armas, dos oficiais que os comandaram, dos jogos públicos que aconteceram, dos gladiadores que neles combateram, dos que receberam os prêmios, e de cem outras coisas que não lhes dizem respeito, mas não dedicam o menor pensamento em considerar quem é o príncipe dessa cidade celeste, em quem são os que aí ocupam o primeiro, o segundo e o terceiro lugar, como cada qual combateu e por quais ações são eles assinalados. Enfim, vocês não têm paciência para escutar o que lhes propõem as leis dessa cidade santa. Depois de tudo isso, como ousam vocês esperar usufruir um dia desses bens supremos, uma vez que vocês não se dignam nem a escutar agora aqueles que lhes falam? Façamos então, ao menos por hoje, irmãos, o que até agora negligenciamos fazer. Uma vez que a misericórdia de Deus nos faz esperar entrar um dia nessa cidade toda de ouro, aprendamos quais são seus fundamentos, quais suas portas, todas feitas de pérolas e diamantes. Temos um excelente guia, que é São Mateus, e recebemos hoje a permissão para entrar pela porta que ele nos abre. Redobremos nossa atenção para que ele, percebendo que algum de nós o escuta com displicência, não nos expulse dessa cidade celeste. Pois essa cidade, meus irmãos, é verdadeiramente real e magnífica, ela não é como as cidades aqui de baixo, divididas em ruas, palácios e praças. Ela é inteira o palácio de seu Rei. Abramos então as portas de nossas almas, abramos o ouvido de nossos corações, e, prestes a entrar nessa cidade eterna, adoremos com temor o rei que nela reina. Quem quiser contemplar suas maravilhas pode ficar atemorizado no início, porque suas portas ainda nos estão fechadas; mas quando as virmos abertas, ou seja, quando descobrirmos os mistérios que nos propusemos, veremos então o esplendor que brilha lá dentro. Esse bem-aventurado publicano os conduzirá pelos olhos do espírito, e ele promete que lhes mostrará tudo. Ele lhes fará ver onde fica o trono do Rei, quem são os soldados que o cercam, onde estão os anjos e os arcanjos, qual lugar está destinado aos novos cidadãos dessa cidade, por quais caminhos se chega a ela, quais as honras que são devidas aos que ocupam o primeiro, o segundo e o terceiro lugar, e quais são as diferentes dignidades, seja no senado, seja no povo dessa cidade divina. É por isso que não entraremos ali com ruído e tumulto, mas com respeito e um silêncio dignos desses grandes mistérios. Se entramos em silêncio quando são lidas as mensagens do rei numa assembleia pública, quanto mais em silêncio devemos estar quando são relatados, não as ordens de um príncipe da terra, mas os oráculos do Rei do céu? Se agirmos dessa maneira, o próprio Espírito Santo nos conduzirá, por sua graça, até dentro do palácio e até o trono do Rei, para aí desfrutarmos dos bens infinitos, pela graça e a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem se deve o reino, o poder e a glória, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém. [1] João 14: 26. [2] Jeremias 31: 33. [3] II Coríntios 3: 3. Cf. João 6: 45 - “Está escrito nos Profetas: ‘Todos os homens serão instruídos por Deus’. Todo aquele que escuta o Pai e recebe sua instrução vem a mim.” [4] Cf. Lucas 3: 23-38. [5] Lucas 11: 17. [6] Mateus 22: 40. [7] Mateus 6: 12. [8] Mateus 7: 6. Segunda Homilia: Introdução ao Evangelho de São Mateus 1. Creio que vocês se recordam, irmãos, do pedido que fiz ontem a vocês, no sentido de que se recolhessem num respeitoso silêncio e na paz de coração e espírito para escutar a palavra de Deus. Como vamos hoje penetrar nos umbrais sagrados do templo onde reside o Verbo divino, vejo-me obrigado a repetir o conselho. Pois se, antigamente, quando os judeus foram em vigília se aproximar da montanha do Sinai, desse fogo, dessa fumaça, dessas trevas e desses turbilhões – ou melhor, à ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref1 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref2 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref3 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref4 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref5 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref6 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref7 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref8 vigília para contemplar de longe um raio da glória de Deus, e para escutar à distância algumas palavras de sua boca – se, digo eu, naquela ocasião lhes foi ordenado que se separassem de suas mulheres por três dias, e que lavassem suas vestes, se eles estavam então, como o próprio Moisés, atemorizados e tremendo, é bem mais razoável que, estando a ponto de ouvir palavras tão santas, e não de olhar de longe uma montanha ardente, mas de penetrar no próprio céu, vocês mostrem uma disposição mais perfeita, lavando suas vestes, não do corpo, mas da alma, e se separando de todo comércio com a vida desse mundo. Aqui vocês não verão fumaça, turbilhões ou trevas, mas o próprio Rei sentado sobre seu trono, numaglória inefável, acompanhado de seus anjos e arcanjos, e das coortes de santos, juntamente com o número infinito desses espíritos bem-aventurados. Essa é a cidade santa, a que contém, diz São Paulo, “a Igreja dos primogênitos, dos espíritos dos justos, das coortes de anjos, e do sangue cuja aspersão reconcilia todas as coisas[1]”. Pois o céu recebeu o que estava na terra, a terra recebeu o que estava no céu, e assim se fez essa paz de homens e de anjos que fora desejada durante tantos séculos. O troféu que brilha nessa cidade santa é a cruz, os despojos que estão ligados a ela não nossa própria natureza, a qual Jesus Cristo tornou sua presa e sua conquista, como veremos na sequência do Evangelho. Se vocês quiserem me seguir em profundo silêncio, eu espero lhes mostrar a morte derrotada e destruída, o pecado crucificado, e os monumentos ilustres da vitória que Jesus Cristo obteve nessa guerra. Vocês verão o tirano acorrentado, uma multidão de cativos que seguiram seu libertador, e a fortaleza onde o demônio foi aprisionado depois de tantos séculos, e de onde ele fazia suas investidas contra os homens, agora capturado e derrubado por terra. Vocês verão a própria caverna e os mesmos antros profundos desse príncipe das trevas, que se descortinaram aos nossos olhos, porque assim o quis nosso Rei vencedor quando desceu em pessoa para fazer com que ali brilhasse o esplendor de sua glória. Não temam que esse relato seja enfadonho. Sim, porque se quando alguém conta as guerras e as vitórias de homens, longe de se entediar, vocês deixam de comer e beber para escutá-lo, quanto mais gosto terão nas coisas ainda mais admiráveis de que lhes iremos falar! Considerem o que significa ver um Deus que veio do céu, que desceu do alto de seu trono sobre a terra e foi até o fundo dos infernos, para ali combater o príncipe; o que é ver o demônio lutar contra um Deus que se oculta sob a forma de homem, e, o que jamais deixaremos de admirar, a morte destruída pela morte, a maldição abolida pela maldição, e a tirania do demônio derrubada pelas mesmas armas que ele usou para estabelecê-la. Deixemos nossa sonolência e ergamo-nos. Já vejo as portas abertas. Entremos, com respeitosa modéstia e um santo temor. Mas, quais são essas portas? Como, dirão vocês? Você nos prometei falar do Filho único de Deus, e você nos fala do filho de Davi, um homem que viveu há muitos séculos, e você o chama de pai e avô de Jesus Cristo? Mas, esperem um pouco, não queiram saber todas as coisas de uma vez, aprendam pouco a pouco e por degraus. Lembrem-se de que vocês não estão senão na porta e ainda no vestíbulo. Porque se apressar em penetrar até o fundo do santuário, quando ainda sequer se chegou a entender o que se passa do lado de fora? Não é o nascimento divino do Salvador que eu vou explicar agora, e nem mesmo em seguida. Eu sei que ele é incompreensível e inefável. Já o profeta Isaías o disse antes de mim. Pois, após haver predito a paixão do Salvador, a extrema caridade que ele teve por todos os homens, e admirado de que alturas de glória ele desceu até o mais profundo rebaixamento, ele exclamou: “Quem poderá descrever a sua geração?[2]”. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn1 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn2 Portanto, não será desse primeiro nascimento que eu vou tratar aqui, mas de seu nascimento terrestre provado por uma infinidade de testemunhos, os quais eu lhes direi que a graça do Espírito Santo concedeu-me aprender. E também não é possível descrever a esse claramente, porque ele próprio é um mistério grande e temível. Não o considerem, então, de pouca importância na medida em que lhes falo, mas mantenham sua atenção, e tremam ao ouvir dizer que um Deus desceu sobre a terra. Trata-se de uma maravilha tão espantosa e tão inaudita, que os anjos em coro renderam glória a Deus em nome de toda a terra, por meio de aclamações e louvores. Os próprios profetas, muito tempo antes, demonstraram uma profunda admiração. “Afinal ele veio sobre a terra, e conversou com os homens![3]”. pois é um estranho prodígio que esse Deus inefável, incompreensível, em tudo igual a seu Pai, tenha vindo a nós, passando pelo seio de uma virgem, e que se tenha rebaixado a ponto de nascer de uma mulher; que ele tenha desejado ter a Davi e Abrahão por ancestrais, e não apenas Davi e Abrahão, mas, o que é mais admirável, mulheres semelhantes àquelas de que já falamos. 2. Assim, quando ouvirem falar dessas coisas tão grandiosas, elevem seu espírito e não concebam nenhuma baixeza, e que sua admiração redobre ao ver o verdadeiro e único Filho do Pai, sofrer ser chamado de filho de Davi, para tornar vocês filhos de Deus, e não recusar ter como pai a seu escravo, a fim de que vocês, que são escravos, possam ter a Deus como pai. Vejam como esse Evangelho, ou seja, essa boa nova que lhes anunciamos, é admirável desde o começo. Se vocês duvidam da glória que lhes está prometida, sejam persuadidos pela humilhação de Jesus Cristo. Pois a razão do homem tem muito mais dificuldade em compreender que um Deus tenha se tornado homem, do que em explicar que um homem possa se tornar filho de Deus. Então, quando vocês ouvirem dizer que o Filho de Deus é também filho de Davi e de Abrahão, não duvidem que vocês, que são filhos de Adão, sejam também filhos de Deus. Pois teria sido em vão que Deus se rebaixou tão profundamente, se não fosse para levantar o homem. Ele nasceu segundo a carne a fim de que vocês possam renascer segundo o espírito. Ele nasceu de uma mulher, a fim de que vocês possam deixar de ser filhos de uma mulher. É por isso que ele nasceu de duas maneiras diferentes, sendo uma igual ao nosso nascimento e a outra infinitamente elevada acima do nosso: pois ele tem isso em comum conosco – ter nascido de uma mulher – mas o que ele tem de particular é “que ele não nasceu do sangue, nem da vontade do homem ou da carne[4]”, mas do Espírito Santo, e que nesse ponto seu nascimento constitui a imagem desse renascimento divino, que ele nos dará pela graça do Espírito Santo. Podemos dizer a mesma coisa de todos os seus outros mistérios. Seu batismo tinha alguma coisa do Antigo Testamento e do Novo; do Antigo, tê-lo recebido de um profeta; do Novo, ter recebido ali invisivelmente o Espírito Santo. Jesus Cristo, ao se encarnar, fez como uma pessoa que, vendo dois homens lutarem, tomou ambos pela mão e os reconciliou. Assim, ao vir ao mundo, ele reuniu a natureza humana e a natureza divina, a grandeza de Deus e a pequenez do homem, a antiga lei e a nova. Vocês podem ver, desde o começo, qual é o brilho dessa cidade santa, e como nela o Rei aparece revestido com nossa carne, como um príncipe no meio de sua armada. É comum que um Rei, durante o combate, não traga as marcas de sua dignidade e de seu poder. Ele deixa a púrpura e o diadema, e se veste como um de seus soldados. Mas os reis da terra se disfarçam assim para que, não se deixando conhecer, não atraiam sobre si os esforços de seus inimigos, enquanto que o nosso Rei o faz em primeiro lugar para não afugentar seus inimigos, e para não espantar seus amigos. Ele veio, não para nos atemorizar, mas para nos salvar. É por isso que, desde o começo do Evangelho, ele é ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn3 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn4 chamado de Jesus; e essa palavra, que é hebraica e não grega, significa “Salvador”, porque, conforme diz o Evangelho,“ele salvará seu povo[5]”. 3. Considerem como o escritor sagrado eleva nossos espíritos, e como, não nos falando senão de coisas comuns, ele nos revela maravilhas que ultrapassam todas as nossas esperanças. Pois esses dois nomes do Filho de Deus, o de Jesus e o de Cristo eram ambos conhecidos de todos os judeus. Deus, prevendo que os mistérios que ele haveria de realizar seriam inacreditáveis, quis que ele tivesse esse nome divino a partir das figuras ancestrais, para assim prevenir todas as confusões que as novidades costumam causar. Pois Josué, que sucedeu a Moisés, e que fez com que o povo entrasse na terra prometida, também se chamava Jesus. Vejam a figura, e compreendam agora a verdade. Antes, Jesus fez os judeus entrarem na terra prometida; e Jesus agora nos faz entrar no céu e desfrutar dos bens eternos. O primeiro fez essa maravilha após a morte de Moisés; o segundo a faz depois do fim da lei de Moisés; o primeiro foi o chefe do povo de Deus; o segundo é seu Rei e Soberano. Mas para que, ouvindo o nome de Jesus, vocês não hesitem entre ele e seus homônimos, o evangelista acrescenta logo o sobrenome de Cristo: “Jesus Cristo, filho de Davi”. Josué não era da tribo de Davi, mas de outra tribo. Vocês me perguntarão porque São Mateus chama seu livro de “livro da geração de Jesus Cristo”, uma vez que ele não contém apenas seu nascimento, mas toda a sua vida. É porque o nascimento de Jesus Cristo é o princípio, e como que a raiz de todos os demais mistérios seus, e a fonte única de todos os nossos bens. E, assim como Moisés chamou seu livro de “livro da criação do céu e da terra”, embora tratasse de muitas outras coisas, também o evangelista nomeia seu livro a partir do mistério que é a fonte e o princípio de todos os outros. Pois era uma coisa absolutamente espantosa, e que ultrapassava a esperança e a expectativa de todos os homens, que um Deus se fizesse homem; e, depois de tão grandiosa maravilha, todo o resto se segue naturalmente a esse princípio. Mas por que ele não o chama primeiro de “filho de Abrahão”, e a seguir, “filho de Davi”? Não foi, como dizem alguns, para ir do último ao primeiro, porque senão ele teria feito como São Lucas, coisa que ele não fez. Por que, então, nomeia ele primeiro a Davi? Porque o nome de Davi, príncipe ilustre e muito menos antigo do que Abrahão, estava então em todas as bocas. Embora Deus tenha feito a ambos a mesma promessa, não obstante o longo passar dos anos fez com que o povo já não se lembrasse mais de um e que só se falasse do outro, mais novo e mais recente. Os próprios judeus dizem no Evangelho: “Não sabemos nós que o Cristo deve vir da raça de Davi, e da cidade de Belém, onde estava Davi?[6]”. Nenhum dentre eles o chamava de filho de Abrahão, e todos o chamavam de filho de Davi. Eu repito, Davi era muito mais lembrado do que Abrahão, por ser menos antigo, e por ter sido rei. É por isso que eles chamavam por esse nome os reis que eles mais queriam honrar. O próprio Deus usa esse modo de falar. Ezequiel e outros profetas dizem que “Davi se erguerá e reinará[7]”, coisa que ele não referia a Davi, que estava morto, mas aos outros reis que seriam os imitadores de sua piedade. Deus diz ainda a Ezequias: “Eu protegerei essa cidade, por mim, e por Davi, meu servidor[8]”. Ele também promete a Salomão, “que enquanto ele vivesse ele não destruiria seu reino, por causa de seu servidor Davi[9]”. Esse rei estava em grande glória diante de Deus e diante dos homens. É por isso que o evangelista começa por ele, e só então passa ao mais antigo de seus pais, acreditando ser supérfluo, ao menos aos olhos dos judeus, ir além na enumeração dos seus ancestrais, porque aqueles eram os mais ilustres de todos, um por ter sido rei e profeta, e o outro por ter sido profeta e patriarca. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn5 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn6 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn7 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn8 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn9 Mas como é possível provar, dirão vocês, que Jesus Cristo descende da raça de Davi? Tendo ele nascido, não de um homem, mas apenas de uma virgem cuja genealogia não é apontada, como poderemos saber que ele pertencia à raça desse rei? Eis aqui duas dificuldades que se apresentam: uma porque a genealogia da Virgem não está indicada, e a outra porque a apontada é a de São José, que é inteiramente estranho ao nascimento do Salvador. Parece que a primeira dessas genealogias é a única necessária, e que a segunda seria inútil. Como responderemos a isso? Como demonstraremos que a Virgem descende de Davi? Como o provaremos? Escutem o que disse Deus ao anjo Gabriel: Vá a uma virgem que está noiva de um homem chamado José, que é da casa e da família de Davi[10]”. Não pode haver nada mais claro, uma vez que José era da casa e da família de Davi, e assim se demonstra que também a Virgem o era, uma vez que era proibido pela lei que se buscasse uma esposa fora de sua tribo, e desposar uma que não o fosse. O patriarca Jacó havia predito que Jesus Cristo nasceria da tribo de Judá, ao dizer: “Os príncipes não cessarão na tribo de Judá e todos os chefes sairão de sua carne até que chegue Aquele que foi destinado por Deus, e ele será a esperança das nações[11]”. Essa profecia nos garante, em primeiro lugar, que Jesus Cristo sairia da tribo de Judá, mas não mostra que seria da de Davi. Seria a tribo de Judá composta apenas pela família de Davi? Não haveriam outras? Ao contrário, muitas famílias eram da tribo de Judá, sem que fossem da raça de Davi. Mas, para nos impedir de pensar assim o evangelista diz formalmente que José era “da casa e da família de Davi”. Se vocês quiserem outra prova, aqui está. Não era permitido as casar ou sair, não apenas de sua tribo, mas mesmo de sua família e de seu parentesco. Sendo assim, as palavras “da casa e da família de Davi” podem ser entendidas tanto de José como da Virgem. Pois se José era da casa e da família de Davi, ele certamente não tomaria uma esposa que não fosse da família da qual ele próprio descendia. Mas, dirão, e se José tivesse burlado a lei? O evangelista prevê essa objeção, ao dizer que “ele era justo[12]”, a fim de que, reconhecendo nele essa virtude, não se pudesse acusá-lo de violação da lei. Como poderia um homem tão caridoso e moderado – incapaz sequer de pensar em punir a Virgem embora todas as aparências parecessem obrigá-lo – como poderia um homem tão virtuoso violar a lei apenas para satisfazer sua paixão? Como poderia um homem, cuja virtude ia além da própria lei – como vemos por sua decisão de deixar sua esposa secretamente – teria se resolvido a pecar abertamente contra a lei, sem ser a isso obrigado por necessidade alguma? É assim evidente, por tantas provas, que a Virgem era da raça de Davi. Vejamos agora porque o evangelista não reporta sua genealogia, mas apenas a de José. 4. É porque não era comum que os judeus tirassem sua genealogia do lado das mulheres. Assim, para manter o costume, e para não perturbar os espíritos com mais uma novidade, ele não menciona os parentes da Virgem, e se contenta em nos relatar a genealogia de José. Se ele tivesse relatado a genealogia da Virgem, ele não teria observado a ordem estabelecida, e, se não houvessereportado a de São José, nós não saberíamos a qual tribo pertencia a Virgem. Foi para que conhecêssemos quem era Maria e de quem ela descendia, e para manter o costume judaico, que o evangelista descreveu a genealogia de José, esposo da Virgem, mostrando que ele era da família de Davi. Segue-se daí que também a Virgem o era, porque sem dúvida um homem tão justo, conforme foi dito, não teria jamais desposado uma mulher de outra tribo que não da sua. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn10 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn11 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn12 Poderíamos ainda reportar outra razão mais misteriosa, para mostrar porque nada se diz da genealogia da Virgem, mas não é aqui o lugar para isso, porque já estamos nesse assunto há muito tempo. É melhor terminarmos esse discurso e conservarmos com cuidado esses pontos que explicamos: porque o evangelista nos fala primeiro de Davi; porque ele chama seu livro de “livro da geração do Salvador”; porque ele dá o nome de Jesus, e de Jesus Cristo; o que esse nascimento tem em comum com o nosso; como se demonstra que Maria era da raça de Davi; e, enfim, porque se relata a genealogia de José, e não a da Virgem. Se vocês tiverem o cuidado de se lembrar dessas coisas, vocês nos encorajarão a continuar; mas, se forem indiferentes e deixarem tudo escapar da memória, sua frieza nos tornará frios e lentos daqui para frente. Pois um trabalhador não de dedica a cultivar uma terra na qual ele vê que o que planta se perde e não cresce. Por isso eu lhes peço que façam crescer essa semente, porque esse cuidado produzirá grandes benefícios para a salvação de suas almas. Esse santo exercício os tornará agradáveis a Jesus Cristo, e, meditando as palavras de sua boca, vocês aprenderão a purificar suas bocas de todas as palavras desonestas e injuriosas. Nós nos tornaremos assim temíveis aos demônios, quando eles virem nossa língua armada com essas palavras de fogo; e atrairemos para nós uma grande graça de Deus, e essa leitura assídua tornará os olhos de nossos corações mais vivos e iluminados. Deus os deu olhos, boca e orelhas, a fim de que nos consagremos ao seu serviço, a fim de que falemos dele, que nossas ações sejam para ele, que cantemos seus louvores, que lhe rendamos contínuas ações de graças, e que, por meio desses santos exercícios, purifiquemos o fundo de nossos corações. Pois, assim como a pureza do ar torna o corpo são, também a santidade dessas ocupações torna a alma mais santa e mais pura. 5. Não é verdade que nossos olhos lacrimejam num lugar cheio de fumaça, e que logo que passamos ao ar livre, observando a beleza dos campos, as flores e as águas correntes, eles logo retomam seu vigor? O mesmo acontece com os olhos da alma. Se eles desfrutam das Escrituras como se fossem uma pastagem espiritual, eles se tornarão mais saudáveis, mais puros e penetrantes; mas se se deixam obscurecer pela fumaça das coisas do século, serão reduzidos a chorar, nesse mundo e no outro. Pois tudo o que existe nesse mundo se assemelha à fumaça. É o que fez Davi dizer: “Meus dias se evanesceram como a fumaça[13]”. Ele falava da brevidade e da instabilidade da vida; mas creio que podemos dizer também que as coisas do mundo nos cegam como a fumaça, e que elas nos enredam com laços semelhantes às teias de aranha. Pois não há nada que fira ou que perturbe mais os olhos da alma do que o embaraço causado pelos cuidados e os negócios do mundo, e essa multiplicidade de desejos e de paixões, que são como a lenha que produz essa fumaça. E, como o fogo fumega mais quando a lenha está úmida, também um desejo, quando penetra numa alma que está úmida pelo relaxamento e a preguiça, produz necessariamente uma fumaceira terrível. É por isso que precisamos do orvalho do Espírito Santo, e desse sopro bem-aventurado, a fim de extinguir esse fogo das paixões, de dissipar essa fumaça, e de tornar nosso coração mais livre e desembaraçado. Pois é impossível que uma alma pesada com tantos cuidados possa se elevar ao alto e voar ao céu. Devemos nos desembaraçar de tudo para que possamos correr pelos caminhos de Deus. E não poderemos fazê-lo, a menos que sejamos levados pelas asas do Espírito Santo. Não é uma coisa vergonhosa e ridícula que, ao mesmo tempo em que nos servimos de empregados, quando os temos, apenas para serviços necessários, empreguemos nossa boca para coisas que ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn13 enrubesceríamos em encarregar o menor de nossos servidores, ou seja, para coisas inteiramente vãs e supérfluas? E praza a Deus que elas sejam apenas supérfluas, e não más e perigosas! Se nossas palavras fossem úteis, é certo que seriam agradáveis a Deus; mas ao contrário, dizemos tudo o que o demônio nos inspira: intrigas e maledicências, imprecações e injúrias, juramentos mentirosos, perjúrios, gritos de cólera e futilidades, contos de comadres, questões ociosas e sem interesse, eis tudo o que costuma sair de nossa boca. Quem, de vocês que agora me ouvem, que seria capaz de recitar de cor um salmo ou qualquer outro trecho da Escritura, se eu lhe pedisse? Creio que ninguém. E, o que é mais deplorável, é que, sendo tão indiferentes com as coisas santas, vocês são tão ardorosos para as coisas do diabo. Pois se eu lhes pedir para cantar uma dessas canções infames, ou alguns versos lascivos e desavergonhados, eu encontraria muitos que os houvessem aprendido direitinho, e que os recitariam com prazer. Mas, como desculpamos tais excessos? Eu não sou religioso nem solitário, dirão, eu tenho esposa e filhos, e cuido dos meus afazeres. De fato, essa é uma grande praga de nosso tempo, acreditar que a leitura das Escrituras não é boa senão para os religiosos, enquanto que as pessoas do mundo não têm necessidade dela. Mas os que estão no meio do combate, e que recebem todos os dias novos ferimentos, precisam mais de remédio do que os outros. É um grande mal não ler os livros que contêm a palavra de Deus, mas é pior ainda se convencer de que essa leitura é inútil. Um pensamento assim só pode vir do demônio. Vocês não ouviram o que disse São Paulo: “Tudo o que está escrito, foi escrito para nossa instrução[14]”? Se quiséssemos obrigá-los a tocar o Evangelho com as mãos sujas, vocês se recusariam a fazê-lo, e, no entanto, vocês não acham necessário saber o que ele tem a ensinar. Está aí a causa do desregramento geral que vemos hoje entre os homens. Se vocês quiserem experimentar o quanto a leitura da Escritura é santa e útil, examinem a si próprios. Vejam em que disposição se encontram, quando escutam os salmos e quando escutam canções diabólicas; quando estão na igreja e quando estão no teatro; e vocês se surpreenderão de ver o quanto a alma, embora sendo a mesma, fica diferente em cada um desses encontros. É por isso que São Paulo disse: “Os maus entretenimentos corrompem os bons costumes[15]”. Nós temos continuamente necessidade dos cânticos do Espírito Santo. Cantar louvores a Deus é o mais belo privilégio do homem, e nada o distingue mais dos animais, que por sua vez possuem sobre ele muitas vantagens. É aí que reside o alimento da alma, seu ornamento, sua segurança; ao contrário, a negligência da palavra de Deus lhe causa a fome e a morte: “Eu lhes enviarei, disse Deus. Não a fome de pão, nem a sede de água, mas a fome da palavra de Deus[16]”. O que existe de mais deplorável do que atrair voluntariamente sobre si umainfelicidade como a que Deus ameaça os homens como sendo um grande suplício, e de reduzir a própria alma a uma fome cruel que a enfraquece? Pois é pela palavra que a alma se perde, e por ela se salva. Uma palavra inflama a cólera, uma palavra apazigua; uma palavra lança a alma numa paixão brutal, uma palavra modesta e grave a torna casta e pura. Se então a palavra de um homem produz tão grandes efeitos, como é possível desprezar a palavra do próprio Deus? E se a exortação de um homem é tão poderosa, quanto mais não será a do Espírito Santo? Uma palavra da Escritura é capaz de excitar na alma uma chama mais viva do que o fogo, e de torná- la capaz das mais belas ações. Foi assim que São Paulo reduziu o orgulho dos Coríntios, que se glorificavam de coisas das quais deveriam se envergonhar e que deveriam destinar ao silêncio eterno. Mas, quando esse apóstolo lhes escreveu, qual não foi o efeito de suas palavras, como ele próprio atesta: “Vejam, com efeito, o que produziu em vocês essa tristeza segundo Deus, que vocês sentiram: ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn14 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn15 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn16 quanta solicitude, quanto cuidado em se justificarem, quanto indignação, temor, desejo, zelo e ardor em punir o crime![17]”. É desse modo que vocês disciplinarão seus servidores, seus filhos, suas esposas e seus amigos, e que forçarão até seus inimigos a amá-los. É por essas palavras santas que tantos homens amados por Deus avançaram no caminho da virtude. Davi, depois de seu pecado, escutou a palavra do profeta, e imediatamente acatou a penitência, tornando-se o modelo de todos os penitentes. Foi por palavras santas que os apóstolos se tornaram aquilo que foram, atraindo para si toda a terra. Mas de que serve, dirão vocês, ouvir a palavra de Deus, se não a praticarmos? Mesmo assim, não deixaremos de extrair dela um benefício considerável. Pois então nos acusaremos, suspiraremos, gemeremos, e acabaremos fazendo o que ela nos ensina. Mas, quando sequer compreendemos o mal que foi feito, como poderemos fugir dele ou nos arrependermos? Não devemos, assim, negligenciar a santa Escritura. É o demônio que nos inspira esse desgosto, para que nos roube as pérolas e os diamantes que nos enriquecem. É por isso que ele nos persuade que é inútil ouvir a palavra de Deus, para que ele não tenha que lamentar nos vendo por em prática aquilo que escutamos. É preciso reconhecermos esse perigoso artifício, e nos fortalecermos de todos os lados contra seus ataques; a fim de que, cobertos com essa armadura espiritual, sejamos invulneráveis contra nosso inimigo, e que, tendo-o vencido e trazendo as marcas de nossa vitória, desfrutemos para sempre dos bens do céu, pela graça e a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o poder, pelos séculos dos séculos. Amém. [1] Hebreus 12: 20. [2] Isaías 53: 8. [3] Baruch 3: 38. [4] João 1: 13. [5] Mateus 1: 21. [6] João 7: 42. [7] Ezequiel 37: 24. [8] IV Reis 19: 34. [9] III Reis 2: 34. [10] Lucas 1: 27. [11] Gênesis 49: 10. [12] Mateus 1: 19. [13] Salmo 101: 12. [14] Romanos 15: 4. [15] I Coríntios 15: 33. [16] Amós 8: 11. [17] II Coríntios 7: 11. Terceira Homilia: Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abrahão - Capítulo I, versículos 1 a 16 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn17 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref1 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref2 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref3 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref4 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref5 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref6 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref7 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref8 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref9 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref10 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref11 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref12 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref13 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref14 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref15 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref16 ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftnref17 1. Eu tinha razão de dizer que essas palavras divinas possuem uma profundidade admirável, pois, depois de tudo o que dissemos, ainda não acabamos de explicar o começo. Vamos hoje tentar terminar o que resta daí. A questão que temos a tratar é a seguinte: por que o Evangelista fornece a genealogia de Jose, que é estranho ao nascimento do Filho de Deus? Já demos uma razão, mas é preciso acrescentar outra, mais misteriosa e mais oculta. Qual é essa razão? O Evangelista não queria que os judeus conhecessem desde logo o segredo dessa gravidez divina, nem que Jesus Cristo tivesse nascido de uma virgem. Não se perturbem com a aparente estranheza dessa razão, que não é minha; eu só reporto o que recebi de nossos Padres, esses homens ilustres e admiráveis. Se o próprio Jesus Cristo ocultou de início muitas coisas, chamando a si mesmo de “filho do homem”, e nunca declarando ser em tudo igual aoPai, por que nos espantarmos que ele tenha querido ocultar assim por algum tempo o mistério de seu nascimento, por uma conduta cheia de sabedoria. E por razões muito importantes? Quais seriam, vocês dirão, essas razões tão importantes? Foi para proteger a Virgem, sua mãe, e defendê-la de uma vergonhosa suspeita. Se os judeus tivessem sabido desde o começo essa maravilha, eles não teriam deixado de interpretá-la maldosamente, e talvez tivessem lapidado a Virgem depois de condená-la por adultério: pois, se sua impudência combatia em Jesus Cristo ações de que eles conheciam os exemplos pelo Antigo testamento; se chamavam de demoníaco Àquele que expulsava os demônios; de inimigo de Deus a quem fazia milagres no dia de sábado, embora o sábado tivesse sido violado sem crime algum, o que não teriam dito ao escutar esse nascimento tão milagroso, uma vez que se apoiavam na autoridade de todos os séculos passados, quando nunca jamais se vira algo semelhante? Se depois de tantos milagres eles não deixavam de chamá-lo de filho de José, como teriam acreditado ser ele filho de uma Virgem, antes daqueles milagres? É por isso que o Evangelista conta a genealogia de José, e reporta que ele desposou a Virgem. Se o próprio José, mesmo sendo santo e justo, precisou de tantas provas para crer nessa maravilha, se foi preciso que um anjo lhe falasse, que ele tivesse revelações durante a noite, que ele tivesse sido assegurado pelo testemunho dos profetas – como os judeus, tão cegos, corruptos e declaradamente contrários a Jesus Cristo, haveriam de se render a essa verdade? Uma maravilha tão rara e tão inédita em toda a antiguidade os teria sem dúvida lançado numa estranha perturbação. Uma vez convencidos de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, não nos espantamos mais com seu nascimento maravilhoso; mas como aqueles que o chamaram de sedutor e inimigo de Deus, não teriam se escandalizado com essa verdade, e não teriam concebido alguma detestável suspeita? É por isso que os apóstolos não se apressaram em anunciar desde logo esse nascimento maravilhoso de Jesus Cristo. Eles estabeleceram fortemente sua ressurreição, fato que estava mais ao alcance dos Judeus, porque esses haviam tudo, anteriormente, exemplos de pessoas ressuscitadas, ainda que de uma maneira bem diferente; mas eles não publicaram de início que Jesus Cristo tivesse nascido de uma virgem. Sua própria mãe não ousou revelar o segredo; pois ela disse a Jesus Cristo, quando o encontrou no templo: “Seu pai e eu o procurávamos[1]”. Se os judeus tivessem tido qualquer conhecimento desse mistério, eles jamais acreditariam que Jesus Cristo era filho de Davi, e sua incredulidade, a esse respeito, poderia ter tido funestas consequências. Nem os próprios anjos revelaram esse segredo; eles o contaram apenas a José e Maria; e quando eles anunciaram aos pastores o nascimento do Salvador, eles não disseram de que maneira isso aconteceu. ../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn1 Mas por que o Evangelho, ao falar de Abrahão, diz que ele gerou Isaac, e que Isaac gerou Jacó, sem dizer uma palavra sobre Esaú, seu irmão, enquanto que, ao falar de Jacó, ele diz expressamente que ele gerou Judá e seus irmãos? Alguns dizem que é porque Esaú e os de sua raça foram maus, mas eu creio que essa não é uma boa razão; se fosse, por que, logo depois, são nomeadas mulheres que foram famosas por sua desonra? Parece-me que o Evangelista quis aumentar a glória de Jesus Cristo por um efeito de contraste, pela pequenez e a vulgaridade de seus ancestrais, mais do que pela sua glória; pois ninguém é mais glorioso do que Aquele que é infinitamente grande, e que voluntariamente se rebaixou até tal ponto. Por que o Evangelista não diz nada de Esaú e de sua raça? É porque os sarracenos, os ismaelitas, os árabes e todos os demais povos descendentes dele não possuem nada em comum com os israelitas. É por isso que São Mateus nada diz deles, para passar mais rapidamente aos que entraram na genealogia de Jesus Cristo, e que pertenciam ao povo judeu. Então ele diz: “Jacó gerou Judá e seus irmãos”, palavras que indicam a raça dos judeus. 2. “Judá gerou Fares e Zara, de Tamar”. Que faz você, santo Evangelista, ao nos reportar essa história, fazendo-nos lembrar de um incesto? Mas, dirá ele, com que se espantam vocês? Se eu reportasse a genealogia de um simples homem, eu poderia dissimular alguma coisa; mas, como estamos falando do mistério de Deus encarnado, não apenas não devemos calar sobre essas coisas, como ainda devemos glorificá-las, porque elas fazem sobressair ainda mais sua bondade e seu poder, porque ele veio, não para evitar nossa ignomínia, mas para apagá-la. A mesma coisa vemos em seu nascimento e em sua morte; sua morte seria menos admirável sem a cruz, que foi um instrumento infame, mas cuja infâmia fez com que brilhasse ainda mais a bondade Daquele que não teve receio de enfrentá-la por amor aos homens; da mesma forma, o que devemos admirar em seu nascimento, não é apenas o fato de que ele tenha tomado um corpo e se feito homem, mas ainda que ele se dignou descender de antepassados como esses que vimos, sem se envergonhar por causa dos males próprios à humanidade. Ele queria nos declarar em alto e bom som que ele não desprezava nossas baixezas, e nos ensinar ao mesmo tempo que não devemos enrubescer por causa dos vícios e defeitos de nossos parentes, mas sim não pensar em outra coisa que não seja nos tornarmos virtuosos. Pois quem é virtuoso não recebe nenhum desdouro por causa da obscuridade ou da infâmia de seu nascimento, ainda que tenha nascido de uma mãe estrangeira ou de uma mulher impudica. Pois se o fornicador convertido não precisa mais se envergonhar de sua vida passada, bem menos nos envergonharemos das desordens de nossos antepassados, desde que apaguemos com nossa virtude a vergonha de nosso nascimento. Mas Jesus Cristo não quis apenas nos dar essa instrução, ele quis também reprimir o orgulho dos judeus; pois esse povo, negligenciando a verdadeira nobreza da alma, tinha sem cessar o nome de Abrahão em seus lábios, como se a virtude de seus pais fosse justificação para seus vícios. Jesus Cristo começa por destruir esse erro, e os ensina a não se apoiarem sobre a virtude de outros, mas apenas sobre a própria virtude. Ele queria ainda fazê-los ver que seus pais eram viciosos, e que o próprio Judá, o patriarca de quem eles tiraram seu nome, caíra num grande crime, porque Tamar, nomeada em seguida a ele, levantou-se contra ele e reprovou-lhe sua impudicícia. Também Davi teve seu filho Salomão com uma mulher com a qual havia cometido adultério. Assim, se esses grandes homens nem sempre cumpriram a lei de Deus, seus descendentes, menos bons do que eles, estavam bem mais longe de o fazer. E, se ninguém jamais cumpriu a lei com perfeição, todos pecaram, e a vinda de Jesus Cristo era inteiramente necessária. Foi também com esse objetivo que o Evangelho nomeia os doze patriarcas, a fim de abater o orgulho que os judeus extraíam da nobreza de seus ancestrais; pois muitos desses patriarcas eram nascidos de mães escravas. Entretanto, a diferença entre as mães não causou diferença entre os filhos, e todos foram igualmente patriarcas e príncipes de suas tribos. Essa igualdade foi desde o início um privilégio da Igreja. Pois essa é a vantagem dos cristãos, ou seja, a nobreza que extraímos do próprio Deus: quer sejamos livres, quer escravos, temos direito às mesmas graças. Na cidade de Cristo, não se considera outra coisa que não a boa vontade e a nobreza da alma. 3. Além dessas razões, existe ainda uma outra. Pois não foi sem motivo que, depois de haver dito: “Judá gerou Fares”, o Evangelista acrescenta: “e Zara”. Pareceria inútil, depois de haver mencionado Fares (de quem Jesus descendia), falar ainda de Zara. Por que ele o fez? Eis a
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