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São João Crisóstomo - Homilias sobre a Natividade do Senhor

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São João Crisóstomo - Homilias sobre a 
Natividade do Senhor 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://precedejesus1.blogspot.com/ 
Tradução: Tito Kehl 
 
 
 
http://precedejesus1.blogspot.com/
 
São João Crisóstomo 
 
 
 
Primeira Homilia: Introdução ao Evangelho de São Mateus 
 
 
1. Não precisaríamos, Irmãos, necessitar do auxílio das Escrituras, se nossa vida fosse pura o 
suficiente: então a graça do Espírito Santo tomaria o lugar de todos os livros. Tudo o que se escreve 
com tinta sobre papel, o próprio Espírito imprimiria em nossos corações. Mas como decaímos desse 
benefício, devemos no mínimo nos agarrar à prancha de salvação que nos resta. Aquele primeiro 
modo de comunicação com Deus valia mais; o próprio Deus no-lo demonstrou por seus atos, não 
menos do que por suas palavras. Ele falou a Noé, a Abrahão e a seus descendentes, a Jó e Moisés, 
não por caracteres e letras, mais de modo imediato, por si mesmo; porque a pureza de coração que 
encontrou neles os tornara suscetíveis dessa graça. Mas o povo judeu caiu depois no abismo de todos 
os vícios, e então foi necessário que Deus se servisse de palavras e de tábuas, e que ele tratasse com 
esse povo por meio da escrita. 
 
Deus manteve no Novo Testamento a mesma conduta que adotara no Antigo, e fez com os apóstolos 
da mesma maneira como fez com os patriarcas. Porque Jesus Cristo não deixou nada por escrito aos 
seus apóstolos, mas lhes prometeu, ao invés de livros, a graça de seu Espírito Santo: “Ele vos fará 
recordar de todas as coisas[1]”, disse Ele. Para entender o benefício dessa instrução interior em 
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn1
relação à outra, basta escutar o que Deus disse por intermédio de seu Profeta: “Eu farei um novo 
Testamento, e escreverei minha lei em suas almas, e a gravarei em seus corações; e assim eles serão 
todos discípulos de Deus[2]”. São Paulo, sublinhando também a excelência dessa lei do Espírito 
Santo, disse: “De fato, é evidente que sois uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento; carta 
escrita, não com tinta, mas nas tábuas de carne de vossos corações[3]”. 
 
Mas como, com o passar do tempo, os homens infelizmente de desviaram do caminho reto, uns pela 
depravação de sua doutrina, outros pela corrupção de suas vidas e de seus costumes, tivemos mais 
uma vez a necessidade de que Deus nos desse por escrito suas instruções e seus preceitos. 
 
Quão culpados somos! Nossa vida deveria ser de tal modo pura, que sem necessidade de livros 
nossos corações fossem expostos ao Espírito Santo, como tábuas vivas nas quais fosse escrito tudo o 
que ele quisesse que aprendêssemos; mas, depois de havermos perdido tão grande honra, e de 
termos necessidade de que Deus nos desse suas instruções por escrito, sequer nos servimos desse 
segundo remédio que Ele nos concedeu para a cura de nossas almas! Se já constituiu uma falta 
termos tornado necessária a Escritura, e de termos deixado de atrair para nós e por nós mesmos a 
graça do Espírito Santo, que crime não consiste então sequer utilizarmos desse novo auxílio para 
avançarmos na piedade, em desprezarmos esses escritos divinos, como se fossem coisas vás e 
inúteis, e em nos expormos a uma condenação ainda maior por causa dessa negligência e desse 
desdém? Para evitar tal infelicidade, leiamos com cuidado a Escritura, e aprendamos de que modo 
nos foram dadas, tanto a antiga, como a nova lei. 
 
Vocês abem de que maneira e em que tempo e lugar Deus publicou a antiga lei. Lembram-se de que 
foi após a ruína dos Egípcios, no deserto, sobre a montanha do Sinai, no meio do fogo e da fumaça 
que se erguiam dessa montanha, ao som da trombeta, em meio ao brilho dos relâmpagos, ao som do 
trovão, e depois que Moisés penetrou na escuridão da nuvem. A nova lei não foi promulgada desse 
modo. Não foi nem no deserto, nem sobre uma montanha, nem no meio da fumaça e da escuridão, em 
entre as nuvens e as tempestades; mas ela foi dada nas primeiras horas do dia; os discípulos estavam 
sentados; tudo se passou na tranquilidade e na calma. Os judeus, cuja inteligência era limitada e as 
paixões desenfreadas, tinham necessidade de um aparato que atingisse os sentidos, de um deserto, 
de uma montanha, da fumaça, do ruído das trombetas, de todo esse aparato exterior; mas os 
discípulos, que tinham uma alma mais sublime e mais dócil, e que já se haviam elevado acima das 
impressões do corpo, não tinham necessidade de todas aquelas coisas. Assim, se o Espírito Santo 
desceu então com um grande ruído, não foi para os apóstolos que se produziu esse sinal exterior, mas 
para os judeus, do mesmo como que as línguas de fogo que apareceram concomitantemente. Pois, se 
mesmo depois de tudo isso, eles ainda ousaram dizer que os apóstolos estavam embriagados, quanto 
mais não diriam, se não tivessem visto essas maravilhas? 
 
No Antigo testamento, Deus desceu sobre a montanha depois que Moisés subiu nela; mas no Novo 
Testamento, o Espírito Santo desceu do céu depois que nossa natureza foi elevada até ele como 
sobre o trono de sua grandeza real. E isso já nos faz ver que o Espírito Santo não é menor do que o 
Pai, porque a nova lei que ele deu se elevou acima da antiga. Pois as tábuas da segunda aliança são, 
sem comparação, superiores às da primeira, e sua virtude muito mais nobre e excelente. Os apóstolos 
não desceram de uma montanha, como Moisés, trazendo tábuas de pedra em suas mãos; eles 
desceram do Cenáculo de Jerusalém, trazendo o Espírito Santo em seus corações. Eles abrigavam 
em si um tesouro de ciência, fontes de graças e de dons espirituais que distribuíram por todos os 
lados; eles saíram a pregar por toda a terra, tornando-se como uma lei viva e como livros espirituais 
animados pela graça do Espírito Santo. Foi assim que eles começaram por converter a três mil 
pessoas, e em seguida a cinco mil. E assim eles chegaram a converter todos os povos, e assim Deus 
se serviu de suas línguas para ele próprio falar aos habitantes da terra. 
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn2
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn3
 
2. Foi sob a inspiração desse mesmo Espírito, do qual estava cheio, que São Mateus escreveu 
todo seu Evangelho. Trata-se daquele Mateus que era publicano, e eu não enrubesço de confessar o 
que ele era, nem o que haviam sido os demais apóstolos, antes de serem chamados por Cristo. São 
essas coisas que destacam ainda mais a graça do Espírito Santo neles, e a excelência de sua virtude. 
 
Ele chamou seu livro de “Evangelho”, ou seja, a “boa nova”. Pois ele anunciava a todos, aos maus, 
aos ímpios, aos inimigos de Deus e aos cegos que se assentavam nas trevas e nas sombras da 
morte, a libertação das penas, o perdão dos pecados, a justiça, a santificação, a redenção, a adoção 
dos filhos em Deus, a herança de seu reino e a glória de se tornarem irmãos de seu Filho único. 
 
Poderia haver algo de maior do que essas “novas” que ele apresentava? Um Deus sobre a terra e o 
homem no céu; um acordo admirável restabelecido em toda a hierarquia dos seres; os anjos cantando 
com os homens, os homens se associando aos anjos, com as virtudes mais sublimes desses espíritos 
celestes. Que espetáculo poderia haver maior e mais divino do que ver uma guerra, tão antiga quanto 
o mundo, cessar de um só golpe; Deus, reconciliado com os homens; o diabo, confundido; os 
demônios, em fuga; o paraíso aberto e a maldição destruída; o pecado banido, o erro sufocado e a 
verdade restabelecida; a palavra divina frutificando por toda parte; a vida do céu introduzida na terra; 
os anjos descendo a toda hora aqui em baixo; as potênciase as virtudes familiarizadas com os 
homens, e a posse desses bens presentes assegurada a nós pela esperança dos bens futuros? 
 
Foi assim com grande razão que foi dado o nome de “Evangelho” a essa história sagrada. Todos os 
outros escritos que não prometem mais do que a abundância de riquezas, a grandeza do poder, o 
principado, a glória, as honras, e tudo o mais que os homens creem ser bens, não passavam de 
vaidade e ilusão. Mas aquilo que os pescadores nos anunciaram foi com razão chamado de 
“Evangelho”, a “boa nova”, não apenas porque eles nos prometiam bens estáveis, imutáveis e que 
estão muito acima de nós, mas ainda porque era possível desfrutá-los sem nenhum esforço. Pois não 
era nem por nossos trabalhos, nem por nossas penas, nem por nossas dores e nossas aflições que 
poderíamos adquirir esses bens. O simples amor de Deus por nós realizou tudo, e somente dele 
receberíamos essas graças. 
 
Mas por que, dos doze apóstolos que seguiam a Jesus Cristo, não houve mais do que dois, João e 
Mateus, que escreveram o Evangelho, juntamente com dois discípulos, Marcos, de São Pedro e 
Lucas, discípulo de São Paulo? É porque esses homens, esquecidos da vanglória, não consultavam, 
para agir, senão a simples utilidade. 
 
Mas nesse caso, dirão, não bastaria um único evangelista para dizer tudo? É verdade, mas quando 
vemos quatro pessoas escrevendo cada qual seu evangelho em tempos e lugares diferentes, sem se 
reunir ou conferir em conjunto, e não obstante falar como se tivessem uma só boca, essa união de 
sentimentos e de palavras é uma poderosa prova da verdade. 
 
Mas – dir-se-á – poderíamos aí ver o contrário, uma vez que existem diferenças em muitas coisas. E 
eu respondo que essas diferenças são precisamente a prova mais forte da veracidade dos 
evangelistas Pois eles se eles estivessem tão em conformidade uns com os outros e se concordassem 
até nas menores circunstâncias de tempo e lugar, e até nas expressões empregadas, ouviríamos os 
inimigos da Igreja dizer que eles foram escritos concertadamente, e que uma conformidade tão exata 
não poderia ser senão fruto de um entendimento prévio e de um arranjo inteiramente humano. Mas 
essas pequenas diferenças que se encontram entre os evangelistas os isentam visivelmente dessa 
suspeita, e justificam a sinceridade de sua conduta. Se eventualmente eles falaram diferentemente de 
lugares ou tempos, essa diversidade não prejudica em nada as verdades anunciadas, como 
esperamos, com a ajuda de Deus, demonstrar a seguir. 
 
Mas rogamos a vocês que notem, no que diz respeito às verdades capitais encerradas na vida da 
alma e à essência da predicação evangélica, que jamais encontraremos a menor oposição entre os 
evangelhos. Todos dizem que Deus se fez homem, e que realizou grandes milagres; que foi 
crucificado e sepultado; que ressuscitou e subiu aos céus; que virá um dia para julgar o mundo; que 
estabeleceu uma lei santíssima, que em nada contrariou a primeira; que ele era o Filho único de Deus, 
consubstancial a seu Pai, e outras coisas semelhantes, sobre as quais os evangelistas concordam 
perfeitamente. 
 
Não devemos nos espantar que eles não tenham relatado as mesmas circunstâncias relativas a 
alguns milagres, ou se encontramos alguns milagres em uns e outros em outros. Se apenas um 
evangelista houvesse dito tudo, não precisaria haver mais do que um; e se todos dissessem coisas 
novas e diferentes, não haveria meio de fazê-los concordar uns com os outros. É por isso que eles 
dizem coisas que são comuns a todos, a fim de que fosse preciso que houvesse muitos, e a fim de 
que cada qual pudesse trazer seu próprio testemunho da verdade a respeito dos mesmos fatos. 
 
3. Essa foi a razão que levou São Lucas a escrever seu evangelho, conforme ele disse: “a fim de 
que vocês sejam persuadidos da verdade das coisas que lhes ensinamos”, ou seja, a fim de que, 
vendo tantas pessoas confirmar as mesmas coisas, não possam duvidar delas, e possam ficar 
perfeitamente assegurados. 
 
Quanto a São João, embora ele não esclareça a causa que o levou a escrever seu evangelho, 
aprendemos a partir da tradição de nossos pais que também ele teve uma razão para tanto. Como os 
três outros tinham como objetivo principal descrever Jesus Cristo como homem, tendo primeiramente 
se detido sobre sua humanidade, e temendo que passasse em silêncio a parte referente à sua 
divindade, ele resolveu, por um movimento particular de Jesus Cristo, compor seu evangelho com 
essa finalidade, como é fácil de ver, tanto pelo conjunto da sua obra, como por suas primeiras 
palavras. Pois ele não começa como os outros, pelo nascimento temporal; ele desde logo se eleva 
àquela geração divina e eterna, que primeiro o levou a escrever, e que corresponde à sua proposta ao 
escrever o Evangelho. Por isso ele fala, não apenas no começo, mas ao longo de todo o seu livro, de 
uma maneira maior e de mais relevo do que os outros. 
 
Quanto a São Mateus, diz-se que ele escreveu a pedido dos judeus que haviam se convertido à fé; 
esses lhe pediram para deixar por escrito os preceitos que ele lhes havia dado de viva voz, e ele se 
rendeu aos seus clamores, escrevendo em hebraico seu evangelho. Também São Marcos escreveu o 
seu no Egito para satisfazer aos apelos de seus discípulos. Escrevendo para os judeus, São Mateus 
não teve dificuldade em demonstrar que Jesus Cristo descendia da raça de Abrahão e de Davi. Mas 
São Lucas, que se dirige de um modo geral a todos os homens, foi além, e fez remontar essa geração 
até Adão. São Mateus começa seu evangelho pela genealogia de Jesus Cristo, porque nada poderia 
ser mais agradável aos judeus do que lhes dizer que jesus Cristo descendia de Abrahão e de Davi; 
mas São Lucas antes reporta outras coisas, para só então descer à genealogia de Jesus Cristo[4]. 
 
Demonstraremos, portanto, a união e a conformidade desses historiadores sagrados pelo 
consentimento de toda a terra que recebeu como verdade o que eles escreveram, e também pelo 
testemunho dos próprios inimigos da verdade. Pois depois deles levantaram-se numerosas heresias, 
que publicaram dogmas contrários ao Evangelho; algumas receberam de um modo geral tudo o que 
os evangelistas escreveram, enquanto outros, cortando o que lhes desgostava, seguiram um 
evangelho mutilado. Se fosse encontrada qualquer contradição no Evangelho, os heréticos que 
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn4
pregavam coisas contrárias o fizeram por não tê-lo recebido inteiro, mas apenas as partes que lhes 
fossem favoráveis; e os que não receberam senão partes, não poderiam ser refutados por meio das 
partes não recebidas; tendo sido refutados, foi porque tudo está ligado no Evangelho, e a menor parte 
mostra uma relação que a liga ao todo. Quando cortamos uma parte de um homem, por pequena que 
seja, encontramos aí a carne, os ossos, os nervos, as artérias, as veias e o sangue, e podemos julgar, 
por essa pequena parte, tudo aquilo que encerra nosso corpo. O mesmo acontece com a Escritura. 
Cada palavra contém todo o seu espírito, e possui uma ligação inseparável com todo o resto. 
 
Se os evangelistas fossem contrários entre si, o Evangelho jamais poderia ter sido recebido; ele teria 
se autodestruído, segundo o oráculo: “Todo reino dividido será destruído[5]”. Mas o que hoje em dia 
faz ressaltar a força do Espírito Santo é persuadir assim aos homens de se ligarem com firmeza aos 
pontos capitais, e às máximas fundamentais do Evangelho, sem se preocupar com as pequenas 
diferenças que existem nele. 
 
4. É inútil buscar o lugar no qual cada evangelista escreveu; eu prefiro me dedicar a mostrar 
nessa predicação que eles não combateram uns aos outros; quando os acusamos por causa dessas 
pequenas contradições aparentes, parece que pretendemos impor uma lei severa que os obrigasse a 
se servir sempre das mesmas palavras e das mesmas expressões. 
 
Eu poderiamencionar aqui muitos escritores, muito seguros de sua eloquência e de seu saber, que 
compuseram livros sobre um mesmo assunto, que não só eram diferentes entre si, como ainda eram 
inteiramente contrários uns aos outros. Existe uma diferença entre não dizer as mesmas coisas, e 
dizer coisas totalmente opostas. Mas não me deterei nisso. Deus me livre de buscar a apologia dos 
santos evangelistas na extravagância de falsos sábios. Não pretendo me servir da mentira para 
estabelecer a verdade. Limitar-me-ei a perguntar se uma doutrina que fosse contraditória em suas 
partes teria podido adquirir tamanha autoridade no mundo, se ela teria prevalecido sobre as demais, 
se, enfim, homens cujos discursos se destruíssem mutuamente, teriam podido adquirir a credibilidade 
e a admiração de toda a terra. Sabemos, além disso, que haviam muitos testemunhos e inimigos de 
sua doutrina. Pois eles não escreveram num fim de mundo qualquer, e não ocultaram nada de seus 
dogmas; eles percorreram as terras e os mares, falando diante de todos os povos; eles liam então, 
como lemos hoje, esses livros santos na presença de seus inimigos, e, no entanto, sua doutrina jamais 
feriu ninguém por suas contradições. E não devemos nos espantar com isso, porque a força e a 
virtude do próprio Deus os acompanhavam por toda parte, permitindo-lhes fazer tudo o que fizeram. 
 
Se não fosse por isso, como um publicano, ou um pescador, homens grosseiros e ignorantes, teriam 
podido anunciar verdades tão grandes e importantes? Pois eles publicaram e persuadiram com uma 
certeza maravilhosa mistérios a respeito dos quais os antigos filósofos sequer tinham a menor ideia; e 
eles os publicaram não apenas enquanto vivos, mas também depois de sua morte; e não a quinze ou 
vinte pessoas, nem a cem, a mil ou a dez mil, mas a cidades e povos inteiros, a Gregos e bárbaros, 
sobre os mares e as terras, nos lugares habitados e nos confins dos desertos. 
 
Ademais, eles anunciaram aos homens uma doutrina que se elevava acima da natureza humana. Eles 
não diziam nada de terrestre, não falavam senão das coisas do céu. Eles pregavam uma vida e um 
reino de que ninguém jamais ouvira falar. Eles descobriam novas riquezas e uma outra pobreza; outra 
liberdade, outra servidão; outra vida e outra morte; um novo mundo e um modo de vida totalmente 
novo; enfim, uma mudança, e como que uma renovação geral de todas as coisas. 
 
Eles estavam bem distantes de um Platão, que traçou a ideia dessa república ridícula, ou de um 
Zenon, ou desses outros filósofos que compuseram projetos de governo e de repúblicas, e que 
pretenderam se arvorar em legisladores dos povos. Não é preciso mais do que ler esses autores para 
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn5
ver que foi o demônio, esse tirano das almas, esse inimigo da castidade e de todas as virtudes, que os 
inspirou, e que espalhou tão profundas trevas em seus espíritos para assim confundir a ordem das 
coisas. Pois se considerarmos essa comunidade de mulheres que eles pretenderam introduzir; esses 
espetáculos públicos vergonhosos de jovens nuas; esses casamentos clandestinos que eles 
autorizavam; e essa inversão universal de tudo o que existe de mais natural e de mais justo que existe 
no mundo; que mais podemos dizer senão que todas essas máximas foram invenções do demônio, 
que com elas tentava destruir as leis mais invioláveis da natureza? E certamente todas essas coisas 
que eles sustentavam são tão contrárias a ela, que ela testemunha isso não só recusando-se a ouvi-
las, como invalidando-as. E entretanto aqueles filósofos tinham então a total liberdade de publicar 
essas máximas, sem temer perseguições nem perigos; e eles se esforçaram para insinuá-las nos 
espíritos, adornando-as com os mais belos ornamentos da eloquência. 
 
Ao contrário, o Evangelho, que não foi pregado senão por pescadores perseguidos por todo o mundo, 
tratados como escravos e expostos a todos os perigos, foi logo abraçado com profundo respeito por 
sábios e por ignorantes, por homens livres e por escravos, por guerreiros e príncipes; numa palavra, 
por gregos e pelos povos mais bárbaros. 
 
5. Não podemos dizer que tenha sido pela simplicidade e pelo pretenso caráter terreno da 
doutrina dos apóstolos que fez com que ela tenha sido recebida tão facilmente por todo o mundo, 
porque, ao contrário, ela é infinitamente mais sublime do que todos os sistemas dos filósofos. Nem a 
ideia, nem o próprio nome da virgindade, ou da pobreza cristã, do jejum e de outros pontos mais 
elevados de nossa moral, jamais estiveram, seja no cérebro, seja nos lábios de um sequer dentre os 
sábios do paganismo, tanto eles estavam afastados daqueles primeiros doutores do cristianismo, os 
quais não condenavam apenas as más ações e os maus desejos, mas ainda os olhares impudicos, as 
palavras desonestas, os risos imoderados, e que estendiam sua solicitude até regrar as menores 
coisas, como a continência exterior, o caminhar, o tom da voz, e que propagaram por toda a terra a 
planta sagrada da virgindade. Eles inspiraram aos homens os sentimentos por Deus e pelas coisas do 
céu, coisas que nenhum daqueles sábios jamais suspeitou existirem. 
 
Com efeito, como aqueles adoradores de serpentes, de monstros e dos animais mais vis e mais 
horríveis, seriam capazes de compreender tais verdades? No entanto, essas máximas tão relevantes 
que os apóstolos anunciaram foram recebidas e abraçadas com amor por todo o gênero humano; elas 
floresceram e se multiplicaram dia a dia, enquanto que as ideias vãs daqueles filósofos se esvaíam a 
cada dia e desapareciam com a facilidade de teias de aranha, porque eram obras dos demônios. 
 
Além da impudicícia que os desonra, esses escritos eram ainda envoltos em tantas e tais 
obscuridades e trevas, que não se podia entendê-los sem grande trabalho. Existe coisa mais ridícula 
do que encher, como eles faziam, volumes inteiros para explicar o que é a justiça, e de confundir e 
fazer desaparecer o tema tratado sob as ondas transbordantes de uma irrefreável verborragia? Ainda 
que houvesse lá qualquer coisa de bom, essa prolixidade desmedida a tornaria inútil para 
regulamentar a vida dos homens. Pois, se um trabalhador, um pedreiro ou um marinheiro, ou qualquer 
outro artesão que ganha a vida com seu trabalho, quisesse aprender com essas pessoas o que é a 
justiça, seria preciso que ele deixasse sua arte e as suas ocupações mais necessárias; e assim, 
depois de passar muitos anos sem nada fazer, ele descobriria que, para aprender a bem viver, ele 
correria o risco de morrer de fome. 
 
Nada de semelhante existe nos preceitos do Evangelho. Nele, Jesus Cristo nos ensina o que é justo, 
honesto, útil e, de forma geral, todas as virtudes, em pouquíssimas palavras, claras e inteligíveis por 
todo o mundo, como quando ele disse: “Toda a lei e os profetas consistem nesses dois 
mandamentos[6]”, ou seja, no amor a Deus e ao próximo. Ou quando ele nos dá essa regra: “Façam 
../../Pessoal/Documents/BACKUP/4.%20Ortodoxia/TEXTOS/São%20João%20Crisóstomo/São%20João%20Crisóstomo%20-%20Homilias%20sobre%20a%20Natividade%20do%20Senhor%20181217.docx#_ftn6
aos outros o que querem que façam a vocês; pois esse é o resumo da lei e dos profetas[7]”. Não 
existe trabalhador, nem escravo, nem a mulher mais simples, nem criança, nem pessoa quase 
desprovida de espírito, que não compreenda essas máximas sem nenhum esforço; essa clareza é a 
marca, e como que o caráter da verdade. 
 
É o que a experiência nos permite ver. Todo o mundo não apenas compreende essas regras divinas, 
como as tem inclusive praticado, seja nas cidades, seja nos desertos ou no alto das montanhas. É aí 
que podemos ver os coros dos anjos revestidos de corpos, e a vida do céu florescer sobre a terra. 
Foram pescadores que nos ensinaram essa divina filosofia. Eles não precisaram, para tanto, cultivar 
os homens desde a infância,segundo o costume daqueles filósofos, nem limitaram o estudo da virtude 
a um determinado número de anos; ao contrário, eles prescreveram regras para todas as idades. A 
maneira de instruir dos filósofos não passa de um jogo de crianças, enquanto que a nossa é obra da 
própria verdade. O lugar que nossos santos doutores escolheram como escola é o céu, e o próprio 
Deus é o mestre da arte que eles nos ensinam, e o legislador das leis que eles promulgaram. O 
prêmio que nos é proposto nessa academia celeste não consiste num ramo de oliveira ou numa coroa 
de louros, nem na honra de ser alimentado às expensas do público, ou numa estátua de bronze, 
coisas demasiado vãs e baixas; mas é a alegria de desfrutar no céu de uma vida sem fim, de se tornar 
filho de Deus, de se associar ao coro dos anjos, de assistir diante do trono de Deus e de habitar 
eternamente com Jesus Cristo. Os príncipes dessa república são pescadores, publicanos, fabricantes 
de tendas, que não viveram apenas uma pequena quantidade de anos, mas que estão vivos por toda 
a eternidade, e que podem auxiliar ainda seus imitadores e seus discípulos, e sustentá-los mesmo 
depois de sua morte. 
 
6. Nessa república não se guerreia contra os homens, mas contra os demônios e as potências 
espirituais. É por isso q eu ela não tem como chefe, nesses combates invisíveis, nem um homem, nem 
um anjo, mas o próprio Deus. Também as armas desses soldados são diferentes das armas daqui de 
baixo. Elas não são constituídas de peles de animais, nem de ferro, mas da verdade, da fé, da justiça 
e das demais virtudes. 
 
Assim sendo, como esse livro que nos propomos explicar contém as leis dessa divina república, 
ouçamos com cuidado a São Mateus, que dela fala claramente – ou antes, escutemos falar Jesus 
Cristo, que é seu legislador, pela boca de seu santo evangelista. Apliquemo-nos a essas divinas 
instruções, a fim de podermos ser um dia contados entre seus felizes cidadãos, que se tornaram 
ilustres por seguirem suas leis, e que adquiriram coroas imortais. 
 
Muitos acreditam que esse livro é fácil, e que somente os Profetas são difíceis; mas esse sentimento 
pertence aos que não conhecem com bastante profundidade os mistérios do Evangelho. É por isso 
que eu peço a vocês que me sigam com cuidado, para que entremos juntos nesse vasto mar das 
verdades evangélicas sob a conduta de Jesus Cristo, que nos servirá de guia. A fim de que vocês 
compreendam melhor minhas explicações, eu os lhes peço fortemente, conforme meu costume, que 
primeiro leiam em particular a passagem da santa Escritura que eu irei explicar. Assim a leitura servirá 
de preparação ao ensinamento, como aconteceu ao Eunuco de que falam os Atos, e facilitará a nós a 
realização de nossa tarefa. No nosso caminho as perguntas vão se multiplicar umas sobre as outras. 
Considerem de que forma, desde a entrada do Evangelho, ele apresenta dificuldades a esclarecer! 
Primeiramente, de onde vem que se faça Jesus Cristo descender da genealogia de José, que 
sabemos não ser seu pai? 
 
Em segundo lugar, como podemos saber que o Salvador vem da estirpe de Davi, uma vez que os 
antepassados de Maria, sua mãe, são inteiramente desconhecidos, e que essa genealogia do 
Evangelho não parte do lado de Maria? 
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Em terceiro lugar, por que o Evangelho relata a genealogia de José, que é completamente estranha ao 
nascimento de Jesus Cristo, sem se dar ao trabalho de buscar os pais e avós da Virgem, de quem ele 
era filho? 
 
Por que, inventariando essa genealogia de homens, encontramos aí algumas mulheres? 
 
Por que, tendo nomeado algumas, não foram todas nomeadas? E por que, deixando de lado as mais 
santas, como Sara e Rebeca, e outras semelhantes, não são nomeadas senão aquelas conhecidas 
por algum vício, como a fornicação, o adultério, os casamentos ilegítimos, ou pela qualidade de serem 
estrangeiras e bárbaras em relação ao povo de Deus? Pois o evangelista fala de Ruth, da mulher de 
Urias, e de Tamar, das quais uma era estrangeira, outra impudica e a outra incestuosa, que pretendeu 
conceber de seu sogro, não segundo a lei do casamento, mas por uma surpresa que ela fez 
disfarçada de cortesã. Todo mundo sabe quem foi a mulher de Urias, e do adultério que ela cometeu 
com Davi. E, no entanto, o Evangelho, deixando de lado as outras mulheres, não fala senão dessas 
nessa genealogia. Não teria sido razoável, se se quisesse falar das mulheres, nomeá-las todas, ou, se 
fosse para nomear apenas algumas, escolher as que fossem mais recomendáveis por sua virtude, do 
que aquelas que eram descritas pelo desregramento de suas vidas? 
 
É fácil, assim perceber como esse começo é difícil, ainda que ele pareça claro a todos, e mesmo 
supérfluo a muitos, que não veem aí mais do que uma lista com alguns nomes próprios. 
 
Devemos ainda procurar porque essa genealogia passa por cima de três reis: se se disser que foi por 
causa de sua impiedade, não deveríamos também eliminar muitos outros que foram igualmente maus 
como eles? 
 
Nos perguntamos também por que, embora São Mateus diga expressamente que a genealogia de 
Cristo até Abrahão contém três séries, cada qual com quatorze gerações, esse número fique 
incompleto na terceira série dessa sequência? 
 
Nos perguntamos, enfim, por que São Lucas e São Mateus, tendo ambos feito a genealogia de Jesus 
Cristo, o primeiro não reporte os mesmos nomes, e inclusive reporte muitos mais do que São Mateus; 
em outros termos, por que São Mateus marca menos nomes, e nomes diferentes daqueles citados por 
São Lucas, embora ambos sigam a genealogia de Jesus Cristo até José? 
 
Compreendam, portanto, que será preciso aplicação para esclarecer essas coisas, porque ela será 
necessária inclusive para discernir aquilo que necessita ser esclarecido. Pois não é pequeno o 
benefício de bem discernir o que é duvidoso e o que pode dar lugar a dificuldades. 
 
Por exemplo, indagaremos ainda: por que Isabel, sendo da tribo de Levi, é chamada de prima da 
santa Virgem? 
 
7. Mas, para não oprimirmos sua memória, vamos terminar por aqui esse discurso. As questões 
que nos propusemos a resolver bastarão para estimular seu ardor. Se as respostas lhes interessarem, 
dependerá de vocês conhecê-las, seguindo nossas conversações. Pois se eu vir em vocês um desejo 
verdadeiro de instrução, eu darei livre curso a satisfazê-los respondendo a essas questões. Mas se eu 
encontrar em vocês indiferença e frieza, eu esconderei as dificuldades e as respostas que poderia dar, 
porque a lei de Deus me proíbe de “entregar as coisas santas aos cães e atirar pérolas aos porcos, 
para que eles não as pisoteiem[8]”. 
 
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Mas, dirão vocês, quem poderá querer pisotear tais pérolas? São aqueles que não as creem 
preciosas, e que não têm por elas a estima que elas merecem. E quem é tão infeliz, dirão vocês, a 
ponto de não as apreciar, de não as preferir a tudo? São os que dedicam a elas menos ardor do que 
mostram assistindo as comédias infames e os espetáculos diabólicos. Pois vemos a muitos que 
passam assim dias inteiros, que colocam em desordem os assuntos de suas famílias para satisfazer a 
esse tipo de paixão, que nada perdem daquilo que aí escutam e que conservam preciosamente em 
sua memória aquilo que pode por a perder e destruir suas almas. E quando essas mesmas pessoas 
estão na Igreja, onde o próprio Deus lhes fala, elas não conseguem permanecer aí um momento sem 
se tornarem impacientes. É por isso que nossas vidas, que deveriam ser totalmente celestes, nada 
têm em comum com o céu, e por isso somos cristãos apenas no nome e na aparência. 
 
É por isso q eu Deus nos ameaça com o inferno, não para nos lançar nele, mas para nospreservar 
dele por meio dessas ameaças, conduzindo-nos para que fujamos desses costumes detestáveis. 
Porém, nós fazemos o contrário daquilo que ele deseja. Ouvimos que ele nos ameaça com o inferno, 
mas corremos todo o dia em direção aquilo que nos levará para lá, que nos trará a danação. Deus nos 
ordena não somente escutá-lo, como também fazer o que ele nos diz; e não temos sequer paciência 
para ouvi-lo. Como, então faríamos o que ele nos ordena, se não podemos sequer suportar o que ele 
nos fala, se nos desgostamos, se nos impacientamos, se não somos capazes de lhe dar sequer um 
quarto de hora de nosso tempo? 
 
Quando, durante uma conversa, nossas palavras não obtêm a atenção das pessoas presentes, nós 
ficamos ofendidos como se fosse uma injúria, por vãs que sejam as coisas que estamos dizendo; e 
acreditamos que Deus não ficará ofendido, quando as grandes verdades que eles nos anuncia nos 
deixam indiferentes, quando nosso espírito vaga alhures, quando não nos dignamos sequer a nos 
aplicarmos a elas? Sentimos prazer em escutar pessoas que viveram viajando, que sabem e reportam 
exatamente a distância, a situação, a grandeza, os lugares públicos e os portos das cidades que 
visitaram; e nós, que somos viajantes nessa vida, e que caminhamos para o céu, não nos damos ao 
trabalho de saber o quanto ainda estamos afastados de nosso objetivo. Se pensássemos isso, talvez 
nos apressássemos em chegar lá. Mas se negligenciamos o caminho que conduz a Deus, estaremos 
infinitamente mais distantes de nosso objetivo do que está a terra do céu; mas se nos apressarmos em 
ir a essa cidade bem-aventurada, logo nos veremos às suas portas; pois seu distanciamento não 
provém da distância entre lugares, mas da desproporção de nossa conduta e de nossa vida. 
 
Vocês cuidam de se tornar hábeis na história desse mundo, de conhecer seu passado e seu presente. 
Vocês se lembram dos reis sob cujas ordens portaram armas, dos oficiais que os comandaram, dos 
jogos públicos que aconteceram, dos gladiadores que neles combateram, dos que receberam os 
prêmios, e de cem outras coisas que não lhes dizem respeito, mas não dedicam o menor pensamento 
em considerar quem é o príncipe dessa cidade celeste, em quem são os que aí ocupam o primeiro, o 
segundo e o terceiro lugar, como cada qual combateu e por quais ações são eles assinalados. Enfim, 
vocês não têm paciência para escutar o que lhes propõem as leis dessa cidade santa. Depois de tudo 
isso, como ousam vocês esperar usufruir um dia desses bens supremos, uma vez que vocês não se 
dignam nem a escutar agora aqueles que lhes falam? 
 
Façamos então, ao menos por hoje, irmãos, o que até agora negligenciamos fazer. Uma vez que a 
misericórdia de Deus nos faz esperar entrar um dia nessa cidade toda de ouro, aprendamos quais são 
seus fundamentos, quais suas portas, todas feitas de pérolas e diamantes. Temos um excelente guia, 
que é São Mateus, e recebemos hoje a permissão para entrar pela porta que ele nos abre. 
Redobremos nossa atenção para que ele, percebendo que algum de nós o escuta com displicência, 
não nos expulse dessa cidade celeste. 
 
Pois essa cidade, meus irmãos, é verdadeiramente real e magnífica, ela não é como as cidades aqui 
de baixo, divididas em ruas, palácios e praças. Ela é inteira o palácio de seu Rei. Abramos então as 
portas de nossas almas, abramos o ouvido de nossos corações, e, prestes a entrar nessa cidade 
eterna, adoremos com temor o rei que nela reina. Quem quiser contemplar suas maravilhas pode ficar 
atemorizado no início, porque suas portas ainda nos estão fechadas; mas quando as virmos abertas, 
ou seja, quando descobrirmos os mistérios que nos propusemos, veremos então o esplendor que 
brilha lá dentro. Esse bem-aventurado publicano os conduzirá pelos olhos do espírito, e ele promete 
que lhes mostrará tudo. Ele lhes fará ver onde fica o trono do Rei, quem são os soldados que o 
cercam, onde estão os anjos e os arcanjos, qual lugar está destinado aos novos cidadãos dessa 
cidade, por quais caminhos se chega a ela, quais as honras que são devidas aos que ocupam o 
primeiro, o segundo e o terceiro lugar, e quais são as diferentes dignidades, seja no senado, seja no 
povo dessa cidade divina. 
 
É por isso que não entraremos ali com ruído e tumulto, mas com respeito e um silêncio dignos desses 
grandes mistérios. Se entramos em silêncio quando são lidas as mensagens do rei numa assembleia 
pública, quanto mais em silêncio devemos estar quando são relatados, não as ordens de um príncipe 
da terra, mas os oráculos do Rei do céu? Se agirmos dessa maneira, o próprio Espírito Santo nos 
conduzirá, por sua graça, até dentro do palácio e até o trono do Rei, para aí desfrutarmos dos bens 
infinitos, pela graça e a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem se deve o reino, o poder e 
a glória, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. 
Amém. 
 
 
 
[1] João 14: 26. 
[2] Jeremias 31: 33. 
[3] II Coríntios 3: 3. Cf. João 6: 45 - “Está escrito nos Profetas: ‘Todos os homens serão instruídos por 
Deus’. Todo aquele que escuta o Pai e recebe sua instrução vem a mim.” 
[4] Cf. Lucas 3: 23-38. 
[5] Lucas 11: 17. 
[6] Mateus 22: 40. 
[7] Mateus 6: 12. 
[8] Mateus 7: 6. 
 
 
 
 
 
 
 
Segunda Homilia: Introdução ao Evangelho de São Mateus 
 
 
 
 
1. Creio que vocês se recordam, irmãos, do pedido que fiz ontem a vocês, no sentido de que se 
recolhessem num respeitoso silêncio e na paz de coração e espírito para escutar a palavra de Deus. 
Como vamos hoje penetrar nos umbrais sagrados do templo onde reside o Verbo divino, vejo-me 
obrigado a repetir o conselho. Pois se, antigamente, quando os judeus foram em vigília se aproximar 
da montanha do Sinai, desse fogo, dessa fumaça, dessas trevas e desses turbilhões – ou melhor, à 
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vigília para contemplar de longe um raio da glória de Deus, e para escutar à distância algumas 
palavras de sua boca – se, digo eu, naquela ocasião lhes foi ordenado que se separassem de suas 
mulheres por três dias, e que lavassem suas vestes, se eles estavam então, como o próprio Moisés, 
atemorizados e tremendo, é bem mais razoável que, estando a ponto de ouvir palavras tão santas, e 
não de olhar de longe uma montanha ardente, mas de penetrar no próprio céu, vocês mostrem uma 
disposição mais perfeita, lavando suas vestes, não do corpo, mas da alma, e se separando de todo 
comércio com a vida desse mundo. 
 
Aqui vocês não verão fumaça, turbilhões ou trevas, mas o próprio Rei sentado sobre seu trono, numaglória inefável, acompanhado de seus anjos e arcanjos, e das coortes de santos, juntamente com o 
número infinito desses espíritos bem-aventurados. Essa é a cidade santa, a que contém, diz São 
Paulo, “a Igreja dos primogênitos, dos espíritos dos justos, das coortes de anjos, e do sangue cuja 
aspersão reconcilia todas as coisas[1]”. Pois o céu recebeu o que estava na terra, a terra recebeu o 
que estava no céu, e assim se fez essa paz de homens e de anjos que fora desejada durante tantos 
séculos. 
 
O troféu que brilha nessa cidade santa é a cruz, os despojos que estão ligados a ela não nossa 
própria natureza, a qual Jesus Cristo tornou sua presa e sua conquista, como veremos na sequência 
do Evangelho. Se vocês quiserem me seguir em profundo silêncio, eu espero lhes mostrar a morte 
derrotada e destruída, o pecado crucificado, e os monumentos ilustres da vitória que Jesus Cristo 
obteve nessa guerra. Vocês verão o tirano acorrentado, uma multidão de cativos que seguiram seu 
libertador, e a fortaleza onde o demônio foi aprisionado depois de tantos séculos, e de onde ele fazia 
suas investidas contra os homens, agora capturado e derrubado por terra. Vocês verão a própria 
caverna e os mesmos antros profundos desse príncipe das trevas, que se descortinaram aos nossos 
olhos, porque assim o quis nosso Rei vencedor quando desceu em pessoa para fazer com que ali 
brilhasse o esplendor de sua glória. 
 
Não temam que esse relato seja enfadonho. Sim, porque se quando alguém conta as guerras e as 
vitórias de homens, longe de se entediar, vocês deixam de comer e beber para escutá-lo, quanto mais 
gosto terão nas coisas ainda mais admiráveis de que lhes iremos falar! Considerem o que significa ver 
um Deus que veio do céu, que desceu do alto de seu trono sobre a terra e foi até o fundo dos infernos, 
para ali combater o príncipe; o que é ver o demônio lutar contra um Deus que se oculta sob a forma de 
homem, e, o que jamais deixaremos de admirar, a morte destruída pela morte, a maldição abolida pela 
maldição, e a tirania do demônio derrubada pelas mesmas armas que ele usou para estabelecê-la. 
 
Deixemos nossa sonolência e ergamo-nos. Já vejo as portas abertas. Entremos, com respeitosa 
modéstia e um santo temor. Mas, quais são essas portas? 
 
Como, dirão vocês? Você nos prometei falar do Filho único de Deus, e você nos fala do filho de Davi, 
um homem que viveu há muitos séculos, e você o chama de pai e avô de Jesus Cristo? Mas, esperem 
um pouco, não queiram saber todas as coisas de uma vez, aprendam pouco a pouco e por degraus. 
Lembrem-se de que vocês não estão senão na porta e ainda no vestíbulo. Porque se apressar em 
penetrar até o fundo do santuário, quando ainda sequer se chegou a entender o que se passa do lado 
de fora? 
 
Não é o nascimento divino do Salvador que eu vou explicar agora, e nem mesmo em seguida. Eu sei 
que ele é incompreensível e inefável. Já o profeta Isaías o disse antes de mim. Pois, após haver 
predito a paixão do Salvador, a extrema caridade que ele teve por todos os homens, e admirado de 
que alturas de glória ele desceu até o mais profundo rebaixamento, ele exclamou: “Quem poderá 
descrever a sua geração?[2]”. 
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Portanto, não será desse primeiro nascimento que eu vou tratar aqui, mas de seu nascimento terrestre 
provado por uma infinidade de testemunhos, os quais eu lhes direi que a graça do Espírito Santo 
concedeu-me aprender. 
 
E também não é possível descrever a esse claramente, porque ele próprio é um mistério grande e 
temível. Não o considerem, então, de pouca importância na medida em que lhes falo, mas mantenham 
sua atenção, e tremam ao ouvir dizer que um Deus desceu sobre a terra. Trata-se de uma maravilha 
tão espantosa e tão inaudita, que os anjos em coro renderam glória a Deus em nome de toda a terra, 
por meio de aclamações e louvores. Os próprios profetas, muito tempo antes, demonstraram uma 
profunda admiração. “Afinal ele veio sobre a terra, e conversou com os homens![3]”. pois é um 
estranho prodígio que esse Deus inefável, incompreensível, em tudo igual a seu Pai, tenha vindo a 
nós, passando pelo seio de uma virgem, e que se tenha rebaixado a ponto de nascer de uma mulher; 
que ele tenha desejado ter a Davi e Abrahão por ancestrais, e não apenas Davi e Abrahão, mas, o que 
é mais admirável, mulheres semelhantes àquelas de que já falamos. 
 
2. Assim, quando ouvirem falar dessas coisas tão grandiosas, elevem seu espírito e não 
concebam nenhuma baixeza, e que sua admiração redobre ao ver o verdadeiro e único Filho do Pai, 
sofrer ser chamado de filho de Davi, para tornar vocês filhos de Deus, e não recusar ter como pai a 
seu escravo, a fim de que vocês, que são escravos, possam ter a Deus como pai. Vejam como esse 
Evangelho, ou seja, essa boa nova que lhes anunciamos, é admirável desde o começo. 
 
Se vocês duvidam da glória que lhes está prometida, sejam persuadidos pela humilhação de Jesus 
Cristo. Pois a razão do homem tem muito mais dificuldade em compreender que um Deus tenha se 
tornado homem, do que em explicar que um homem possa se tornar filho de Deus. Então, quando 
vocês ouvirem dizer que o Filho de Deus é também filho de Davi e de Abrahão, não duvidem que 
vocês, que são filhos de Adão, sejam também filhos de Deus. Pois teria sido em vão que Deus se 
rebaixou tão profundamente, se não fosse para levantar o homem. Ele nasceu segundo a carne a fim 
de que vocês possam renascer segundo o espírito. Ele nasceu de uma mulher, a fim de que vocês 
possam deixar de ser filhos de uma mulher. 
 
É por isso que ele nasceu de duas maneiras diferentes, sendo uma igual ao nosso nascimento e a 
outra infinitamente elevada acima do nosso: pois ele tem isso em comum conosco – ter nascido de 
uma mulher – mas o que ele tem de particular é “que ele não nasceu do sangue, nem da vontade do 
homem ou da carne[4]”, mas do Espírito Santo, e que nesse ponto seu nascimento constitui a imagem 
desse renascimento divino, que ele nos dará pela graça do Espírito Santo. Podemos dizer a mesma 
coisa de todos os seus outros mistérios. Seu batismo tinha alguma coisa do Antigo Testamento e do 
Novo; do Antigo, tê-lo recebido de um profeta; do Novo, ter recebido ali invisivelmente o Espírito 
Santo. Jesus Cristo, ao se encarnar, fez como uma pessoa que, vendo dois homens lutarem, tomou 
ambos pela mão e os reconciliou. Assim, ao vir ao mundo, ele reuniu a natureza humana e a natureza 
divina, a grandeza de Deus e a pequenez do homem, a antiga lei e a nova. 
 
Vocês podem ver, desde o começo, qual é o brilho dessa cidade santa, e como nela o Rei aparece 
revestido com nossa carne, como um príncipe no meio de sua armada. É comum que um Rei, durante 
o combate, não traga as marcas de sua dignidade e de seu poder. Ele deixa a púrpura e o diadema, e 
se veste como um de seus soldados. Mas os reis da terra se disfarçam assim para que, não se 
deixando conhecer, não atraiam sobre si os esforços de seus inimigos, enquanto que o nosso Rei o 
faz em primeiro lugar para não afugentar seus inimigos, e para não espantar seus amigos. Ele veio, 
não para nos atemorizar, mas para nos salvar. É por isso que, desde o começo do Evangelho, ele é 
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chamado de Jesus; e essa palavra, que é hebraica e não grega, significa “Salvador”, porque, conforme 
diz o Evangelho,“ele salvará seu povo[5]”. 
 
3. Considerem como o escritor sagrado eleva nossos espíritos, e como, não nos falando senão 
de coisas comuns, ele nos revela maravilhas que ultrapassam todas as nossas esperanças. Pois 
esses dois nomes do Filho de Deus, o de Jesus e o de Cristo eram ambos conhecidos de todos os 
judeus. Deus, prevendo que os mistérios que ele haveria de realizar seriam inacreditáveis, quis que 
ele tivesse esse nome divino a partir das figuras ancestrais, para assim prevenir todas as confusões 
que as novidades costumam causar. Pois Josué, que sucedeu a Moisés, e que fez com que o povo 
entrasse na terra prometida, também se chamava Jesus. Vejam a figura, e compreendam agora a 
verdade. Antes, Jesus fez os judeus entrarem na terra prometida; e Jesus agora nos faz entrar no céu 
e desfrutar dos bens eternos. O primeiro fez essa maravilha após a morte de Moisés; o segundo a faz 
depois do fim da lei de Moisés; o primeiro foi o chefe do povo de Deus; o segundo é seu Rei e 
Soberano. 
 
Mas para que, ouvindo o nome de Jesus, vocês não hesitem entre ele e seus homônimos, o 
evangelista acrescenta logo o sobrenome de Cristo: “Jesus Cristo, filho de Davi”. Josué não era da 
tribo de Davi, mas de outra tribo. 
 
Vocês me perguntarão porque São Mateus chama seu livro de “livro da geração de Jesus Cristo”, uma 
vez que ele não contém apenas seu nascimento, mas toda a sua vida. É porque o nascimento de 
Jesus Cristo é o princípio, e como que a raiz de todos os demais mistérios seus, e a fonte única de 
todos os nossos bens. E, assim como Moisés chamou seu livro de “livro da criação do céu e da terra”, 
embora tratasse de muitas outras coisas, também o evangelista nomeia seu livro a partir do mistério 
que é a fonte e o princípio de todos os outros. Pois era uma coisa absolutamente espantosa, e que 
ultrapassava a esperança e a expectativa de todos os homens, que um Deus se fizesse homem; e, 
depois de tão grandiosa maravilha, todo o resto se segue naturalmente a esse princípio. 
 
Mas por que ele não o chama primeiro de “filho de Abrahão”, e a seguir, “filho de Davi”? Não foi, como 
dizem alguns, para ir do último ao primeiro, porque senão ele teria feito como São Lucas, coisa que ele 
não fez. Por que, então, nomeia ele primeiro a Davi? Porque o nome de Davi, príncipe ilustre e muito 
menos antigo do que Abrahão, estava então em todas as bocas. Embora Deus tenha feito a ambos a 
mesma promessa, não obstante o longo passar dos anos fez com que o povo já não se lembrasse 
mais de um e que só se falasse do outro, mais novo e mais recente. Os próprios judeus dizem no 
Evangelho: “Não sabemos nós que o Cristo deve vir da raça de Davi, e da cidade de Belém, onde 
estava Davi?[6]”. Nenhum dentre eles o chamava de filho de Abrahão, e todos o chamavam de filho de 
Davi. Eu repito, Davi era muito mais lembrado do que Abrahão, por ser menos antigo, e por ter sido 
rei. 
 
 É por isso que eles chamavam por esse nome os reis que eles mais queriam honrar. O próprio Deus 
usa esse modo de falar. Ezequiel e outros profetas dizem que “Davi se erguerá e reinará[7]”, coisa que 
ele não referia a Davi, que estava morto, mas aos outros reis que seriam os imitadores de sua 
piedade. Deus diz ainda a Ezequias: “Eu protegerei essa cidade, por mim, e por Davi, meu 
servidor[8]”. Ele também promete a Salomão, “que enquanto ele vivesse ele não destruiria seu reino, 
por causa de seu servidor Davi[9]”. Esse rei estava em grande glória diante de Deus e diante dos 
homens. É por isso que o evangelista começa por ele, e só então passa ao mais antigo de seus pais, 
acreditando ser supérfluo, ao menos aos olhos dos judeus, ir além na enumeração dos seus 
ancestrais, porque aqueles eram os mais ilustres de todos, um por ter sido rei e profeta, e o outro por 
ter sido profeta e patriarca. 
 
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Mas como é possível provar, dirão vocês, que Jesus Cristo descende da raça de Davi? Tendo ele 
nascido, não de um homem, mas apenas de uma virgem cuja genealogia não é apontada, como 
poderemos saber que ele pertencia à raça desse rei? Eis aqui duas dificuldades que se apresentam: 
uma porque a genealogia da Virgem não está indicada, e a outra porque a apontada é a de São José, 
que é inteiramente estranho ao nascimento do Salvador. Parece que a primeira dessas genealogias é 
a única necessária, e que a segunda seria inútil. 
 
Como responderemos a isso? Como demonstraremos que a Virgem descende de Davi? Como o 
provaremos? Escutem o que disse Deus ao anjo Gabriel: Vá a uma virgem que está noiva de um 
homem chamado José, que é da casa e da família de Davi[10]”. Não pode haver nada mais claro, uma 
vez que José era da casa e da família de Davi, e assim se demonstra que também a Virgem o era, 
uma vez que era proibido pela lei que se buscasse uma esposa fora de sua tribo, e desposar uma que 
não o fosse. 
 
O patriarca Jacó havia predito que Jesus Cristo nasceria da tribo de Judá, ao dizer: “Os príncipes não 
cessarão na tribo de Judá e todos os chefes sairão de sua carne até que chegue Aquele que foi 
destinado por Deus, e ele será a esperança das nações[11]”. Essa profecia nos garante, em primeiro 
lugar, que Jesus Cristo sairia da tribo de Judá, mas não mostra que seria da de Davi. Seria a tribo de 
Judá composta apenas pela família de Davi? Não haveriam outras? Ao contrário, muitas famílias eram 
da tribo de Judá, sem que fossem da raça de Davi. Mas, para nos impedir de pensar assim o 
evangelista diz formalmente que José era “da casa e da família de Davi”. 
 
Se vocês quiserem outra prova, aqui está. Não era permitido as casar ou sair, não apenas de sua 
tribo, mas mesmo de sua família e de seu parentesco. Sendo assim, as palavras “da casa e da família 
de Davi” podem ser entendidas tanto de José como da Virgem. Pois se José era da casa e da família 
de Davi, ele certamente não tomaria uma esposa que não fosse da família da qual ele próprio 
descendia. 
 
Mas, dirão, e se José tivesse burlado a lei? O evangelista prevê essa objeção, ao dizer que “ele era 
justo[12]”, a fim de que, reconhecendo nele essa virtude, não se pudesse acusá-lo de violação da lei. 
Como poderia um homem tão caridoso e moderado – incapaz sequer de pensar em punir a Virgem 
embora todas as aparências parecessem obrigá-lo – como poderia um homem tão virtuoso violar a lei 
apenas para satisfazer sua paixão? Como poderia um homem, cuja virtude ia além da própria lei – 
como vemos por sua decisão de deixar sua esposa secretamente – teria se resolvido a pecar 
abertamente contra a lei, sem ser a isso obrigado por necessidade alguma? 
 
É assim evidente, por tantas provas, que a Virgem era da raça de Davi. Vejamos agora porque o 
evangelista não reporta sua genealogia, mas apenas a de José. 
 
4. É porque não era comum que os judeus tirassem sua genealogia do lado das mulheres. 
Assim, para manter o costume, e para não perturbar os espíritos com mais uma novidade, ele não 
menciona os parentes da Virgem, e se contenta em nos relatar a genealogia de José. Se ele tivesse 
relatado a genealogia da Virgem, ele não teria observado a ordem estabelecida, e, se não houvessereportado a de São José, nós não saberíamos a qual tribo pertencia a Virgem. Foi para que 
conhecêssemos quem era Maria e de quem ela descendia, e para manter o costume judaico, que o 
evangelista descreveu a genealogia de José, esposo da Virgem, mostrando que ele era da família de 
Davi. Segue-se daí que também a Virgem o era, porque sem dúvida um homem tão justo, conforme foi 
dito, não teria jamais desposado uma mulher de outra tribo que não da sua. 
 
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Poderíamos ainda reportar outra razão mais misteriosa, para mostrar porque nada se diz da 
genealogia da Virgem, mas não é aqui o lugar para isso, porque já estamos nesse assunto há muito 
tempo. 
 
É melhor terminarmos esse discurso e conservarmos com cuidado esses pontos que explicamos: 
porque o evangelista nos fala primeiro de Davi; porque ele chama seu livro de “livro da geração do 
Salvador”; porque ele dá o nome de Jesus, e de Jesus Cristo; o que esse nascimento tem em comum 
com o nosso; como se demonstra que Maria era da raça de Davi; e, enfim, porque se relata a 
genealogia de José, e não a da Virgem. 
 
Se vocês tiverem o cuidado de se lembrar dessas coisas, vocês nos encorajarão a continuar; mas, se 
forem indiferentes e deixarem tudo escapar da memória, sua frieza nos tornará frios e lentos daqui 
para frente. Pois um trabalhador não de dedica a cultivar uma terra na qual ele vê que o que planta se 
perde e não cresce. Por isso eu lhes peço que façam crescer essa semente, porque esse cuidado 
produzirá grandes benefícios para a salvação de suas almas. Esse santo exercício os tornará 
agradáveis a Jesus Cristo, e, meditando as palavras de sua boca, vocês aprenderão a purificar suas 
bocas de todas as palavras desonestas e injuriosas. Nós nos tornaremos assim temíveis aos 
demônios, quando eles virem nossa língua armada com essas palavras de fogo; e atrairemos para nós 
uma grande graça de Deus, e essa leitura assídua tornará os olhos de nossos corações mais vivos e 
iluminados. 
 
Deus os deu olhos, boca e orelhas, a fim de que nos consagremos ao seu serviço, a fim de que 
falemos dele, que nossas ações sejam para ele, que cantemos seus louvores, que lhe rendamos 
contínuas ações de graças, e que, por meio desses santos exercícios, purifiquemos o fundo de nossos 
corações. Pois, assim como a pureza do ar torna o corpo são, também a santidade dessas ocupações 
torna a alma mais santa e mais pura. 
 
5. Não é verdade que nossos olhos lacrimejam num lugar cheio de fumaça, e que logo que 
passamos ao ar livre, observando a beleza dos campos, as flores e as águas correntes, eles logo 
retomam seu vigor? O mesmo acontece com os olhos da alma. Se eles desfrutam das Escrituras como 
se fossem uma pastagem espiritual, eles se tornarão mais saudáveis, mais puros e penetrantes; mas 
se se deixam obscurecer pela fumaça das coisas do século, serão reduzidos a chorar, nesse mundo e 
no outro. Pois tudo o que existe nesse mundo se assemelha à fumaça. É o que fez Davi dizer: “Meus 
dias se evanesceram como a fumaça[13]”. Ele falava da brevidade e da instabilidade da vida; mas 
creio que podemos dizer também que as coisas do mundo nos cegam como a fumaça, e que elas nos 
enredam com laços semelhantes às teias de aranha. 
 
Pois não há nada que fira ou que perturbe mais os olhos da alma do que o embaraço causado pelos 
cuidados e os negócios do mundo, e essa multiplicidade de desejos e de paixões, que são como a 
lenha que produz essa fumaça. E, como o fogo fumega mais quando a lenha está úmida, também um 
desejo, quando penetra numa alma que está úmida pelo relaxamento e a preguiça, produz 
necessariamente uma fumaceira terrível. É por isso que precisamos do orvalho do Espírito Santo, e 
desse sopro bem-aventurado, a fim de extinguir esse fogo das paixões, de dissipar essa fumaça, e de 
tornar nosso coração mais livre e desembaraçado. Pois é impossível que uma alma pesada com 
tantos cuidados possa se elevar ao alto e voar ao céu. Devemos nos desembaraçar de tudo para que 
possamos correr pelos caminhos de Deus. E não poderemos fazê-lo, a menos que sejamos levados 
pelas asas do Espírito Santo. 
 
Não é uma coisa vergonhosa e ridícula que, ao mesmo tempo em que nos servimos de empregados, 
quando os temos, apenas para serviços necessários, empreguemos nossa boca para coisas que 
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enrubesceríamos em encarregar o menor de nossos servidores, ou seja, para coisas inteiramente vãs 
e supérfluas? E praza a Deus que elas sejam apenas supérfluas, e não más e perigosas! Se nossas 
palavras fossem úteis, é certo que seriam agradáveis a Deus; mas ao contrário, dizemos tudo o que o 
demônio nos inspira: intrigas e maledicências, imprecações e injúrias, juramentos mentirosos, 
perjúrios, gritos de cólera e futilidades, contos de comadres, questões ociosas e sem interesse, eis 
tudo o que costuma sair de nossa boca. 
 
Quem, de vocês que agora me ouvem, que seria capaz de recitar de cor um salmo ou qualquer outro 
trecho da Escritura, se eu lhe pedisse? Creio que ninguém. E, o que é mais deplorável, é que, sendo 
tão indiferentes com as coisas santas, vocês são tão ardorosos para as coisas do diabo. Pois se eu 
lhes pedir para cantar uma dessas canções infames, ou alguns versos lascivos e desavergonhados, 
eu encontraria muitos que os houvessem aprendido direitinho, e que os recitariam com prazer. 
 
Mas, como desculpamos tais excessos? Eu não sou religioso nem solitário, dirão, eu tenho esposa e 
filhos, e cuido dos meus afazeres. De fato, essa é uma grande praga de nosso tempo, acreditar que a 
leitura das Escrituras não é boa senão para os religiosos, enquanto que as pessoas do mundo não 
têm necessidade dela. Mas os que estão no meio do combate, e que recebem todos os dias novos 
ferimentos, precisam mais de remédio do que os outros. É um grande mal não ler os livros que contêm 
a palavra de Deus, mas é pior ainda se convencer de que essa leitura é inútil. Um pensamento assim 
só pode vir do demônio. 
 
Vocês não ouviram o que disse São Paulo: “Tudo o que está escrito, foi escrito para nossa 
instrução[14]”? Se quiséssemos obrigá-los a tocar o Evangelho com as mãos sujas, vocês se 
recusariam a fazê-lo, e, no entanto, vocês não acham necessário saber o que ele tem a ensinar. Está 
aí a causa do desregramento geral que vemos hoje entre os homens. 
 
Se vocês quiserem experimentar o quanto a leitura da Escritura é santa e útil, examinem a si próprios. 
Vejam em que disposição se encontram, quando escutam os salmos e quando escutam canções 
diabólicas; quando estão na igreja e quando estão no teatro; e vocês se surpreenderão de ver o 
quanto a alma, embora sendo a mesma, fica diferente em cada um desses encontros. É por isso que 
São Paulo disse: “Os maus entretenimentos corrompem os bons costumes[15]”. Nós temos 
continuamente necessidade dos cânticos do Espírito Santo. Cantar louvores a Deus é o mais belo 
privilégio do homem, e nada o distingue mais dos animais, que por sua vez possuem sobre ele muitas 
vantagens. É aí que reside o alimento da alma, seu ornamento, sua segurança; ao contrário, a 
negligência da palavra de Deus lhe causa a fome e a morte: “Eu lhes enviarei, disse Deus. Não a fome 
de pão, nem a sede de água, mas a fome da palavra de Deus[16]”. 
 
O que existe de mais deplorável do que atrair voluntariamente sobre si umainfelicidade como a que 
Deus ameaça os homens como sendo um grande suplício, e de reduzir a própria alma a uma fome 
cruel que a enfraquece? Pois é pela palavra que a alma se perde, e por ela se salva. Uma palavra 
inflama a cólera, uma palavra apazigua; uma palavra lança a alma numa paixão brutal, uma palavra 
modesta e grave a torna casta e pura. Se então a palavra de um homem produz tão grandes efeitos, 
como é possível desprezar a palavra do próprio Deus? E se a exortação de um homem é tão 
poderosa, quanto mais não será a do Espírito Santo? 
 
Uma palavra da Escritura é capaz de excitar na alma uma chama mais viva do que o fogo, e de torná-
la capaz das mais belas ações. Foi assim que São Paulo reduziu o orgulho dos Coríntios, que se 
glorificavam de coisas das quais deveriam se envergonhar e que deveriam destinar ao silêncio eterno. 
Mas, quando esse apóstolo lhes escreveu, qual não foi o efeito de suas palavras, como ele próprio 
atesta: “Vejam, com efeito, o que produziu em vocês essa tristeza segundo Deus, que vocês sentiram: 
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quanta solicitude, quanto cuidado em se justificarem, quanto indignação, temor, desejo, zelo e ardor 
em punir o crime![17]”. 
 
É desse modo que vocês disciplinarão seus servidores, seus filhos, suas esposas e seus amigos, e 
que forçarão até seus inimigos a amá-los. É por essas palavras santas que tantos homens amados por 
Deus avançaram no caminho da virtude. Davi, depois de seu pecado, escutou a palavra do profeta, e 
imediatamente acatou a penitência, tornando-se o modelo de todos os penitentes. Foi por palavras 
santas que os apóstolos se tornaram aquilo que foram, atraindo para si toda a terra. 
 
Mas de que serve, dirão vocês, ouvir a palavra de Deus, se não a praticarmos? Mesmo assim, não 
deixaremos de extrair dela um benefício considerável. Pois então nos acusaremos, suspiraremos, 
gemeremos, e acabaremos fazendo o que ela nos ensina. Mas, quando sequer compreendemos o mal 
que foi feito, como poderemos fugir dele ou nos arrependermos? 
 
Não devemos, assim, negligenciar a santa Escritura. É o demônio que nos inspira esse desgosto, para 
que nos roube as pérolas e os diamantes que nos enriquecem. É por isso que ele nos persuade que é 
inútil ouvir a palavra de Deus, para que ele não tenha que lamentar nos vendo por em prática aquilo 
que escutamos. É preciso reconhecermos esse perigoso artifício, e nos fortalecermos de todos os 
lados contra seus ataques; a fim de que, cobertos com essa armadura espiritual, sejamos 
invulneráveis contra nosso inimigo, e que, tendo-o vencido e trazendo as marcas de nossa vitória, 
desfrutemos para sempre dos bens do céu, pela graça e a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, 
a quem pertence a glória e o poder, pelos séculos dos séculos. Amém. 
 
 
 
 
[1] Hebreus 12: 20. 
[2] Isaías 53: 8. 
[3] Baruch 3: 38. 
[4] João 1: 13. 
[5] Mateus 1: 21. 
[6] João 7: 42. 
[7] Ezequiel 37: 24. 
[8] IV Reis 19: 34. 
[9] III Reis 2: 34. 
[10] Lucas 1: 27. 
[11] Gênesis 49: 10. 
[12] Mateus 1: 19. 
[13] Salmo 101: 12. 
[14] Romanos 15: 4. 
[15] I Coríntios 15: 33. 
[16] Amós 8: 11. 
[17] II Coríntios 7: 11. 
 
Terceira Homilia: Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abrahão - 
Capítulo I, versículos 1 a 16 
 
 
 
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1. Eu tinha razão de dizer que essas palavras divinas possuem uma profundidade admirável, 
pois, depois de tudo o que dissemos, ainda não acabamos de explicar o começo. Vamos hoje tentar 
terminar o que resta daí. 
 
A questão que temos a tratar é a seguinte: por que o Evangelista fornece a genealogia de Jose, que é 
estranho ao nascimento do Filho de Deus? Já demos uma razão, mas é preciso acrescentar outra, 
mais misteriosa e mais oculta. Qual é essa razão? O Evangelista não queria que os judeus 
conhecessem desde logo o segredo dessa gravidez divina, nem que Jesus Cristo tivesse nascido de 
uma virgem. Não se perturbem com a aparente estranheza dessa razão, que não é minha; eu só 
reporto o que recebi de nossos Padres, esses homens ilustres e admiráveis. Se o próprio Jesus Cristo 
ocultou de início muitas coisas, chamando a si mesmo de “filho do homem”, e nunca declarando ser 
em tudo igual aoPai, por que nos espantarmos que ele tenha querido ocultar assim por algum tempo o 
mistério de seu nascimento, por uma conduta cheia de sabedoria. E por razões muito importantes? 
 
Quais seriam, vocês dirão, essas razões tão importantes? Foi para proteger a Virgem, sua mãe, e 
defendê-la de uma vergonhosa suspeita. Se os judeus tivessem sabido desde o começo essa 
maravilha, eles não teriam deixado de interpretá-la maldosamente, e talvez tivessem lapidado a 
Virgem depois de condená-la por adultério: pois, se sua impudência combatia em Jesus Cristo ações 
de que eles conheciam os exemplos pelo Antigo testamento; se chamavam de demoníaco Àquele que 
expulsava os demônios; de inimigo de Deus a quem fazia milagres no dia de sábado, embora o 
sábado tivesse sido violado sem crime algum, o que não teriam dito ao escutar esse nascimento tão 
milagroso, uma vez que se apoiavam na autoridade de todos os séculos passados, quando nunca 
jamais se vira algo semelhante? Se depois de tantos milagres eles não deixavam de chamá-lo de filho 
de José, como teriam acreditado ser ele filho de uma Virgem, antes daqueles milagres? É por isso que 
o Evangelista conta a genealogia de José, e reporta que ele desposou a Virgem. Se o próprio José, 
mesmo sendo santo e justo, precisou de tantas provas para crer nessa maravilha, se foi preciso que 
um anjo lhe falasse, que ele tivesse revelações durante a noite, que ele tivesse sido assegurado pelo 
testemunho dos profetas – como os judeus, tão cegos, corruptos e declaradamente contrários a Jesus 
Cristo, haveriam de se render a essa verdade? Uma maravilha tão rara e tão inédita em toda a 
antiguidade os teria sem dúvida lançado numa estranha perturbação. 
 
Uma vez convencidos de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, não nos espantamos mais com seu 
nascimento maravilhoso; mas como aqueles que o chamaram de sedutor e inimigo de Deus, não 
teriam se escandalizado com essa verdade, e não teriam concebido alguma detestável suspeita? É 
por isso que os apóstolos não se apressaram em anunciar desde logo esse nascimento maravilhoso 
de Jesus Cristo. Eles estabeleceram fortemente sua ressurreição, fato que estava mais ao alcance dos 
Judeus, porque esses haviam tudo, anteriormente, exemplos de pessoas ressuscitadas, ainda que de 
uma maneira bem diferente; mas eles não publicaram de início que Jesus Cristo tivesse nascido de 
uma virgem. Sua própria mãe não ousou revelar o segredo; pois ela disse a Jesus Cristo, quando o 
encontrou no templo: “Seu pai e eu o procurávamos[1]”. 
 
Se os judeus tivessem tido qualquer conhecimento desse mistério, eles jamais acreditariam que Jesus 
Cristo era filho de Davi, e sua incredulidade, a esse respeito, poderia ter tido funestas consequências. 
Nem os próprios anjos revelaram esse segredo; eles o contaram apenas a José e Maria; e quando 
eles anunciaram aos pastores o nascimento do Salvador, eles não disseram de que maneira isso 
aconteceu. 
 
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Mas por que o Evangelho, ao falar de Abrahão, diz que ele gerou Isaac, e que Isaac gerou Jacó, sem 
dizer uma palavra sobre Esaú, seu irmão, enquanto que, ao falar de Jacó, ele diz expressamente que 
ele gerou Judá e seus irmãos? 
 
Alguns dizem que é porque Esaú e os de sua raça foram maus, mas eu creio que essa não é uma boa 
razão; se fosse, por que, logo depois, são nomeadas mulheres que foram famosas por sua desonra? 
Parece-me que o Evangelista quis aumentar a glória de Jesus Cristo por um efeito de contraste, pela 
pequenez e a vulgaridade de seus ancestrais, mais do que pela sua glória; pois ninguém é mais 
glorioso do que Aquele que é infinitamente grande, e que voluntariamente se rebaixou até tal ponto. 
 
Por que o Evangelista não diz nada de Esaú e de sua raça? É porque os sarracenos, os ismaelitas, os 
árabes e todos os demais povos descendentes dele não possuem nada em comum com os israelitas. 
É por isso que São Mateus nada diz deles, para passar mais rapidamente aos que entraram na 
genealogia de Jesus Cristo, e que pertenciam ao povo judeu. Então ele diz: “Jacó gerou Judá e seus 
irmãos”, palavras que indicam a raça dos judeus. 
 
2. “Judá gerou Fares e Zara, de Tamar”. Que faz você, santo Evangelista, ao nos reportar essa 
história, fazendo-nos lembrar de um incesto? Mas, dirá ele, com que se espantam vocês? Se eu 
reportasse a genealogia de um simples homem, eu poderia dissimular alguma coisa; mas, como 
estamos falando do mistério de Deus encarnado, não apenas não devemos calar sobre essas coisas, 
como ainda devemos glorificá-las, porque elas fazem sobressair ainda mais sua bondade e seu poder, 
porque ele veio, não para evitar nossa ignomínia, mas para apagá-la. A mesma coisa vemos em seu 
nascimento e em sua morte; sua morte seria menos admirável sem a cruz, que foi um instrumento 
infame, mas cuja infâmia fez com que brilhasse ainda mais a bondade Daquele que não teve receio de 
enfrentá-la por amor aos homens; da mesma forma, o que devemos admirar em seu nascimento, não 
é apenas o fato de que ele tenha tomado um corpo e se feito homem, mas ainda que ele se dignou 
descender de antepassados como esses que vimos, sem se envergonhar por causa dos males 
próprios à humanidade. 
 
Ele queria nos declarar em alto e bom som que ele não desprezava nossas baixezas, e nos ensinar ao 
mesmo tempo que não devemos enrubescer por causa dos vícios e defeitos de nossos parentes, mas 
sim não pensar em outra coisa que não seja nos tornarmos virtuosos. Pois quem é virtuoso não 
recebe nenhum desdouro por causa da obscuridade ou da infâmia de seu nascimento, ainda que 
tenha nascido de uma mãe estrangeira ou de uma mulher impudica. Pois se o fornicador convertido 
não precisa mais se envergonhar de sua vida passada, bem menos nos envergonharemos das 
desordens de nossos antepassados, desde que apaguemos com nossa virtude a vergonha de nosso 
nascimento. 
 
Mas Jesus Cristo não quis apenas nos dar essa instrução, ele quis também reprimir o orgulho dos 
judeus; pois esse povo, negligenciando a verdadeira nobreza da alma, tinha sem cessar o nome de 
Abrahão em seus lábios, como se a virtude de seus pais fosse justificação para seus vícios. Jesus 
Cristo começa por destruir esse erro, e os ensina a não se apoiarem sobre a virtude de outros, mas 
apenas sobre a própria virtude. Ele queria ainda fazê-los ver que seus pais eram viciosos, e que o 
próprio Judá, o patriarca de quem eles tiraram seu nome, caíra num grande crime, porque Tamar, 
nomeada em seguida a ele, levantou-se contra ele e reprovou-lhe sua impudicícia. Também Davi teve 
seu filho Salomão com uma mulher com a qual havia cometido adultério. 
 
Assim, se esses grandes homens nem sempre cumpriram a lei de Deus, seus descendentes, menos 
bons do que eles, estavam bem mais longe de o fazer. E, se ninguém jamais cumpriu a lei com 
perfeição, todos pecaram, e a vinda de Jesus Cristo era inteiramente necessária. 
 
Foi também com esse objetivo que o Evangelho nomeia os doze patriarcas, a fim de abater o orgulho 
que os judeus extraíam da nobreza de seus ancestrais; pois muitos desses patriarcas eram nascidos 
de mães escravas. Entretanto, a diferença entre as mães não causou diferença entre os filhos, e todos 
foram igualmente patriarcas e príncipes de suas tribos. Essa igualdade foi desde o início um privilégio 
da Igreja. Pois essa é a vantagem dos cristãos, ou seja, a nobreza que extraímos do próprio Deus: 
quer sejamos livres, quer escravos, temos direito às mesmas graças. Na cidade de Cristo, não se 
considera outra coisa que não a boa vontade e a nobreza da alma. 
 
3. Além dessas razões, existe ainda uma outra. Pois não foi sem motivo que, depois de haver 
dito: “Judá gerou Fares”, o Evangelista acrescenta: “e Zara”. Pareceria inútil, depois de haver 
mencionado Fares (de quem Jesus descendia), falar ainda de Zara. Por que ele o fez? Eis a

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