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Mutação constitucional

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Mutação constitucional: conceito, histórico e evolução 
Mutação constitucional é a forma pela qual o poder constituinte difuso se manifesta. É forma de alteração do sentido do texto maior, sem, todavia afetar-lhe a letra. Trata-se de uma alteração do significado do texto, que é adaptado conforme a nova realidade na qual a constituição está inserida.
As mutações surgem de forma lenta, gradual, sendo impossível lhe determinar uma localização cronológica. É fruto da própria dinâmica social, da confluência de grupos de pressão, das construções judiciais, dentre outros fatores. Devido a sua construção sedimentada e paulatina, é incapaz de gerar rupturas ou tensões na ordem jurídica (Agra, 2010, p. 30).
Na busca pelo conceito de mutação constitucional, Bullos (2010, p. 118) a descreve como o “fenômeno pelo qual os textos constitucionais são alterados sem revisões ou emendas”, para ele:
O fenômeno das mutações constitucionais, portanto, é uma constante na vida dos Estados. As constituições, como organismos vivos que são, acompanham o evoluir das circunstâncias sociais, políticas, econômicas, que, se não alteram o texto na letra e na forma, modificam-no na substancia, no significado, no alcance e nos seus dispositivos.
O fato das mutações constitucionais serem construídas no decorrer de um longo período de tempo, faz com que a sua ocorrência seja perceptível apenas mediante o estudo comparativo do emprego do texto constitucionalao longo de períodos relativamente distantes entre si, sendo que tal situação dificulta o estudo deste mecanismo de reforma constitucional. (Bezerra, 2002, P. 07)
O primeiro estudo do fenômeno ocorreu já tardiamente. Foi a doutrina alemã a primeira a estudar a existência das mutações constitucionais, quando verificou que o Reich conseguiu alterar todo o funcionamento das instituições do Estado sem que fosse preciso qualquer reforma do texto constitucional.(Bullos, 2010. P. 118). Perceberam os juristas germânicos que embora as normas constitucionais se mantivessem formalmente inalteradas, as práticas legislativas, administrativas e judiciais direcionavam o estado alemão por caminhos distintos daquele previsto pelo constituinte, tal situação demonstrava que a rigidez da constituiçãoera insuficiente para impedir as alterações fáticas da mesma (Pádua, 2006, p. 16).
Verifica-se que as mutações constitucionais, como fenômeno fático, afetam todos os tipos de constituição, desde as rígidas até as flexíveis (Bullos, 2010. P. 120). A Constituição norte-americana, conhecida por sua rigidez e normatividade, tem se mantido, sob o aspecto formal, quase inalterada há mais de 200 anos.
Não obstante, a rigidez da carta estadunidense, ao invés de impedir, foi fator crucial para que aquele direito experimentasse a realidade da mutação constitucional. A doutrina norte-americana desde cedo percebeu que sua constituição sofria grandes alterações semânticas sem mudança de texto em virtude da releitura daquela perante os tribunais quando da resolução dos casos concretos que lhe eram submetidos. É esta atualização informal a responsável pela grande longevidade da carta magna do Estados Unidos da América.
O fato de que a cultura jurídica norte-americana já está de longa data familiarizada com a ideia de que a constituição deveria ser entendida como parte da realidade, fez com que, aos olhos daquele povo, a noção de mutações constitucionais se apresenta como uma consequência natural da aplicação das normas constitucionais (Pádua, 2006, p. 17).
O fundamento da mutação constitucional, na visão de Bezerra encontra-se “na adequação sociológica da Constituição, em sua dimensão material. No poder constituinte em sentido amplo, espontâneo e informal.” (Bezerra, 2002).
Hsü Dau-Lin (Apud, Pádua, 2006, p. 35) constrói seu pensamento sobre o fenômeno da mutação constitucional relacionando-a com a superação da tentativa de estabilização da constituição, vistas que a força normativa do texto se submete à força da necessidade política, desta forma entende o autor que:
Para fornecer um conceito que corresponda, do mesmo modo a diferentes casos geralmente designados como “mutação constitucional”, quiçá poderia-se dizer que se trata da incongruência que existe entre as norma constitucionais por um lado e a realidade por outro.
Desta maneira, as mutações constitucionais são a evidencia da estreita relação entre o direito e o progresso cultural, de forma que aquele também evolui no decorrer do tempo, fazendo assim que a doutrina da imutabilidade do direito seja mera fantasia.
Antonio Pádua (2006, p. 30-31), no mesmo sentido, entende que a mutação constitucional é uma evidencia da força normativa da realidade, pois “a Constituição nada pode contra a realidade, mas é capaz de algo quando com ela está conforme”.
Percebe-se então que a mutação constitucional é fruto da relação entre a norma constitucional e a realidade. A norma é criada para amoldar a realidade segundo os valores presentes na sociedade em que aquela é estatuída, conforme a sociedade evolui, evoluem os valores desta e consequentemente o seu direito. Nem sempre haverá a necessidade de se adequar formalmente o texto constitucional a esta mudança, muitas vezes as próprias práticas estatais amoldarão o conteúdo das normas às novas exigências da sociedade.
Assim, com base no reconhecimento da força normativa da realidade, Jellinek (Apud Pádua, 2006, p. 31) elaborou o seu conceito de mutação constitucional entendendo que todo ato normativo é uma busca pela racionalização do futuro e de sua modulação a partir do presente. Entretanto como a realidade é formada por diversas circunstâncias, a prescrição da norma nem sempre se adequa à realidade existente na época de sua aplicação, pois, “ a vida real produz sempre fatos que não correspondem à imagem racional que desenha o legislador” (Jellinek, apud Pádua, 2006, p. 31). Diante da separação entre a norma e a realidade, muitas vezes, determinados preceitos não se tornam realizáveis, sendo que a prática acaba por, de forma imperceptível, adequá-los à realidade, o que ocorre por meio das mutações constitucionais.
As mutações constitucionais, não visão do autor, não constituem modificações intencionadas da constituição. Não há naquelas a vontade de se alterar o texto desta, antes ocorrem informalmente, sendo reflexo das mudanças da sociedade sobre a qual a norma incide. Assim é fácil distingue-las das reformas à Constituição, posto que estas se caracterizariam por ser modificações intencionadas e direcionadas a um fim.
[Por] reforma da Constituição entendo a modificação dos textos constitucionais produzidos por ações voluntárias e intencionadas. E, por mutação da constituição, entendo a modificação que deixa intacto o seu texto sem alterá-lo formalmente, que se produz por feitos que não tem que se fazer acompanhar pela intenção ou consciência da mutação. (Jellinek, apud Pádua, 2006, p. 32)
Uma interessante consideração sobre o fenômeno da mutação constitucional é feita por Paulo Branco (2010, p. 306) que distingue a mutação constitucional da interpretação inconstitucional, diferenciação esta, que é bastante tênue e pode gerar confusão, pois, em primeiro lugar, mutação é consequência de duas situações, a primeira ocorre quando o fato sobre o qual a norma deve incidir sofre modificações na sua estrutura ou natureza, com isso o significado da norma acaba mudando sem que o seu texto seja modificado. A segunda situação se dá quando uma nova visão jurídica para a vigorar na sociedade.
É importante salientar que nas duas situações houve uma mudança na seara dos fatos, ou seja houve mudanças no mundo material. No primeiro caso, motivos diversos acabaram alterando a realidade de forma que esta não mais mantém sintonia com a hipótese prevista pelo legislador. Na segunda modalidade, a própria dinâmica jurídica, também por influencia dos fatores externos que operam no mundo real, acabou por fazer prevalecer uma visão do direito que não prevalecia na época da elaboração da norma.
Todavia não basta que a realidade mude para que o Estado mude,pela apliação a norma jurídica, a Constituição. É condição sine qua non para a existencia de mutação constitucional que a nova interpretação da norma jurídica encontre apoio no teor das palavras utilizadas no texto de forma que aquela não modifique a estrutura da Carta Magna, pois se isto acontecer não se trata de mutação constitucional, mas de mera interpretação inconstitucional.
Modalidades de Mutações Constitucionais.
O jurista sino-nipônico Hsü Dau-Lin (Apud, Pádua. 2006, p. 38-40) dedicou-se com afinco ao estudo do fenômeno da mutação constitucional, na opinião deste o Sollen (dever ser) e o Sein (ser) embora intimamente relacionados não se confundiam. O real tem grande influencia na eficácia da norma constitucional, todavia, para o autor, considerar que a constituição extrai todo o seu poder da seara dos fatos é uma negação da separação dos planos do ser (mundo empírico) do dever ser (norma). Desta forma, é um grande erro esquecer que a Constituição, assim como qualquer lei, possui em si mesma uma força decorrente de suas normas que lhe é própria e não depende nenhum fator externo.
O fundamento da mutação constitucional está portanto no fato de a Constituição e o Estado estarem de tal forma relacionados, que a primeira vem a ser a ordem jurídica da vida na qual o Estado tem a sua realidade vital. A Constituição acaba por abranger toda a vida jurídica e social do Estado de forma que estas se realizam conforme o sentido de sua Constituição escrita. Todavia Antônio Pádua (2006, p.40) observa que existe um preço que a Constituição paga para exercer um papel tão valioso na seara estatal e este preço é que a Constituição deve ser mais do que um esquema normativo, deve antes de tudo “um esquema normativo, aberto, flexível e impreciso, voltado à realização da idealização que tem no próprio conteúdo”.
Isto significa que o Texto Maior deve estar sempre aberto às mudanças do meio social para que possa realizar os objetivos idealizados pelo legislador constituinte, ou seja para que cumpra a sua finalidade, sendo que a primeira finalidade da constituição é manter vivo o próprio Estado.
Desta maneira a Lei Suprema deve se manter o mais operativa possível, sendo que, caso necessário ao cumprimento do seu fim, receber como válidas, práticas que mesmo afrontando o seu texto literal, sejam indispensáveis para manter a ordem social. Desta forma nenhum texto constitucional é capaz de manter a rigidez a que se propõe, pois o direito não escapa à força da universal da transformação, antes, no dizer de Miguel Reale (Apud, Coelho, 2010, p. 156) deve “ser estável sem ser estático e dinâmico sem ser frenético”.
Desenvolvendo este raciocinio entende-se que o Estado é uma instituição autorreferente que precisa manter-se integra de qualquer forma, sendo que, no caso de a realidade se modificar ao ponto de ser necessário realizar reformas constitucionais com o fim de preservar a incolumidade do Estado e tais reformas não serem operadas pelas vias formais, o ímpeto de sobrevivência o Estado forçará a modificação por outro método, ou seja pelas mutações constitucionais.
Neste sentido Dau-Lin (Apud, Pádua, p. 41- 43) entende que existem dois tipos de mutações constitucionais, as mutações formais e as materiais. O primeiro tipo correspondem às mutações que mesmo investindo contra o texto da Constituição, não ataca o sistema constitucional, entenda-se a idealização ordenatória idealizada na Lex Matter. A segunda modalidade de mutação, as materiais, são assim denominadas por que afrontam o sistema constitucional como um todo.
Pode-se perceber claramente que as mutações formais são desejáveis à ordem jurídica, pois não contrariam o sistema constitucional e prestam valiosos serviços à manutenção da ordem jurídica, adequando a norma à realidade. Por outro lado as mutações materiais, ainda que violem a intenção do legislador constituinte não podem ser impedidas, pois em nome do bem maior – manutenção da ordem estatal – a norma acaba tombando como consequência da forma da realidade.
As mutações constitucionais podem ainda, segundo Dau-lin (Apud, Pádua, 2006, p. 36), serem agrupadas em quatro categorias, as quais ele denomina de “classe de mutação”, quais sejam:
· “1. Mutação da Constituição por meio de uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição.”
Neste caso, a prática estatal não contraria o texto formal de nenhuma norma constitucional específica, não se ignora nenhum artigo da Constituição, mas aquela se confronta com o sistema desta. Existe um contraste entre o “dever ser” e o “ser” que apenas pode ser percebida quando a Constituição é tomada em seu conjunto, sob a sua perspectiva global, de forma que a mutação contraria tal sentido.
· 2. Mutação da Constituição pela impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente.
Neste caso a mutação decorre da incapacidade de um preceito normativo constitucional gerar efeitos no mundo empírico, a constituição é superada pela realidade de forma que determinada previsão não pode mais ser operada ainda que continue, sob a ótica da técnica-jurídica, válida.
· 3. Mutação da Constituição por meio de uma prática estatal contrária à Constituição.
Esta classe de mutação contraria flagrantemente o preceito normativo constitucional. A prática legislativa, administrativa ou ainda judicial (o ser) está em total desconformidade com a norma (dever ser). Diferentemente da primeira modalidade em que a mutação somente era perceptível quando da analise sistemática da Constituição, nesta classe tal situação é inequívoca.
· 4. Mutação da Constituição pela interpretação.
Neste caso a norma constitucional vai tendo o seu conteúdo modificado à medida em que esta passa a regular situações reais cada vez mais distintas daquelas para as quais fora criada. Cabe a mutação por interpretação principalmente quando determinados preceitos cujos enunciados para serem interpretados dependem de fatores que se alteram com o tempo, de forma que acabam por desatender o texto constitucional ou o sentido que originalmente lhe foi dado pelo constituinte.
Limitações à Mutação Constitucional.
Como forma de manifestação do controle difuso, a priori as mutações constitucionais não encontram nenhuma limitação, pelo menos nenhuma limitação jurídica. Walber Agra vê nas cláusulas pétreas, implícitas e explicitas uma limitação à atuação das mutações constitucionais, já que, tais cláusulas são inalteráveis pela via formal. Por seu turno, Bullos afirma que os limites às mutações acabariam sendo até mesmo de ordem subjetiva ou psicológica, pois caberia ao intérprete, na aplicação do direito, não extrapolar os limites do bom senso.
No entanto, não se deve olvidar que se por um lado as cláusulas pétreas também estão sujeitas, ainda que em maior lapso temporal, a um processo de evolução, lenta e gradual, junto à sociedade a qual regem, por outro, as mutações se baseiam nos fatores de evolução e transformação social, também nestes encontra os seus limites e não meramente na consciência do interprete, pois se a interpretação for destoante da realidade, também não terá nenhuma validade. Neste sentido, o professor Paulo César Santos Bezerra, verifica que:
Por ser uma expressão do próprio Poder Constituinte Material, encontra limites e influências estranhas ao mundo jurídico, sejam de ordem moral, política, ideológica, social, religiosa, cultural, enfim, toda sorte de circunstâncias que se manifestam na comunidade à qual pertence a Constituição. (Bezerra, 2002, p. 07 )
O estudo desse tema tem sido cada vez mais frequente no cenário nacional, sendo que cada vez mais autores brasileiros abordam sobre o tema mutação constitucional, buscando-se ainda um aprofundamento no estudo do poder constituinte difuso, destaca-se nesse estudo o professor Uaide Lammego Bulos um dos primeiros a publicar obra especifica sobre o assunto intitulada Mutação Constitucional São Paulo: Saraiva, 1997.
Como a sociedade é dinâmica e refaz seus entendimentos (ou constrói outros) com o passar do tempo, o ordenamento constitucional deve acompanharessa evolução do pensamento social sob pena de ver-se tolhido do fundamento que lhe concede validade: a soberania popular.
Existe grande equívoco em se imaginar uma constituição como um ente imutável. A sociedade é dinâmica. Uma interpretação cristalizada no tempo tende a se demonstrar obsoleta. A esse respeito: “uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto o possível com o antigo”[2]
Sem possibilidade de adaptação à realidade social, a Constituição não passaria de uma folha de papel, sem concretização no meio social.[3]
Assim, seja rígida ou flexível, toda Constituição é passível de mudança, e até aconselhável que o seja, sob pena de ser tornar absolutamente ultrapassada, criando problemas incontornáveis para a comunidade que regra sua conduta conforme suas normas. Para tanto, utilizam-se os meios formais e os meios informais.
São meios formais: revisão constitucional e emendas à constituição. O tema em análise, contudo, mutação constitucional, constitui meio informal de alteração do conteúdo constitucional.

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