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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO AULA 1 Profª Karla Knihs 2 CONVERSA INICIAL Você já parou para pensar em como funcionam as questões legais entre os países? Se não há um “Poder Legislativo” mundial, de que forma o direito regula as relações entre os países? É o que vamos discutir e compreender nesta disciplina de Direito Internacional Público. Nesse primeiro momento, é preciso compreender que as relações internacionais são caracterizadas pela inexistência de um poder central mundial, ou seja, não há um ente de direito internacional que imponha aos Estados soberanos as suas deliberações, havendo igualdade jurídica entre os Estados, em razão de sua soberania, que não podem, em razão do princípio da não intervenção, interferir nos assuntos internos dos outros países. O direito internacional público disciplina e rege a chamada “sociedade internacional”, e é esperado que a vida em sociedade seja permeada de conflitos interpessoais, tendo em vista os interesses variados dos sujeitos pertencentes a ela. Tais conflitos, para serem resolvidos, necessitam do respeito às normas e princípios inerentes ao direito internacional. Estudaremos, portanto, nesta aula, os principais conceitos acerca do direito internacional e da sociedade internacional, para entender a maneira que esta é organizada do ponto de vista jurídico. TEMA 1 – INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL O direito internacional público surgiu no fim do século XVI e início do século XVII, quando se formaram os Estados-nação com as características que conhecemos hoje. Assim, na formação do direito internacional, temos como primeiro e principal elemento o Estado, sendo que, até o século XX, ele era considerado o único sujeito absoluto do direito das gentes. Com a Segunda Guerra Mundial, tal concepção foi posta de lado, e passaram a surgir as chamadas organizações internacionais intergovernamentais. Ou seja, os dois tratados de Vestefália demarcaram a nova era do direito internacional público, assim como o fim da Guerra dos 30 Anos (em 1648), quando nasceu a soberania nacional. Muitos autores consideram que antes da Paz de Vestefália não existia direito internacional. Assim, ela demarcou a soberania entre os Estados, a obrigação de não intervenção nos assuntos internos e a igualdade jurídica. 3 O plano internacional é de ordem jurídica horizontal, ou seja, sem hierarquização ou subordinação. Nele não há nenhuma autoridade superior, assim como não existe nenhum tribunal internacional soberano, capaz de obrigar os Estados a cumprirem, de forma cogente, suas decisões – inclusive, a própria participação dos Estados nos tribunais internacionais exige a sua aceitação. Um dos fundamentos centrais do direito internacional público é o consentimento. Há necessidade de consentimento dos Estados em se submeterem a regras e princípios advindos de toda a sociedade internacional. A soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Não seria possível falar em diminuição da soberania de um Estado quando aceita as disposições de determinado tratado internacional. Tem-se, assim, uma ordem jurídica descentralizada, apesar de organizada pela cooperação (também denominada coordenação). TEMA 2 – CONCEITO, OBJETO E SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL O direito internacional público é conceituado como o ramo do direito que tem por finalidade regulamentar as relações jurídicas existentes entre os sujeitos de direito internacional dentro da sociedade internacional. Pode ser conceituado, também, como o conjunto de regras que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Para a corrente clássica-positivista, direito internacional é “o conjunto de regras e princípios que regem as relações jurídicas entre Estados” e “um sistema de princípios e normas que regulam as relações de coexistência e de cooperação, frequentemente institucionalizadas, além de certas relações comunitárias entre Estados, dotados de diferentes graus de desenvolvimentos socioeconômico e de poder” (Velasco, 2007). Ainda, direito internacional é “o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas organizações, e dos indivíduos” (Accioly, 2009). Por fim, direito internacional “é o ramo da ciência jurídica que visa regular as relações internacionais com o fim precípuo de viabilizar a convivência entre os integrantes da sociedade internacional” (Gutier, 2011). 4 Segundo Jorge Americano (citado por Gutier, 2011), ö objeto do direito internacional é o estabelecimento de segurança entre as nações, sobre princípios de justiça para que dentro delas cada homem possa ter paz, trabalho, liberdade de pensamento e de crença”. O direito internacional público (DIP), portanto, tem a função de repartição de competência entre os Estados soberanos, cada qual com sua delimitação territorial, no qual exerce sua jurisdição. Ele fixa obrigações aos Estados, de modo que suas liberdades de atuação sejam (de)limitadas, bem como rege as relações entre organizações internacionais. Os atores do direito internacional público estão sujeitos a regras, princípios e costumes internacionais, e serão elencados a seguir. 2.1 Estados Possuem personalidade jurídica originária e capacidade jurídica plena, e seus elementos constitutivos são: povo, território e governo soberano (capacidade de auto-organização). 2.2 Organizações internacionais As organizações internacionais têm personalidade internacional recente, e surgiram a partir da Liga das Nações, que foi a primeira organização internacional. Proliferaram após a Segunda Grande Guerra. Há autores que as distinguem entre perfeitas, que gozariam de personalidade jurídica internacional (por exemplo ONU, OIT), e imperfeitas, que não teriam personalidade jurídica internacional (organizações supranacionais, como a União Europeia). Para o direito internacional público, os seguintes aspectos caracterizam uma organização internacional: Multilateralidade: significa que a organização internacional surge da vontade de variados Estados, por meio de tratado constitutivo; apresenta- se em âmbito universal (como é o caso das Nações Unidas – ONU) ou apenas em âmbito regional (como a Organização dos Estados Americanos – OEA). Permanência: significa que a organização internacional não tem data definida de duração, ou seja, tem tempo indeterminado. 5 Institucionalização: significa que a organização internacional conta com todo um aparato próprio, incluindo órgão e meios para resolução de conflitos. Aqui também é importante ressaltar que a criação e o funcionamento da organização internacional dependem do disposto em seu respectivo tratado constitutivo. 2.3 Outros sujeitos Empresas transnacionais, ONGs etc. 2.4 Indivíduos Tribunais/cortes internacionais; Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH); pessoa como autor; Tribunal Penal Internacional. TEMA 3 – FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL Direito internacional é o conjunto de fontes que vai regular as relações entre os sujeitos. Assim: direito internacional = fontes + sujeitos. Por fontes do DIP entendemos os documentos ou pronunciamentos dos quais emanam direitos e deveres de pessoas internacionais; são os modos formais de constatação do direito internacional. A Corte Internacional de Justiça é o principal tribunal judiciário de natureza permanente da sociedade internacional. Seu estatuto contém, no artigo 38, uma relação das fontes, ou elementos aplicáveis, em suas decisões, ou seja: a. Convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. Costumeinternacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo de direito; c. Princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. E, excepcionalmente, decisões judiciárias e doutrina dos publicistas mais qualificados. No parágrafo 2º, o estatuto esclarece que a CIJ tem a faculdade de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem (equidade). 6 TEMA 4 – FONTES EM ESPÉCIE 4.1 Costumes Repetição ao longo do tempo de determinado comportamento. Maneira justa e juridicamente correta de agir. Extinção do costume: tratado mais recente que codifica ou revoga, pelo desuso ou surgimento de um novo costume. 4.2 Princípios gerais de direito Os princípios especiais da ordem jurídica internacional, ou princípios gerais de direito internacional, seriam os princípios aplicáveis especificamente às relações entre Estados que distinguir-se-iam tanto das regras quando dos costumes: Primado do direito internacional sobre a lei interna; Respeito à independência dos Estados; Continuidade dos Estados; Responsabilidade internacional; Patrimônio comum da humanidade; Respeito à delimitação do mar territorial; Igualdade soberana entre os Estados; Princípio da não agressão; Princípio do desarmamento; Princípio da proibição da propaganda de guerra; Princípio da autodeterminação dos povos. A Constituição Federal traz, eu seu art. 4º, alguns desses princípios: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 7 4.3 Atos unilaterais dos Estados Entende-se por ato unilateral aquele manifestado por sujeito de direito internacional público (Estado ou organização internacional) que se apresenta suficiente para a produção de efeitos jurídicos. Exemplos: barreiras alfandegárias, alíquotas de impostos de importação, política de vistos etc. 4.4 Decisões das OIs Resoluções, recomendações, declarações e diretrizes. O significado e seus efeitos variam conforme a entidade. Exemplo: Declaração Universal dos Direitos Humanos. 4.5 Jurisprudência e doutrina A jurisprudência internacional é formada por decisões arbitrárias, decisões judiciárias e pareceres consultivos da CIJ. 4.6 Analogia e equidade A analogia é utilizada quando há lacuna na lei, e equidade, do latim aequitate, é um método de raciocínio jurídico, mecanismo de análise amparado pela combinação da noção de igualdade com a ideia de moderação (a equidade não é norma jurídica). Num julgamento ex aequo et bono, há necessidade de concordância das partes, sob pena de a sentença ser considerada nula. TEMA 5 – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS INTERNACIONAIS É importante conhecer quais são os mais importantes instrumentos legais internacionais, a saber: 1. Tratados de Vestefália, de 1648: série de tratados que deram ensejo à chamada Paz de Vestefália, pois delimitou o conceito clássico de soberania dos Estados, a noção de diplomacia e determinou a autoridade da monarquia. 2. Tratados de Utrecht, de 1713: trouxeram fim às guerras de sucessão espanhola e foram responsáveis pela consolidação do movimento para a soberania territorial na Europa. 8 3. Tratado de Paris, de 1814: pôs fim às Guerras Napoleônicas e pavimentou o caminho para o Congresso de Viena (1814-1815). O Congresso de Viena, por sua vez, definiu a natureza do acordo pós- Guerra Napoleônica, e, finalmente, levou ao chamado “Concerto da Europa”, também denominado Congresso do Sistema. 4. Tratado de Versalhes, de 1919: formalmente deu fim à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e estabeleceu, entre outros pontos, a Liga das Nações. 5. Carta das Nações Unidas, de 1945. NA PRÁTICA Vimos nesta aula que o conceito de soberania é fundamental para compreendermos a dinâmica das relações entre os países. Você consegue conceituar o que se entende por soberania no direito internacional? Uma vez que você consiga definir o que é soberania, reflita acerca da seguinte questão: O ingresso dos países na União Europeia significa que eles estão abrindo mão de sua soberania, ou, pelo menos, de parte dela? Há flexibilização do conceito de soberania nesse caso? Antes de assistir ao vídeo desta aula, com as reflexões sobre essa questão, procure analisar os conceitos estudados para formar a sua opinião sobre o tema. FINALIZANDO Nesta aula pudemos compreender os principais aspectos do direito internacional público, entendido como um conjunto de normas jurídicas criadas para regulamentar a sociedade internacional. Os principais conceitos estudados estão relacionados à questão da soberania, da coordenação/cooperação e igualdade entre Estados, do consentimento, das fontes etc. Pudemos perceber que, embora a sociedade internacional seja descentralizada, há toda uma normatização no direito internacional, bem como princípios a serem seguidos. Normas e princípios são as fontes principais do direito, razão pela qual os abordamos já neste primeiro encontro. 9 REFERÊNCIAS ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional público. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009. GUTIER, M. Introdução ao direito internacional público. Disponível em: <http://murillogutier.com.br/wp- content/uploads/2012/02/INTRODU%C3%87%C3%83O-AO-DIREITO- INTERNACIONAL-MURILLO-SAPIA-GUTIER.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2019. MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público. 5. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. VELASCO, M. D. de. Instituciones de derecho internacional público. 16. ed. Madri: Tecnos, 2007.
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