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arbitragem no direito brasileiro

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UNIVERSIDADE PAULISTA
LETÍCIA DEISE NUNES GARCIA ROMERA -T655IF1 
ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO 
A aplicação da arbitragem no direito brasileiro 
ARARAQUARA
 2020 
Arbitragem no Direito Brasileiro 
 Introdução
A existência de conflitos é uma decorrência da própria vida em sociedade, e o Estado, temendo maiores transtornos, toma para si a responsabilidade de resolver os conflitos sociais, e a partir deste momento tira da órbita dos indivíduos a possibilidade de solucionar suas pendências com as próprias mãos, devendo estes levarem ao Poder Judiciário todas as questões para as quais almejam uma resposta. O fato é que atualmente o Poder Judiciário está enfrentado uma complicada situação, pois conta com uma enorme quantidade de processos, um número reduzido de profissionais habilitados, além de uma estrutura na maioria das vezes insatisfatória, o que tem gerado inúmeras reclamações por parte de toda a sociedade, que passa a não mais confiar no trabalho prestado pelo judiciário brasileiro. Desta forma, a resposta jurisdicional para as questões que surgem na sociedade está ocorrendo cada vez mais tardiamente, fazendo com que as pessoas reflitam várias vezes antes de entregar um problema nas mãos do Judiciário, porque temem que a excessiva demora faça com que seus direitos se vejam frustrados. Assim, o problema que a presente pesquisa pretende contemplar é o da antiga e generalizada queixa contra a morosidade do Poder Judiciário, devido ao grande número de processos existentes, reduzido número de juízes, e a falta de estrutura e organização do próprio aparato estatal, apresentando a arbitragem como uma possível resposta a esta questão. Mas, é preciso esclarecer que a arbitragem, a qual é um instituto relativamente antigo, mas somente em 1996 foi regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro pela lei 9.307, não almeja substituir o Judiciário, tomando para si todas as lides existentes, mesmo porque essa modalidade de jurisdição possui alguns limites materiais, como se verá no decorrer desse estudo. Nesse sentido, o escopo principal da aplicação da arbitragem não é suceder ao Estado no que diz respeito ao monopólio da jurisdição, mas sim se apresentar como uma ferramenta auxiliar, que poderá ser escolhida pela partes para dirimir algumas espécies de conflitos, aliviando o trabalho do Poder Judiciário, o qual ficará mais desafogado para resolver as demais questões que ficarão sob a sua responsabilidade. 
A crise enfrentada pelo Poder Judiciário Brasileiro 
Em sua evolução, a humanidade tem conhecido como meios de solução dos conflitos a autotutela, a autocomposição, a arbitragem e a decisão judicial. Desde os tempos históricos da justiça de mão-própria, em que o lesado, por si ou por intermédio do grupo, vingava a ofensa a direito próprio, a técnica de composição dos conflitos de interesses vem se sofisticando e ganhando novas dimensões, com o Estado sendo erigido árbitro do uso lícito da força na composição dos conflitos e no extermínio das lides. Com o desenvolvimento da sociedade, os indivíduos foram percebendo que a solução dos conflitos por meio da autotutela foi se tornando cada vez mais injusta, haja vista que sujeita a vontade dos mais fracos às dos mais fortes. Assim, em um determinado momento histórico, o Estado tomou para si a responsabilidade de dizer a quem o direito pertence, buscando a pacificação social. Desta forma, o Estado passou a ter o poder e o dever de julgar as mais diversas questões surgidas na sociedade, impondo a sua vontade, em substituição à das partes, por meio da função jurisdicional. Na prática, isso significa dizer que somente o Estado está autorizado a exercer a jurisdição, na medida em que é responsável pela tutela dos direitos dos cidadãos. 
Para agir desta forma, foi necessária a criação de determinadas regras, inseridas em um sistema jurídico que capacita o Estado a impor medidas aos membros da sociedade, por meio do uso de seu poder de império, característico do estado democrático de direito. Nesse diapasão, a substituição do Estado no lugar dos litigantes só é possível e legítima na medida em que é amparada pelo conjunto de princípios e regras estabelecidos anteriormente à ocorrência do conflito. Com o exercício da jurisdição por parte do Estado o indivíduo obtém uma sentença, a qual é dotada de certeza jurídica, e por isso pressupõe um procedimento eminentemente formal. Mas, o problema surge quando o Poder Judiciário se torna moroso, o que compromete a qualidade da prestação da atividade jurisdicional. O Judiciário brasileiro está enfrentando uma séria crise, sendo que a demora chega a comprometer sua eficácia e, conseqüentemente, da própria justiça, sendo fundamental a criação e a prática de outros instrumentos pacificadores, como a arbitragem, por exemplo. Os brasileiros padecem de um sentimento já sedimentado de profunda desilusão, por tanto esperar por soluções que os governantes e políticos prometem, mas nunca proporcionam; reina um grande distanciamento entre o Estado e a Nação. Nesse clima nacional de desilusão e desconsolo, somente uma verdadeira reforma voltada efetivamente para solucionar os problemas existentes, levando em consideração as pessoas que procuram o Poder Judiciário para solução dos seus conflitos, é que atenderia aos anseios nacionais. 
Relação do Poder Judiciário com a arbitragem 
A efetiva utilização da via arbitral não significa, absolutamente, impedir a atuação judicial, como já foi afirmado. Não há, portanto, intervenção do árbitro na função exercida pelo juiz no Poder Judiciário, porque o trabalho exercido pela autoridade arbitral percorre via paralela e complementar àquela exercida pelo juiz estatal, visando o aprimoramento da prestação da atividade jurisdicional. O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados, fato que cultivou uma cultura anti-arbitral, a qual está sendo aos poucos dissolvida, mediante esforços da doutrina e dos vários órgãos arbitrais existentes no Brasil. Com a aprovação da Lei da Arbitragem, 9.307/96, é facultado aos indivíduos escolherem árbitros que digam o direito, e cuja decisão também terá força de sentença, equiparada a um título executivo judicial, não mais carecendo da homologação do judiciário. 
Conceito: As partes envolvidas em um conflito podem escolher uma pessoa, física ou jurídica, para solucionar a lide, deixando de lado a prestação jurisdicional estatal. A arbitragem só poderá ser instituída para os conflitos que envolvam direitos disponíveis e partes capazes.
A arbitragem é chamada de “arbitragem institucional” quando as partes optam por escolher uma pessoa jurídica de direito privado constituída para esse fim. Em regra, essa pessoa jurídica é denominada de “câmara de arbitragem”.
A câmara de arbitragem funciona como um pequeno juízo, possuindo regulamento próprio ao qual as partes estarão submetidas. Possuem, também, secretaria, sistema de intimação, sala de audiências etc.
Previsão legal: A arbitragem vem prevista na Lei 9.307/96, que dispõe em seus dois primeiros artigos:
“Art. 1º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.
Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º - Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º - Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regrasinternacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade
Convenção de arbitragem: A convenção de arbitragem é o instrumento pelo qual as partes manifestam a vontade de suprimir o Poder Judiciário da apreciação do mérito de um litígio que envolva direitos patrimoniais disponíveis para entregá-lo ao juízo de um árbitro escolhido por elas 
O compromisso arbitral dar-se-á das seguintes formas:
1) Cláusula compromissória: A cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes de um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato (art. 4º, Lei 9.307/96). Assim, a cláusula compromissória é anterior ao surgimento do conflito entre as partes, que diligentes, já pactuaram sobre a adoção da arbitragem para a solução de eventuais litígios.
Essa forma de arbitragem pode contar de uma cláusula de um contrato entre as partes sobre outro objeto ou constituir um contrato autônomo.
2) Compromisso arbitral: O compromisso arbitral é a convenção por meio da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde está em curso a demanda. O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público (art. 9º, Lei 9.307/96).
Percebe-se que, diferentemente da cláusula arbitral, o compromisso surge quando já há um litígio pendente, podendo ser instituído, inclusive, nos próprios autos do processo em que as partes litigam.
Árbitro: O árbitro é uma terceira pessoa, de confiança das partes e escolhida por estas para conduzir a solução do conflito.
O árbitro não precisa ter formação jurídica. As partes podem escolher o árbitro de acordo com a especialidade técnica que seja mais útil à solução da questão em concreto. Assim, por exemplo, se as partes pretendem resolver um conflito gerado por uma construção mal feita, mais adequado é que escolham um engenheiro civil para atuar como árbitro, pois este possui conhecimentos técnicos na área e poderá melhor conduzir o litígio à uma solução mais justa.
Partindo dessa concepção, o Corpo de Árbitros do Tribunal Arbitral de São Paulo é composto por advogados, engenheiros, médicos, psicólogos, contadores, dentistas, pedagogos, professores, entre outros. As partes envolvidas no conflito podem escolher os árbitros que irão atuar, de acordo com a natureza do processo. Esses árbitros especialistas estão presentes em todas as fases do processo arbitral, agilizando a resolução dos conflitos 
Procedimento: 
No procedimento do juízo arbitral serão, sempre, respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. As partes poderão postular, por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.
1) Instituição do juízo arbitral: O juízo arbitral deve ser instituído pelas partes por meio de cláusula compromissória ou compromisso arbitral.
Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, seria competente para o julgamento da causa (art. 6º). 
Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim. Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.
Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória.
Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará na extinção do processo sem julgamento de mérito.
Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral (art. 7º).
2) Aceitação do árbitro: O árbitro deve aceitar a nomeação, para que o juízo arbitral seja instalado.
Cabe ao árbitro decidir de ofício ou por provocação das partes as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. Essa é a chamada competência-competência, uma vez que o árbitro tem competência para decidir se é competente ou não para solucionar o litígio.
Tratando-se de compromisso arbitral, este será extinto se qualquer dos árbitros escolhidos pelas partes escusar-se do ofício antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto.
3) Conciliação das partes perante o juízo arbitral: Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes (art. 21).
Havendo acordo, o árbitro deverá homologá-lo por sentença, extinguindo o processo com julgamento do mérito e valendo a decisão como título executivo judicial.
4) Instrução: Não havendo acordo, o árbitro poderá determinar a produção de provas, podendo tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.
Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem (art. 22). 
5) Medidas cautelares: Havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.
6) Sentença: A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado (art. 23).
A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito. Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.
O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em separado (art. 24, §2°).
Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridadecompetente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem (art. 25).
De acordo com o art. 515, inciso VII, do Código de Processo Civil, a sentença arbitral é título executivo judicial, podendo a parte interessada pedir diretamente seu cumprimento no Poder Judiciários, nos termos dos arts. 523 e seguintes do CPC.
A sentença arbitral será nula se (art. 32, Lei 9.307/96):
I - for nula a convenção de arbitragem;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 da Lei de Arbitragem;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, III, da Lei 9.307/96; 
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2°, da Lei de Arbitragem.
A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos na Lei 9.307/96. A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos. (art. 33).
Conclusão: 
Concluindo, infere-se do exposto que se faz necessária a quebra de alguns paradigmas, buscando novas ferramentas no intuito de agilizar e trazer mais objetividade e efetividade às tentativas de solução dos conflitos, devendo a arbitragem ser estudada e conhecida por todos os operadores do Direito, e também pela sociedade, que poderá enxergar com mais confiança esta técnica, fazendo valer, com mais celeridade, a justiça. Sem dúvida, o reconhecimento das vantagens da utilização da via arbitral contribuirá para permear a consolidação desse instituto na efetiva prática diária dos brasileiros, colocando nosso país alinhado com a tendência mundial. Assim, a incrementação da prática arbitral pressupõe não apenas uma pesquisa acadêmica profunda, mas também o esforço por parte dos órgãos responsáveis pela disseminação da técnica arbitral, com a divulgação do instituto, realização de seminários, entre outras iniciativas.

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