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Psicologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Nirley Dragonetti Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan A Teoria da Psicanálise • A Teoria Psicanalítica • Mecanismos de Defesa • Psicanálise e Contemporaneidade · Essa unidade tem como objetivo fazer com que o aluno conheça as teorias de base da Psicanálise e sua evolução dentro do conhecimento científico. Assim como, entender como funciona o nosso aparelho psí- quico, além de conceitos importantes, principalmente, os mecanismos de defesa e como se manifestam. Além de identificar o quanto essa abordagem está presente no cotidiano do ser humano. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Teoria da Psicanálise Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Teoria da Psicanálise A Teoria Psicanalítica A Teoria Psicanalítica originou-se com um famoso médico austríaco, Sigmund Freud (1856-1939), que se preocupou em criar teorias que interpretassem o psiquismo humano através do entendimento dos impulsos e motivos interiores, o que chamamos de intrínsecos, muitos deles irracionais e de origem inconsciente. Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena e especializou-se em Psiquiatria. Fez sua residência médica na mesma cidade e, ao final dela, conseguiu uma bolsa de estudos em Paris, onde trabalhou com Jean Charcot e aprendeu o que seria, posteriormente, um dos seus importantes métodos de trabalho: a hipnose. Hipnose: “Segundo a atual definição pela Associação Americana de Psicologia, é um estado de consciência que envolve atenção focada e consciência periférica reduzida, caracterizado por uma maior capacidade de resposta à sugestão. É um estado mental (teorias de estado) ou um tipo de comportamento (teorias de não estado) usualmente induzidos por um pro- cedimento conhecido como indução hipnótica, o qual é geralmente composto de uma séries de instruções preliminares e sugestões”. https://goo.gl/9IStcF Ex pl or A psicanálise também é um instrumento importante para a análise e compreensão de fenômenos sociais! Ao retornar a Viena, Freud manteve contato com Josef Breuer, um médico e cientista que lhe deu a oportunidade de acompanhar e fazer parte de um grande caso: Ana O. Ana era uma mulher que tinha um conjunto de sintomas que a faziam sofrer (paralisia com contração muscular, dificuldade de pensamento e também algumas inibições). Quando começou seu tratamento com Breur, aceitou o método de hipnose e foi então onde ele descobriu a origem de todos esses sintomas. Ana cuidava de seu pai enfermo e tinha pensamentos e desejos que seu pai morresse. Esse desejo foi reprimido (veremos como ao longo desta unidade) e foi substituído pelos sintomas. O mais interessante é que quando Ana O. estava sem o efeito da hipnose, ela não conseguia dizer de onde vinha o conjunto de sintomas, mas, assim que entrava em estado hipnótico, os sintomas desapareciam e ela contava, em detalhes, tudo aquilo que pensava e desejava. É claro que existe uma explicação para isso: a hipnose fez com que ela liberasse suas emoções associadas ao evento traumático desencadeador de tudo – a doença do pai e o desejo reprimido de sua morte. Josef nomeou essa liberação de emoções ligadas a eventos traumáticos como método catártico, e, Freud ao poucos foi modificando esse método até chegar a sua própria técnica, como podemos ver no trecho a seguir: 8 9 “aos poucos, foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvol- veu a técnica de ‘concentração’, na qual a rememoração sistemática era feita por meio da conversação normal; e por fim, acatando a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as perguntas – e com elas a direção da sessão – para se confiar por completo à fala desordenada do paciente”. (R. Mezan, Op. Cit p. 52 apud BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2001, p.72). Figura 1 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons As adaptações de Freud, como citado acima, deram início a uma nova era e é por isso que Freud é tido como “O pai da psicanálise”. Vamos então entender mais sobre tudo isso? A Primeira Teoria Em sua primeira teoria, Freud apresenta a primeira concepção sobre a estrutura do aparelho psíquico. Segundo esse psicanalista, existem três instâncias psíquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente, nessa ordem. Vamos conhecê-las melhor? O inconsciente pode ser denominado como tudo aquilo que não está presente no campo atual, e é importante frisar, atual da consciência. Dizemos isso porque esse conteúdo que hoje é inconsciente, anteriormente pode ter passado pelo pré ou pelo consciente. Eles também podem ser genuinamente inconscientes. Esse é um sistema de leis próprias e não há noções de passado e presente, por isso podemos denominar atemporal. A segunda instância é a pré-consciente, que se refere a todo o conteúdo que está acessível à consciência de acordo com situações e circunstâncias e que transita pelas instâncias, ou seja, ora pode estar no consciente, ora no inconsciente. 9 UNIDADE A Teoria da Psicanálise A terceira e última instância é o consciente, que é o sistema do aparelho psí- quico que está em contato com o mundo exterior e interior e recebe suas informa- ções. Dentro desse sistema, é importante ressaltar a percepção. A percepção é o fenômeno de raciocinar e perceber todas as informações recebidas. Dando continuidade à primeira teoria, temos a descoberta da sexualidade infantil. Essa entende que o ser humano possui fases universais (estágios) de desenvolvimento. Esse desenvolvimento, nos seis primeiros anos, acontece em três fases, respectivamente pelo interesse e pelos prazeres sexuais concentrados em uma parte do corpo. Freud nomeou a primeira infância de fase oral, onde o foco está na boca; a segunda de fase anal, onde o foco de interesse está no ânus, coincidindo com os anos pré-escolares e a terceira nomeada de fase fálica, cujo interesse está no órgão genital masculino (pênis). Freud afirmava que “em cada uma dessas fases, a satisfação sensual proveniente da estimulação da boca, ânus ou do pênis está ligada às principais necessidades e desafios do desenvolvimento associados a cada fase.” (BERGER, 2001. p 25). Vamosdar um exemplo prático para entendermos melhor o que Freud está nos falando: Quando um bebê recebe alimento por meio de sucção, também, experimenta prazer sensual e se torna emocionalmente ligado à mãe, porque ela lhe propicia satisfação oral. Na fase anal, os prazeres relacionados ao controle e autocontrole são os mais importantes. O fato de a criança poder controlar o esfincter e o ato de defecar trazem uma imensa satisfação. Já na fase fálica as crianças ficam maravilhadas pelas diferenças físicas entre os sexos, o que leva inclusive à identificação sexual e à orientação sexual. Nesta fase, a criança desenvolve padrões morais. Obviamente que esse processo será diferente tanto para os meninos, quanto para as meninas. Esfíncter: “é uma estrutura, geralmente um músculo de fibras circulares concêntricas dis- postas em forma de anel, que controla o grau de amplitude de um determinado orifício. O sistema digestivo humano tem três esfíncteres importantes: o esfíncter cárdico, o esfíncter anal e o esfíncter pilórico, que faz comunicação entre o estômago e o duodeno”. https://goo.gl/T0cCTS Ex pl or Terminada a fase fálica, a criança se depara com o período de latência sexual (aproximadamente aos 5 e 6 anos), onde as forças sexuais estarão adormecidas. Aos 12 anos aproximadamente, o ser humano entra na fase genital. Esta fase se caracteriza por interesses sexuais mais maduros que se estenderá até a idade adulta. As emoções possuem um papel fundamental nessas fases. “As emoções relativas a cada fase permanecem como forças poderosas, mais disfarçadas na personalidade adulta, parte do legado inconsciente da infância”.(BERGER, 2001, p.26) 10 11 Segundo Freud, cada fase possui seus conflitos, e a forma como a criança resolve e enfrenta esses conflitos determina a personalidade, assim como os padrões de comportamento para a vida toda. Berger (2001, p. 27) diz que: “A vida é um contínuo processo de aprendizagem: novos eventos e novas experiências evocam novos padrões de comportamento, enquanto as respostas antigas, pouco usadas e improdutivas tendem a desaparecer”. A Segunda Teoria Após compreendermos a primeira teoria, veremos a seguir a Segunda Teoria do Aparelho Psíquico. Nessa teoria, Freud remodelou sua teoria e acrescentou alguns grandes conceitos: Id, Ego e Superego. Esses são sistemas da personalidade. O Id pode ser denominado como o “novo inconsciente”. Tudo que antes era atribuído ao inconsciente, hoje chamamos de Id. “Nele se concentram todas as pulsões: a de vida e a de morte”.(BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2001, p.77) . O id é regido pelo prazer. Pulsões: Em “Pulsões e destinos das pulsões”, Freud (1915/2004) defi ne a pulsão como “conceito limite entre o psíquico e o somático, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como medida da exigência de tra- balho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo” https://goo.gl/uPqbRX Ex pl or Quando falamos de Ego, estamos nos referindo ao sistema que a base é a realidade. Podemos dizer que é a balança entre o Id e o Superego; é o que estabelece equilíbrio entre os dois. É importante frisar que o ego é o responsável por satisfazer os nossos interesses de uma forma realista: ele altera o princípio do prazer de modo que possa trazer o objetivo à realidade que a pessoa vive. Nesse sistema, temos as funções básicas: percepção, sentimentos, pensamento e memória. Por último temos o sistema mais complexo, o Superego. Dizemos que ele se origina do complexo de Édipo por conta dos limites, da autoridade e também das proibições vividos pela pessoa. As duas funções do Superego são a moral e também os ideais do indivíduo. Para conseguirmos entender melhor todo esse sistema do aparelho psíquico, precisamos introduzir a ideia de sentimento de culpa. Como dissemos anteriormente, o Superego se origina do complexo de Édipo e o sentimento de culpa advém dele também. Isso porque o individuo se culpa por algo que fez ou que desejou muito fazer e não pôde, por medo de punição por parte da mãe, do pai ou de qualquer 11 UNIDADE A Teoria da Psicanálise pessoa que ele julgue importante, por exemplo. Esse desejo pode ser considerado, pelo Ego, uma ação má, mas não necessariamente é realmente prejudicial para aquela pessoa. Complexo de Édipo A definição “complexo de Édipo” se originou da mitologia grega que conta a história de um rei que, por meio de um oráculo, é advertido que a missão de seu filho, que estava para nascer, era matá-lo e casar-se com a mãe, a rainha Jocasta. Assim que seu filho nasce, o rei então manda um de seus criados levar a criança para longe e o matar. O criado fez o que o rei havia pedido, contudo não teve coragem de matá-lo, apenas o amarrou pelos pés em uma árvore para que os lobos o comessem. Todavia, não foi o que aconteceu; o menino foi achado por um camponês e entregue a outro rei, que o adotou. Depois de mui- tos anos, Édipo descobre seu destino e, pensando que a profecia se tratava do pai adotivo, fugiu para o Norte. No caminho, encontrou (sem saber quem era) seu pai biológico e, após ele matar um dos seus cavalos por não obedecê-lo, Édipo o matou. Após isso, a cidade onde o pai biológico vivia, começou a ser aterrorizada por uma Esfinge. Édipo a derrotou e, na mesma cidade, conheceu e casou-se com a sua mãe, sem saber quem ela era realmente. O resto do conto e mais detalhes dessa história mitológica é possível ver no filme ‘Édipo Rei’”. Ex pl or Todavia, chega uma hora que o indivíduo passa por uma mudança: toda a autoridade (pai, mãe etc.) que era externa, agora se internalizou e ninguém mais “manda” em suas atitudes, além dele próprio. É nesse momento que a proibição vem de dentro e agora até mesmo só o pensamento faz com que ele se sinta culpado, não é preciso mais a ação concretizada. A culpa existe pelo simples fato do desejo pelo proibido estar presente em sua mente. É nesse momento que o mal-estar se instala de forma definitiva no interior do indivíduo. A autoridade sobre ele vem de si próprio, por meio do Superego. Simplificando: O Superego é responsável pela censura! Figura 2 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 12 13 Exemplo: Quantas vezes você não se culpou por apenas pensar, apenas desejar uma pessoa quando estava envolvida emocionalmente com outra? Ali era o seu Superego agindo! As Traumáticas Aventuras do Filho do Freud - por Pacha Urbano - https://goo.gl/3fCskG Ex pl or Importante! O Ego e o Superego são tidos como diferenciações do Id por serem conscientes, entretanto ambos também têm aspectos e momentos inconscientes. Importante! Para finalizarmos a primeira etapa do assunto Id, Ego e Superego, veremos a seguir uma citação interessante do livro Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados (SIGMUND, Freud. 1º Edição. 2014. p.19 e 21), que resume a relação entre os sistemas: “Vê-se que o Isso e o Supereu, mesmo com todas as suas diferenças fundamentais, apresentam um ponto em comum, ou seja, representam influências do passado: o Isso, as hereditárias; e o Supereu, essencialmente as recebidas dos outros, ao passo que o Eu é determinado, sobretudo, pelo diretamente vivenciado, portanto, pelo acidental e pelo atual.” No texto, Isso se refere a Id, Supereu a superego e Eu a ego. Você consegue fazer uma relação entre os momentos vividos por você dentro da complexidade do Id, Ego e/ou Superego? Ex pl or Mecanismos de Defesa Nosso próximo assunto é sobre os Mecanismos de Defesa ou, se preferir, po- demos chamar de: Realidade como ela NÃO é. Vamos entender melhor esse título? Em nossa vida, passamos por diversas situações (nos mundos externo e interno) felizes, diferentes, novas, etc. Contudo, também ocorrem momentos dolorosos, constrangedores ou que queremos esquecer. Quando isso acontece, o indivíduo tenta evitar o “desprazer” daquela situação e destorce ou suprime a realidade, ou seja, ele deixa de registrar algumas percepções e conteúdospsíquicos, a fim de “esquecer” o ocorrido. 13 UNIDADE A Teoria da Psicanálise Para que isso seja possível, ele usa os mecanismos de defesa, regidos pelo Ego de forma inconsciente, ou seja, a pessoa não os controla. Freud afirma que o prin- cipal motivo dos mecanismos serem inconscientes e regidos pelo Ego é “proteger” o aparelho psíquico dos possíveis perigos externos. Sejam eles reais ou imaginários. Vamos conhecer alguns deles? » Recalque – esse é o mecanismo mais radical, pois suprime a realidade, ou seja, o indivíduo “descarta” palavras, frases, atitudes. É como se ouvisse uma proibição e simplesmente descartasse a palavra “não” ou “proibido”, tornando-a uma permissão. Para entender melhor, pense nos três macacos sábios: Mizaru (cobre os olhos), Kikazaru (cobre os ouvidos) e Iwazaru (cobre a boca). Seus nomes se traduzem como: não veja o mal, não ouça o mal e não fale o mal. É exatamente a função do recalque. Figura 3 - Os Três Macacos Sábios Fonte: iStock / Getty Images Os demais mecanismos são mais brandos, trabalham apenas distorcendo a realidade e não a suprimindo. » Formação Reativa – nesse mecanismo, o Ego tenta afastar o desejo tendo a atitude oposta a ele. Exemplo: pais superprotetores. Muitas vezes, eles agem dessa maneira com os filhos, pois seria muito doloroso ver o filho como um espelho de seus próprios desejos e dificuldades pessoais. O filme “The Babadook”, dirigido por Jennifer Kent, lançado em 2014, retrata a história de uma mulher que perdeu seu marido há seis anos e tem um filho pequeno, o qual tem dificuldade de amar. O menino tem pesadelos constantes com um monstro e, quando acha o livro chamado “The Babadook” reconhece seu pesadelo. O garoto tem certeza que esse personagem quer matá-lo e então começa agir irracionalmente, dando o desenrolar da trama. Esse filme mostra o mecanismo de defesa “formação reativa” e é ótimo para ilustrar o que vimos acima! Ex pl or 14 15 » Regressão – Como o próprio nome já diz, nesse mecanismo de defesa o indivíduo retorna a etapas anteriores de desenvolvimento da sua vida, tendo atitudes que podemos considerar até primitivas. Um bom exemplo para ilustrar a regressão é quando a pessoa assiste a um filme de terror e grita, fecha os olhos ou abraça alguém que o acompanha ou quando uma criança ganha um irmão e passa a chupar a chupeta ou dedo, mesmo que já tenha abandonado esse hábito, quer tomar mamadeira como o irmãozinho ou muitas vezes pede o seio da mãe, mencionando o interesse em mamar em seu peito. » Projeção – a projeção é uma mescla de distorção entre os mundos interno e externo, ou seja, o indivíduo localiza algo seu no externo e não percebe que considera aquilo indesejável. É como um jogador que critica a atitude do outro, mas não percebe que faz a mesma coisa, ou às vezes até pior. » Por último, temos a racionalização – esse mecanismo nada mais é que a razão trabalhando para o irracional, por meio do Ego. Vamos explicar: nesse caso, o indivíduo consegue construir em sua mente, uma argumentação aceitável para justificar a deformação da consciência. É como se esse mecanismo de defesa quisesse justificar os outros. Além desses mecanismos, existem: negação, identificação, isolamento, anulação retroativa, retorno sobre si mesmo e inversão. Todos esses usamos no nosso dia a dia. Para ilustrar e complementar o que vimos sobre os mecanismos de defesa, há abaixo uma história retirada do livro “Anna Freud – O Ego e os Mecanismos de defesa” (FREUD, Anna. 1ª Edição. 2006. p.38-40). “[...] o caso de uma jovem mulher, empregada em uma instituição para crianças. Era filha intermediária de uma série de irmãos e irmãs. Durante toda a sua infância, sofreu veementemente inveja do pênis, relacionada com seus dois irmãos (um mais velho e um mais novo), e de ciúme, o qual era repetidamente excitado pelos sucessivos períodos de gravidez da mãe. Finalmente, a inveja e o ciúme combinaram-se em uma feroz hostilidade contra a mãe. Mas, como a fixação de amor da criança não era menos forte do que seu ódio, um violento conflito defensivo com os seus impulsos negativos sucedeu a um período inicial de desenfreada indisciplina e agressividade infantil. Temia que a manifestação de seu ódio lhe fizesse perder o amor materno, do qual não suportava ser privada. Também temia que a mãe a punisse e se criticava, da maneira mais severa, por suas ânsias proibidas de vingança. Ao ingressar no período de latência, essa situação de angústia e o conflito de consciência tornaram- se cada vez mais agudos e o seu ego tentou dominar tais impulsos de várias maneiras. Com vontade de resolver o problema da ambivalência, ela deixou aflorar um lado de seus sentimentos ambivalentes. A mãe continuou sendo um objeto de amor, mas, a partir daí, houve sempre na vida dessa paciente uma segunda pessoa importante do sexo feminino, a quem odiava violentamente. Isso facilitou a questão: seu ódio do objeto mais remoto não a atacava com um sentimento de culpa tão implacável quanto o que se manifestava, no caso da mãe. Mas, apesar disso, o ódio deslocado era ainda uma fonte de grande sofrimento. Com 15 UNIDADE A Teoria da Psicanálise o decorrer do tempo, apurou-se que esse primeiro deslocamento era inadequado como meio para dominar a situação. O ego da menina recorreu então a um segundo mecanismo. Inverteu o ódio para dentro dela própria, quando até aí se relacionara exclusivamente com outras pessoas. A criança torturava-se com autoacusações e sentimentos de inferioridade. Durante toda a infância e adolescência, até atingir a idade adulta, fez sempre tudo o que podia para colocar-se em desvantagem e lesar seus próprios interesses, abdicando de seus desejos e submetendo- se às exigências que lhe eram impostas por outras pessoas. Em toda a sua aparência externa, tornara-se masoquista, uma vez que adotava esse método de defesa. Também essa medida provou ser inadequada, como recurso para dominar a situação. A paciente entregou-se então a um processo de projeção. O ódio que sentira pelos objetos femininos de amor ou seus substitutos transformou-se na convicção de que ela própria era odiada, menosprezada ou perseguida por aqueles. O seu ego, assim, encontrou alívio em relação ao sentimento de culpa. A criança traquina e rebelde, que alimentava sentimentos pérfidos contra as pessoas à sua volta, sofreu a metamorfose, convertendo-se em vítima de crueldade, negligência e perseguição. Mas o uso desse mecanismo deixou em seu caráter um permanente cunho paranoide, que constituiu uma fonte de enormes dificuldades para a moça, tanto na juventude como na fase adulta. A paciente já era muito crescida quando veio a ser analisada. Não era considerada doente por aqueles que a conheciam, mas seus sofrimentos eram agudos. Apesar de toda a energia que o ego prodigalizara em sua própria defesa, ela não conseguira, realmente, dominar sua angústia e seu sentimento de culpa. Em qualquer ocasião que sua inveja, seu ciúme ou ódio estivessem em perigo de ativação, ela recorria invariavelmente a todos os seus organismos de defesa. Mas os seus conflitos emocionais nunca chegaram a um ponto em que o seu ego pudesse ficar em repouso. Além disso, o resultado final de todos os seus esforços foi extremamente escasso. Conseguiu manter a fantasia de que amava a mãe, mas sentia-se repleta de ódio. Assim, desprezava- se e desconfiava de si própria. Não conseguiu preservar o sentimento de ser amada, destruído que fora pelo mecanismo de projeção. Nem conseguiu escapar das punições de que tivera tanto medo na infância. Ao introjetar os impulsos agressivos, infligiu a si própria todo o sofrimento que anteriormente previra, sob a forma de castigos impostos pela mãe. Os três mecanismos que a paciente utilizou não puderam impedir o ego de permanecer em um estado de tensão e vigilância inquieta, nem o aliviaram das exageradas imposições que lhe eram feitas e dos sentimentos de tortura e aflição agudas que o flagelavam.”Analisando o texto acima, você consegue identificar o principal mecanismo de defesa – recalque - utilizado pela menina e os demais mecanismos de defesa? Você consegue relacionar o texto com os assuntos abordados nessa unidade? Ex pl or 16 17 Psicanálise e Contemporaneidade Podemos dizer que Sigmund Freud é o pai da Psicanálise e, com esse título, é claro que ele inspirou outras pessoas a desenvolverem essa parte tão importante da Psicologia. Vamos então conhecer alguns dos psicanalistas contemporâneos, os pós-freudianos? Anna Freud Figura 4 - Anna Freud Fonte: Wikimedia Commons O próprio sobrenome dela já entrega! Anna Freud é filha de Sigmund Freud e a única dos seus seis filhos que seguiu seus passos. É uma das importantes psicanalistas pós-Freud. Nasceu em 03 de dezembro de 1895, em Viena e faleceu em 09 de outubro de 1982, em Londres. Anna começou a se interessar cedo pela Psicanálise e, aos 14 anos, já frequentava, discretamente, as reuniões da Sociedade Psicanalítica de Viena, aprendendo tudo que ali era dito. O mais interessante de sua história é que ela fez análise com seu pai durante cinco anos e, depois dis- so, seguiu seus próprios caminhos e se consagrou no meio da Psicologia com suas obras, uma delas citadas nessa unidade – “Anna Freud – O ego e os mecanis- mos de defesa”. Erik Erikson Figura 5 - Erik Erikson Fonte: Wikimedia Commons Erik nasceu em Frankfurt, na Alemanha em 15 de junho de 1902 e faleceu em Harwich, Massachu- setts em 12 de maio de 1994. Começou sua car- reira como artista plástico, mas foi em Viena, após um convite de Anna Freud para lecionar e sob sua orientação, que ele conheceu a Psicanálise. Erikson é o responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial que, aliás, é um de seus principais trabalhos. Como importante psicanalista contemporâneo, Erik é um dos ganha- dores do prêmio Pulitzer de Não Ficção Geral. Erik Erikson é criador da expressão “crise de identidade” tão famosa em nosso dia a dia. Ex pl or 17 UNIDADE A Teoria da Psicanálise Jacques Lacan Figura 6 - Jacques Lacan Fonte: Wikimedia Commons Jacques Lacan foi um psicanalista francês que nasceu em 13 de abril de 1901 em Paris e faleceu em 09 de setembro de 1981 na mesma cidade. Formou-se em medicina e, assim como Freud, especializou-se em Psiquiatria. Em 1934 ingressou na Sociedade Psicanalí- tica de Paris e, após quatro anos, tornou-se o membro titular. É importante frisar que Lacan deu início a uma nova corrente psicanalítica: o lacanismo, a qual Freud ajudou muito com suas teorias e pensamentos. Assim como Freud ti- nha seus admiradores, Lacan influenciou diver- sos filósofos contemporâneos. Foi tão importante para a psicanálise que, em 1964, fundou a Escola Freudiana de Paris. Melanie Klein Figura 7 - Erik Erikson Fonte: Wikimedia Commons Melaine nasceu em Viena, no dia 30 de março de 1882 e faleceu em Londres, em 22 de setembro de 1960. Chegou a cursar medi- cina, arte e história, porém não se graduou em um dos cursos. Seu primeiro contato com as obras de Sig- mund Freud foi em 1916, mas só dedicou-se integralmente à Psicanálise em 1923. Klein optou por atender às crianças e, após atender uma delas chamada Abraham de 14 me- ses, apresentou seu trabalho no VII Congresso Internacional de Psicanálise, chamado “A técni- ca da análise de crianças pequenas”. O mais interessante de sua história vem agora: Depois de Anna Freud publicar o livro “O tratamento psicanalítico das crianças”, Melaine criticou suas ideias e as divergências de pensamentos das duas passaram a ser expostas, não mais veladas como anteriormente. Foi quando Melaine criou o subgrupo kleiniano da Psicanálise. 18 19 Com o tempo, a Sociedade Britânica de Psicanálise, a qual elas faziam parte, foi dividida em três grupos: annafreudianos; keniano e independente. Klein ainda fundou a “Fundação Melaine Klein” e no mesmo ano (1955), publicou um importante artigo: “A técnica psicanalítica através do brinquedo; sua história, sua significação” que fala sobre a Psicanálise com crianças, justamente o ponto de divergência com Anna Freud. Donald Woods Winnicott Figura 7 - Donald Woods Winnicott Fonte: Wikimedia Commons Por fim temos Donald Winnicott, um im- portante pediatra a psicanalista inglês. Nasci- do em 07 de abril de 1896 no Reino Unido e falecido em 25 de janeiro de 1971, também no Reino Unido. Winnicott foi um grande colaborador dos jor- nais médicos psiquiátricos e, é claro, psicanalíti- cos. Sua trajetória na psicanálise foi basicamente estudar o bebê e sua mãe como uma unidade psíquica, ou seja, como se a mãe e o bebê esti- vessem ligados psicologicamente. Donald também fazia parte da Sociedade Britânica da Psicanálise, dentro do grupo “independente” Ainda, sobre teoria sobre o bebê e a mãe, Winnicott desenvolveu “A Teoria do Desenvolvimento Emocional”, definiu três realizações principais na progressão de dependência absoluta até a relativa: integração, personificação e início das relações objetais. Para saber sobre “A Teoria do Desenvolvimento Emocional, leia o livro “O Ambiente e os Processos de Maturação: Estudos sobre a Teoria do Desenvolvimento Emocional” (WINNICOTT, D.W. “ O Ambiente e os Processos de Maturação: Estudos sobre a Teoria do Desenvolvimento Emocional”. Art med - Biomedicina. 1983.) Ex pl or Além dos psicanalistas contemporâneos, também temos uma nova descoberta da área: a neuropsicanálise. Essa área da Psicologia é nova. Em meados dos anos 90, surge um novo movimento na comunidade neurocientífica; alguns pesquisadores manifestaram interesse em trocar informações com a psicanálise e de encontro com alguns psicanalistas que achavam interessante esse intercâmbio de informações, em 1994 foi organizado o primeiro Grupo de Estudos de Neurociência e Psicanálise em NY. Dai em diante o estudo vem ganhando mais e mais força. 19 UNIDADE A Teoria da Psicanálise A neuropsicanálise vai entrelaçar a neurociência e a psicanálise, ou seja, vai explicar alguns dos fenômenos nas relações interpessoais por meio das duas áreas: “Os pesquisadores e os estudiosos desta linha apostam na interação entre a neurociência e a psicanálise, através da construção de um método investigativo comum a ambas, supostamente compatível com os princípios do pensamento freudiano e, ao mesmo tempo, coerente com a evolução das neurociências e do desenvolvimento do referencial dinâmico em neuropsicologia.” (BOCCHI, J. C. “A psicanálise Freudiana e o atual contexto científico da biologia da mente”, 2010, p.63). Ao longo dos anos, novas descobertas serão apresentadas e cada vez mais, a Psicanálise é incorporada no nosso cotidiano. Isso já ocorre em diversas áreas, uma delas de destaque é a Educação. Hoje, temos diversos projetos que envolvem ambas as áreas, inclusive na relação professor- aluno- família; tríade essencial para o desenvolvimento humano. Figura 8 Fonte: iStock / Getty Images Nos dias atuais, os estudiosos da Psicanálise, também, estão discutindo a aplicabilidade social da prática clínica e acessibilidade na sociedade. Eles estão direcionados para os estudos e pesquisas na compreensão de fenômenos sociais, inclusive de teor mais grave, como por exemplo, jovens e o envolvimento com criminalidade, drogas e consequentemente violência. Uma vez que entende que existem sofrimentos oriundos do mundo contemporâneo e que podem ser compreendidos e tratados sob a ótica da Psicanálise, dentro de modalidades de intervenção no social que objetivem a superação do mal-estar provocado pelo estilo contemporâneo de viver e encarar os sofrimentos humanos. Podemos destacar que Freud já insere questões sociais para reflexão em muitas de suas obras com o tema O mal-estar na civilização, Reflexões para o tempo de guerra e morte, fazendo-nos pensar e ver o que mais inquieta o ser humano, a 20 21 dissociação de vínculos sociais. Quando falamos no social pensamos numa atuação não só individual,mas sim em grupos. Independente do fato de termos o método interpretativo (análise de sonhos, associações livres, os atos falhos, os esquecimentos, as substituições de palavras etc.) que pode estar mais relacionado ao individual, ele pode facilmente ser aplicado ao sintoma social e suas determinações. Interpretar o material vindo do inconsciente, dentro de um caminho que dá acesso, o método interpretativo, nos possibilita a compreensão dos significados pessoais e grupais singulares e a partir daí contribuir para mudanças na sociedade. Terminamos aqui a nossa unidade Psicanálise, onde você pôde descobrir mais um pouco sobre a ciência Psicologia e suas abordagens de leitura da realidade vivida pelo ser humano. 21 UNIDADE A Teoria da Psicanálise Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites A Última Longa Entrevista de Sigmund Freud O artigo de WILLIAM LEITE, Carlos. A última longa entrevista de Sigmund Freud. Bula revista, São Paulo, 2017. https://goo.gl/r87uMX Livros Por que a Psicanálise? ROUDINESCO, Elisabeth. (1999). Por que a Psicanálise?. São Paulo. Editora Zahar. Vídeos “Freud – Além da Alma” https://goo.gl/gAJaCA Café Filosófico: Freud e a Psicanálise - Ney Branco https://youtu.be/KDW-UqTwmoY 22 23 Referências BERGER, K.S. O Desenvolvimento da Pessoa – da infância à terceira idade. Tradução Dalton Conde de Alencar. 5.ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2001. BOCCHI, J. C. A Psicanálise freudiana e o atual contexto científico da bio- logia da mente. 2010. São Carlos. Tese (Pós-graduação em Filosofia) – UFSCar. <http://www.dfmc.ufscar.br/uploads/publications/4f0494f266467.pdf acesso em 13/01/2017 às 18h11. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; e TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. ESCAPLES, A. Melaine Klein – Vida e Obra. Disponível em: <http://www.apsi- canalise.com/index.php/blog-psicanalise/48-artigos/340-melanie-klein > acesso em 14/01/17 às 9h30. FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Tradução Francisco Settíneri. Porto Alegre: Artmed, 2006. J. psicanal, Tendencias del psicoanálisis contemporáneo. vol.43 nº.79. São Paulo. dez. 2010 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttex- t&pid=S0103-58352010000200004 acesso em 13/01/2017 às 03h40. MOURA, J. Jacques Lacan – Biografia. Disponível em: <https://psicologado.com/ abordagens/psicanalise/jacques-lacan-biografia> acesso em 13/01/17 às 15h09. OLIVEIRA. M. P. 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