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FUNDAMENTOS DO BIOGÁS Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama do biogás Projeto “Programa de Capacitação” (GEF Biogás Brasil) Este documento está sob licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License. O GEF Biogás Brasil permite a citação deste material, desde que a fonte seja citada. Contato: contato@gefbiogas.org.br COMITÊ DIRETOR DO PROJETO Global Environment Facility Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ministério de Minas e Energia Ministério do Meio Ambiente Centro Internacional de Energias Renováveis Itaipu Binacional PARCEIROS Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Associação Brasileira de Biogás Nome do produto: Fundamentos do Biogás Componente Output e Outcome: Componente 2.1.4 Elaborado por: Centro Internacional de Energias Renováveis – CIBiogás Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial - UNIDO Colaboraram para a realização deste documento: Eliana Mira de Bona Leidiane Ferronato Mariani Jessica Yuki de Lima Mito Leonardo Pereira Lins Coordenador do documento: Felipe Souza Marques Revisão pedagógica: Iara Bethania Rial Rosa Data da publicação: Foz do Iguaçu, maio/2020 FICHA TÉCNICA mailto:contato@gefbiogas.org.br O Projeto “Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) reúne o esforço coletivo de organismos internacionais, instituições privadas, entidades setoriais e do Governo Federal em prol da diversificação da geração de energia e de combustível no Brasil. A iniciativa é implementada pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e conta com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) como instituição líder no âmbito nacional. O objetivo principal é reduzir a dependência nacional de combustíveis fósseis através da produção de biogás e biometano, fortalecendo as cadeias de valor e de inovação tecnológica no setor. A conversão dos resíduos orgânicos provenientes da agroindústria e de empreendimentos diversos, muitas vezes descartados de forma insustentável, pode se tornar um diferencial competitivo para a economia brasileira, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa nocivos à camada de ozônio e ao meio ambiente. O biogás e o biometano podem ser utilizados para a geração de energia elétrica, energia térmica ou combustível renovável para veículos, e seu processamento resulta em biofertilizantes de alta qualidade para uso agrícola. Os benefícios se estendem tanto ao pequeno produtor agrícola, que reduz os custos de sua atividade com o reaproveitamento de resíduos orgânicos, quanto ao desenvolvimento econômico nacional, já que um setor produtivo mais eficiente ganha competitividade frente à concorrência internacional. Indústrias de equipamentos e serviços, concessionárias de energia e de gás, produtores rurais e administrações municipais estão entre os beneficiários diretos do projeto, que conta com US $ 7,828,000 em investimentos diretos. Com abordagem inicial na região Sul do Brasil, em especial no oeste do estado do Paraná, a iniciativa pretende impactar todo o país. Entre seus resultados previstos estão a compilação e a divulgação de dados completos e atualizados sobre o setor, a oferta de serviços e recursos para capacitação técnica e profissional, a criação de modelos de negócio e de pacotes tecnológicos inovadores, a produção de Unidades de Demonstração seguindo padrões internacionais, a disponibilização de serviços financeiros específicos para o setor, a ampliação da oferta energética brasileira, e articulações indispensáveis entre a alta gestão governamental e entidades setoriais para a modernização da regulamentação e das políticas públicas em torno do tema, deixando um legado positivo para o país. APRESENTAÇÃO FUNDAMENTOS DO BIOGÁS Aula 3 – Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás Data da Publicação: Maio 2020 Sumário 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 2. OPERAÇÃO, MONITORAMENTO E MANUTENÇÃO DE PLANTAS DE BIOGÁS ......... 10 2.1. Monitoramento e acompanhamento ......................................................................... 10 2.2. Operação ..................................................................................................................... 11 2.3. Manutenção ................................................................................................................ 11 2.4. Segurança .................................................................................................................... 12 3. ARRANJO TECNOLÓGICO, MODELO DE NEGÓCIO E VIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E FINANCEIRA ............................................................................................ 15 3.1. Viabilidade econômico-financeira em projetos de biogás .......................................... 15 3.1.1. Indicadores de viabilidade econômico-financeira .............................................. 16 4. PANORAMA DO BIOGÁS .......................................................................................... 20 4.1. Os benefícios do biogás ............................................................................................... 20 4.1.1. Benefícios ambientais ......................................................................................... 21 4.1.2. Benefícios sociais e econômicos ......................................................................... 22 4.1.3. Benefícios para a segurança energética .............................................................. 23 4.2. Biogás no Brasil ........................................................................................................... 24 4.2.1. Potencial de produção de biogás do país ............................................................ 24 4.2.2. Plantas de biogás existentes ............................................................................... 25 4.2.3. Casos de sucesso – Produção e uso energético do biogás .................................. 27 4.2.4. Políticas e regulação ............................................................................................ 30 4.2.5. Associações e instituições do setor ..................................................................... 34 4.2.6. Barreiras para implementação da fonte energética - biogás .............................. 34 4.3. Biogás no mundo ......................................................................................................... 36 4.4. Biodigestores domésticos ........................................................................................... 37 4.5. Biogás na Europa ......................................................................................................... 38 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 41 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 42 Lista de Figuras FIGURA 1 - DIAGRAMA FLUXO DE CAIXA ............................................................................................ 17 FIGURA 2 - POTENCIAL BRASILEIRO DE BIOGÁS .............................................................................. 25 FIGURA 3 - POTENCIAL DE SUPRIMENTOENERGÉTICO COM BIOGÁS .......................................... 25 FIGURA 4 - MAPA DE BIODIGESTORES INSTALADOS NO BRASIL ATÉ 2015 ................................ 26 FIGURA 5 - BIODIGESTOR DA GRANJA SÃO PEDRO COLOMBARI .................................................. 27 FIGURA 6 - ATERRO SANITÁRIO DE DOIS ARCOS ............................................................................. 29 FIGURA 7 - LINHA DO TEMPO DE LEIS E REGULAÇÕES PARA O BIOGÁS NO BRASIL................. 33 FIGURA 8 - PLANTAS DE BIOGÁS INSTALADAS NA EUROPA ATÉ 2016 ......................................... 39 FIGURA 9 - CRESCIMENTO NO NÚMERO DE PLANTAS NO BIOGÁS................................................ 39 FIGURA 10 - PLANTAS DE BIOGÁS INSTALADAS NA EUROPA ATÉ 2016 ....................................... 40 Lista de Equações EQUAÇÃO 1 - VALOR PRESENTE ........................................................................................................... 18 EQUAÇÃO 2 - VALOR PRESENTE LÍQUIDO .......................................................................................... 18 Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 9 Desenvolvimento Proporcionado Nesta aula será proporcionado o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que poderão ser colocados em prática por você ao longo do curso e após a finalização das atividades propostas: COMPETÊNCIAS: 1. Conhecimento das características de reatores e biogás; 2. Conhecimento básico de modelos de negócio e elaboração de estudos de viabilidade técnica. HABILIDADES: 1. Pró-atividade; 2. Discernimento; 3. Flexibilidade. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 10 1. INTRODUÇÃO Na segunda aula aprendemos sobre os processos de biodigestão, as etapas envolvidas na aplicação energética do biogás, e a destinação adequada e aplicação do digestato para a fertilização do solo. Para darmos continuidade ao aprendizado, nesta última aula, o foco do estudo estará voltado a apresentação de dados sobre operação, monitoramento e manutenção de plantas de biogás, assim como, analisaremos os arranjos tecnológicos, modelos de negócio e viabilidade técnica, econômica e financeira. Além disso, será abordado o panorama do biogás, mostrando como encontra-se esta fonte energética a nível mundial e nacional. Ao final da aula, assista aos vídeos complementares e, caso tenha, dúvidas procure seu tutor. Bons estudos! 2. OPERAÇÃO, MONITORAMENTO E MANUTENÇÃO DE PLANTAS DE BIOGÁS Para garantir o correto funcionamento de uma planta de biogás, é de suma importância conhecer todas as etapas, sequência e organização das atividades, bem como conhecer o funcionamento e informações técnicas dos equipamentos. Além disso, é necessário realizar trabalhos e inspeções para assegurar o bom funcionamento e a longa vida útil nos sistemas de produção, tratamento, transporte e uso do biogás. Desta forma, detalharemos a seguir a descrição da operação, monitoramento e manutenção de uma planta de biogás. 2.1. Monitoramento e acompanhamento O monitoramento e acompanhamento periódico das plantas de biogás, visam avaliar a existência de irregularidades no funcionamento e na eficiência de uma planta de biogás, podendo ser dividido como in loco ou laboratorial. O monitoramento in loco é quando os indicadores (temperatura, pressão e volume, por exemplo) são medidos na própria planta de forma contínua, ou seja, no próprio local de digestão, existindo a avaliação do funcionamento correto dos sistemas e equipamentos, e a realização de análises de avarias durante o processo. Já no monitoramento laboratorial são realizadas coletas de amostras para a realização de análises em laboratório das características do substrato que indicam estabilidade do processo. É utilizado essa técnica quando não é possível realizar in loco Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 11 a determinação desses tipos de indicadores, como por exemplo, análises físico-químicas, pH, FOS/TAC (indicador da capacidade de absorver mais substrato antes de começar o processo de acidificação), e potencial da produção de metano. Em relação aos equipamentos e instalações da planta é necessário que exista uma verificação do estado, para que planta inicie e permaneça, adequadamente, em operação. Por isso, é necessário a existência de um programa de monitoramento e periodicidade na coleta de dados, para avaliar se a planta está em perfeito funcionamento. 2.2. Operação A operação é um dos processos mais complexos em uma planta de biogás, visto que este é um processo contínuo e engloba uma série de atividades interdependentes. Quando há falha em uma fase do processo, uma outra fase possivelmente não poderá funcionar corretamente, portanto, é necessário que estes processos estejam totalmente estabelecidos e operando corretamente para que o funcionamento da planta não seja interrompido ou alterado por qualquer falha de operação. Dessa forma os operadores deverão seguir criteriosamente a descrição das atividades com foco na padronização do processo produtivo. Sendo assim, é essencial que haja um Plano de Operação de uma planta e que seja seguido, assim como os documentos e procedimentos da operação padrão. 2.3. Manutenção A manutenção é o conjunto de ações técnicas e administrativas, que tem por objetivo manter ou recolocar em funcionamento os equipamentos de uma planta de biogás, independentemente da etapa ou do processo de um determinado arranjo tecnológico. Além disso, esse conjunto de ações são necessárias para manter a vida útil dos equipamentos e peças, diminuindo a realização de manutenções corretivas, possíveis paradas (na produção de biogás, tratamento ou geração de energia em uma unidade) e possibilita a redução dos custos com reparos operacionais. A manutenção, preventiva ou corretiva, os cuidados com os equipamentos de uma planta de biogás, bem como a periodicidade com que a manutenção deve ocorrer, são, geralmente, determinadas pelos fabricantes dos equipamentos. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 12 Toda manutenção executada na planta de biogás deverá ser descrita e organizada considerando todo o conjunto de equipamentos, para que, futuramente, tais informações auxiliem na elaboração do Plano de Manutenção da planta. 2.4. Segurança A construção e operação de uma planta de biogás está relacionada a uma série de questões importantes de segurança e riscos para humanos, animais e meio ambiente. Tomar precauções adequadas e medidas de segurança tem como objetivo evitar riscos, situações perigosas e contribuir para garantir uma operação segura da planta. O cumprimento de importantes questões de segurança e estipulação de medidas claras de prevenção e controle de danos são condições para a obtenção da licença de construção. Dentre os parâmetros que devem ser analisados, estão: • Prevenção de explosão; • Prevenção de incêndio; • Perigos mecânicos; • Construção estática de som; • Segurança elétrica; • Proteção contra raios; • Segurança térmica; • Proteção contra emissões de ruído; • Asfixia, prevenção de envenenamento; • Segurança higiênica e veterinária; • Evitar as emissões poluentes do ar; • Prevenção de vazamentos de água no solo e na superfície; • Evitar a liberação de poluentes durante a eliminação de resíduos; Definição Um Plano de Manutenção é um documento que registra todas as atividades de manutenção, como frequência, periodicidade, localização do equipamento, materiais e peças que deverão serutilizados e quem são os profissionais responsáveis pela execução das atividades. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 13 • Segurança das inundações; • Riscos biológicos. Existe uma grande diversidade de perigos existentes nas plantas de biogás e/ou biometano, estando relacionados tanto aos riscos ocupacionais e ambientais, como também à efetividade do processo de produção de biogás. O biogás, em função dos seus constituintes, representa um perigo com riscos químicos e físicos atribuídos. A mistura gasosa que compõe o biogás apresenta propriedades asfixiantes (sufocamento). Outros aspectos como corrosividade e toxicidade do sulfeto de hidrogênio (H2S), toxicidade da amônia (NH3), além da inflamabilidade do metano (CH4) e hidrogênio (H2) também devem ser considerados. No caso do metano, a mistura com o ar em concentrações entre 5 a 15% (v.v- 1) é suficiente para que ocorra a combustão e os vapores deflagrem uma explosão se restritos em um espaço confinado. No caso de sistemas de remoção de H2S por injeção de ar ou oxigênio in situ no digestor anaeróbio, a concentração de oxigênio nunca deve superar 4,5% (BRASIL, 2015). Além dos riscos ambientais existe o risco ocupacional biológico e por isso foram elaboradas as Normas Regulamentadoras (NRs) sobre Segurança e Saúde no Trabalho, com destaque para as NRs 15 e 32 (HOEPPNER, 2015). Para salientar a importância do refino e monitoramento do nível de H2S no biogás gerado na planta, são listados a seguir as faixas de concentração e os seus efeitos: • Faixa de concentração de 0,00047 ppm: É o limiar de reconhecimento, a concentração na qual 50% dos seres humanos podem detectar o odor característico de sulfeto de hidrogênio; • Faixa de concentração menor que 10 ppm: Tem um limite de exposição de 8 horas por dia; • Faixa de concentração de 10 - 20 ppm: É a concentração limite da irritação ocular; • Faixa de concentração de 50 - 100 ppm: Ocorre danos aos olhos; • Faixa de concentração de 100 - 150 ppm: O nervo olfatório é paralisado após umas poucas inalações, e o sentido do olfato desaparece, frequentemente em conjunto com a consciência do perigo; • Faixa de concentração de 320 - 530 ppm: Conduz a edema pulmonar com a possibilidade de morte; Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 14 • Faixa de concentração de 530 - 1000 ppm: Causa forte estimulação do sistema nervoso central e respiração acelerada, levando à perda de respiração; • Faixa de concentração de 800 ppm: É a concentração letal para 50% dos humanos por 5 minutos de exposição; • Faixa de concentração acima de 1000 ppm: Causam colapso imediato com perda de respiração, mesmo após inalação de uma única respiração. O risco biológico dependerá do tipo de substrato a ser utilizado no digestor, e por isso os cuidados com segurança devem ser fundamentais. O uso de equipamentos de proteção individual (EPI) (ex.: luvas, calçado fechado e óculos de proteção) devem ser priorizados durante a manipulação de amostras de substrato e digestato. Outros fatores de risco envolvendo eletricidade e calor também devem ser considerados no projeto de um biodigestor ou planta de biogás. A preocupação com o aterramento de dutos e equipamentos deve ser considerada como precaução à eletricidade estática (evitar faíscas e descargas elétricas). Portanto, possíveis fontes de ignição devem ser avaliadas e evitadas, e por isso o uso de telefones celulares, consumo de cigarros ou qualquer outra fonte de centelha ou chama não devem ser permitidas nas áreas de risco. Além disso, a avaliação da utilização de para-raios também deve ser realizada. A instalação de queimadores para destinação do excedente do gás é uma ferramenta de segurança importante, mas também necessita de alguns cuidados. A norma NBR n° 12.209 da ABNT de 1992 previa uma distância de segurança entre o queimador e digestor e/ou gasômetro de no mínimo 30 m. Além disso, a distância mínima até qualquer outro edifício deveria ser de 20 m. Estas distâncias foram desconsideradas na redação atualizada desta norma (2011), apenas indicando que os queimadores devem ser instalados de forma que suas chamas, gases e componentes quentes não ofereçam risco. Neste caso, a chama e a saída de gases e fumaça devem estar a uma altura mínima de 3 metros e a área compreendida pelo raio de 5 m do queimador, deve estar livre de vegetação (arbustos e árvores). O queimador do tipo enclausurado deve ser instalado a no mínimo 5 m de distância de edifícios e vias de trânsito, e queimadores de chama aberta podem exigir maiores distâncias, necessitando avaliação para cada caso. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 15 Em todos os casos, o uso de anteparos contravento e protetores contra chuva é recomendado para melhoria do acendimento e do monitoramento do queimador e chama-piloto, quando houver (BRASIL, 2015). 3. ARRANJO TECNOLÓGICO, MODELO DE NEGÓCIO E VIABILIDADE TÉCNICA, ECONÔMICA E FINANCEIRA O arranjo tecnológico de um projeto de biogás é a forma de estruturar ou dispor do conjunto de processos e tecnologias que envolvem uma planta de biogás, organizados para que o empreendimento seja técnico e economicamente viável, de acordo com a necessidade e demanda energética, capacidade produtiva com a disponibilidade de recursos econômicos e financeiros, entre outras variáveis e informações que subsidiam a elaboração de uma análise de viabilidade. O arranjo é elaborado de acordo com a especificidade de cada projeto, onde o cenário social, econômico e ambiental pode impactar nas definições e na estrutura do arranjo tecnológico. 3.1. Viabilidade econômico-financeira em projetos de biogás Os projetos de biogás possuem aspectos que os diferenciam de outras classes de investimentos. Em sua maioria, as diferenças estão associadas com o tipo de matéria- prima (fonte) e de investimento (tecnologia) mais adequados para a eficiência energética. Em um estudo de viabilidade, busca-se avaliar a aplicabilidade do negócio, visando a obtenção de uma projeção do seu comportamento frente ao mercado e uma maior segurança a investimentos, seja em novos empreendimentos ou em empresas consolidadas. Antes de investir, é necessário conhecer, identificar, avaliar, ponderar e medir todos os aspectos e as questões externas ao projeto, e durante o desenvolvimento de um projeto, são elaborados diversos cenários para identificar os arranjos mais viáveis e os menos viáveis, de acordo com o modelo de negócio definido. Dessa forma, através da análise de viabilidade em projetos de eficiência energética será possível responder questionamentos, como por exemplo: • Qual o valor do investimento inicial? • Quais as melhores alternativas de financiamento? • Qual o ponto de equilíbrio do negócio? • Quais são as perspectivas de viabilidade econômico-financeira? • Qual a taxa de retorno que o projeto proporciona? É lucrativa? Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 16 • Em quanto tempo o dinheiro investido retorna? Além disso, uma análise de viabilidade ou um estudo de viabilidade oferece a base para a avaliação do projeto. Assim que o estudo é finalizado, investidores, concessores de empréstimos e outras partes interessadas podem consultá-lo para conduzir análises que sustentarão as suas decisões em relação à implementação do projeto. Os investidores podem estar primariamente interessados nos seus retornos financeiros esperados, enquanto os concessores de empréstimos examinarão a consistência geral dos planos de investimento, os riscos envolvidos, os aspectos organizacionais e outros elementos que podem ajudar a justificar o comprometimento defundos nessa tentativa. 3.1.1. Indicadores de viabilidade econômico-financeira Os indicadores de viabilidade econômico-financeira são métodos utilizados para identificar se o investimento é viável ou não, estimando e prevendo situações no futuro e, apoiando na tomada de decisões. Existem vários métodos de orçamento de capital que podem ser empregados em uma análise de viabilidade. Os métodos mais comuns de avaliação de projetos de investimento são o Payback Simples, Payback Descontado, o Valor Presente Líquido (VPL) e a Taxa Interna de Retorno (TIR). O sucesso do projeto depende de alguns fatores que podem ser controlados e influenciados por decisões estratégicas relativas ao investimento e aos custos operacionais. Por isso, é necessário escolher a melhor tecnologia em relação ao nível de investimento e custos operacionais. Contudo, algumas dificuldades em relação aos custos das tecnologias são apresentadas, sendo necessário a previsão de: • Custo do investimento necessário para implantação da planta; • Custo operacional incluindo todos os serviços e peças sobressalentes; • Custos de manutenção da planta de biogás no total (percentual do investimento/ano); • Demanda de energia elétrica própria (kWh/ano), incluindo demanda de consumo de combustível e energia combinados ou cogeração; • Média de horas de trabalho/dia de pessoal (manutenção e alimentação do sistema); Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 17 • Vida útil dos equipamentos (depreciação), ou seja, tempo de duração (em anos); • Termos físicos ou tecnológicos; • Valor residual do equipamento – tempo viável de venda após a sua vida útil, mesmo como sucata; • Receitas líquidas futuras – resultado líquido por período (receitas com vendas, descontando os custos e as despesas), durante a sua vida útil. A viabilidade do projeto da planta de biogás e o sucesso econômico a longo prazo devem ser comprovados por um estudo ou análise de viabilidade. Para realizar e avaliar o resultado de uma análise de viabilidade é necessário compreender os indicadores, as premissas que envolvem o projeto, a estimativa dos fluxos futuros do processo de avaliação e análise dos prazos de recuperação do capital investido e da análise de valores. Os indicadores que devem ser analisados estão descritos na sequência. • Dinheiro no tempo: O dinheiro se modifica ao longo do tempo, de modo que um dólar, um euro, um yen, ou um real na mão hoje vale mais do que a esperança dessa mesma quantia ser recebida no futuro. Existem no mínimo três razões do porquê isto é verdadeiro, primeiro, dinheiro na mão hoje pode ser investido, rendendo juros, de modo que você terminará com mais dinheiro no futuro; segundo lugar, o poder de compra do dinheiro pode mudar ao longo do tempo, devido a inflação; e terceiro, a receita de dinheiro esperada no futuro é, de forma geral, incerta. • Fluxo de Caixa (FC): Fluxo de caixa é um instrumento de controle adotado para acompanhar a movimentação financeira em um determinado período de tempo, no qual entradas e saídas de capital são registradas para verificação e análise (Figura 1). Para tornar o processo mais eficiente, todas as receitas e despesas, por menores que sejam, devem ser registradas. Figura 1 - Diagrama Fluxo de Caixa Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 18 • Valor Presente (VP): É uma fórmula matemática-financeira (Equação 1) utilizada para calcular o valor presente de uma série de pagamentos futuros descontados a uma taxa de custo de capital estipulada. Equação 1 - Valor presente 𝑉𝑃 = 𝑉𝐹 (1 + 𝑖)𝑛 Onde: VP: Valor Presente; VF: Valor Futuro de caixa no futuro; i: Taxa de desconto escolhida; n: prazo. • Valor Presente Líquido (VPL): O VPL é a diferença entre quanto recebemos do projeto (valor presente) e quanto investimos no projeto, na mesma data base dos fluxos de caixa. O VPL deve ser maior do que 0 para que o investimento seja considerado viável, podendo ser representado pela Equação 2. Equação 2 - Valor presente líquido 𝑉𝑃𝐿 = FC0 + FC1 (1 + 𝑖)𝑗+1 + FC2 (1 + 𝑖)𝑗+2 + ⋯ FCX (1 + 𝑖)𝑗+𝑋 Sendo que, o termo FC0 representa o fluxo de caixa do período zero, isto é, o investimento inicial, e os FC seguintes definem o fluxo de caixa de cada período, o i é a taxa de desconto escolhida. • Taxa Interna de Retorno (TIR): A TIR de um empreendimento é uma medida relativa, expressa em percentual, que demonstra o quanto rende um projeto de investimento, considerando o período analisado. • Taxa Mínima de Atratividade (TMA) e custo de capital (k): A taxa mínima de atratividade (TMA) é a taxa que representa o mínimo que um investimento deve remunerar para que seja considerado viável economicamente. A TMA também pode representar a taxa máxima a ser aceita em um empréstimo ou financiamento, apesar de que seu uso seja mais comum na primeira situação. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 19 Finalmente, para investirmos no projeto, o critério de decisão é que a TIR seja maior ou, no mínimo, igual à taxa mínima de rentabilidade exigida, ou seja, TMA. • Payback: A expressão payback, é o tempo de retorno do capital investido, ou seja, o tempo requerido para que o projeto pague de volta, a seu investidor, o investimento inicial. Para se calcular o período de payback simples de um projeto basta somar os valores dos fluxos de caixa auferidos, período a período, até que essa soma se iguale ao valor do investimento inicial. Para se calcular o payback descontado devemos considerar os fluxos de caixa auferidos descontados (trazidos a valor presente pela TMA estipulada) para depois verificar quando a soma dos fluxos de caixa se iguala ao investimento inicial. • Carência no projeto: O início do projeto não coincide com o início da operação. Existe um tempo após o capital ser desembolsado que o projeto está sendo construindo e não está gerando entradas de caixa. Esse período é referente a carência e deve ser levado em consideração ao criar o cenário de viabilidade econômica do projeto. • Capital Expenditure (CAPEX): O CAPEX, expressão utilizada para as despesas de capital ou investimento em bens de capital, é o termo utilizado para demonstrar o montante de dinheiro despendido na aquisição, adequação ou melhorias de bens de capital em um determinado projeto, ou seja, refere-se aos custos incorridos no momento da instalação do projeto, tudo que ele precisa para entrar em operação, incluindo insumos e mão de obra. Se a TIR de um projeto é de 15% e os fluxos de caixa são anuais, então significa que este projeto irá gerar um retorno anual de 15%. Um projeto é viável quando a TIR for maior do que a TMA, já que esta representa o percentual mínimo de retorno que um projeto deve gerar para ser aceito. Exemplo https://luz.vc/planilhas-empresariais/planilha-de-fluxo-de-caixa-excel#a_aid=594bc752a94ba&a_bid=032b10d5 https://luz.vc/planilhas-empresariais/planilha-de-fluxo-de-caixa-excel#a_aid=594bc752a94ba&a_bid=032b10d5 Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 20 • Operational Expenditure (OPEX): O OPEX é o capital utilizado para manter ou melhorar os bens físicos. Refere-se aos custos de operação e manutenção do projeto, ou seja, toda mão de obra e insumos necessários para o funcionamento ao longo da vida útil do projeto. • Receita: É o valor recebido pela negociação de algum produto ou serviço. Pode, inclusive, ser o custo evitado em um projeto, onde a receita será um custo que deixará de ocorrer após a implantação do projeto. • Depreciação: A depreciação é a perda de valor de um bem decorrente de seu uso, dodesgaste natural ou de sua obsolescência. Na contabilidade das empresas, essa depreciação é registrada como um percentual do valor contábil do bem que é descontado ao longo do tempo, de acordo com sua expectativa de vida útil. • Reinvestimento: Após um determinado período de uso, alguns equipamentos precisam passar por uma manutenção específica ou até mesmo ser substituídos. Esse valor precisa ser contabilizado no fluxo de caixa, de modo que o investidor possa prever o quanto ele precisará desembolsar e em qual fase do projeto. • Vida útil: Tanto o projeto quanto os equipamentos que compõem o CAPEX possuem uma vida útil estimada que precisa ser indicada. Tanto para determinar o período de análise do investimento, quanto para estabelecer as necessidades de reinvestimento em equipamentos. Assim, a análise econômico-financeira de projetos de eficiência energética tem como objetivo avaliar e interpretar as questões relativas à estabilidade, rentabilidade e lucratividade do projeto, permitindo, por meio da utilização de instrumentos e métodos, realizar diagnóstico e prognóstico sobre o desempenho futuro do empreendimento. É importante salientar que a análise dos indicadores é realizada de forma diferente, conforme a experiência do gestor ou com a linha seguida pela empresa, e por isso é fundamental observar o comportamento de um ou mais indicadores e assim, avaliar se o investimento em um projeto de biogás será viável ou não. 4. PANORAMA DO BIOGÁS 4.1. Os benefícios do biogás O biogás é uma fonte de energia que gera diversos benefícios ambientais, sociais, e econômicos, sendo considerado um grande aliado na busca pela sustentabilidade nos processos produtivos. A seguir serão descritos esses benefícios detalhadamente. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 21 4.1.1. Benefícios ambientais Dentre os benefícios ambientais, destaca-se que o biogás é um indutor da destinação e tratamento adequados de efluentes e resíduos, reduzindo o risco de contaminação do solo, ar e dos recursos hídricos. Além disso, o digestato produzido no processo de digestão anaeróbia pode ser utilizado como fertilizante do solo, reduzindo a demanda por fertilizantes químicos, que normalmente são explorados em áreas de mineração distantes das áreas de agricultura, causando impactos ambientais no local e durante a produção e transporte, questão que já foi comentada na Aula 2. Outro benefício importante é a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). A concentração dos GEE na atmosfera vem aumentando nas últimas décadas e pesquisas correlacionam isso ao aumento da temperatura global, o que trará muitos impactos ambientais, sociais e econômicos ao planeta. A produção de biogás, para ser utilizado como fonte de energia, pode gerar alguns benefícios sobre os GEE, dentre eles: a redução da emissão de CH4 quando o biogás produzido passa a ser coletado em aterros sanitários; e, a redução das emissões de gases nos sistemas que utilizam lagoas de armazenamento de efluentes devido a uma pré digestão anaeróbia que ocorre no efluente antes do mesmo ser encaminhado ao sistema de lagoas anaeróbias, reduzindo assim, a emissão de gás para atmosfera. Outro benefício ambiental é a substituição de combustíveis fósseis, como diesel, gás natural e gás liquefeito de petróleo (GLP), por um combustível renovável. Há também a vantagem de ser uma fonte de energia bastante distribuída no território, diferente de outras fontes que estão bastante concentradas, possibilitando a Definição Os Gases de Efeito Estufa (GEE) são compostos gasosos capazes de absorver radiação na frequência do infravermelho, aprisionando calor na atmosfera. Os GEE mais relevantes são: o vapor de água (H2O), o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 22 produção da fonte de energia próxima ao seu consumo, reduzindo a demanda de energia e de combustíveis das grandes usinas ou de locais distantes. Essa característica possibilita a redução dos impactos ambientais com a produção em grandes usinas de energia elétrica, como as hidrelétricas e com o transporte rodoviário de combustíveis por longas distâncias (emitindo poluentes e GEE), como o transporte de diesel do litoral brasileiro para o interior. 4.1.2. Benefícios sociais e econômicos Dentre os benefícios sociais da produção e uso do biogás, está a melhoria da qualidade de vida de agricultores pela redução dos odores e moscas no sistema de tratamento dos efluentes da pecuária. Além disso, o agricultor passa a se sentir protetor do meio ambiente quando utiliza um sistema que trata mais adequadamente o efluente de sua produção. O uso do biogás para energia e do digestato para fertilização do solo, possibilita a redução dos custos da propriedade rural, indústria, aterro sanitário, estação de tratamento de esgoto ou qualquer outro tipo de planta de biodigestão. Outra possibilidade é que esses insumos (energia e fertilizante) sejam vendidos e possam gerar novas fontes de renda para as plantas de biogás, podendo ser indústrias, fazendas, estações de tratamento de esgoto, etc. Quando a produção de biogás é o foco do negócio, essa atividade passa a ser a impulsionadora de novos negócios. No caso da agricultura, a biodigestão e os seus produtos trazem benefícios como acesso à energia, a melhoria da qualidade de vida e a igualdade de gênero para as mulheres. Isso ocorre em regiões isoladas e/ou muito pobres onde as mulheres Para saber mais: Você poderá saber mais sobre o aquecimento global, acessando: Efeito Estufa e Aquecimento Global. Ministério do Meio Ambiente. Link: http://www.mma.gov.br/informma/item/19 5-efeito-estufa-e-aquecimento-global http://www.mma.gov.br/informma/item/195-efeito-estufa-e-aquecimento-global http://www.mma.gov.br/informma/item/195-efeito-estufa-e-aquecimento-global Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 23 precisam buscar lenha diariamente para a cocção de alimentos, o que demanda várias horas do dia para essa atividade. Com o uso do biogás para cocção, essas horas tomadas para a busca de lenha podem ser aplicadas em atividades que geram mais renda para as famílias ou em estudo. Além disso, a substituição de lenha por biogás melhora a qualidade do ar no interior da residência, melhorando a saúde. Outra faceta dessa tecnologia na agricultura, é o incentivo aos jovens permanecerem na área rural por ser uma nova atividade produtiva e fonte de renda, pois a produção de biogás impulsiona a geração de empregos e o crescimento da economia da região, demandando serviços de engenharia, instalação, manutenção e insumos. Sobre o digestato, ele pode ser aplicado diretamente na propriedade em que é produzido, como fertilizante, possibilitando o aumento da produtividade e a redução de custos na agricultura, ou a valorização para venda como produto com maior valor agregado, o que pode gerar novas receitas para a planta de biodigestão. Por fim, o biogás não é apenas uma fonte de energia, mas sim, um mobilizador de desenvolvimento regional, pois pode ser produzido com substratos provenientes de diversas atividades produtivas e locais, como a agropecuária, indústria, aterros sanitários e estações de tratamento de efluentes. 4.1.3. Benefícios para a segurança energética O biogás é considerado uma fonte de energia renovável, pois, pode ser produzido com matérias primas que se renovam em uma escala de tempo curta para a humanidade, ou seja, apenas meses ou anos é necessário para sua obtenção. Além dos benefícios já apresentados, a conversão do gás em energia tem grande importância parao aumento da oferta energética no país e a diversificação das fontes. A matéria prima para produção de biogás está distribuída por quase todas as regiões, como urbanas, industriais ou agrícolas, e isso possibilita que o biogás seja produzido em quase todo o país. Isso aumenta a segurança, a qualidade e a eficiência energética pois, a energia passa a ser produzida de forma distribuída e mais perto dos locais de consumo, podendo até ser produzido pelos próprios consumidores de energia, tornando-os autoprodutores e mais capazes de controlar esse insumo para suas atividades produtivas. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 24 4.2. Biogás no Brasil Nos últimos anos, o uso de biodigestores para a produção de biogás voltou a ser discutida no Brasil, no embalo de projetos de visionários que acreditavam no potencial dessa fonte energética na busca pela sustentabilidade e de empresas que buscavam melhorias ambientais. Paralelo a isso, o setor de biogás na Europa, principalmente Alemanha, passou por um rápido desenvolvimento motivado pelas leis de incentivo e subsídios à geração de energias renováveis. Assim, o retorno do tema biogás e o grande potencial de produção do Brasil atraiu a atenção de instituições, como o governo, de empresas brasileiras e internacionais e centros de pesquisa e desenvolvimento, e desde 2008, vem gerando várias iniciativas no sentido de desenvolver e consolidar essa fonte de energia e de inseri-la definitivamente na matriz energética nacional. Destaca-se o papel de liderança da hidrelétrica Itaipu Binacional nessa retomada do setor de biogás no Brasil. A empresa possui diversos projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de biogás em parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás), uma instituição científica, tecnológica e de inovação criada com seu apoio. O Centro tem como missão a promoção do desenvolvimento sustentável da cadeia do biogás e outras energias renováveis, sendo formado por diversas instituições que desenvolvem e/ou apoiam projetos relacionados às energias renováveis, contando com estrutura de um laboratório de biogás, no Parque Tecnológico Itaipu (PTI), em Foz do Iguaçu, e com unidades de produção e uso energético de biogás no Brasil. 4.2.1. Potencial de produção de biogás do país O Brasil possui elevado potencial de geração de resíduos energéticos como vinhaça, palha e bagaço de cana-de-açúcar, palha de arroz, caroço de algodão, bagaço e caroço de frutas, além de resíduos urbanos como lixo, esgoto, resíduos de podas e capinas, e dejetos de animais, caso dos bovinos, suínos, frangos, peixes, entre outros. As Figuras 2 e 3, apresentam o potencial brasileiro de biogás e o potencial de suprimento energético de energia elétrica e combustível a partir do biogás. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 25 Figura 2 - Potencial brasileiro de Biogás Fonte: ABIOGÁS (2017). Figura 3 - Potencial de suprimento energético com biogás Fonte: ABIOGAS (2017). 4.2.2. Plantas de biogás existentes Até 2015, existiam no Brasil, cerca de 127 biodigestores em operação gerando biogás para uso energético (Figura 4), de acordo com o Relatório de Biogás e Biometano do Mercosul – 2017. Entretanto, de 2015 até 2018, diversos novos biodigestores foram instalados com a finalidade energética, sendo necessário realizar atualização desses dados. Os biodigestores instalados no Brasil, variam quanto ao arranjo produtivo como: indústria (sucroenergética, abatedouro de aves ou suínos, lacticínios e alimentos e/ou bebidas); agropecuária (suinocultura; avicultura de postura ou corte e bovinocultura de Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 26 leite ou corte); aterro sanitário (aterro sanitário); estação de tratamento de esgoto (esgoto e lodo de esgoto) e codigestão (codigestão de resíduos e efluentes). Figura 4 - Mapa de biodigestores instalados no Brasil até 2015 Fonte: CIBiogás (2017). Segundo o Balanço Energético de 2017 (EPE, 2017), a capacidade instalada de geração de energia elétrica a partir do biogás no Brasil, no ano de 2016, foi de 119 MW. Contudo, o potencial técnico dos resíduos agrícolas no Brasil é de cerca de 14,3 milhões de m³.dia-1 de biometano combustível e de 3.478 MW de capacidade elétrica instalada (EPE, 2014b). Para os resíduos sólidos urbanos, o potencial técnico é de 4,2 milhões m³.dia-1 de biometano combustível e capacidade elétrica instalada de 868 MW (EPE, 2014c). Isso totaliza um potencial técnico de 18,5 milhões de m³.dia-1 de biometano combustível e 4.346 MW de capacidade instalada para a geração de energia elétrica. Destaca-se que esses valores desconsideram o potencial de esgoto sanitário e os resíduos industrias, como da indústria sucroenergética. Para saber mais: Para saber mais sobre as plantas de biogás, instaladas no Brasil, acesse o BiogasMap, no link: https://cibiogas.org/biogasmap Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 27 4.2.3. Casos de sucesso – Produção e uso energético do biogás • Granja São Pedro Colombari Localizada em São Miguel do Iguaçu, região Oeste do Estado do Paraná, a Granja São Pedro Colombari é uma propriedade pioneira no auto abastecimento energético no país, sendo seu foco econômico a suinocultura em terminação. Em 2006, foi instalado um biodigestor para tratar a biomassa residual da granja, visando a produção de biogás e geração de energia elétrica. Após dois anos, a unidade já operava em Geração Distribuída (GD), estando conectada à Companhia Paranaense de Energia (Copel). A granja possui cinco mil suínos, produzindo cerca de 45 m³ por dia de efluentes líquidos que são direcionados a dois biodigestores de lagoa coberta que operam em série. O plantel atual possibilita a produção diária de aproximadamente 770 m³ de biogás. Após filtrado, o biogás é aproveitado para geração de energia elétrica, apresentando potencial de produção de 32 MWh por mês. Além de ser autossuficiente em energia elétrica, a propriedade também usa o digestato proveniente do processo de tratamento do efluente, na lavoura, havendo a redução de custos com o fertilizando mineral já que parte do mesmo é substituído. A granja faz parte da nova economia rural, demonstrando o quanto a energia gerada por meio do aproveitamento do biogás é estratégica para o Brasil. Muito mais que ganhos ambientais, há ganhos sociais e econômicos. Figura 5 - Biodigestor da Granja São Pedro Colombari Fonte: CIBiogás (2016). Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 28 • Condomínio Ajuricaba O Condomínio de Agroenergia para Agricultura Familiar Ajuricaba, localizado em Marechal Cândido Rondon (PR), é formado por 33 pequenas propriedades rurais com atividades voltadas a suinocultura e bovinocultura. A biomassa residual produzida é tratada nas propriedades por meio de biodigestores de lagoa coberta ou biodigestor rígido, onde se produz biofertilizante e biogás. O biogás produzido é canalizado por meio de um coletor de biogás de baixa pressão, com 25,5 km de extensão, até uma Microcentral Termelétrica (MCT), possibilitando o aproveitamento de 821,8 m³ por dia de biogás, que gera energia elétrica em um grupo moto gerador de 104 kVA. Além disso, há aproveitamento interno do biogás em 16 propriedades para a cocção de alimentos. Desde agosto de 2014, o Condomínio opera em Geração Distribuída (GD), conectado à rede da Companhia Paranaense de Energia (Copel). O CIBiogás acompanha e monitora a Micro central Termelétrica (MCT) e as propriedades rurais, medindo a composiçãodo biogás, a eficiência do tratamento da biodigestão e a geração de energia. • Usina de biogás e biometano da ECOCITRUS A operação da planta-piloto de biometano, localizada junto a Usina de Compostagem da Ecocitrus, no município de Montenegro - RS, foi iniciada em 2012 e tem a capacidade para produzir 5 mil m³/dia de biogás. Criada por meio do Consórcio Verde Brasil, uma união entre as empresas Ecocitrus e Naturovos para a geração de um gás inteiramente natural e renovável, o biometano produzido a partir da valorização de substratos orgânicos, chamado pela empresa de GNVerde, contém 96% de metano, valor este que o equipara ao similar importado da Bolívia, podendo ser utilizado para a geração de energia elétrica, térmica e no abastecimento de veículos, entre outras aplicações. As frotas da Ecocitrus e da Naturovos já são abastecidas pelo GNVerde, que também é o primeiro gás veicular do Brasil sem a exploração de recursos naturais, e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), será responsável pela distribuição e comercialização do GNVerde no Estado, operação esta que aguarda a regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). • Aterro Sanitário de Dois Arcos Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 29 A Dois Arcos foi constituída em 2008, sendo o primeiro Aterro Sanitário Privado construído na Região dos Lagos - RJ, proporcionando a 8 municípios vizinhos a oportunidade de dar destino e tratar seus resíduos urbanos de forma legal e adequada. O aterro realiza o tratamento de aproximadamente 700 toneladas de resíduos por dia e tem capacidade física de armazenamento por mais de 20 anos. A estimativa de produção de biometano é de 15 mil m³.dia-1. Figura 6 - Aterro sanitário de Dois Arcos Fonte: RUBÍM (2014). • Unidade de Demonstração Itaipu A Unidade de Demonstração Itaipu consiste em um complexo industrial para tratamento de biomassa composta por resíduos orgânicos gerados nos restaurantes da Itaipu Binacional e do Parque Tecnológico de Itaipu (PTI) e restos de poda de grama. O biogás gerado a partir do tratamento desses resíduos, é refinado e o biometano oriundo desse refino é utilizado como biocombustível para abastecer parte da frota de veículos da Itaipu Binacional. Para aproveitar ao máximo esse potencial os biorreatores foram pensados como sistemas com tecnologia adequada para alcançar a maior eficiência do processo biológico, além de custos adequados para o mercado brasileiro. Um ponto crítico é a construção de reator com características adequadas para agitação dos substratos e aquecimento. A tecnologia europeia disponível atualmente é em concreto armado ou aço, ambas com alto custo de implantação. Devido a isso, buscou-se uma solução diferente com material leve, a fibra de vidro, mesmo material utilizado em embarcações, e por meio de um método de produção pré-fabricado se mostrou viável já que não sobrecarrega as fundações. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 30 O biorreator foi produzido em placas que foram transportadas até o local da planta e montadas, havendo como característica o fator modularidade, que permite a remontagem do reator ou adaptações, apenas trocando as placas. 4.2.4. Políticas e regulação O Brasil possui uma posição muito favorável para a produção de biogás, pois é o maior país tropical do mundo, recebendo durante todo o ano intensa radiação solar que é a base da produção de biomassa. Além deste fator, o país possui grande geração de resíduos urbanos e uma agroindústria muito representativa, especialmente composta pelas atividades de produção de grãos e proteína animal, as quais favorecem enormemente o país a desenvolver tecnologias de energias renováveis e limpas, aproveitando os resíduos (e consequentemente, o biogás) gerados por estas atividades. Para o aproveitamento desse potencial é importante que o mercado tenha um ambiente regulatório favorável e que incentive o desenvolvimento do setor. No Brasil há várias fontes de incentivos que auxiliam o desenvolvimento do mercado de energia da biomassa residual, tais como: Plano Nacional de Agroenergia; Programa de Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC); o Programa Nacional para a Agricultura Familiar (PRONAF); entre outros. A maioria destes programas preveem incentivos que propiciam créditos diferenciados para inovação e transferência de tecnologia que garantam a sustentabilidade da cadeia produtiva da agroenergia. O biogás vem se consolidando no Brasil principalmente pela versatilidade de aplicações, onde no ano de 2016 o setor cresceu 30% e a tendência é de continuar crescendo nos próximos anos. Para saber mais: Você pode buscar mais informações sobre algumas plantas de biogás no Brasil em: https://cibiogas.org/uds https://cibiogas.org/uds Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 31 Diferentes fatores têm influenciado neste cenário mais favorável para o crescimento do biogás no Brasil, entre eles está a consolidação da geração distribuída pela Resolução Normativa n° 482/2012, revisada por meio da Resolução Normativa n° 687/2015 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que aprimorou as possibilidades de uso do Sistema de Compensação de Energia Elétrica. Outro avanço importante foi o reconhecimento pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) através da resolução nº 08/2015 e posteriormente Resolução nº 685/2017, que permite o uso do biometano proveniente de resíduos agrossilvopastoris, aterros e esgoto para abastecimento veicular e para injeção na rede de gás natural. Os resultados desse novo cenário já começaram a aparecer, em 2016 pela primeira vez, um projeto em larga escala de biogás venceu um leilão A-5 de energia, tendo sido negociado 20,8 MW. Ainda em 2016 teve início, em uma granja de aves poedeiras no município de Santa Helena no oeste do Paraná, o projeto híbrido de produção de biogás com aplicação de geração de energia em GD e produção de biometano. Em junho de 2017 ocorreu outro resultado importante, a inauguração da Unidade de Demonstração de Biogás e Biometano da Itaipu Binacional, sendo a primeira unidade do país a produzir biogás e biometano a partir da mistura de esgoto, restos de poda de grama e resíduos orgânicos de restaurantes e a abastecer veículos da frota de Itaipu e do CIBiogás, como já citado anteriormente. Assim, percebe-se que, além do conhecimento do mercado brasileiro quanto às tecnologias existentes, vantagens econômicas e ambientais do sistema de produção do biogás, é de suma importância que existam incentivos do Governo Federal e de esferas locais para o desenvolvimento desse setor. Na Figura 7 é apresentado um esquema com as principais leis e regulações dos últimos anos relacionadas ao biogás. Resumindo, algumas políticas e regulações que envolvem a utilização de biomassa para produção e uso do biogás como fonte energética no Brasil: • Lei federal nº 12.187/2009, instituiu a Política Nacional de Mudanças Climáticas; • Lei Federal nº 12.305/2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); • Resolução ANP Nº 8 de 30/01/2015; • Resolução ANP Nº 685 de 29/06/2017. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 32 • Resolução ANEEL nº 482/2012, que trata da compensação de energia elétrica de mini e micro geradores de energia conectados em Geração Distribuída (GD); • Resolução ANEEL nº 05/2014, regulamenta a comercialização de energia de mini e micro geradores. • No estado do Rio de Janeiro: Lei Estadual nº 6361, de 18 de dezembro de 2012 torna mandatória a injeção de 10% debiogás proveniente de RSU (Resíduos Sólidos Urbanos) na rede da distribuidora local de gás canalizado. • Em São Paulo: Lei Estadual nº 13.798, de 9 de novembro de 2009, que institui a Política Estadual de Mudanças Climáticas, regulamentada pelo Decreto nº 55.947, de 24 de junho de 2010; • Em São Paulo: Decreto Estadual no 58.659 de 4 de dezembro de 2012, instituiu o Programa Paulista de Biogás e Biometano de São Paulo; • Em São Paulo: Decreto nº 60.001/2013, reduz a base de cálculo do imposto incidente nas saídas internas de biogás e biometano, de forma que a carga tributária corresponda ao percentual de 12% (antes era 18%); • Em São Paulo: Decreto 60.298/2014, deferi a produção de biogás ou biometano e geração de energia elétrica ou térmica a partir de biogás ou biometano; • Em São Paulo: Decreto 59.039/2013, deferi o tratamento e disposição de RSU com geração de energia elétrica e térmica; Em 2018 a consolidação do biogás ganhou outro aliado: o programa RenovaBio, lançado pelo Governo Federal, que tem como objetivo dar competitividade aos processos de produção, comercialização e uso de biocombustíveis, com estímulo à sua concorrência com os combustíveis fósseis. Figura 7 - Linha do tempo de leis e regulações para o biogás no Brasil Fonte: ABIOGAS (2017). Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 34 4.2.5. Associações e instituições do setor O retorno do tema biogás e o grande potencial de produção do Brasil vem atraindo, desde 2008, a atenção de instituições de governo, de empresas brasileiras e internacionais, e centros de pesquisa e desenvolvimento, que buscam promover várias iniciativas no sentido de desenvolver e consolidar essa fonte de energia e de inseri-la definitivamente na matriz energética nacional. Destaca-se o papel de liderança da hidrelétrica Itaipu Binacional nessa retomada do setor de biogás no Brasil. A empresa possui diversos projetos de pesquisa e desenvolvimento na área de biogás em parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás-ER), uma instituição científica, tecnológica e de inovação criada com seu apoio. O Centro é formado por 22 instituições que desenvolvem e/ou apoiam projetos relacionados às energias renováveis. Sua estrutura conta com um laboratório de biogás, no Parque Tecnológico Itaipu (PTI), em Foz do Iguaçu, e com 12 unidades demonstração de produção de biogás e biometano no Brasil. Sua missão é promover o desenvolvimento sustentável da cadeia do biogás e outras energias renováveis. A Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás) é uma pessoa jurídica de direito privado, de âmbito nacional e sem fins lucrativos, que nasceu em 2013 pela união de pessoas e empresas que desejam ver esses biocombustíveis disseminados na matriz energética brasileira. A ABiogás tem como objetivo congregar os interesses das sociedades, estabelecidas no país e no exterior, que se dediquem ao desenvolvimento da produção e do consumo do biogás e do biometano, divulgando e promovendo estas fontes de energia, no sentido de possibilitar sua efetiva e significativa participação na matriz energética brasileira. Essa associação também trabalha para o fortalecimento do setor seja na busca por novos associados, ou atuação nas agências reguladoras Aneel e ANP, no planejamento, na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no núcleo de políticas públicas e de estado, no Ministério de Minas e Energias (MME) e nas empresas estaduais de gás e distribuidoras de energia elétrica. 4.2.6. Barreiras para implementação da fonte energética - biogás Quando o assunto é bioenergia o Brasil logo se destaca a produção e consumo de biocombustíveis para transportes. Os avanços em tecnologia no Brasil são Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 35 comparados aos da Itália e EUA, e desde a década de 1970, o Brasil vem aumentado rapidamente a produção de biocombustíveis, tanto bioetanol quanto biodiesel. A partir 2003, os veículos que funcionam igualmente a gasolina ou a bioetanol aumentaram de zero para quase 80% de participação de mercado, em apenas quatro anos, substituindo os veículos tradicionais a gasolina. O crescimento das indústrias de cana-de-açúcar e bioenergia levou à inovação não só no setor de transportes, mas também na geração agrícola, bioquímica e elétrica. Esta transição foi possível devido a políticas efetivas impulsionadas pelo forte apoio das universidades, associações e empresas, como taxas de carbono, mesclagem de mandatos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Atualmente cortes orçamentários promovidos no Ministério da Educação e no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) resultaram em fortes restrições orçamentárias para as Universidades e Instituições de Ciência e Tecnologia, refletindo no desenvolvimento científico e tecnológico do setor agrícola. É necessário investimento em pesquisa e inovação para se manter competitivo no mercado e incentivos políticos para tornar o biogás tão competitivo quanto ao bioetanol. Algumas barreiras foram levantadas no projeto Probiogás em parceria com a GIZ (2015), a partir de entrevistas com diferentes atores, como: empresários, distribuidores de gás natural, concessionárias de energia elétrica, entes financiadores, associações de municípios e instituições setoriais. Sendo levantados: • Relação desfavorável entre os custos de um projeto e seus benefícios comerciais; • Baixa disseminação de conhecimento, acesso a informações técnicas, comerciais e legais; • Baixo número de projetos consolidados; • Ausência de políticas específicas relacionadas ao biogás; • Dificuldades para o aproveitamento de linhas de financiamento; • Custos consideravelmente altos de importação de tecnologias; e, • Falta de know-how próprio e de pessoal capacitado para operar e manter biodigestores. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 36 4.3. Biogás no mundo Em todo o mundo, o biogás é fornecido a uma variedade de usos ou mercados, incluindo eletricidade, calor e combustíveis. Em muitos países, o gás é usado para combustão direta em fogões domésticos e as lâmpadas de gás são cada vez mais comuns. O uso de biogás para o transporte é dominante na região da União Europeia (UE) e os países líderes na produção de biogás são a Alemanha, Índia e China, sendo que nos países industrializados, a geração de energia é o principal objetivo em grande parte das plantas de biogás, no entanto, na maioria dos países em desenvolvimento, essa geração é rara. Outra tecnologia de conversão comprovada para a obtenção de biogás é a criação de gás de síntese por meio da gasificação termoquímica. Nesse método a matéria-prima provém de origem celulósica, onde o biogás é chamado de Bio-SNG (Synthetic Natural Gas), que pode ser usado em turbinas a gás para produção de eletricidade e/ou calor. Nos últimos anos, o uso da biomassa vem aumentando a sua participação nos países em desenvolvimento da Ásia e da África, pois a população representativa não tem acesso à eletricidade, e devido a isso os sistemas de biogás e bioenergia descentralizada estão se tornando mais competitivos em termos de custos. Porém, o uso de biomassa para eletricidade é proeminente na Europa e na América do Norte, produzido a partir de produtos florestais e resíduos. Já as instalações de cogeração permitem o uso combinado de calor e eletricidade, onde a eficiência combinada de produção ultrapassa 80%. Há plantas de cogeração na Índia, Ilhas Maurício, Quênia e Etiópia, que usam resíduos agrícolas como bagaço. Os continentes europeu e americano contribuem com mais de 70% de todo o consumo de biomassa para a eletricidade, e embora que desde 2015 o númerode usinas de biogás na Europa esteja se estabilizando, a Capacidade Elétrica Instalada (IEC) está em alta, com aumento de 5.827 MW entre 2010 a 2016. Somente em 2016, o IEC cresceu 9% (858 MW) e esse crescimento desenvolveu ao longo dos anos principalmente à construção de plantas que utilizam substratos agrícolas, gerando mais de 2.940 MW (EUROPENA BIOGAS, 2016). Com avanços tecnológicos e pesquisa e desenvolvimento contínuos para comercializar o uso de biogás para geração de energia, o mercado de geração está buscando dar alguns passos positivos nos próximos anos. Um bom exemplo disso é a recente parceria entre Dong Energy e Novozymes, Novo Nordisk e Bigadan na Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 37 investigação da possibilidade de criar biogás a partir da biomassa. Além disso, uma planta de 20 MW está em operação em Gotemburgo desde 2014, usando bolinhas de madeira para produzir biometano. 4.4. Biodigestores domésticos Na Bolívia, um Programa Nacional de Biogás foi promulgado em 2013, que pretendia organizar a instalação de 6.500 unidades domésticas de digestor de biogás até 2017 e estabelecer um mercado viável para o fornecimento e manutenção dessas unidades a longo prazo. Os benefícios secundários declarados neste plano incluíam uma redução no uso de lenha para necessidades de energia doméstica com melhorias associadas no ambiente doméstico e condições de saúde, além de melhorias na produtividade agrícola em pequena escala, desde o acesso mais fácil a uma forma de energia moderna e sustentável. Atualmente, os sistemas agrícolas de tratamento de dejetos constituem o uso mais comum da tecnologia. Cerca de seis a oito milhões de digestores de pequena escala e baixa tecnologia são utilizados no Extremo Oriente (principalmente China e Índia) para fornecer biogás para cocção e iluminação. Na Índia, onde a tecnologia do biogás é conhecida há mais de cem anos, o Projeto Nacional de Desenvolvimento do Biogás, lançado pelo governo em 1981, resultou na instalação de 3,4 milhões de biodigestores domésticos. Na África, foi implementado o Programa de Parceria Africana de Biogás II (ABPP II), financiada pelo Ministério da Cooperação para o Desenvolvimento da Holanda (DGIS), em 5 países, a saber: Uganda, Quênia, Tanzânia, Etiópia e Burkina Faso. A ABPP II é uma continuação do Programa de Biogás Doméstico do Uganda (UDBP), iniciado em 2009. A Fase II da UDBP visava contribuir para a consecução do objetivo político de Uganda, em 2017, de 61% da energia fornecida a partir de fontes renováveis. O objetivo da UDBP II era construir 13.100 digestores de biogás até 2017, o que proporcionaria 78.600 agricultores com energia limpa para cozinhar e iluminar. O projeto enfatiza o papel das mulheres no setor de biogás e o impacto que tem a culinária limpa em mulheres e crianças, seja na redução da ingestão de fumaça ou na melhoria no saneamento local. Outro fator é a melhoria na produção agrícola com o emprego do digestato. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 38 4.5. Biogás na Europa A União Europeia (UE) demonstra um papel de liderança mundial na área de biogás, com a sua produção de 9,8 Mtep de biogás (2016), e em termos de energia primária, responde por cerca de 60% da produção mundial. A Alemanha é o país europeu que tem feito os maiores progressos neste domínio, com uma produção tanto quanto 5.067,6 ktoe ano-1, dos quais uma parte de 4.414,2 ktoe ano-1 resulta dos processos de digestão anaeróbia (e codigestão) de matrizes orgânicas selecionadas. O Reino Unido é o segundo maior produtor da Europa, com uma geração de 1.764,8 ktoe ano-1, sendo que 84% do biogás são provenientes de aterros sanitários e o restante produzido em estações de tratamento de esgotos (digestão do lodo). A Itália (1.095,7 ktoe ano-1) e a França (349,6 ktoe ano-1) seguem na lista dos maiores produtores europeus de biogás. A tendência de produção de biogás, de acordo com as linhas de ação da UE, é caracterizada por um aumento progressivo na produção de biogás em plantas de digestão anaeróbica e codigestão, de matrizes orgânicas selecionadas e uma diminuição progressiva da produção de aterros sanitários, com uma estimativa de 28,0 Mtoe.ano-1 a serem produzidos em 2020, de acordo com os Planos Nacionais de Energias renováveis da UE. Os usos do biogás são direcionados principalmente para a produção de eletricidade e calor. No entanto, há vários casos de conversão de biogás em biometano a ser injetado na rede de GNV ou para ser usado diretamente como gás combustível em veículos. Esta tendência ocorre principalmente em alguns países do centro-norte da UE, que têm implementado uma política eficaz para promover o uso de biometano para transportes públicos e privados. Segundo a European Biogás Association (EBA), a Europa tinha mais de 17 mil plantas de biogás em 2016 (EBA, 2018) (Figura 8), o que representa um crescimento de quase três vezes em relação a 2009 (Figura 9). Esse crescimento ao longo dos anos ocorreu devido aos incentivos dados pelos governos, principalmente as tarifas subsidiadas de energia elétrica, como vem acontecendo na Alemanha. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 39 Figura 8 - Plantas de biogás instaladas na Europa até 2016 Fonte: Adaptado de Europena Biogas (2016). Figura 9 - Crescimento no número de plantas no biogás Fonte: EBA (2018). Desse número de plantas na Europa, mais de 10 mil estão alocadas na Alemanha (Figura 10), e em termos de produção de biogás, a quantidade total de eletricidade produzida foram de 60,6 TWh, um número que corresponde ao consumo anual de 13,9 milhões de residências europeias. Figura 10 - Plantas de biogás instaladas na Europa até 2016 Fonte: Clean Energy Wire (2016). Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panorama de biogás 41 Nos últimos anos, houve um aumento significativo na produção de biometano na Europa, mostrando uma tendência de conversão de geradores de energia elétrica para biometano. No final de 2016, haviam 480 plantas produzindo e suprindo a rede de GNV na Europa, com destaque a Alemanha com 194 plantas, seguido de Reino Unido (85 plantas) e Suécia (63 plantas). Segundo Eurobserv’er (2017) o número de plantas tem aumentado consideravelmente e essa tendência é acentuada pela transferência dos incentivos governamentais da energia elétrica para o biometano. Estes números refletem um claro desenvolvimento na Europa, mostrando que a indústria de biogás é madura, capaz de resistir a tempos menos lucrativos e, ao mesmo tempo, busca oportunidades com sucesso. Pode-se esperar então que essas tendências positivas continuem no curto prazo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste curso, aprendemos na Aula 1 sobre o processo de produção e aproveitamento energético do biogás, analisando as características dos substratos, os dados sobre potencial de produção de biogás, pré-tratamento do substrato e tecnologias de digestão anaeróbia para tratamento e produção de biogás. Além disso, na segunda aula foi repassado conhecimentos a respeito das principais características e aplicações do biogás, sendo visto conceitos sobre tratamento, armazenamento e transporte de biogás. Ademais, nesta última aula, o foco do estudo foi voltado a operação, monitoramento, manutenção, arranjos tecnológicos, modelos de negócio e viabilidade técnica, econômica e financeira, para plantas de biogás. Espero que tenham aproveitado o conteúdo disponibilizado e que este material tenha auxiliado na obtenção de conhecimentos sobre a cadeia do biogás. Operação e manutenção de plantas de biogás, arranjos de viabilidade econômica e panoramade biogás 42 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12209:1992 - Projeto de estações de tratamento de esgoto sanitário. Norma Técnica - Rio de Janeiro: ABNT, 1992. 12p. _________NBR 12209 de 12/2011. Elaboração de projetos hidráulico-sanitários de estações de tratamento de esgotos sanitários. Norma Técnica - Rio de Janeiro: ABNT, 2011. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BIOGAS E BIOMETANO – ABIOGÁS. Biogás no Brasil. Potencial Brasileiro de Biogás, Reportagem. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://www.abiogas.org.br/setor-no-brasil> Acesso em: 01 de fev. 2018. BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL - BEN. BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL 2016. Empresa de Pesquisa Energética – EPE. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2017.pdf>. Acesso em: 01 de fev. 2018. BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL - BEN. BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL 2013. 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Regulation amending annexes VI and VIII to regulation (EC) No 1774/2002 of the EU Parliament and of the Council as regards processing standards for biogas and composting plants and requirements for manure. EU Commission Regulation 208/2006. Brussels, 2006. DOIS ARCOS. Sobre a Dois Arcos. Disponível em: <http://www.doisarcos.com.br/sobre.htm>. Acesso em: 9 fev. 2018. EUROBSERV’ER. Biogas Barometer. Novembro, 2017. Disponível em: <https://www.eurobserv-er.org/biogas-barometer-2017/>. Acesso em: 01 de fev. 2018. EUROPEAN BIOGÁS ASSOCIATION – EBA. EBA launches 6th edition of the Statistical Report of the European Biogas Association. Site. Belgica. 2016. Disponível em: <http://europeanbiogas.eu/2016/12/21/eba-launches-6th-edition-of-the-statistical- report-of-theeuropean-biogas-association/>. Acesso em: 09 de jun. 2018.ABIOGÁS, 2017. Disponível em: <https://www.abiogas.org.br/setor-no-brasil> Acesso em: 01 de fevereiro de 2018. EUROPEAN BIOGÁS ASSOCIATION – EBA. 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