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1Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 2 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 3Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 3 Editorial Jomar Carvalho Filho Biólogo e Editor T odo final de ano acaba sendo um momento de balanço, de retrospectivas e de projeção de novas metas. Ao olharmos como caminhou a aqüicultura brasileira no ano de 2007, veremos um saldo bastante positivo. Assistimos a importante retomada da carcinicultura, depois de sofrer o forte impacto das viroses e da política cambial; acompanhamos o sólido crescimento da tilapicultura, principalmente na Região Nordeste, levando atrás de si a indústria de alimentos, que outrora focava na região apenas o camarão marinho; vimos a vitalidade dos criadores de moluscos de Santa Catarina, que ao passarem por uma grande temporada de marés vermelhas e suas algas tóxicas, foram capazes de mostrar amadurecimento profissional ao interagirem com o consumidor, não deixando que a imagem da atividade ficasse abalada; do recôncavo baiano, vieram as boas notícias de que estamos cada vez mais próximos de conquistar a tecnologia da produção em escala de juvenis do bijupirá, permitindo assim, o verdadeiro nascimento da piscicultura marinha no Brasil. E, para fechar o ano aqüícola com chave de ouro, assistimos agora em dezembro a SEAP fazer, pela primeira vez, a licitação e a cessão das áreas dos parques aqüícolas do lago de Itaipu, o que fez com que 73 piscicultores passassem a ser os únicos produtores em águas da União 100% legalizados. Esses são alguns exemplos que ilustram a vitalidade desse setor, que ainda tem muito o que conquistar, uma vez que sofre com inúmeras dificuldades para avançar no licenciamento ambiental, no acesso ao crédito, no barateamento dos insumos e, principalmente, com a falta de união, que faz com que praticamente não haja nenhuma representatividade oficial da atividade. Merecem toda a atenção os avisos constantes das autoridades da SEAP, que reclamam que poderiam fazer muito mais pela aqüicultura se recebessem as demandas via entidades representativas bem estruturadas e atuantes. A verdade é que, infelizmente, as associações de produtores e outras entidades estão completamente dispersas e não dispõem de um canal que as una, e que possa reper- cutir seus interesses. Portanto, espero que o ano de 2008 chegue despertando o desejo de união entre os profissionais da aqüicultura brasileira e que esses profissionais descubram no dia-a-dia que unidos podem muito mais. Por fim, desejo que o fruto dessa união resulte em abundância de alimentos e prosperidade para todos. Aproveito esta última edição de 2007 para agradecer a toda equipe que faz essa revista; aos colaboradores, cujos conhecimentos técnicos vêm, através das nossas páginas, ajudando o setor aqüícola a crescer com qualidade; aos nossos parceiros da indústria de produtos e serviços - a maior parte deles companheiros de longa data, cujo patrocínio nos vem permitindo reportar o setor nesses últimos 18 anos e, a você nosso leitor, pelo reconhecimento e carinho que tanto nos estimula. De nossa parte fica a promessa de continuar a trazer mais e melhores informações que possam ajudar no cotidiano de quem está na atividade, contribuindo assim para a profissionalização e solidez da aqüicultura brasileira. À todos boa leitura e Feliz Ano Novo. 4 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 5Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 ...Pág 63 ...Pág 56 ...Pág 62 ...Pág 63 ...Pág 36 ...Pág 42 ...Pág 63 ...Pág 06 ...Pág 03 ...Pág 26 ...Pág 32 ...Pág 22 ...Pág 63 ...Pág 64 ...Pág 46 Í N D I C E Editor Chefe: Biólogo Jomar Carvalho Filho jomar@panoramadaaquicultura.com.br Jornalista Responsável: Solange Fonseca - MT23.828 Direção Comercial: Solange Fonseca publicidade@panoramadaaquicultura.com.br Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Gomes Leal, Daniela Tupy de Godoy, Eric Arthur Bastos Routledge, Fernando Kubitza, Gláucia Frasnelli Mian, Henrique César Pereira Figueiredo, Itamar de Paiva Rocha, Neuza S. Takahashi, Ricardo Y. Tsukamoto Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores. A única publicação brasileira dedicada exclusivamente aos cultivos de organismos aquáticos Uma publicação Bimestral da: Panorama da AQÜICULTURA Ltda. Rua Mundo Novo, 822 # 101 22251-020 - Botafogo - RJ Tel: (21) 2553-1107 / Fax: (21) 2553-3487 www.panoramadaaquicultura.com.br revista@panoramadaaquicultura.com.br ISSN 1519-1141 Assinatura: Fernanda Carvalho Araújo e Daniela Dell’Armi assinatura@panoramadaaquicultura.com.br Para assinatura use o cupom encartado, visite www.panoramadaaquicultura.com.br ou envie e-mail. ASSINANTE - Você pode controlar, a cada edição, quantos exemplares ainda fazem parte da sua assinatura. Basta conferir o número de créditos descrito entre parênteses na etiqueta que endereça a sua revista. Números atrasados custam R$ 16,00 cada. Para adquiri-los entre em contato com a redação. Edições esgotadas: 01, 05, 09, 10, 11, 12, 14, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 29, 30,33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44, 45, 59, 61, 62, 63, 65, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 88 Projeto Gráfico: Leandro Aguiar leandro@panoramadaaquicultura.com.br Design & Editoração Eletrônica: Panorama da AQÜICULTURA Ltda. Impresso na Grafitto Gráfica & Editora Ltda. Os editores não respondem quanto a quali- dade dos serviços e produtos anunciados. Capa: Fotos e Arte Panorama da AQÜICULTURA Edição 104 – novembro/dezembro 2007 Tambaqui, o rei de Rondônia Mesmo quem nunca provou um tambaqui já ouviu dizer que ele é uma unanimidade gastronômica. Os estoques naturais desse peixe, porém, não têm mais condições de abastecer a demanda, hoje largamente suprida pela aqüicultura. Cultivado em quase todo o país, é na Região Norte que se destaca a liderança da produção de tambaquis e é, especialmente em Rondônia, que esse peixe tem papel de destaque no cenário atual da aqüicultura do Estado. Leia na página 56, sobre como o tambaqui conquistou o status de rei na região e o quanto o cultivo dessa espécie ainda tem por crescer. Editorial Notícias & Negócios O mau sabor do pescado: conjecturas e atualidades sobre off-flavor Trairão: larvicultura e alevinagem Temos pesquisadores para o desenvolvimento da aqüicultura nacional? Panorama da carcinicultura brasileira em 2007 Lançamentos Editoriais Mais profissionalismo no transporte de peixes vivos Estreptococose em tilápia do Nilo – parte 2 Septicemia hemorrágica viral está alarmando a América do Norte Tambaqui o rei de Rondônia Entrevista Felipe Matias Cultimar ganha prêmio Espírito Santo e o futuro da maricultura Oldepesca integra centros aqüícolas ibero-americanos Itamar Rocha é o novo integrante da Fiesp Rodrigo Roubach assume LACC-WAS Workshop internacional sobre tilápias e outros ciclideos 1º Seminário Brasil-Reino Unido de aqüicultura sustentável Berbigão poderá ser reproduzido em cativeiro Calendário Aqüícola ...Pág 64 ...Pág 65 ...Pág 65 ...Pág 66 ...Pág 14 ...Pág 10 6 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Notícias & Negócios ENBRAPOA - Entre os dias 17 e 20 de novem- bro de 2008 a linda cidade de Búzios, na Re- gião dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, vai receber o X ENBRAPOA (Encontro Brasileiro de Patologistas de Organismos Aquáticos). O evento, que é realizado a cada dois anos pela ABRAPOA (Associação Brasileira de Organismos Aquáticos), tradicionalmente congrega os pes- quisadores da área, quando são apresentados e discutidos os avanços e a situação atual da sa- nidade da aqüicultura brasileira. A ABRAPOA, fundada em 1989, possui atualmente cerca de 350 associados espalhados por todos os esta- dos do Brasil e em vários países da América do Sul, Europa e Ásia. Mais informações podem ser obtidas pelo tel: (44) 3261-4642, ou pelo e-mail secretaria@abrapoa.org.br a/c de Maria de los Angeles P. Lizama. PAC - No dia 20 de novembrofoi lançado pelo Presidente Lula e Sergio Machado Rezen- de, ministro de Ciência e Tecnologia (MCT), o "Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tec- nologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional" que integra o conjunto de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A versão completa pode ser acessada em http://www.mct.gov.br/index.php/content/ view/66226.html. A partir de uma articula- ção entre a SEAP/PR e o MCT, a aqüicultura foi contemplada junto com a área pesqueira com o programa “Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Aqüicultura e Pesca” que pre- vê a aplicação de R$ 33 milhões até 2010, destinados a projetos e editais de apoio ao desenvolvimento da aqüicultura continental e marinha. Os recursos deverão ser viabilizados pelo MCT e suas agências - CNPq e FINEP, à SEAP/PR e outros parceiros. PRESIDENTE DA FAEP - Os engenheiros de pesca presentes ao XV Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca (CONBEP) realizado em outubro último em Manaus e promovido pela Federação dos Engenheiros de Pesca do Brasil (FAEP-BR) e pela Associação dos Engenheiros de Pesca do Amazonas, elegeram mais uma vez Augusto José Nogueira para a presidência da FAEP-BR, em substituição a Leonardo Teixeira de Sales. Os contatos com a FAEP-BR podem ser feitos através do e-mail: faep-br@bol.com. br ou do telefone (81) 3227-7511. BRASIL-CUBA - Cerca de 800 alevinos de ti- lápia da linhagem GIFT (Genetically Improved Farmed Tilapia, ou Tilápia de Cultivo Genetica- mente Melhorada) desenvolvidos no Brasil fo- ram doados pelo governo brasileiro ao governo cubano. O objetivo da doação foi o de renovar o plantel de reprodutores, melhorando as cria- ções cubanas através da introdução de peixes com maior qualidade genética. A criação de ti- lápia em Cuba é prejudicada pelo alto grau de consangüinidade, uma vez que a importação de alevinos é dificultada pelo embargo comercial imposto ao país. Os alevinos brasileiros foram produzidos pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Estadual de Maringá (UEM) a par- tir de um convênio com a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP), que destinou à Uni- versidade recursos e material genético para o desenvolvimento de projetos de pesquisa sobre melhoramento genético da tilápia. O projeto tem participação também do Instituto de Tecnolo- gia Agropecuária de Maringá. Os alevinos foram destinados à Estação de Acuicultura de Manpos- tón, que espera formar milhares de reprodutores a partir das famílias de tilápias melhoradas. O Brasil também ganha com a cooperação, uma vez que poderá reforçar seus bancos genéticos de camarão a partir de bancos genéticos livres de enfermidades de que Cuba dispõe. AQUACIÊNCIA EM MARINGÁ - A AQUABIO - Sociedade Brasileira de Aqüicultura e Biologia Aquática estará promovendo o AquaCiência 2008 na cidade de Maringá, Paraná, no período de 27 a 30 de Outubro de 2008. A programa- ção inicial inclui a realização de, pelo menos, 10 mini-cursos, 12 sessões científicas e sete palestras de convidados brasileiros e estran- geiros. Também estão programadas algumas visitas técnicas a projetos de aqüicultura da região. A estimativa da comissão organizado- ra, coordenada pelo Prof. Ricardo Ribeiro da Universidade Estadual de Maringá (UEM), é de que mais de 1.200 pessoas comparecerão ao Centro de Convenções Araucária no Noroeste Paranaense. Nos eventos anteriores, realizados na cidade de Vitória (ES) em 2004, e em Bento Gonçalves, RS, em 2006, participaram cerca de 1000 e 700 congressistas, respectivamente, o que garantiu o sucesso das primeiras edições do principal evento científico da aqüicultura brasileira. Programe sua agenda! CRESCER NO VAREJO - A Netuno Alimentos investirá R$ 1,2 milhão para ampliar sua marca Empório Netuno, sua rede de varejo próprio que leva o conceito de loja gour- met. Nas lojas, estabelecidas em shoppings do Nordeste, são comercializados, além dos tradicionais pescados, especiarias, massas, molhos e diversos rótulos de vinho. Algumas lojas dispõem de espaço para degustação e divulgação de receitas de chefs renomados. Em 2008, serão inauguradas três novas uni- dades, em Pernambuco, São Paulo e Bahia. MARISCO EM PALHOÇA - A 3º edição da Fes- ta Nacional do Marisco e da Cultura Açoriana (Marifest), realizada em novembro na loca- lidade pesqueira de Enseada do Brito - SC, teve como objetivo alçar a cidade ao posto de capital nacional da maricultura. Nos qua- tro dias de evento, a cidade abrigou a cultura açoriana resgatando a importância do cultivo 7Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Notícias & Negócios do marisco para a economia da região. Palho- ça responde atualmente por 50% da produção nacional de mariscos. São 183 maricultores que produzem por ano seis mil toneladas de marisco (mexilhão) e dois milhões de ostras. As fazendas de maricultura vão da praia da Barra do Aririú até a da Ponta do Papagaio. MUITA TRISTEZA - Faleceu o Professor Elpídio Beltrame, da Universidade Federal de Santa Ca- tarina - UFSC. Depois de desaparecido por al- guns dias, seu corpo foi encontrado no dia 4 de novembro no interior do carro que dirigia, após ter caído num precipício. Elpídio fez uma brilhante carreira acadêmica, e foi um dos res- ponsáveis pelo planejamento estratégico da carcinicultura catarinense, estando à frente de todas as ações para mitigar os efeitos da man- cha branca no Estado. A aqüicultura perde, as- sim, um de seus melhores técnicos e, os mais próximos, um grande amigo. PÃO COM PEIXE - Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG-RS) testou a fabricação de pães enrique- cidos com proteína de pescado, a partir de filé de cabrinha (Prionotus punctatus). O objetivo do estudo publicado na revista Ciência e Tecno- logia de Alimentos foi o de produzir um produto diferenciado, com a intenção de melhorar seu valor nutricional. De acordo com a doutoranda Graciela Salete Centenaro, a decisão de aprovei- tar essa biomassa, rica em nutrientes, se deu porque na cidade de Rio Grande existem várias indústrias pesqueiras que, devido ao baixo va- lor comercial, não aproveitam parte do pescado capturado. Foram desenvolvidas formulações de pão com 30%, 40% e 50% de polpa lavada úmi- da (PU) e 3% e 5% de polpa lavada seca (PS) à base de farinha. Na avaliação do produto os pães tiveram aceitação superior a 74%, de acor- do com testes diários feitos com consumidores voluntários com idade entre 15 e 50 anos, de ambos os sexos, que não conheciam a composi- ção das amostras. O pão com 3% de PS apresen- tou melhor qualidade, obteve as maiores notas e melhor volume específico em relação aos demais, uma vez que a polpa seca se incorporou melhor aos ingredientes da massa. Para ler o artigo “En- riquecimento de pão com proteínas de pesca- do”, de Graciela Salete Centenaro clique o link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-20612007000300036- &lng=pt&nrm=iso&tlng=pt ALIMENTAÇÃO ESCOLAR - O Diretor de Ações Educacionais do FNDE (Fundo Nacional de De- senvolvimento da Educação), Rafael Tourino, e o Ministro da SEAP, Altemir Gregolin, assinaram em 18 de dezembro no Palácio do Planalto, um acordo de cooperação técnica que prevê uma integração de ações entre as instituições para capacitação e melhoria das condições de apro- veitamento do peixe na alimentação escolar dos alunos da educação básica. Hoje, aproxima- damente 36 milhões de alunos são atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar e, a partir de 2008, esse número subirá para 43 milhões com a inclusão do ensino médio. A idéia é incluir uma vez por semana, o peixe no cardápio dos alunos, o que representará um grande impulso para o setores aqüícola e pes- queiro. O FNDE e a SEAP irão atuar basicamente na capacitação de merendeiras para que elas saibam aproveitar melhor o peixe nos cardá- pios, de modo que os alunos aproveitem melhor e gostem da refeição,e também na capacitação dos pescadores e aqüicultores, afim de que haja um incentivo para o aproveitamento da econo- mia local dentro do programa de alimentação escolar, já que há exigências técnicas e também sanitárias. Serão também treinados para que possam participar adequadamente das concor- rências de aquisição de alimentos estipulados pelo Fundo. O programa de capacitação começa em março, inicialmente em Pernambuco, e será ampliado para os demais estados no Nordeste e outras regiões do país, totalizando 254 muni- cípios de 14 estados. Mais informações sobre o acordo podem ser obtidas com Albaneide Maria Peixinho Campos, Coordenadora-geral de Pro- gramas de Alimentação Escolar (CGPAE) email: albaneide.peixinho@fnde.gov.br e telefones: (61) 3966-4976/ 3966-4980. AQÜICULTORES INDÍGENAS - Índios da Al- deia Avá-guarani, de Santa Rosa do Ocoy, estão entre os piscicultores que receberam a cessão das águas atendendo ao edital lançado pela SEAP para os interessados em cultivar peixes 8 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 no lago da usina da Itaipu. A criação de pacu, iniciada com o objetivo de consumo, começou com dez tanques-redes e hoje são 40 unidades. A produção, que atingiu 3 toneladas no ano passado, foi distribuída entre as 136 famílias. A meta, porém, é ampliar a atividade para que, nos próximos anos, a piscicultura possa contribuir para a alimentação de 618 moradores da aldeia. Em cada tanque-rede são colocados alevinos de pacu com 100 gramas, que são coletados com peso médio de 1,5 kg. Os indígenas aproveitam o peixe, ao máximo, desde a gordura à cabeça. Até o final deste ano, a aldeia deverá aproveitar também o couro, na produção de artesanato. BIOCOMBUSTÍVEL DE ALGAS - A gigante do petróleo anglo-holandesa Royal Dutch Shell vai construir, em parceria com a empresa americana HR Biopetroleum, uma usina-piloto no Havaí, que cultivará microalgas para a produção expe- rimental de biocombustível. A Agência France Press, porém, não mencionou o nome da alga. A Shell e a HR Biopetroleum, formaram, para isso, uma co-empresa batizada Cellana, com maioria acionária para a companhia de petróleo. Assim que forem recolhidas, as algas serão tratadas para a extração de óleo, que será em seguida transformado em biocombustível. Este projeto inclui um programa de pesquisa com as univer- sidades de Hawai, Mississippi e Dalhousie, da província canadense de Nova Escócia. DIVERGÊNCIAS - Ao criticar algumas exigên- cias do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que afetam projetos de desenvolvimento do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou as divergência entre a Secretaria Es- pecial de Aqüicultura e Pesca (Seap), ligada à Presidência da República, e o MMA, no que se refere ao uso das represas para a criação de peixes. "Eu acho impensável você ter um lago imenso guardando água para produzir energia e para ajudar a evaporação, e você tem gente próximo, precisando trabalhar e comer, e não permitir que crie peixe", disse o presidente, em visita ao Rio de Janeiro para inaugurar a cen- tral do Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (Preps). "Vou dar um exemplo, em Itaipu, não pode criar tilápia. Alguém precisa me explicar o por quê. Vou levar as pessoas que proíbem para conhecer as tilápias que tenho no Alvorada e no Torto", completou Lula. SOBROU PARA A CARCINICULTURA - Quatro meses depois de um dos maiores desastres ambientais ocorridos no Rio Grande do Norte, com a mortandade de 40 toneladas de peixe no rio Potengi, o Ministério Público Estadual (MPE) entrou com ação civil e criminal contra o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente - Idema e a carcinicultura Ve- ríssimo & Filhos Ltda., acusados pelo desastre. A promotora do Meio Ambiente, Gilka da Mata, entendeu que é uma responsabilidade mútua, tanto da carcinicultura Veríssimo, que não cumpriu o projeto apresentado, como do Idema que licenciou e não fez a fiscalização necessá- ria para o cumprimento das normas estabeleci- das. A carcinicultura sustenta a sua inocência no episódio da mortandade dos peixes. “Com maior respeito à dedicação da promotora Gilka da Mata ao assunto do meio ambiente, quero afirmar que ela errou. A Veríssimo e Filhos não é responsável pelo desastre no rio Potengi. As provas estão sendo coletadas e o verdadeiro culpado surgirá em breve”, disse o advogado da empresa, Esequias Pegado Cortez Neto, ao jornal Tribuna do Norte. VALE DO RIBEIRA - Com a ajuda de institui- ções como a APTA Regional Vale do Ribeira, CATI, SAE-SEBRAE e MDA-Pronaf, um grupo de aqüicultores vem se reunindo periodicamente para discussão da piscicultura no Vale do Ri- beira. Estas reuniões culminaram na formação de uma nova associação, que pretende auxi- liar os piscicultores na compra conjunta de alevinos e ração e, na comercialização do pei- xe depois de pronto. A Associação de Aqüicul- tores do Vale do Ribeira tem como presidente o piscicultor Antônio de Pádua Nunes. EMPREENDEDORISMO - Dois alunos da Uni- sul, Christian Jung e Guilherme Tafner, ambos do curso de Engenharia de Produção, em Pa- lhoça, desenvolveram um projeto para o be- neficiamento industrial das cascas de ostras e mexilhões. O trabalho orientado pelo prof. José Marcos Tesch, ganhou o Prêmio Santan- der de Empreendedorismo e de Ciência e Ino- vação, na Categoria Indústria, realizado pelo Santander Universidades e promovido e desen- volvido pelo Universia Brasil, com o objetivo de estimular a pesquisa científica. Em 2006 foram produzidas cerca de 14.000 toneladas de mexilhões e ostras em Santa Catarina, a maior parte comercializada fora da concha. O projeto visa solucionar o problema dos resídu- os gerados pelo processo de desconchamento dos moluscos. A implantação de uma indústria de beneficiamento de cascas de moluscos em Palhoça, SC, vai possibilitar o destino corre- to deste resíduo mineral, além de movimentar toda uma cadeia produtiva local com a criação de novos empregos na região. O processo de beneficiamento será feito em escala industrial, obedecendo todas as normas de controle de qualidade e leis ambientais, e vai gerar um pó com mais de 80% de carbonato de cálcio para ser utilizado tanto pelas indústrias farmacêu- ticas como as do agronegócio. Outros segmen- tos também estão na mira dos envolvidos, tais como a fabricação de filtros de decantação para tratamento de efluentes industriais. Mais informações pelo e-mail: christian@midiasite. com.br ou (48) 8403-8188. Notícias & Negócios 9Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 10 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 “Gosto de barro” é natural, mas vem se intensificando As pessoas acostumadas a comer peixe de mar frequen- temente estranham o sabor do pescado de água doce; já a po- pulação ribeirinha dos rios preza este sabor tradicional de seu pescado. Vem da sensação popularmente conhecida como “gosto de barro”, cuja intensidade pode variar de não-detectável a muito forte. E justamente o peixe nativo mais pescado, por representar cerca de 50 % da biomassa das bacias de água doce da América do Sul (Alvim & Peret, 2004) - o curimbatá ou curimatã (gênero Prochilodus) - apresenta este sabor forte. Mas tal sabor não é originário do peixe. Há sete décadas, o naturalista Rodolpho von Ihering, saudado como o pai da piscicultura brasileira, já alertava que “...devido a consistir sua alimentação em algas contidas no lodo, a carne destes peixes facilmente toma mal sabor, quando criados na vasa. Mas os corumbatás dos gran- des rios são bem saborosos...” (sic)(von Ihering, 1968; edição preliminar em 1913, definitiva em 1940). O grande naturalista não só apontou a origem do “mau sabor”, mas deu um passo adiante, ao reconhecer empiricamente as condições ambientais que o causavam: várzeas e lagoas (água rasa parada, eutrofizada) podem resultar no mau sabor, enquanto os grandes rios (água corrente, não-eutrofizada) nãoo causavam. As décadas seguintes mostraram quão correto estava aquele raciocínio, inclusive por uma irônica “prova-dos-nove”. Os rios caudalosos em que von Ihering trabalhava no Sudeste (Rio Tietê) e no Nordeste (Rio São Francisco), então repletos de peixes sem mau sabor, foram transformados na atualidade em grandes lagos eutrofizados - o que trouxe o mau sabor aos peixes. E, coincidentemente, estes dois rios acabam de se tornar grandes pólos de piscicultura em tanque-rede, mas que podem em breve ser inviabilizados pelo agravamento do mau sabor. O Mau sabor do Pescado Por: Ricardo Y. Tsukamoto, Ph.D. Bioconsult - Puriaqua, e-mail: ricardo@bioconsult.com.br Neuza S. Takahashi, Ph.D. Instituto de Pesca, APTA-SAA, e-mail: neuza@pesca.sp.gov.br “Mau sabor” é uma designação brasileira que corresponde na língua inglesa a off-flavor - termo usado internacionalmente para designar qualquer sabor anormal desagradável em alimentos e líquidos. O pescado pode ser afetado por vários tipos de off-flavor, conforme abordado por Lima (2003) em artigo nesta revista (Ed. 77). Destes, o tipo de off-flavor responsável pela grande maioria dos casos em pescado e em água potável no mundo (revisões em Juttner & Watson, 2007; Krishnani et al., 2008) é o que conhecemos por “gosto de barro”. É causado pela presença de apenas duas substâncias químicas naturais – geosmina (GEO) e 2-metil-isoborneol (MIB), que podem ocorrer juntas ou isoladas. O odor destas substâncias lembra o cheiro de solo molhado ou de ambiente mofado. Apesar do odor de cada uma diferir quando estão isoladas quimicamente, em situação de campo são indistinguíveis ao ser humano. Os vários aspectos do off-flavor em peixes cultivados foram apresentados por Kubitza (2004) nesta revista (ed.84), de modo que abordaremos aqui algumas conjecturas e atualidades que julgamos interessantes sobre o assunto. Off-flavor: um grande problema no mundo, subestimado no Brasil Nos EUA, o off-flavor é considerado o maior problema no cultivo do bagre-de-canal ou catfish, Ictalurus punctatus, a principal cadeia produtiva da aqüicultura de água doce na América do Norte. Na passagem do verão para o outono, época da colheita (despesca), entre 50 e 70% dos bagres nos viveiros têm mau sabor, sendo rejeita- dos pelos processadores, o que causa grandes transtornos de manejo aos criadores (Kilian, s.d.). As decorrências do off-flavor resultam em custos adicionais aos produtores de catfish de cerca de 60 milhões de dólares por ano (Schrader & Dennis, 2005), além de comprometer a imagem do produto - fatores que no atual mundo globalizado condi- cionam a viabilidade ou o encerramento do negócio. O Brasil apresenta características ambientais favoráveis à intensificação do off-flavor nos produtos da aqüicultura e pesca em água doce e salobra, de modo que o exemplo da dificuldade nos EUA deve nos servir de alerta para buscar alternativas e soluções antes que a situação comece a tornar inviáveis alguns dos empreendimentos em locais estratégicos. O off-flavor por GEO e MIB não apresenta risco à saúde do consumidor, de modo que o problema tem natureza estética - pelo qual o mau sabor desestimula o consumo do produto. Tal ausência de risco à saúde pode, aparentemente, levar alguns criadores ou processadores a menosprezar a conseqüência de vender produto com off-flavor. Um consumidor que saboreia um pescado sem off-flavor o considera “normal” e não sente necessidade de sair propalando isso. Porém, ao comer produto com off-flavor, sente-se ofendido como consumidor, e passa a divulgar amplamente a sua experiência negativa com “aquele peixe que tem mau sabor”. Por isso, a maior conseqüência do off-flavor é o marketing negativo, que leva à desqua- lificação do produto, destruindo seu mercado e preço. Infelizmente, Conjecturas e atualidades sobre off-flavor 11Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Off-fl avor porém, uma parcela dos peixes provenientes da aqüicultura no Brasil, tanto nativos (peixes redondos como pacú, tambacú e tambaqui) como exóticos (tilápia nilótica) vêm sendo comercializados com off-flavor muito perceptível - o que só aumenta nas pessoas leigas, a pecha de que peixe de água doce tem sabor inferior ao marinho. Se consideramos o potencial consumidor do eixo das mega-capitais São Paulo-Rio como exemplo, com suas populações respectivas de 18 e 11 milhões de pessoas, o quanto tal pecha ou marketing negativo vem representando em mercado que deixou de se desenvolver? Off-flavor afeta também invertebrados cultivados Os artigos sobre off-flavor geralmente tratam de sua ocor- rência em peixes. Porém, a GEO e MIB podem impregnar também os invertebrados, como moluscos e crustáceos. Neste caso, a sensa- ção de off-flavor se torna especialmente nítida para o consumidor, pois os invertebrados cultivados são predominantemente marinhos ou estuarinos, provenientes de ambientes em que GEO e MIB não existiam. O mercado do camarão marinho é especialmente rigoroso neste aspecto, uma vez que o produto tradicional da pesca extrativa era originalmente destituído de off-flavor. No cultivo em viveiros sob condições tropicais, com água eutrofizada pelos nutrientes originários da ração, a floração de cianobactérias produtoras de off-flavor pode ocorrer em dois casos opostos (Lucien-Brun & Vidal, 2006). Quando o aporte de água doce é maior que a evaporação, a salinidade diminui para patamares compatíveis com a proliferação de cianobactérias. Este efeito geralmente ocorre durante a estação chuvosa, nas fazendas que captam sua água de estuários dos rios. O inverso é quando a evaporação é maior que o aporte de água doce para o viveiro, resultando em aumento da salinidade. Este caso de off-flavor foi observado em área desértica no Oriente Médio (Lucien-Brun & Vidal, 2006). Apesar da salinidade marinha ser inibitória à floração de cianobactérias comuns, a salinidade elevada pode favorecer uma cianobactéria do tipo extremófilo (que se propaga sob condições ambientais extremas). A floração das cianobactérias produtoras de off-flavor pode ocorrer no viveiro tanto por espécies que se desenvolvem na coluna d´água (planctônicas), bem como nas que formam um tapete ou biofilme sobre o fundo do viveiro (conhecido como lab-lab na Ásia). No Brasil, o off-flavor ocorre com freqüência nos cultivos de camarão marinho (L. vannamei) que utilizam água oligohalina, quase doce, dos rios do Nordeste. As condições são ali bastante propícias para a floração de cianobactérias: temperatura elevada, água com pH alcalino, nutrientes abun- dantes (principalmente fósforo). O off-flavor nos camarões de cultivo oligohalino criou uma imagem de produto de qualidade inferior no mercado, que atingiu duramente os produtores. Mas não sabemos da existência de estudos que caracterizem esta ocorrência tão importante, e que poderiam auxiliar no encaminhamento de soluções para diminuir o problema. Paralelamente, como as cianobactérias podem liberar outras substâncias na água do off-flavor, alguns técnicos acreditam 12 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Of f- fl av or que a floração de cianobactérias nestes viveiros manejados sob condições intensivas possa criar um estresse adicional que diminua a resistência dos camarões e facilite a manifestação clínica do vírus da mionecrose infecciosa. As fazendas de camarão brasileiras que operam em áreas de alta evaporação e pouca chuva, como no Rio Grande do Norte, apresentam salinidades elevadas (45 a 60 por mil). Porém, em contraste com o Oriente Médio, não há comunicação de que isto tenha causado qualquer off-flavor por cianobactérias. Numerosas espécies de moluscos bivalves (mariscos) habitam os sedimentos de áreas estuarinas, que frequentemente se tornam eutrofizadas pela ocupação urbana e portos na região. Em áreas de baixa salinidade, o off-flavor de cianobactérias pode vir a afetar algumas espécies. Nos EUA, por exemplo, o marisco (clam) ou “vongole”da Luisiana, Rangia cuneata, habita áreas estuarinas com salinidade entre 5 e 15 por mil e apresenta off-flavor por GEO em áreas eutrofizadas (Hsieh et al., 1988). Foram feitas tentativas de depuração destes moluscos, mas em geral, as áreas afetadas estão interditadas para extração do molusco devido à poluição. Monitoramento do off-flavor no pescado A floração de cianobactérias pode ocorrer no prazo de alguns dias, e a contaminação dos peixes por GEO e MIB no viveiro pode ocorrer em poucas horas. Isto torna fundamental contar com algum método para avaliar rapidamente a intensidade do off-flavor na água e no peixe. Porém, há uma dificuldade analítica. Por serem substâncias terpenóides, GEO e MIB pertencem ao mesmo grupo das matérias- primas usadas nos perfumes mais luxuosos do mundo - os terpenóides constituintes dos óleos essenciais de rosa, violeta, e outros. GEO e MIB têm, porém, uma eficiência como substância odorífera mais de mil vezes superior à dos seus pares no ramo perfumista. Por exemplo, a GEO pode ser detectada por analistas treinados na carne do catfish em concentração de 0,1 a 0,3 ppb (partes por bilhão = micrograma/ kg = ug/kg). O Ministério da Agricultura norte-americano (USDA) recomenda que o catfish seja rejeitado para consumo quando ultra- passar a concentração de: MIB = 0,8 ppb ou GEO = 8,0 ppb (King & Dew, 2003), sendo que sob cultivo o catfish pode conter até 200 ppb de GEO (Lovell et al., 1986). A concentração extremamente baixa das substâncias respon- sáveis pelo off-flavor torna a sua análise difícil. Por isso, os métodos usuais de quantificação química são muito sofisticados para uso rotineiro em situação de campo no Brasil. O método mais direto é a retirada de uma amostra do terço posterior do peixe, cozinhar por alguns minutos e provar. Porém, como as pessoas têm sensibilidade (e aceitação) distinta para os com- ponentes do off-flavor, tal procedimento requer pessoal treinado. Um método colorimétrico simples, passível de uso num laboratório improvisado na fazenda, foi desenvolvido por Miller et al. (1999). Consiste em filtrar a água em um pequeno cartucho comercial contendo uma coluna de material que retém as substâncias hidrofóbicas presentes na amostra de água. Após filtrar pelo menos um litro de água, a coluna do cartucho é enxaguada com tolueno (possivelmente outro solvente possa ser usado) para liberar as subs- tâncias neles retidas. A quantificação dos compostos de off-flavor é feita por uma reação colorimétrica direta utilizando baunilha como reagente. A intensidade da cor vermelha formada indica a concen- tração do off-flavor. Uma estratégia prática para detectar GEO e MIB foi de- senvolvida para monitorar off-flavor em catfish nos EUA, através de cães treinados (Shelby et al., 2004). A raça não é importante, já que todos os cães têm bom olfato, mas é essencial que o animal tenha disposição para se motivar pela recompensa a ser recebida. Por isso, os cães são selecionados a partir de um abrigo de cães local. Porcos também poderiam ser treinados para tal atividade, já que também têm bom olfato, mas isso só não foi feito por razões sociais (Elstein, 2004). Recirculação na aqüicultura pode ocasionar off-flavor A recirculação da água de cultivo é atrativa para os produ- tores, tanto sob o aspecto de economia no uso de água (recurso cada vez mais escasso), bem como para tornar o empreendimento o mais ambientalmente sustentável possível. Porém, uma dificul- dade inerente à aplicação em larga escala da recirculação é a sua dependência de tratar a água por diversas etapas em seqüência, cada etapa para depurar um parâmetro específico. Normalmente, o tratamento de água para recirculação na aqüicultura não contém etapa para remoção do nutriente fósforo. Com isso, o fósforo circulante no sistema estará em concentração suficiente alta para estimular a proliferação de algas e cianobactérias. Caso prolifere uma cianobactéria produtora de toxina ou off-flavor, os peixes do sistema estarão sujeitos a tal contaminação. Num sistema de recirculação parcial da água, utilizado para cultivo comercial de black bass (Micropterus salmoides) e de estur- jão branco (Acipenser transmontanus) na Califórnia, EUA, GEO e MIB gerados no próprio sistema vem contaminando os filés destes peixes com off-flavor (Schrader et al., 2005). Tal estudo verificou, que a sensibilidade humana para detectar MIB foi muito maior que a considerada padrão pela literatura. Indica que uma concentração menor da substância odorífera ocasionaria uma sensação maior de mau sabor. Tal constatação é compatível com o alerta de Juttner & Watson (2007), de que estas substâncias de off-flavor estão presen- tes na natureza na forma de isômeros dez vezes mais potentes que o produto sintético usado nas pesquisas. Portanto, a percepção de off-flavor pelo ser humano pode ser ainda mais sensível do que o considerado na atualidade. Trutas arco-íris (Oncorhynchus mykiss) criadas em fazendas com recirculação de água na França apresentaram problemas de off- flavor intenso. Uma investigação no sistema revelou que o problema era provocado por GEO liberado pela cianobactéria planctônica Microcoleus (Robin, 2006). Portanto, os sistemas de recirculação de água para aqüicultura comercial precisarão, a partir de agora, ser formatados com uma seqüência de tratamento que evite a formação do off-flavor - um problema inesperado nesta tecnologia. Remoção de off-flavor da água por substâncias hidrofóbicas Até recentemente, não havia forma prática para remover as substâncias (GEO e MIB) de off-flavor da água. Porém, uma estratégia engenhosa, ao mesmo tempo que surpreendentemente simples, foi descrita por Kelly et al. (2006). Consiste em colocar qualquer substância hidrofóbica sólida ou líquida, no ambiente que 13Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Off-fl avor contém estas substâncias, as quais serão rapidamente absorvidas pelo material. Isto corresponde ao que ocorre naturalmente no peixe, em que a GEO e MIB se concentram na gordura do corpo do animal. Testes realizados com catfish em laboratório compro- varam o sucesso da estratégia. No campo, possivelmente seja inviável colocar produtos hi- drofóbicos no viveiros de terra. Porém, em sistemas de recirculação com problemas de off-flavor, como os acima discutidos, seria fácil colocar um filtro de partículas plásticas para absorver o off-flavor. Uma outra aplicação previsível é o uso de filtros hidrofóbi- cos nos sistemas de depuração de off-flavor, que passariam então a ser projetados como sistemas de recirculação, economizando grande quantidade de água e de espaço físico. Atualmente, os sistemas de depuração de off-flavor operam obrigatoriamente com passagem de grande volume de água, uma única vez, para carrear as substâncias de off-flavor dos peixes. A dúvida porém, é se haverá liberdade ou não de usar esta estratégia. A comunicação científica do método foi publicada em 2006, mas os autores haviam solicitado uma patente nos EUA em 2002, que foi concedida em 2005 (Kelly & Schultz, 2005). Tal patente abrange praticamente todas as possibilidades imagináveis de substâncias hidrofóbicas, incluindo óleos e ceras animais, vegetais e minerais, bem como numerosos plásticos e polímeros. Até cera de carnaúba, produzida somente no Brasil, está na lista abrangida pela patente. Conclusões O mau sabor ou off-flavor causa grandes problemas de manejo e de custo para a aqüicultura de numerosos países. Ainda não existe tecnologia pronta para evitar a geração de off-flavor nos sistemas de cultivo, mas avanços tecnológicos estão ocorrendo para aliviar progressivamente o problema. O Brasil ainda não estabeleceu padrão de qualidade para controlar o off-flavor de cianobactérias (GEO e MIB), o que resulta em comercialização indiscriminada de pescado contendo off-flavor misturado com o pescado livre do mau sabor. O consumidor percebe e deixa de comprar. A conseqüência maior recai sobreo próprio setor de aqüicultura de água doce, ao deixar de formar um mercado consumidor. Os seus potenciais consumidores migram para outros produtos competitivos e não mais retornam. Referências Bibliográficas: Alvim, M.C. & Peret, A.C.. 2004. Food resources sustaining the fish fauna in a section of the upper São Francisco River in Três Marias, MG, Brazil. Brazilian Journal of Biology, 64(2): 195-202. Disponível na íntegra na internet em: www.scielo.br/pdf/bjb/v64n2/v64n2a03.pdf Elstein, D.. 2004. 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Pelas semelhanças entre as duas espécies é comum a não identificação, de imediato, se o peixe é uma traíra ou um trairão. De maneira geral, o trairão pode atingir maior peso que a traíra, acima de 10kg, apresenta a língua lisa, ao passo que a traíra apresenta pequenos dentículos na língua. Como principal característica para a identificação das duas espécies, pode- se virar os animais de cabeça para baixo e verificar a região gular (parte inferior da cabeça). No trairão as bordas dos dentários são paralelas, enquanto na traíra estas se unem próximo à região da boca formando um "V" (Figura 2). A espécie se caracteriza pelo hábito alimentar carnívoro, carne de excelente qualidade, esportividade para a pesca e boa aceitação pelo mercado consumidor. Além destes fatores, o trairão é uma espécie de fácil reprodução em cativeiro, tolerante aos manejos de criação e a baixos níveis de oxigênio dissolvido na água e é uma espécie sedentária, o que significa economia de energia, sendo que esta energia pode ser direcionada para o crescimento. A técnica de retirada dos espinhos intramusculares tem popularizado ainda mais o consumo desta espécie. Dados relativos a engorda ainda são escassos, mas de acordo com Andrade et al. (1998), o trairão pode atingir 600g em um ano. Estes autores recomendam que sejam utilizados tanques superiores a 400m², densida- de de 1 peixe/10-15m² e alimentação com peixes forrageiros ou densidade de 1 peixe/2m² utilizando como alimento suplementar ração extrusada comercial com 30% de proteína bruta. Originário das regiões amazônicas e Centro-Oeste do Brasil, o trairão é encontrado em diversas regiões do país, e vem sendo utilizado, principalmente, em reservatórios e lagos para o controle de peixes forrageiros. De fácil reprodução e cultivo o trairão possui carne saborosa e é uma espécie de fácil comercialização, também utiliza- da para a pesca esportiva. Devido a importância no cenário da pisci- cultura nacional, este artigo tem por objetivo apresentar os mais recentes avanços na larvicultura e alevinagem do trairão. Larvicultura e alevinagem Trairão Figura 1 - Reprodutor de trairão (Foto Rafael Magno) 15Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Trairão Reprodução Ao contrário dos grandes peixes migradores “de piracema” de interesse comercial, o trairão desova natural- mente em viveiros de terra, que devem ser retangulares, com entrada e saída inidividuais de água. Para os reprodutores são recomendados viveiros de dimensões entre 200 e 1000m², dependendo da quantidade de matrizes, lembrando que quanto maior for o viveiro, mais difícil pode ser o manejo de captura das matrizes e retirada das desovas. Como o trairão não apresenta dimorfismo sexual evidente, e por não existir, até o momento, uma maneira segura e eficiente de identificação de machos e fêmeas, deve-se colocar vários exemplares na densidade de 1kg de peixe para cada 5m², mantendo a coluna de água entre 0,80 e 1m de profunidade para facilitar a visualização dos animais. Quando for observado peixes nadando juntos, estes podem ser marcados e devem ser transferidos para outro viveiro na densidade de 1 casal para cada 10m². A alimentação consiste no fornecimento de peixes pi- cados e/ou ração quando esta for aceita pelos animais. Nestes vivieros não é recomendado o uso de peixes forrageiros como lambari e tilápias, uma vez que estes podem se alimentar dos ovos de trairão e deixar os reprodutores mais agressivos. No momento da desova é possível observar o casal preparando (limpando) o terreno. Durante este período, os reprodutores se tornam mais agressivos no intuito de proteger o local da desova e a prole. Outras informações sobre o comportamento reprodutivo do trairão podem ser obtidas nos trabalhos de Ribeiro e Gontijo (1984) e Andrade et al. (1998). A desova ocorre de forma parcelada, ou seja, mais de uma desova por ciclo reprodutivo e pode durar de outubro a março, dependendo das condições locais de temperatura. O número de ovos produzidos pode variar de 4000 a 9000 ovos por desova. Uma fêmea de trairão pode desovar até cinco vezes durante o período reprodutivo, embora, o número de desovas por fêmea registrado em dife- rentes estações de piscicultura seja menor. Nesta época, os viveiros são vistoriados diariamente para a retirada das desovas, o que pode ser feito com uma peneira ou tela. As desovas devem ser colocadas em baldes com água do próprio tanque e levadas para o laboratório. No laboratório, os ovos são separados com movimentos leves ou com a utilizaçãode uma solução de 3g de uréia e 4g de sal comum dissolvidos em 1 litro de água (Ribeiro e Gontijo, 1984). Posteriormente, os ovos devem ser colocados em tanques de incubação que podem ser de polietileno ou caixas de Trairão Figura 2 - Caracterização das bordas dos dentários na diferenciação da Traíra (A) e do Trairão (B) "Uma fêmea de trairão pode desovar até cinco vezes durante o período reprodutivo, embora, o número de desovas registrado em diferentes pisciculturas seja menor" isopor com volume de 40 a 150L, dependendo da disponibilidade do produtor. Nos tanques de incubação, a coluna de água deve ser mantida entre 20 e 30cm. Cada desova deve ser mantida em um tanque e se possível identificada de acordo com o casal de onde foi retirada para o melhor controle da produção. Durante a incubação é importante manter a temperatura da água entre 27 e 30°C, pois variações bruscas, principalmente para valores inferiores aos recomendados, podem retardar o de- senvolvimento das larvas e diminuir a eclosão e sobrevivência, além de levar ao aparecimento de patógenos. Para tanto, pode-se utilizar um aquecedor com termostato. Também é fundamental um sistema de aeração para melhorar a oxigenação da água, o qual pode ser realizado através de uma bomba de aquário ou um compressor de ar. Diariamente deve-se proceder a limpeza do tanque com troca parcial do volume de água retirando-se cascas e ovos gora- dos para evitar a proliferação de fungos e elevação nos níveis de amônia. Estes tanques devem ser mantidos cobertos para evitar a incidência direta da luz sobre ovos e larvas. Nas temperaturas citadas anteriormente a eclosão ocorre aproximadamente em dois dias, dependendo do tempo decorrido entre a desova e a coleta da mesma no viveiro e as larvas estarão aptas para iniciar a alimen- tação entre 6 a 9 dias depois da eclosão. A B 16 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 17Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Trairão Larvicultura As larvas de trairão apresentam o aparelho digestivo completo com glândulas gástricas no estômago, estruturas importantes para o processo digestivo, antes de iniciar a alimentação exógena. No entanto, esta espécie apresenta mortalidade total quando alimentada exclusivamente com ração, mesmo sendo verificado, em análises do conteúdo estomacal, que as larvas ingerem ração nos primeiros dias de vida. Este fato deve-se, provavelmente, à qualidade da dieta utilizada e à capacidade das larvas em digerir e assimilar o alimento formulado. Porém, estes aspectos são interessantes para estudos futuros que visem à elaboração de dietas específicas para as larvas. Desta forma, as larvas de trairão devem receber alimento vivo nos primeiros dias de alimentação. Estudos prévios com o uso de zooplâncton, como primeiro alimento, para as larvas em laboratório, possibilitaram taxas de sobre- vivência de até 50% e canibalismo entre os alevinos (Ribei- ro e Gintijo, 1984; Zaniboni Filho e Barbosa, 1992). Recentemente, a partir de 2002, trabalhos mostram que o uso de náuplios de Artemia sp. resulta em elevada so- brevivência, acima de 90%, e rápido crescimento, obtendo-se alevinos com comprimento superior a 2cm após os primeiros 15 dias de alimentação em condições controladas. Na larvicultura realizada em laboratório, pode-se adotar o sistema de circulação contínua de água, sistema de recirculação de água (sistema fechado com uso de bio- filtros) ou sistema de água parada, onde se coloca o volume desejado no tanque de larvicultura e diariamente parte da água é renovada. O produtor deve estar atento para os manejos a serem adotados, pois com água parada e sistema fechado os níveis de amônia devem ser monitorados com maior freqüência. Na larvicultura do trairão alimentados com náuplios de Artemia, com o sistema de água parada, onde 80 a 90% do volume é renovado em uma única vez ao dia, os valores de amônia total podem atingir níveis de 2,013mg/L, mas sem efeito negativo no crescimento e sobrevivência das larvas e juvenis quando expostos por curtos períodos. Para todos os sistemas é fundamental o uso de aeração artificial, através de um compresssor de ar e pedras porosas, para manter os níveis de oxigênio dissolvido na água acima de 5mg/L, ainda que, alevinos desta espécie sejam tolerantes à condição de anóxia. Durante a larvicultura é importante que a tempera- tura da água se mantenha entre 27 e 30°C para um rápido crescimento. Temperaturas inferiores podem aumentar o ciclo da larvicultura, diminuir o crescimento e levar ao aparecimento de patógenos. Caso a propriedade não disponha de água nesta temperatura, pode-se montar um sistema de aquecimento de água ou usar termostatos nos tanques de criação. Porém, o produtor deve levar em conta estes custos e avaliar a viabilidade econômica da larvicultura. Variações na temperatura, principalmente no período da noite, para valores inferiores aos recomendados, podem levar a problemas com íctio Ichthyophthirius multifiliis. A realização da larvicultura, durante os 15 primeiros dias de cultivo, com água salinizada (2 a 4g de sal/litro de água) pode ser uma medida preventiva à ocorrência deste parasita. Caso seja detectada a ocorrência de íctio durante a larvicul- tura em água doce, este problema pode ser minimizado com a utilização de sal, passando-se a realizar a larvicultura em meios salinizados, como mencionado anteriormente e com banhos terapêuticos de formol 10% na dosagem de 1mL de solução/litro de água, durante 4 horas, em dias alternados, até que o probelama esteja solucionado. Também é impor- tante manter a temperatura constante e acima de 29°C para um efetivo controle deste parasita. As larvas com a boca aberta, aproximadamente 6 a 9 dias após a eclosão, dependendo da temperatura da água, apresentam entre 0,7 e 1,0 cm de comprimento total. Neste momento, devem ser quantificadas e estocadas nos tanques de larvicultura, que podem ser retangulares ou circulares, com entrada e saída individuais de água, e com volume entre 50 e 500L. A densidade de estocagem pode variar de 10 a 90 larvas/litro de água, dependendo da infra-estrutura disponível, da quantidade de larvas e do nível de tecnologia empregado. À medida que se aumenta a densidade, maiores devem ser os cuidados, principalmente, com a limpeza dos tanques e com os níveis de amônia na água. ,"A densidade de estocagem pode variar dependendo da infra-estrutura disponível, da quantidade de larvas e do nível de tecnologia empregado. À medida que se aumenta a densidade, maiores devem ser os cuidados" 18 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 19Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Trairão A alimentação que será exclusivamente a base de náuplios de Artemia deve ser fornecida duas vezes ao dia, às 8 horas e às 17 horas; ou três vezes ao dia, com uma alimentação intermediária (às 12 horas). As quantidades de alimento a serem fornecidas diariamente são apresentadas na Tabela 1. apresentam mais de 2,0cm de comprimento total, para então, serem condicionados em laboratório. Para esta fase é melhor utilizar o sistema de circulação contínua de água (sistema aberto), devido a grande quantidade de alimento que é oferecida diariamente, mantendo assim, a água em melhores condições de criação. Para o início do condiciona- mento alimentar é fundamental utilizar animais de mesmo tamanho. A densidade pode ser de até 10 animais/litro de água para alevinos com 2,0 a 3,0cm de comprimento total e de até 4 animais/litro de água para alevinos com tamanhos superiores. Os alevinos recebem pelo menos três alimentações diárias em excesso, às 8, 12 e 18 horas. A metodologia de condicionamento alimentar é baseada em técnicas utilizadas em alguns centros de pesquisa e por produtores rurais para outras espécies carnívoras. Esta fase consiste na substituição parcial e progressiva de uma dieta preparada à base de coração bovino moído e ração comercialextrusada, a qual deve apresentar granulometria inferior a 0,5mm e níveis de proteína bruta superiores a 40%. Caso o produtor não disponha de uma ração comercial com a granulometria recomendada, a ração pode ser triturada e farelada manualmente ou mecanicamente e peneirada para que apresente diâmetro inferior a 0,5mm. As diferentes dietas utilizadas para o condicionamento alimentar estão descritas na Tabela 2. Condicionamento alimentar O condicionamento alimentar é realizado logo após a larvicultura e apresenta melhores resultados para ale- vinos com comprimento total superior a 2,0cm. Alevinos menores não aceitam bem o alimento formulado e são mais agressivos durante e após o condicionamento. Esta técnica de condicionar os alevinos ao alimento formulado também pode ser realizada em pisciculturas que adotam o sistema de larvicultura em viveiros de terra. Neste caso, os alevinos são retirados dos viveiros quando Tabela 2 - Dietas a serem fornecidas durante o condicionamento alimentar de alevinos de trairão Após o fornecimento da dieta 4, os alevinos devem receber somente a ração extrusada por alguns dias antes de serem manejados para a comercialização ou serem transferidos para os viveiros ou tanques de manutenção. Durante o condicionamento alimentar, utiliza-se o regime de escuridão total para manter os alevinos dispersos no fundo dos tanques e diminuir a incidência de canibalismo. Os tanques devem ser limpos antes de cada alimentação e neste momento retirados os alevinos mortos e com comportamento canibal que podem ser submetidos novamente ao condicionamento alimentar A quantidade diária de alimento é dividida pelo número de refeições ao dia. Se a alimentação for realizada duas vezes ao dia, deve-se fornecer, durante os cinco primeiros dias, a quantidade de 350 a 450 náuplios de Artemia/larva em cada alimentação e assim, sucessivamente. Durante este período recomenda-se o regime de escuridão total para evitar que as larvas e alevinos fiquem aglomerados, o que pode favorecer a ocorrência do canibalismo. Para tanto, pode-se utilizar lonas plásticas pretas para cobrir os tanques. No momento da limpeza dos tanques é importante retirar animais mortos e que apresentam comportamento canibal, os quais, geral- mente, têm tamanho 2 a 3 vezes superior ao tamanho médio dos demais animais. Adotando-se esses manejos, pode-se alcançar taxas de sobrevivência entre 80% e 100% e alevinos maiores que 2,0 cm de comprimento total, após 15 dias de larvicultura. Tabela 1 - Quantidade de alimento (náuplios de Artemia) a ser fornecida às larvas de trairão durante os primeiros 15 dias de alimentação 20 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 21Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Trairão ou serem comercializados para repovoamento de lagos e represas. Seguindo-se os manejos apresentados pode-se obter taxas de sobrevivência superiores a 80%. Alevinos condicionados à ração extrusada Após o condicionamento alimentar, os alevinos são classificados por tamanhos e não devem apresentar diferenças superiores a 0,5cm de comprimento entre o maior e o menor peixe de cada lote. Realizada a classificação, os alevinos podem permanecer no laboratório estocados na densidade de 1 animal para cada 2 ou 3 litros de água, ser diretamente comercializados ou mantidos em viveiros de pequenas dimen- sões, por exemplo, de 200m2, até o momento da venda. Para reduzir os problemas causados por alguns pre- dadores naturais e, também, para evitar que alguns alevinos voltem a se alimentar de organismos vivos, o que poderia levar a um crescimento diferenciado e, conseqüentemente, ao canibalismo, os viveiros podem ser abastecidos com água um ou dois dias antes do peixamento, sem a necessidade de adubação. Neste sistema de criação deve-se tomar cuidado com a elevada transparência da água, que torna os alevinos mais expostos à ação de pássaros predadores. Nesta fase, pode-se utilizar densidades de até 10 alevinos por m2. A ali- mentação deve ser realizada diariamente com ração extrusada com níveis de proteína bruta superiores a 40%, pelo menos duas vezes ao dia e fornecida à vontade. O tratador deve acompanhar a alimentação por, pelo menos, 15 minutos até que os peixes parem de se alimentar. Quando o tempo de permanência nos tanques for superior a 30 dias, ou quando sejam identificados animais com cresci- mento diferenciado, faz-se necessário uma nova classificação dos alevinos. Além dos resultados promissores para a larvicultura e alevinagem apresentados neste artigo, outros trabalhos mostram que alevinos de trairão condicionados à ração ex- trusada, apresentam elevada sobrevivência e bons índices de conversão alimentar. Luz et al. (2001) estocaram alevinos de trairão com comprimento entre 3,7 e 4,7cm, em densidades variando de 6,6 a 11,6 alevinos/m². Os alevinos foram alimentados com ração comercial extrusada contendo 42% de proteína bruta (PB). Após 30 dias de cultivo, em tanques de cimento de 5m², os autores verificaram taxas de sobrevivência superiores a 97% e conversão alimentar de 1,2 a 1,5:1. Após este período os alevinos foram reclassificados por tamanhos e estocados na densidade de 5 alevinos/m² por mais 30 dias. Ao final do trabalho os autores registraram sobrevivência entre 72 e 100% e conversão alimentar entre 0,9 a 1,16:1. Salaro et al. (2003) estocaram alevinos de trairão com 10,5cm de comprimento total médio, em tanques de cimento de 5m², em duas densidades de estocagem, 1 e 4 alevinos/m². Como alimento foi utilizado ração extrusada comercial (42% de PB). Após 120 dias de cultivo a sobrevivência variou de 86,7 a 96,7%, a conversão alimentar ficou entre 1,2 e 1,6:1 e o ganho de peso diário variou de 0,38 a 0,70g. Atualmente, a Universidade Federal de Viçosa vem desenvolvendo pesquisas com diferentes manejos durante o condicionamento alimentar do trairão. No entanto, a continuidade de estudos que avaliem o crescimento dos alevinos até que alcancem peso comercial, principalmente no que tange aos aspectos de manejos como: densidade de estocagem, horário e freqüência de alimentação e exigên- cias nutricionais durante o desenvolvimento dos animais se mostra necessária para estabelecer-se de forma mais exata o potencial, parâmetros produtivos e a viabilidade econômica do cultivo desta espécie de forma intensiva com o uso de rações comerciais. Referências Bibliográficas Andrade, D.R., Vidal. M.V.J., Shimoda, E. Criação do trairão Hoplias lacerdae. Universidade Estadual do Norte Fluminense-UENF. Boletim Técnico, v.3, 23p, 1998. Luz, R.K. Aspectos da larvicultura do trairão Hoplias lacerdae: manejo alimentar, densidade de estocagem e teste de exposição ao ar. 2004. Tese (Doutorado em Aqüicultura) – Centro de Aqüicultura da UNESP, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2004. http://www.caunesp.unesp.br/paginas/PG/ trabalhos_teses_autor.php Luz, R.K., Jomori, R.K, Portella, M.C. Ingestão de dietas artificiais por larvas e alevinos de trairão Hoplias lacerdae In: XII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE AQÜICULTURA, 2002, Goiânia. Resumos... Goiânia, 2002. p.353 – 353. Luz, R.K., Munoz-Ramirez, A.P., Guerrero-Alvarado, C.E., Portella, M.C., Carneiro, D.J. Efecto del diámetro del pellet en la supervivencia y crecimiento de juveniles de trairão (Hoplias lacerdae) In: II CONGRESO IBEROAMERICANO VIRTUAL DE ACUICULTURA, 2003, Zaragoza. Anais... Zaragosa, 2003, CD Rom. p.287 – 294. Luz, R.K., Portella, M.C. Stress resistance during trairao Hoplias lacerdae larvae and juvenile development. Brazilian Archives of Biology and Technology v.48, p.567 - 573, 2005. Luz, R.K., Portella, M.C. Diferentes densidades de estocagem na larvicultura do trairão Hoplias lacerdae. 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Luz, R.K., Salaro, A.L., Souto, E.F., Zaniboni Filho, E. Avaliação de canibalismo e comportamento territorial de alevinos de trairão (Hoplias lacerdae). Acta Scientiarum, v.22, p.465 - 469, 2000. Luz, R.K., Portella, M.C. Controle de Ichthyophthirius multifiliis durante a larvicultura intensiva do trairão Hoplias lacerdae: Relato de caso In: XVII ENCONTRO BRASILEIRO DE ICTIOLOGIA, 2007, Itajaí. Resumos... Itajaí, 2007, p.219 – 219. Salaro, A.L., Luz, R.K., Nogueira, G.C.C.B., Reis, A., Sakabe, R., Lambertucci, D.M. Diferentes densidades de estocagem na produção de alevinos de trairão (Hoplias cf. lacerdae). Revista Brasileira de Zootecnia, v.32, p.1033 - 1036, 2003. Ribeiro, D.M., Gontijo, V.P.M. Reprodução de trairão em cativeiro. Informe Agropecuário, v.10, n.110, p.20-25, 1984. Zaniboni Filho, E., Barbosa, N.D.C. Larvicultura na CEMIG. In: X ENCONTRO ANUAL DE AQÜICULTURA DE MINAS GERAIS, 1992, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 1992. p.36-42. 22 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Temos pesquisadores para promover o desenvolvimento da aqüicultura nacional? Por: Eric Arthur Bastos Routledge Coordenador-Geral de Incentivo à Pesquisa e Geração de Novas Tecnologias da SEAP/PR e-mail: routledge@seap.gov.br Hoje em dia, praticamente não é mais necessário mencionar, mesmo para quem não é da área, que a aqüicultura tem um enorme potencial para o seu desenvolvimento no Brasil. Os 8.500km de costa, os milhões de hectares de águas interiores alagadas e a extensa zona econômica exclusiva, associada ao clima favorável, a adaptação de espé- cies exóticas ao clima brasileiro e o potencial de diversas espécies nativas, são informações cada vez mais divulgadas. Enfim, aos poucos, a sociedade começa a entender o que é a atividade, deixando de confundi-la com a agricultura ou apicultura. Entretanto, cabe perguntar se o Brasil possui pesquisadores e instituições suficientes para dar suporte a este desejado desenvolvimento? E como estão distribuídos os cursos de aqüicultura em nível de pós-graduação? A fim de obter essas respostas, a SEAP/PR iniciou um levantamento de informações na base de dados do CNPq e da CAPES. O trabalho levou em consideração a relação de bolsistas de produtivida- de do Comitê Assessor de Aqüicultura e Recursos Pesqueiros do CNPq (Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e a lista de cursos de mestrado e doutorado credenciados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC). No CNPq, a aqüicultura está inserida no Co- mitê Assessor de Aqüicultura e Recursos Pesqueiros (CA-AQ), que é subordinado à Coordenação do Pro- grama de Pesquisa em Agropecuária e Agronegócio (COAGR), junto a outros seis Comitês Assessores de outras áreas. Ao contrário do passado, quando sofreu ameaças de extinção, hoje o comitê CA-AQ experimenta uma situação estável e de reconheci- mento dentro do CNPq. A SEAP/PR vem trabalhando intensamente junto ao CNPq para que este comitê se fortaleça cada vez mais, considerando esta, a receita para aumentar os recursos que anualmente são dire- cionados para apoiar os pesquisadores com projetos, bolsas e outros auxílios todos os anos. Apesar disso, a abertura de mais espaço para a aqüicultura dentro do CNPq depende diretamente do contínuo aumento da 23Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Pesquisa produtividade dos pesquisadores e da apresentação de demandas qualificadas para os editais e chamadas públicas que são cada vez mais competitivos. Para o triênio 2006 - 2008, o CA-AQ do CNPq está adotando critérios de julgamento para os pedidos de bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) com base no agrupamen- to de três grandes áreas de envolvimento dos pesquisadores, sendo as informações divididas em “Produção Científica”, “Formação de Recursos Humanos” e “Atuação Relevante na Área”. Baseado na relação de bolsistas de produtividade do CA-AQ, atualizada até março de 2007, existem hoje 64 bolsistas de PQ distribuídos em 15 estados e no Distrito Federal (Figura 1). O número de bolsistas PQ de aqüicultura (64) pare- ce pequeno, quando comparado com os atuais bolsistas PQ dos Comitês Assessores de Medicina Veterinária (203) e de Figura 1 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa - CNPq Aqüicultura e Recursos Pesqueiros - Março/2007 Zootecnia (191). Entretanto, na teoria, o comitê temático (CA-AQ) deveria concentrar os bolsistas da área de aqüicultura, mas também é possível identificar pesquisadores vinculados a estes e outros comitês que atuam em áreas indispensáveis para o desenvolvimento da aqüicultura, incluindo os de Genética, de Ecologia e Limnologia, entre outros. Ressalta-se ainda que o Comitê Assessor de Aqüicultura e Recursos Pesqueiros também contempla a área de pesca, embora a relação atual represente menos de 10% dos bolsistas desta área, sendo em sua maioria dispersos nos Comitês de Oceanografia, de Zoologia, entre outros. Destes, 78% estão concentrados em instituições de ensino e pesquisa das Regiões Sudeste e Sul. As regiões Centro-Oeste e Norte representam juntas somente 11% do total de bolsistas, embora estas sejam regiões que vêm experimentando um grande crescimento da aqüicultura nos últimos anos (Figura 2). Em resumo, ainda são poucos os pesquisadores de aqüicultura que conseguem atender as normas e os critérios do CNPq. Por outro lado, alguns desanimam se achando pouco qualificados e nem fazem uma solicita- ção formal. Outros, mesmo tendo uma ótima produção científica, não se classificam por apresentarem um baixo número de orientados como conseqüência da falta de vínculo com uma instituição de ensino. "...Ao contrário do passado, quando sofreu ameaças de extinção, hoje o comitê CA-AQ experimenta uma situação estável e de reconhecimento dentro do CNPq. Apesar disso, a abertura de mais espaço para a aqüicultura dentro do CNPq depende diretamente do contínuo aumento da produtividade dos pesquisadores e da apresentação de demandas qualificadas para os editais e chamadas públicas..." F igu ra 2 - Bo l sa s de Produtividade em Pesquisa - CNPq Aqüicultura e Recursos Pesqueiros - Março/2007 24 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 25Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 CAPES Na CAPES, a área de aqüicultura está inserida na grande área “Ciências Agrá- rias”, na área “Recursos Pesqueiros e Enge- nharia de Pesca”, apresentando cinco cursos em nível de doutorado e sete em nível de mestrado, distribuídos em sete instituições de ensino e pesquisa (Tabela 1). A análise dos programas de pós- graduação demonstra uma lacuna em regi- ões onde a aqüicultura vem apresentando um crescimento acelerado, sobretudo no Centro-Oeste e em alguns estados da Re- gião Norte. Nestas regiões, nota-se com exceção dos Estados do Pará e Amazonas que a aqüicultura vem crescendo sem uma presença concreta das universidades e instituições de pesquisa. O número de programas específicos poderia ser maior, mas se considerado também aos de outras áreas, eu diria que podemos melhorar. A percepçãoé a de que a integração e a mobilidade docente e discente entre os diferentes cursos podem melhorar a formação dos nossos mestres e doutores. Existem hoje cerca de 100 docentes vinculados a estes programas, que formam dezenas de mestres e doutores todos os anos no Brasil. Isto sem contar os pós-graduados formados em outros cursos de pós-graduação como zootec- nia, produção animal, ecologia, oceanografia, tecnologias de alimentos e outros cursos que possuem a área de aqüicultura como uma das áreas de concentração ou têm estreita relação. Quando digitada a palavra-chave “aqüicultura” na busca do recém divulgado Censo de Grupos de Pesquisa da CAPES ano-base 2006, encontramos 532 pesquisadores que possuem algum envolvimento com a aqüicultura, sendo a maioria dou- tores, o que dá uma dimensão real da quantidade de massa crítica que temos à disposição. Assim parece fácil responder que o Brasil tem, sim, muita gente boa qualificada para dar suporte ao desenvolvimento da aqüicultura nacional, e que Tabela 1 - Programas de Pós-graduação da área de aqüicultura na área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca da CAPES (atualizado até 5 de setembro de 2007) existe mercado de trabalho para todos os profissio- nais que se especializam em aqüicultura. Por outro lado, percebe-se que muitos estudantes entram para o mundo da aqüicultura, motivados pelo potencial da atividade e pelo grande leque de áreas de atuação. Mas, na prática, a maior parte se restringe a atuar na área de pesquisa, sem considerar a importância e as oportunidades da atuação profissional também em órgãos ambientais e de fomento, nas prefeituras, nos governos, ONGs, no setor produtivo, etc.. A interdisciplinaridade da aqüicultura exige a formação de um profissional ético, sem fronteiras e com disposição para enfrentar as barreiras de uma atividade sem tradição, quando comparada a outras consagradas na área agropecuária brasileira. Nas universidades, os orientadores têm a responsabili- dade de estimular não só a capacidade de elaborar e publicar artigos científicos em revistas de impacto, mas também de interagir com outras áreas do conhe- cimento e de compreender as diferenças regionais e culturais. Só assim, haverá condições de ampliar o espaço conquistado por todos os profissionais que atuam na área, sejam eles, engenheiros de pesca, biólogos, oceanógrafos, zootecnistas, médicos vete- rinários, agrônomos, engenheiros de aqüicultura. No final, sempre haverá trabalho para os profissionais com uma visão sistêmica que consigam conciliar a competência de atender as normas dos órgãos de fomento, com a capacidade de transitar em todos os elos da cadeia produtiva sem se restringir ao mundo acadêmico pois, afinal de contas, o que importa para o aqüicultor é o acesso aos resultados práticos da pesquisa. Pesquisa 26 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 PANORAMA DA CARCINICULTURA BRASILEIRA EM 2007 Por: Itamar de Paiva Rocha Engº de Pesca, CREA 7226-D e-mail: abccam@abccam.com.br A carcinicultura brasileira em- bora tenha iniciado o ano de 2007 com muitas incertezas, tanto pelos efeitos das viroses como da política cambial, ou seja, sem qualquer pers- pectiva de recuperação econômica, chega ao final do ano mostrando claros sinais de que em 2008 o setor voltará a crescer. Evidentemente que a perda de competitividade das suas exportações, decorrente da elevada desvalorização cambial, associado ao amadorismo e a inefi- ciente estrutura da cadeia de comer- cialização interna e, a generalizada falta de licenciamento ambiental constituem-se sérios desafios que o setor precisa superar para resta- belecer as necessárias condições de operacionalidade e, permitir um desenvolvimento econômico com sustentabilidade sócio-ambiental. Nesse sentido, se ressalta que além dos problemas de ordem ins- titucional, decorrentes da falta de prioridades e apoio governamental, outros fatores adversos contribuí- ram de forma bastante significativa para agravar a crise que se abateu sobre a carcinicultura brasileira. Dentre estes, destacam-se a ação antidumping imposta pelos Estados Unidos, o surto da mancha branca (WSSV) em Santa Catarina e da NIM (IMNV) na Região Nordeste. O início da atual crise setorial remonta a 2004, cuja produ-ção de 76.000 t interrompeu um crescimento exponencial médio de 71% ao ano, registrado entre 1997 (3.600 t) e 2003 (90.180 t), sendo que, a partir de 2005, quando se registrou uma nova queda da produção (65.000 t) houve uma estabilização da produção num patamar de 65.000 t. (Figura 1). Figura 1 - Evolução do desempenho DA CARCINICULTURA BRASILEIRA (1998 -2007*) Por outro lado, o conjunto dessas adversidades, especial- mente a elevada e contínua desvalorização do dólar americano (USD), foram decisivos para a redução das exportações e das receitas setoriais, como bem demonstra a evolução das exporta- ções de camarão cultivado do Brasil no período de 1998 a 2006 e no período de janeiro a outubro de 2007, em comparação com o mesmo período de 2004 a 2006 (Figuras 2 e 3). DESEMPENHO, DESAFIOS E OPORTUNIDADES 27Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Carcinicultura 2007 Da mesma forma, quando se compara o desempenho das exportações brasileiras de camarão cultivado para os Estados Unidos, entre janeiro a setembro de 2003 e janeiro a setembro de 2007, verifica-se claramente que o Brasil foi efetivamente o país mais afetado pela ação antidumping, uma vez que sua participação no conjunto das importações norte americanas passou de 5,48% (2003) para 0,00008% (2007), conforme se detalha na tabela 1. Figura 3 – Comportamento das Exportações Brasileiras de Camarão no Período de janeiro a outubro (2004 - 2007), em toneladas Figura 2 – Evolução das Exportações Brasileiras de Camarão Cultivado (1998 – 2006) Tabela 1 - EUA: participação dos países envolvidos na ação antidumping nas importações de camarão de janeiro a setembro (2003 - 2007) 28 Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 29Panorama da AQÜICULTURA, novembro/dezembro, 2007 Carcinicultura 2007 Desafios A crise que se abateu sobre a car- cinicultura brasileira entre 2004 e 2007, em realidade, confirma uma cíclica coincidência enfrentada pelo setor ao longo de sua história, o qual já havia passado por situações adversas em 1984/1987 e 1994/1997, conforme se detalha na tabela 2 adiante discriminada. Na presente crise, a incidência de doenças foi sem dúvidas a principal respon- sável pelas perdas econômicas e conseqüente descapitalização setorial, sendo que, no caso da Mionecrose Infecciosa (IMN), cuja virulência esteve sempre relacionada aos distúrbios am- bientais, associados a “cheias e outros fatores exógenos”, tem-se que, ao longo de 2007 foi observado uma sensível regressão dos seus efeitos, uma vez que as regiões mais fortemente atingidas (Piauí, Norte do Ceará e Norte do Rio G. do Norte) apresentam hoje, níveis de sobre- vivências similares aos obtidos em 2003. A contribuição dos produtores para o controle da “NIM” esteve sempre relacionada à redução das densidades, ao uso de probióti- cos e a redução do tempo de cultivo, enquanto que pelo lado dos fatores externos, houve uma grande colaboração da natureza, pois desde 2004, não se registrou nenhum excesso nos ní- veis pluviométricos na Região Nordeste. Desse modo, pode-se afirmar que a NIM está sob “au- tocontrole”, uma vez que as ações por parte do pode ainda cantar vitória, devendo manter-se alerta, trabalhando com as ferramentas preventivas e adotando as Boas Práticas de Manejo em todas as etapas do ciclo de cultivo. Em relação à mancha branca (WSSV), que inexplicavelmente afetou os produtores de Santa Catarina, uma vez que não existe registro da sua ocorrência em nenhuma outra área do oceano atlântico, a situação continua indefinida, embora que das 30 fazendas que operaram em 2007, 50% não apresentaram mortalidades relacionadas ao WSSV. No entanto,
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