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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE DIREITO REFLEXOS DA NOVA ORDEM CONTRATUAL CIVIL NOS CONTRATOS AGRÁRIOS MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO Albenir Itaboraí Querubini Gonçalves Santa Maria, RS, Brasil 2005 2 REFLEXOS DA NOVA ORDEM CONTRATUAL CIVIL NOS CONTRATOS AGRÁRIOS por Albenir Itaboraí Querubini Gonçalves Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas. Orientador: Prof. Ms. José Fernando Lutz Coelho Santa Maria, RS, Brasil 2005 3 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de Direito A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de Graduação REFLEXOS DA NOVA ORDEM CONTRATUAL CIVIL NOS CONTRATOS AGRÁRIOS elaborada por Albenir Itaboraí Querubini Gonçalves como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas COMISSÃO EXAMINADORA: José Fernando Lutz Coelho, Ms. (UFSM) (Presidente/Orientador) Rosane Leal da Silva, Ms. (UFSM) Wellington Pacheco Barros, Ms. (PUC/RS) Santa Maria, 15 de dezembro de 2005. 4 Dedicada aos meus queridos pais: Antonio Gonçalves e Maria Aparecida Querubini Gonçalves. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço: A Deus pelas oportunidades concedidas em minha vida. Aos mestres pela minha formação. Ao professor e amigo José Fernando Lutz Coelho, orientador e mestre, que sempre me ajudou no decorrer do Curso, a quem guardo grande estima e admiração, tanto como exemplo de pessoa, quanto de competente profissional. À professora Rosane Leal da Silva, sapiente e dedicada professora, a qual me ajudou com fontes doutrinárias indispensáveis para realização deste trabalho. Ao Des. Wellington Pacheco Barros, respeitado profissional e doutrinador, o qual muito me honra por ter aceitado o convite de participar da Comissão Examinadora desta monografia de graduação, pessoa que tenho como paradigma. Às professoras Lilia Manjon da Cunha e Maria Ester Toaldo Bopp, pelo apoio e auxilio no decorrer do dia-a-dia acadêmico. Aos colegas e amigos, que de uma forma ou outra, contribuíram no decorrer do Curso. 6 “Há homens que nem sequer se equivocam, porque não se propõem a nada razoável”. (GOETHE, Johann Wolfgang von. Obras Completas, máximas e reflexões. 2 ed. Madrid: Aguilar, 1950. v. I, p. 314, n. 197) 7 RESUMO Monografia de Graduação Curso de Direito Universidade Federal de Santa Maria REFLEXOS DA NOVA ORDEM CONTRATUAL CIVIL NOS CONTRATOS AGRÁRIOS AUTOR: ALBENIR ITABORAÍ QUERUBINI GONÇALVES ORIENTADOR: JOSÉ FERNANDO LUTZ COELHO Data e Local da Defesa: Santa Maria, 15 de dezembro de 2005. A presente monografia pretende analisar as mudanças ocorridas nos contratos cíveis, relacionando as suas possíveis influências aos contratos agrários. Os contratos agrários são modalidades contratuais de Direito Agrário, que versam sobre o uso e a posse temporária da terra, desempenhando importante função e econômica e social. Atualmente, o meio rural, bem como a sociedade em si, vivem em profundas mudanças e surgem novas situações ou relações jurídicas, sem previsão específica ou satisfatória pela legislação agrária. Assim, é pertinente uma análise da nova ordem contratual cível nos contratos agrários, como forma subsidiária para as soluções de problemas relacionados aos contratos agrários, que não possuem previsão pela lei agrária. A possibilidade da utilização reflexa da atual ordem contratual cível aos contratos agrários se verifica, pois, tanto os contratos agrários, quanto os contratos cíveis, em sua concepção atual, têm em comum a observância e a sujeição às normas constitucionais e aos preceitos de ordem pública. Palavras-chaves: Contratos Agrários, Direito Agrário, Contratos Cíveis, Código Civil de 2002. 8 RIASSUNTO Monografia di Graduazione Corso di Diritto Università Federale di Santa Maria REFLESSI DELLA NUOVA ORDIGNE CONTRATTUALE CIVILE NEI CONTRATTI AGRARII AUTORE: ALBENIR ITABORAÍ QUERUBINI GONÇALVES ORIENTADORE: JOSÉ FERNANDO LUTZ COELHO Data e Luogo della Difesa: Santa Maria, il 15 dicembre, 2005. La presente monografia pretende analizzare le trasformazioni che sono occorse nei contratti civili, relazionando le sue possibili influenze ai contratti agrarii. I contratti agrarii sono modalità contrattuali del Diritto Agrario, che vertevanno sopra l’uso e il possesso temporaneo della terra, disimpegnando l’importante funzione economica e sociale. Nell’attualità, il mezzo rurale, siccome la società in si, vivono in profonde trasformazioni e sorgino nuove situazioni o relazioni giuridiche, senza previsione specifica o soddisfacente per la legislazione agraria. Allora, è pertinente un’analisi della nuova ordine contrattuale civile nei contratti agrarii, come forma sussidiaria per le soluzioni dei problemi relazionati ai contratti agrarii, che non hanno possesso previsione per la legge agraria. La possibilità di utilizzazione riflessa dell’atualle ordine contrattuale civile ai contratti agrarii si verifica, poi, tanto i contratti agrarii, quanto i contratti civili, in suo concepimento atuale, hanno in comune l’osservanza e la soggezione alle norme costituzionali e ai precetti di ordine pubblica. Parole-chiavi: Contratti Agrarii, Diritto Agrario, Contratti Civili, Codice Civile di 2002. 9 SUMÁRIO SUMÁRIO 9 INTRODUÇÃO 10 1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PRIVADO 14 1.1 A codificação e o Estado Liberal 14 1.2 O intervencionismo estatal e a constitucionalização do Direito Privado 19 2 DOS CONTRATOS AGRÁRIOS 26 2.1 Características e princípios norteadores do Direito Agrário 26 2.2 Características dos contratos agrários em geral 31 3 A NOVA ORDEM CONTRATUAL CÍVEL E SEUS REFLEXOS 36 3.1 Os princípios contratuais à luz do Código Civil de 2002 37 3.1.1 Princípio da autonomia privada e da força vinculante do contrato 37 3.1.2 Princípio da função social do contrato 39 3.1.3 Princípio da equivalência das prestações 40 3.1.4 Princípio da relatividade dos efeitos contratuais 40 3.1.5 Princípio da boa-fé objetiva 41 3.2 Os reflexos da nova ordem contratual civil nos contratos agrários: análise de questões polêmicas e atuais 44 3.2.1 A fixação do preço do arrendamento em produtos 45 3.2.2 A revisão dos contratos agrários de arrendamento 47 3.2.3 Prazos mínimos e contratos agrários atípicos 49 3.2.4 Direito de preferência na alienação do imóvel rural aos parceiros-outorgados 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS 54 REFERÊNCIAS 56 10 INTRODUÇÃO Entre as diversas significações técnicas que o vocábulo ordem possui na terminologia jurídica, interessa para os fins do presente trabalho o emprego do termo ordem como “sistema de regras ou a soma de princípios, criados para estabelecer o modo ou a maneira porque se deve proceder ou agir, dentro da sociedade”1. É a partir dessa noção de ordem entendida como sistema ou conjunto de regras e princípios, que o presente estudo almeja analisar os reflexos da nova ordem principiológica contratual cível, decorrentes da edição e vigência do atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) sobre os contratos agrários, que são modalidades contratuais que versam sobre o exercício do uso ou posse temporária daterra, cuja natureza jurídica é de norma de Direito Agrário, inseridos em nosso ordenamento pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). O contrato é a mais importante forma jurídica existente na sociedade, pois acompanha o homem desde os primórdios de sua evolução, seja pelas trocas na antiguidade ou pelas modernas e variadas formas contratuais, tais como a compra e venda, o arrendamento rural, a franquia empresarial, o comodato entre outros, desempenhando importante função econômica. Em sua essência, o contrato era instrumento de circulação de mercadorias, sendo que ao longo do tempo se tornou ferramenta de aquisição da propriedade, geração e aquisição de riquezas, e, atualmente, deve ser visto também como meio de realização dos valores humanos. O vigente Código Civil de 2002 rompeu com os paradigmas e valores do Código Civil de 1916, o qual possuiu como fontes inspiradoras o Código Civil Francês de 1804 e o Código Civil Alemão de 1900 (BGB), diplomas legais que exprimem em seu contexto os ideais liberais originários da Revolução Francesa: a liberdade formal e a livre concorrência, como formas de garantir a realização dos anseios individuais. Pelo contrato clássico a vontade expressa no momento da contratação era exatamente o cerne negocial, traduzida no dogma da autonomia da vontade nos contratos fazer lei entre as partes. Sendo que por vezes foi meio de exploração e desequilibro entre as partes contratantes. Porém, no decorrer do tempo, devido ao processo de constitucionalização e retomada da intervenção estatal no âmbito do Direito Privado, o quadro foi mudando, sendo que os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana foram revestindo-se de superior 1 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 576. 11 relevância e sobrepondo-se a forma tradicional suplantada pelo modelo liberal, de visão eminentemente individualista. Nasceu, assim, uma nova fase relativa aos contratos cíveis, pois o Direito Privado, como é o caso do Código Civil de 2002, ganhou caráter constitucional, com inúmeros preceitos de caráter de ordem pública, como é o caso da boa-fé objetiva (art. 421) e da função social dos contratos (art. 422), sendo que os contratos cíveis a partir de agora também passam a ter por escopo a realização dos valores humanos, tendo como alicerce a eticidade e a sociabilidade. Por sua vez, a busca pela realização dos valores humanos não é novidade quando nos referimos aos contratos agrários, que diferentemente da concepção clássica liberal, nasceram como norma de Direito Público voltada para a realização de valores sociais e coletivos. Isso porque o Direito Agrário brasileiro consolidado pelo Estatuto da Terra em 1964 foi a primeira lei em nosso ordenamento que buscou atender a fins coletivos e sociais, através da busca de uma harmonização nas relações homem-campo-sociedade, e de uma forte intervenção estatal, tendo como fins a função social da propriedade, ideais de progresso social e econômico e a harmonia nas relações entre trabalhadores e proprietários, como forma de se alcançar uma justiça eqüitativa. É importante referir que até a edição do Código Civil de 2002, de base constitucional, era impossível se falar em reflexos dos contratos cíveis em relação aos contratos agrários, senão relativamente ao acordo de vontades e o objeto, devido à existência da dicotomia entre o Direito Privado e o Direito Público e pela própria especificidade das relações agrárias. Diante do fato da publicização do Código Civil, analisando o atual contexto social e jurídico, a partir de uma visão sistêmica do ordenamento e da compreensão da obrigação como um processo social, é que em linhas gerais, essa monografia buscará analisar as influências da nova ordem contratual cível sobre os contratos agrários. A importância do tema se dá em razão das profundas mudanças pela qual passam o campo, sendo que a atual realidade agrária é distinta da realidade do momento da edição do Estatuto da Terra. E essas modificações, produzidas principalmente pelos avanços tecnológicos da sociedade e da própria economia globalizada em que vivemos, contribuíram para o surgimento de novas problemáticas jurídicas, muitas delas sem solução na legislação agrária, que agora podem ser solucionadas pela aplicação das normas trazidas pelo Código Civil de 2002, somadas e em conformidade com os princípios basilares do Direito Agrário, já que segundo o artigo 13 da Lei nº 4.947, de 06 de abril de 1966, “os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne 12 ao acordo de vontade e ao objeto”, sendo justamente na parte referente ao acordo de vontades e objeto que os contratos cíveis sofreram profundas mudanças em sua principiologia. A exemplo de problemas sem solução específica na legislação agrarista, têm-se a questão do preço no arrendamento rural, cuja fixação legalmente deve ser em dinheiro, porém a realidade demonstra que a maioria dos contratos de arrendamento têm seu ajuste fixado em produtos, o que traz problemas de nulidades de cláusulas e falta de executividade dos contratos; os prazos mínimos de utilização da terra, que conflitam diretamente com alguns contratos agrários atípicos, como é o caso do contrato de roçado, que se dá em um prazo médio de 6 meses, sendo que segundo a legislação o prazo mínimo deve ser de 3, 5 ou 7 anos dependendo da finalidade de produção; a questão da revisão do preço dos contratos; a aplicação da teoria da imprevisão, entre outros. As obras existentes que versam sobre contratos agrários fazem apenas as reproduções fiéis dos textos legais que tratam da matéria, muitas vezes sem apresentar solução aos problemas nem levantar questionamentos doutrinários, razão pela qual é importante uma nova leitura dos textos legais em conformidade com o contexto atual. Por isso uma análise fundada no atual contexto contratual é fundamental para a matéria contratual agrária, já que o campo, bem como a sociedade em si vive em profundas mudanças e sempre surgirão novas situações ou relações jurídicas, oriundas da própria complexidade social, muitas vezes sem previsões legais. Porém, é importante ressaltar, desde já, que ao se falar em reflexos da nova ordem contratual civil aos contratos agrários, não se está adotando ou defendendo uma “civilização dos contratos agrários”, pois pensar assim seria um retrocesso, até mesmo pela especialidade e institutos próprios do Direito Agrário. Desta forma, a possibilidade de utilização dos princípios contratuais cíveis empregados concomitantemente e em observância com as normas agraristas, como forma de solução de problemas relativos aos contratos agrários, reveste-se de relevante interesse prático. Isso se verifica pela existência de inúmeros processos que versam sobre contratos agrários que tramitam no Poder Judiciário brasileiro, em especial, nos Estados com acentuada vocação agro-pastoril, como os Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, entre outros, em que a atividade agrícola desempenha importante papel na economia de nosso País. O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro deles, intitulado “Da evolução histórica do Direito Privado” faz uma retrospectiva histórica do Direito Civil, a 13 partir do momento da codificação civil até aos dias atuais, com o fim de apontar as mudanças ocorridas nos contratos ao longo da Modernidade. No segundo capítulo, serão analisados os contratos agrários a partir de suas características, com a posterior finalidade de verificar os possíveis reflexos que os contratos cíveis possam ter irradiado sobre os mesmos. Por fim, o terceiro capítulo baseia-se na demonstração das mudanças operadas nos contratos cíveis,de forma correlacionada com os contratos agrários, apontando a utilização dos reflexos daqueles, como meio de solucionar algumas questões polêmicas e atuais, sem previsão pela lei agrária. 14 1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PRIVADO Miguel Reale, com base em afirmação do pensador contemporâneo Martin Heidegger, assinala que “não se pode, com efeito, estudar um assunto sem se ter dele uma noção preliminar”2. O objeto de análise do presente capítulo é justamente transmitir ao leitor uma noção preliminar da evolução histórica do Direito Privado com o fim de demonstrar as mudanças operadas no Direito Civil, com especial atenção às mudanças na base contratual, para que possamos compreender o porquê de se referir à existência de uma nova ordem principiológica contratual civil, distinta da concepção clássico-liberal. Isso porque, o Direito Privado como um todo, em especial o Direito Civil, sofreu mudanças em sua base estrutural, que passou de uma visão liberal e individualista para uma visão coletiva, pautada sobre os eixos da sociabilidade e da eticidade, rompendo, desta forma, com os paradigmas clássico-liberais, característicos no Código Civil Brasileiro de 1916. Mas para compreender tal mudança, de profunda importância para os contratos, é necessário realizar uma retrospectiva histórica da evolução do Direito Civil, a partir de dois marcos do Direito Privado: o movimento da codificação, o qual serviu como ferramenta de ascensão do capitalismo liberal, e; o momento em que o Estado novamente passa a intervir nas relações privadas, através de um processo de constitucionalização do Direito Privado. 1.1 A codificação e o Estado Liberal O processo de codificação das leis, iniciada no século XVIII, constitui-se em importante marco para a ciência jurídica moderna, que representou uma importante avanço na técnica legislativa e, ao mesmo tempo, consagrou os valores e ideologias da então ascendente classe capitalista. Porem, o fenômeno da codificação não deve ser analisado apenas sob a óptica jurídica, mas deve associado ao contexto histórico, econômico, social e filosófico, já que o mesmo serviu como importante instrumento de contenção da intervenção estatal no domínio público, proporcionando aos capitalistas a aquisição da propriedade e a segurança na realização de seus negócios. 2 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1. 15 O século XVII foi marcado pelo colapso do Estado Moderno3 Absolutista e sua gradativa substituição pelo Estado Liberal4, com a ascensão do capitalismo, que atinge sua consolidação através da industrialização. Importantes fatos históricos contribuíram para significativas transformações sociais, tais como a Independência dos Estados Unidos (1776), a Revolução Industrial na Inglaterra (1760-1850) e, em especial, a Revolução Francesa (1789- 1799), que teve como fruto a posterior edição do Código Civil Francês de 1804, mundialmente conhecido como Código Napoleônico. Até então, a estrutura política da época, conhecida como Antigo Regime, era marcada pelo domínio da nobreza e do clero, ambas detentoras da propriedade, sobre as demais classes sociais: camponeses e burgueses5. A primeira, estruturada no regime das Monarquias Absolutas, cuja característica marcante exprimia-se na figura do monarca ou príncipe (em alusão a obra do florentino Nicolau Maquiavel), tido como representante de Deus na Terra, era detentor e acumulador de poderes ilimitados, sendo sua vontade suprema. Interessante ressaltar a ligação do caráter divino que revestia a imagem do soberano, a qual foi esculpida ao longo do tempo pelos chamados pensadores teóricos do Absolutismo e serviu de meio de justificar a centralização do poder e dominação, possibilitando a intervenção estatal, já que a vontade do monarca era a lei que imperava de forma absoluta e incontestável, cabendo aos mundanos apenas a cumprir. O clero, consistente pelo império teocêntrico da Igreja, mesmo tendo seus dogmas abalados com a Reforma Protestante de Martinho Lutero, ainda exercia forte domínio sobre o pensamento religioso da época, subordinando o mundo dos homens às leis de Deus, e influindo na política, além de ser grande detentora da propriedade imóvel existente. Paralelamente a nobreza e ao clero, entre os restantes profanos e desprovidos de “sangue azul”, cresceu e se desenvolveu a classe burguesa, aos arredores dos castelos, locais que constituíam as cidades ou burgos (denominação que deu origem ao vocábulo burguesia), consistentes em sua origem de comerciantes e artesãos, a qual ascendeu economicamente e, 3 Como Estado Moderno deve-se compreender, conforme conceito de Dalmo de Abreu Dallari, “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Embora haja a divergência doutrinária quanto ao tempo exato de seu surgimento, destaca o citado jurista, que a presença mesmo foi documentado pela primeira vez pelos Tratados de Paz da Westefália (1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 70-119. 4 São características do liberalismo a livre iniciativa e a livre concorrência, o qual foi consolidado teoricamente pelo economista Adam Smith, traduzidas na idéia do laissez-faire, laissez-passer, que transmite a idéia do livre trânsito sem a interferência do Estado nas relações dos cidadãos. 5 Cumpre esclarecer que a presente separação entre classes (nobreza, clero, camponeses e burguesia) é utilizada em sentido amplo e generalíssimo, cuja formulação possui fim meramente didático, já que a sociedade de época era bem mais complexa e uma análise mais aprofundada foge aos objetivos do presente trabalho. 16 posteriormente, conseguiu implementar o capitalismo liberal, cujo auge aflorou com a industrialização. As constantes intervenções estatais do Estado monarca na economia, em especial aos negócios da burguesia, consistiam-se no principal entrave ao avanço dessa classe, já que a estrutura da sociedade era rígida e hierarquizada, ou seja, não havia meios de ascensão social e econômica, já que não existia um regime jurídico que permitisse igualdade entre os indivíduos. Também, não havia um regime jurídico que propício a uma efetiva segurança jurídica, uma vez que o Leviatã poderia interferir diretamente nas relações privadas dos cidadãos, o que era um temor para os negócios (leia-se também contratos). Outro anseio da classe burguesa era o domínio da propriedade imóvel, uma vez que também não havia um regime jurídico que permitisse a aquisição e manutenção da propriedade, a qual pertencia aos nobres ou ao clero. O rompimento com o modelo do Antigo Regime se deu com a Revolução Francesa, movimento burguês, de fundo iluminista, cujos ideais eram a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Com precisão, Augusto Geraldo Teizen Júnior expõe que “foi com a Revolução Francesa (1789), movimento político de reação às desigualdades herdadas no período feudal, que se pretendeu abolir os anacronismos que não se coadunavam com o desenvolvimento social de então”6. Porém, de nada adiantaria uma revolução para a classe burguesa se após a tomada do poder não houvesse um mecanismo de alcançar a tão almejada segurança jurídica para seus negócios, a fim de que ficassem os mesmo protegidos de interferência estatal. Esse vital para consolidação do modelo liberal do capitalismo, além de manter relação direta com o futuro dos contratos7, pois não interessava à classe burguesa o risco de ter seus contratos desconstituídos ou modificados pela interferência dos juízes, já que “o costume era tido como fonte de corrupção e matriz dos abusos peculiares a uma sociedade fundada noprivilégio, em que a própria magistratura é uma classe privilegiada”8 . A solução estava na edição de leis, como fonte principal do ordenamento jurídico, assegurando a segurança jurídica para as 6 TEIZEN JÚNIOR, Geraldo Augusto. A função social no código civil. São Paulo: RT, 2004, p. 34. 7 “Para a doutrina econômica do liberalismo era inconcebível haver qualquer espécie de intervenção estatal na esfera privada. Seu substrato era a chamada Lei da oferta e da procura – laissez faire-laissez passer – representada pela liberdade comercial (livre mercado) que encontra respaldo na liberdade de contratar e na livre propriedade”. ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Liberdade de contratar e livre iniciativa. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira (Coord). Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Curitiba: Juruá: 2002, p. 98. 8 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184. 17 relações privadas, uma vez que a lei era emanada da vontade da nação9. Por conseqüência, a classe burguesa encontrou no culto à lei a forma de se alcançar à inviolabilidade das relações contratuais, já que se passou a adotar apenas a sua interpretação literal. A codificação também significou uma garantia de separação entre a sociedade civil e o Estado, conforme expõe Ricardo Luis Lorenzetti, já que, anteriormente, “se uma questão não se podia resolver mediante o concurso das leis civis, era remetida ao soberano”10. Assim, consolidou-se a separação entre Direito Público, que abrangeria em sua essência as normas de caráter público vinculadas a estrutura política do Estado e o Direito Privado, que consistiria nas normas que disciplinariam as relações dos particulares, que passariam a ser regidas pelo Código Civil. A principal justificativa para a codificação das leis foi justamente a segurança jurídica11. Fruto do ideal burguês, o surgimento do Código Napoleônico permitiu, a partir da liberdade formal, a aquisição da propriedade privada12, rompendo definitivamente com a intervenção estatal do monarca nos negócios e na economia, marca do antigo regime absolutista. Especificamente sobre as características do Código Napoleônico, ensina Orlando Gomes: O Código francês procurou harmonizar o direito romano com o Direito Público costumeiro, sem preocupação de originalidade, tendo-se inspirado, principalmente, na obra de Domat e Pothier. Em essência, rendia homenagem à doutrina dos direitos do homem, colocava o indivíduo frente ao Estado em posição superior e sancionava a autonomia do Direito Privado em relações com o Direito Público,... Seu espírito reflete a mentalidade individualista da época, tendo servido ao desenvolvimento das forças produtivas nascentes. Foi considerado o código da burguesia, por ter atendido aos interesses e aspirações dessa classe, mas, como esclarece Solari, não se redigiu no propósito de ser lei de privilégios; ao contrário, a 9 Cumpre destacar que nessa época surge na França a noção de cidadão, que conforme ensina Ricardo Luis Lorenzetti, “surge para suprimir desigualdades provenientes da distinção entre a realeza e as classes inferiores”, que, conforme mencionado anteriormente, incluía-se a classe burguesa. “Esta noção abstrata”, segundo o autor, “serviu para regular as relações privadas com igualdade”. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, p. 53. 10 Ibid.,p. 44. 11 Sobre o assunto, Pablo Stolze Gagliano ensina que “A respeito da justificativa da codificação, diz-se comumente, que um código é um sistema de regras formuladas para reger, com plenitude e generalidade, todos os aspectos das relações privadas, proporcionando a segurança necessária às relações sociais”. GAGLIANO, Pablo Stolze. A responsabilidade extracontratual no Novo Código Civil e o surpreendente tratamento da atividade de risco. Texto disponível em: <http://www.juspodvim.com.br/novodireitocivil/index.htm>. Acesso em 28 dez. 2004. 12 Conforme leciona Augusto Geraldo Teizen Júnior, “o objeto de preocupação do legislador francês do Código Civil de 1804 é a propriedade imobiliária, libertada do domínio senhoril”, já que o sistema feudal impedia o uso econômico progressivo dos bens de produção, razão da qual o legislador do Código de Napoleão solenemente expressou em seu art. 544 o direito do proprietário gozar e dispor de sua propriedade da maneira absoluta, de acordo com a sua vontade. TEIZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. Op. Cit., p.45. 18 intenção foi elaborar um Código impessoal, expressão eterna das coisas, para ser aplicado sem distinção de classe, e sem limite de tempo.13 A idéia de um Código, em que era possível organizar e sistematizar toda a matéria em um único livro14 teve como fonte inspiradora os livros sagrados, tal como Bíblia e o Corão. Seu conteúdo jurídico teve por base o Direito Romano, porém sua ideologia seguia os preceitos da livre concorrência, como forma de garantir a liberdade individual dos cidadãos15, em um sistema do tipo fechado16, em que o “modelo é dedutivo, baseado em axiomas, gerando uma ciência demonstrativa, cujo propósito é fazê-los evidentes no caso concreto”17. Todas essas características se refletiram no Código Civil Brasileiro de 1916, obra do jurista Clóvis Beviláqua. Tais características e tendências importaram ao surgimento do culto à lei, posteriormente batizado de positivismo jurídico, criando o dogma da completude, ou seja, a idéia de que ordenamento jurídico era completo, devendo a solução dos casos concretos obrigatoriamente ser encontrados na letra da lei e, somente nos casos de omissão da lei, poderia o juiz utilizar-se da analogia, dos costumes ou dos princípios gerais de direito18. Norberto Bobbio discorre que, por influência do dogma da completude, as fontes do direito foram se delimitando unicamente à lei, sendo que se desenvolveu entre os juristas e os juízes a tendência de ater-se unicamente aos códigos, num verdadeiro fetichismo à lei, inclusive com o surgimento de escolas jurídicas, a exemplo da Escola da Exegese (França) e a Escola dos Pandectistas (Alemanha), cujo caráter peculiar era a “admiração incondicional pela obra do legislador através da codificação”, revestida em “uma confiança cega na 13 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 63-64. 14 “O código é segurança, que se traduz em uma seqüência ordenada de artigos. A imutabilidade é uma das suas características essenciais; não se pode alterar uma parte sem mudar o todo”. LORENZETTI, Ricardo Luis. Op. Cit., p. 42. 15 “A concepção individualista do direito corresponde ao capitalismo na ordem econômica e ao liberalismo na ordem pública. Nutre-se, principalmente, na idéia de que o homem possui direitos inseparáveis da condição humana, substancialmente intangível. Esses direitos, inalienáveis e imprescindíveis, seriam atributos da personalidade, em função dos quais a ordem jurídica deveria disciplinar a conduta do homem na sociedade. O Direito, em suma, teria como finalidade assegurar ao indivíduo os meios para que se expanda livremente sua atividade pelo exercícios desses atributos. Nenhuma lei poderia restringi-los, dificulta-los ou suprimi-los. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, p. 71. 16 Na lição de Judith Martins-Costa: “Os códigos representam a manifestação máxima de um sistema do tipo fechado. Supõem, em especial na área do direito privado, uma sociedade unitária e formalmente igualitária para regulação de cujos interesses seria suficiente a perspectiva de unidade, totalidade ou plenitude que, filosófica e metodologicamente adotam”. MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista de InformaçãoLegislativa. Brasília: SENADO FEDERAL, a. 28, n. 112, out./dez. 1991, p. 17. 17 LORENZETTI, Ricardo Luis. Op. Cit., p. 43. 18 A exemplo, o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, que assim dispõe: “quando omissa a lei, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 19 suficiência das leis”, baseada na “crença de que o código, uma vez promulgado, basta-se completamente a si próprio, isto é, não tem lacunas”19. Por sua vez, para aos contratos, as características liberais que revestiram a idéia da codificação consolidaram a partir da idéia de liberdade e igualdade entre os contratantes o dogma da autonomia da vontade, em que o contrato caracterizado pelo encontro de vontades de contratantes livres e iguais era justo, sendo que a vontade faz lei entre as partes. Sobre o dogma da autonomia da vontade, Paulo Neves Soto expõe que: No direito Contratual tal paradigma trazia como conseqüência a idéia de que, as relações contratuais eram estabelecidas por pessoas igualmente livres, já que todos viviam em uma sociedade de proprietários, na qual aqueles que não eram detentores de bens de produção ou de capital eram, ao menos, proprietários da própria força de trabalho. 20 Assim, a concepção moderna de contrato, fruto da codificação, tornou-se importante ferramenta de circulação econômica de bens e acúmulo capital. Porém, ao mesmo tempo, os ideais liberais da igualdade e liberdade serviram para justificar a desigualdade entre os contratantes, sob o argumento de que a vontade expressa nos contratos era absoluta, obrigando aos contratantes o seu fiel cumprimento, já que o contrato estava protegido de revisão, salvo no que se referia aos vícios de consentimento. O dogma da autonomia da vontade até então inquestionável, passou por um processo de releitura a partir do processo de intervenção estatal e da constitucionalização do direito, como será analisado. 1.2 O intervencionismo estatal e a constitucionalização do Direito Privado Como observado anteriormente, a separação entre Direito Público e Direito Privado, consolidada no momento da codificação, foi responsável pelo afastamento do Estado nas relações entre os civis, o qual foi retomado primeiramente a partir da intervenção estatal no 19 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: UNB, 1999, p. 121. 20 SOTO, Paulo Neves. Novos perfis do direito contratual. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira [et al]. Diálogos sobre Direito Civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 248. “O contrato se desenvolveu no Direito da modernidade como instrumento que visava, sobretudo, a oferecer segurança à circulação econômica, no âmbito do mercado, viabilizando as trocas e a alienação da força de trabalho – e, por conseguinte, a acumulação de capital. Seu conteúdo podia ser resumido, pois na idéia de instrumento de trânsito jurídico de bens e interesses”. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Os princípios contratuais: da formação liberal à noção contemporânea. in: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira (Coord). Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Op. Cit., p. 13 e 14. 20 domínio econômico, incorporado pelos textos das Constituições21. Até então, as constituições de bases “liberais-individualistas asseguravam uma obrigação negativa do Estado, ou seja, obrigação de não intervir nas relações privadas”22, sendo garantido aos cidadãos a “liberdade e a igualdade para o exercício dos direitos econômicos, concedendo aos indivíduos a autonomia da vontade a fim de poderem regular seus interesses, sem intervenção estatal”23 em suas negociações, conforme doutrina Jorge Renato dos Reis. A retomada do intervencionismo se deu com base nas idéias do economista inglês John Maynard Keynes, primeiramente intervindo no campo econômico-monetário, o que se tornou uma necessidade após a Grande Crise Econômica de 1929, desencadeada pela quebra da Bolsa de Valores. Após, o Estado gradativamente passou a intervir também no campo social24. Observa José Afonso da Silva que até a primeira grande Guerra Mundial (1914- 1918), a liberdade de iniciativa econômica alcançada pelo afastamento do Estado das relações jurídicas entre os sujeitos privados, mascarou profundas desigualdades sociais, que fizeram brotar “mecanismos de condicionamento da iniciativa privada, em busca da realização de justiça social”25. Nesse sentido, José Afonso da Silva evidencia que “a atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo”26, já que os ideais revolucionários que pregavam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, acabaram deixando de lado o eixo da fraternidade. Um dos principais fatores que levaram a uma nova retomada da intervenção estatal no campo privado se deu principalmente pelo crescimento do Direito Constitucional, que passou a incorporar normas de caráter social e que prestigiam a dignidade da pessoa humana. Tal concepção foi impulsionada a partir do período entre guerras, período em que foi retomada a proteção à pessoa humana, pondo-a acima dos demais interesses dos Estados. 21 A intervenção estatal no campo econômico teve início pela Constituição mexicana de 1917 e posteriormente pela Constituição alemã de 1919, conhecida como Constituição de Weimar. No Brasil a primeira constituição a prever a intervenção estatal na ordem econômica foi a Constituição de 1934, cuja fonte inspiradora era a Constituição alemã. 22 REIS, Jorge Renato dos. A constitucionalização do Direito Privado e o Novo Código Civil. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. t. 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 774. 23 Ibid., p. 773. 24 Observou-se na Europa pós-guerra uma grande interferência ativa na efetivação de uma justiça social por parte do Estado, através de políticas públicas efetivas. Eram os chamados Estados do Bem Estar Social ou “Welfare State”, que infelizmente não foi observado no Brasil, embora a Constituição de 1988 possua inúmeras normas programáticas que visam a uma efetiva justiça social. Veja: REIS, Jorge Renato. Op. Cit., p. 777-778. 25 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002 , p. 770. 26 Ibid., p.762. 21 Nesse momento, a Constituição passa a ter primazia e força normativa27 sobre as demais normas dos ordenamentos jurídicos, passando a incorporar em seu texto preceitos até então típicos da tutela do Direito Privado, tal como ocorreu com a propriedade, que deixou de atender apenas aos anseios individuais do proprietário (direito absoluto de usar e gozar da propriedade) para a tender a fins sociais. A primazia do Direito Constitucional se deve a idéia de que a Constituição está no topo do ordenamento jurídico, devendo a legislação infraconstitucional estar adequada aos seus preceitos, sob pena das normas que a contrariar perder sua eficácia diante da inconstitucionalidade ou não-recepção. Ademais, a observância aos preceitos constitucionais é obrigatória, sendo que “o interprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema”28. Nesse contexto, o Direito Privado também passa por uma releitura de seus preceitos a partir das normas constitucionais29: é o denominado processo de constitucionalização do Direito Privado, em que o Direito Privado passa a tornar-se publicizado, rompendo-se com a barreira imposta pela dicotomia entre Direito Público e Direito Privado. Sobre o processo de constitucionalização do DireitoPrivado observa Jorge Renato dos Reis: Apesar do Direito privado ser muito mais antigo que o Direito constitucional, como espécie do gênero Direito Público e, muito em razão disto, ter sido sempre considerado como um direito autônomo, na verdade está integrado dentro de um sistema jurídico que, como tal, possui a Constituição Federal como lei maior, como norma-princípio a ser seguida por toda a exegese da legislação infraconstitucional que lhe está subordinada.30 27 A força normativa da Constituição a sobrepõe as demais normas do ordenamento estatal: “A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social”. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: SAFE, 1991, p. 15. 28 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 20. 29 Sobre o assunto: “A noção do Código como centro nevrálgico do Direito Civil começa a ruir nos anos trinta, quando vêm à baila as teorias da constitucionalização e da publicização do direito privado e, mais recentemente, com o estudo interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar dos ramos científicos. Sob essas novas angulações, capta-se o direito privado a partir da óptica constitucional, entendida a Constituição como fator aglutinador da sociedade, a cujos objetivos, fundamentos e princípios preside. Antes, o Texto só era chamado em situações especiais; agora, figura como fundamento material do direito privado”. MARQUESI, Roberto Wagner. Os princípios do contrato na nova ordem civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5996>. Acesso em: 16 ago. 2005. 30 REIS, Jorge Renato. Op. Cit., p. 772. 22 No campo contratual, a intervenção estatal e a constitucionalização mantêm direta relação no que tange a uma releitura do princípio da autonomia da vontade, por meio do princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pertinente a lição trazida por Paulo Neves Soto: O próprio princípio da autonomia da vontade, que se vale do dogma da igualdade formal de qualquer homem, como argumento de base para a sua vinculação, se torna bastante contestável quando a doutrina moderna substitui o princípio da igualdade formal pelo da igualdade substancial (ou princípio da isonomia), através do qual o mundo jurídico se ‘abre’ para a realidade de diferenças.31 Ora, essa abertura à revisão do princípio da autonomia da vontade muito se deve a primazia da dignidade da pessoa humana e da repersonalização sobre as relações jurídicas, em oposição ao individualismo e ao patrimonialismo exacerbado pelo modelo clássico-liberal. Essa nova visão começou a ser pensada e construída principalmente após as grandes guerras mundiais, em que muitos contratos, devido ao fato superveniente e imprevisível, oneravam excessivamente muitos dos contratantes, em evidente desequilíbrio contratual, o que levou a uma retomada da revisão contratual com base na teoria da imprevisão, caracterizada pelo brocardo rebus sic stantibus. A própria complexidade das relações jurídicas surgidas no decorrer do século XX, levaram a repensar os paradigmas do modelo clássico liberal, já que é impossível à lei prever todas as mudanças sociais32. No mesmo contexto, os contratos também foram alvo de reflexão e releitura do dogma da autonomia da vontade, já que o mesmo não correspondia a um verdadeiro equilíbrio entre as partes contratantes, já que a igualdade e liberdade de condições eram apenas no sentido formal. 31 Id.. Op. Cit., p. 253. 32 Nesse sentido a lição de Luciano Benetti Timm e Rafael de Freitas Valle Dresch: “Ocorre que o mundo do século XX tornou-se excessivamente complexo para que a alei em sentido amplo pudesse abarcar todas as nuanças da vida concreta. A capacidade de previsão do futuro do homem, consubstancia no suporte fático das regras, não se mostrou viável, por si só, para responder aos novos atores sociais, ante a rápida expansão da tecnologia e da própria economia (industrialização de massas, guerra, concentração de renda, bomba atômica, telefone, Internet, etc). quem sabe o que será descoberto amanhã? A descoberta de amanhã não tornará inócua a lei feita ontem? De outra parte, os parlamentos se obrigam a aprovar novas leis (de acidente do trabalho, do inquilinato, de relações laborais) a fim de resolver conflitos sociais novos não enfrentados pelos códigos elaborados no século anterior (próprios do direito social)”. TIMM, Luciano Benetti; DRESCH, Rafael de Freitas Valle. Aspectos gerais: pressupostos teóricos do Novo Código Civil. In: TIMM, Luciano Benetti (Coord.). Direito de Empresa e contratos: estudos dos impactos do Novo Código Civil. Porto Alegre: IOB, 2004, p. 18. Tal problemática acarretou a chamado processo de descodificação do Direito Civil, em que o legislador viu nos micro-sistemas jurídicos uma solução para legislar mais especificamente sobre determinados e específicos assuntos, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), Lei de Informática (Lei nº 9.609/96), entre outros. Sobre o assunto, veja: LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. Op. Cit. 23 A exemplo dessas mudanças que motivaram a releitura do dogma da autonomia da vontade cita-se o surgimento do fenômeno global da industrialização, o qual impulsionou a intensificação da produção e o consumo em massa, momento em que nascem os contratos de adesão33, em que a vontade do aderente se reduzem a aceitar ou não as cláusulas padronizadas impostas por um dos contratantes34, evidenciando a hipossuficiência da parte aderente, o que justificou a uma intervenção estatal como forma de re-equilibrar a relação contratual . Nesse sentido o Estado passou a intervir nas relações privadas como forma de equilibrar as relações contratuais, por meio de medidas de proteção a parte mais débil da relação: A intervenção do estado, por meio da lei, nas relações contratuais, visando à tutela do hipossuficiente – ainda que o faça em um âmbito de abstração, presumindo hipossuficiência – vem ao encontro das disposições constitucionais que impõem o solidarismo, da busca por uma igualdade substancial e pela proteção da dignidade da pessoa humana, bem como da própria liberdade do contratante economicamente mais forte, à medida que restringe o arbítrio do outro contratante.35 Essa intervenção ou dirigismo contratual como forma de equilibrar ou compensar a parte mais débil é observado, como exemplo, nas relações contratuais trabalhistas, locatícias, consumeiristas e também nas relações agrárias, e se dá através da criação de normas e princípios protetivos, que em muitos casos vêm inseridos nos textos constitucionais. Desta forma, conclui-se que a intervenção ou dirigismo estatal corresponde a uma justiça contratual a medida que busca o equilíbrio entre os contratantes. Sobre a intervenção estatal nos contratos – dirigismo contratual –, aduz Maria Helena Diniz que: o Estado intervém no contrato, não só mediante a aplicação de normas de ordem pública (RT 516:150), mas também com a adoção de revisão judicial dos contratos, alterando-os, estabelecendo-lhes condições de execução ou mesmo exonerando a 33 Sobre a realidade contratual dos contratos em massa na atual sociedade de consumo, explica Cláudia Lima Marques, que os contratos de adesão ou estandardizados, afastaram-se da concepçãoparitária, em que era possível aos contratantes discutir livre e individualmente as cláusulas que celebravam. Assim, observou-se um rompimento da autonomia da vontade, evidenciando-se um desiquilíbrio entre as partes, já que “na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade, o comércio jurídico se despersonalizou e os métodos de contratação em massa, ou estandardizados, predominam em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. v. 1. 3. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 49 e seguintes. 34 “O mito da igualdade entre os contratantes – que trazia como conseqüência outro mito: o da autonomia da vontade –, como exposto, gera situações em que uma das partes acaba, em virtude de uma desigualdade presente na relação concreta, impondo unilateralmente sua vontade, restando à parte economicamente mais fraca simplesmente a opção de contratar ou não”. RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Op. Cit., p. 26. 35 Ibid., p. 30. 24 parte lesada, conforme circunstâncias, fundando-se em princípios de boa-fé e supremacia do interesse coletivo.36 Logo, há a existência de novos paradigmas contratuais, evidenciados pela constitucionalização do Direito Privado, diante do fenômeno da repersonalização das relações jurídicas, motivadas pela primazia dos preceitos constitucionais, em destaque à dignidade da pessoa humana. A análise do Direito Privado a partir da Constituição tem como parâmetros: (a) a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88)37, (b) a solidariedade social (art,. 3º, I da CF/88)38 e (c) a igualdade lato sensu ou isonomia (art. 5º, caput da CF/88)39. Por reflexo direito dessa concepção de um Direito Civil Constitucional, os contatos além de sua função econômica, passam a desempenhar uma importante função valorativa e social, visando atender as necessidades da pessoa, não se admitindo mais uma concepção estrita aos preceitos materialistas e individuais da concepção clássica. Surge assim, a necessidade de observar e entender as obrigações em processo social, como a tempos preconizava o eminente jurista gaúcho Clóvis do Couto e Silva40, devendo os contratos ser ajustados e interpretados de acordo com a realidade da sociedade e com a observância da tríade dignidade-solidariedade-igualdade, compreendendo uma série de deveres de prestação e conduta entre os contratantes. Importante para os fins do presente trabalho é justamente o caráter da publicização que sofreram as normas do Direito Civil, refletida diretamente no Código Civil de 2002, já que muito de seus temas principais (a família, a propriedade, o contrato e o empresário) possuem base constitucional, revestindo-se de preceitos de ordem pública41. Por conseqüência 36 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 2ª ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 61, apud MACHADO, João Sidnei Duarte. A parceria agrícola no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor (SAFE), 2004, p. 55. 37 “Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem côo fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.” 38 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.” 39 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 40 COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como um processo. São Paulo: Bushatsky, 1976. 41 Conforme entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, são de ordem pública, no Código Civil de 2002, notadamente, as cláusulas gerais da: função social do contrato (art. 421 do CC), função social da empresa (art. 170 da CF/88 e art 421 do CC), boa-fé objetiva (art. 422 do CC), bons costumes (art. 187 do CC) e função social da propriedade (art. 5º, inc. XXII e art. 170, inc. III da CF/88; art. 1228, §1º do CC). Logo, sendo de ordem pública, “implica em seu reconhecimento e aplicação ex officio pelo juiz, independentemente de pedido da parte ou do interessado (basta que haja processo em curso), a qualquer tempo e em qualquer grau ordinário de jurisdição (v.g., CPC 303 III), não estando sujeitas a preclusão”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 851. 25 da publicização, há o rompimento da barreira existente na dicotomia entre o Público e o Privado, o que possibilita e se exige uma maior comunicação entre as normas do ordenamento jurídico. Nesse viés, somente e a partir da constitucionalização e a publicização do Direito Civil, é que podemos analisar os possíveis reflexos que a nova ordem contratual civil possa exercer sobre os contratos agrários, já que anteriormente a barreira existente entre ambos os institutos impedia qualquer aproximação. 26 2 DOS CONTRATOS AGRÁRIOS Insuportável é a constatação da terra ociosa. Injusta e anti-social é a verificação da inércia do bem que tem o dever, a função, a finalidade de alimentar a humanidade. 42 No presente capítulo, pretende-se transmitir ao leitor uma visão geral sobre os contratos agrários, modalidades contratuais que têm como principal característica o exercício do uso ou posse temporária da terra. Encontram-se regulados nos art. 92 a 96 do Estatuto da Terra no seu capítulo IV, intitulado “Do uso ou da posse temporária da terra”; sendo posteriormente regulados nos art. 13 a 15 da Lei nº 4.947, de 06 de abril de 1966 e nos art. 1º a 50 do Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966. Porém, para se alcançar uma noção sobre os contratos agrários é necessária uma visão geral sobre as características e princípios do Direito Agrário, que possui características próprias que o distingue dos demais ramos da ciência jurídica. Desde já, deve restar claro que a análise dos contratos agrários deve ser feita sobre olhos agraristas, ou seja, de acordo com as normas (regras e princípios) que o regem, uma vez que possuem exegese própria43, sempre se inclinando para a proteção do que a lei entendeu ser o mais fraco na relação agrária: aquele que trabalha a terra sem ser o seu proprietário, a exemplo do arrendador e parceiro-outorgado. 2.1 Características e princípios norteadores do Direito Agrário Ainda há aqueles que dizem ser os contratos agrários a porção mais civilista do Direito Agrário. Embora tal pensamento não seja o mais correto, guarda certa lógica, já que antes as relações originárias do campo tinham seu tratamento regido pelas normas civilistas. Segundo Clóvis do Couto e Silva: Durante longo espaço de tempo, a questão das terras e de seus ocupantes ficou regulada apenas pelo CC, que não tinha nenhum dispositivo relevante no particular, e pela aludida Lei n. 601, de 1850, tendo, afinal, sido editado o Estatuto da Terra (Lei n. 4.054, de 30.11.64).44 42 HIRONAKA, Gisela M. F. N. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 111. 43 Sobre o assunto vide BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito Agrário. v. 1. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 113 e 114. 44 COUTO E SILVA, Clóvis. O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: AJURIS, n. 40, p. 141. 27 No Brasil, ainda é recente o estudo do Direito Agrário como ramo autônomo da ciência jurídica, já que o instituto se consolidou com a promulgação do Estatuto da Terra, Lei nº 4.506,de 30 de novembro de 1964, 20 dias após a edição da Emenda Constitucional nº 10, de 10 de novembro de 1964, que outorgou à União a competência para legislar em matéria agrária.45 Como observa Wellington Pacheco Barros, o surgimento desse novo ramo de direito em nosso ordenamento não se deu por acaso, uma vez que “a pressão política, social e econômica dominante naquela época forçaram a edição se seu aparecimento”46, até mesmo como resposta a grupos e movimentos revolucionários que pretendiam a impor mudanças no meio fundiário como forma de eliminação da propriedade como direito individual. Assim, surgiu um novo direito com contornos nitidamente sociais, em que o Estado cuidou de regular a matéria com forte dirigismo, em que a terra e as relações dela provenientes passam a observar e a atender a uma função social, prevalecendo os interesses coletivos sobre os individuais, na busca da realização de uma justiça social. Por conseqüência de sua natureza jurídica social, as principais características do Direito Agrário residem em suas normas imperativas e sociais. A imperatividade das normas agrárias verifica-se, como já mencionado, na forte intervenção estatal, com a obrigatoriedade do cumprimento das leis, restando muito pouco para o domínio da autonomia privada. Por sua vez, a característica social observada na forte proteção estatal objetiva manter um equilíbrio nas relações existente no meio rural, protegendo o homem do campo, que é presumivelmente hipossuficiente em relação ao proprietário detentor da terra. Conforme doutrina Wellington Pacheco Barros47, o Direito Agrário está assentado em cinco princípios fundamentais, que são: a função social da propriedade, a justiça social, a prevalência do interesse coletivo sobre o individual, a reformulação da estrutura fundiária e o progresso econômico e social. Antes de discorrer sobre cada um dos princípios do Direito Agrário, faz-se necessária, como forma de inserir o leitor ao tema, realizar uma breve compreensão da noção de princípio, que segundo conceito de Humberto Ávila: 45 Cumpre registrar que anteriormente a edição da Emenda à Constituição de 1946 nº 10 de 10.11.1964, houve vários projetos e tentativas de aprovação de Códigos Rurais, porém todas fracassaram. Sobre o assunto vide: BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do Direito Agrário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 11-14 e FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 4 e 5. 46 BARROS, Wellington Pacheco. Op. Cit., p. 15. 47 Idem, Ibdem, p. 19 28 são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.48 A formulação do conceito de princípio dada por Humberto Ávila49 projeta a idéia de princípios como normas jurídicas, assim como as regras (leia-se lei), e ressalta o importante papel finalístico dos princípios, tanto para a promoção do estado das coisas a ser alcançado (finalidade da norma), assim como parâmetro para a interpretação e da promoção de condutas. Traduzindo para o contexto agrário, os princípios devem ser observados e analisados pelos destinatários das normas agraristas, não se resumindo apenas em observação meramente extraordinária ou residual50. Como exemplo, se haver dúvida sobre determinada conduta atinente à exploração da terra na propriedade rural, a mesma deverá observar a função social da propriedade, bem como as demais normas agrárias e ambientais. Outro exemplo seria verificado no caso de interpretação dos contratos agrários, que sempre deverão observar a proteção a parte mais débil, em decorrência do princípio da prevalência do interesse público sobre o particular. Deve-se ter em mente que o Direito Agrário, mais do que disciplinar as relações do homem no campo, desempenha interesse inerente à própria soberania estatal quanto à produção alimentar. Nesse contexto, as normas de Direito Agrário objetivam “proteger a propriedade como fonte de riqueza e poder para a Pátria”, como muito bem expõe José Fernando Lutz Coelho51 . Realizadas as ressalvas necessárias, cumpre passar a analise os princípios do Direito Agrário anteriormente enumerados. Pelo princípio da função social da propriedade, a terra deixa de ter o caráter individualista de atender apenas aos anseios pessoais do proprietário, aos moldes da concepção clássico-liberal, para atender a interesses coletivos. A lei agrária tratou de dizer que a função social da propriedade se alcança (consoante art. 2º, §1º, do Estatuto da Terra), quando atende simultaneamente: a) o bem-estar dos 48 ÁVILA, Humberto. Teoria geral dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 70. 49 A referida obra de Ávila, cujo conteúdo é de indispensável conhecimento para quem se dedica ao estudo do Direito, foi elaborada a partir da análise dos conceitos de renomados juristas: Josef Esser, Karl Larenz, Canaris, Dworkin e Alexy. 50 Nesse sentido a observação de Roberto Marquesi: “É preciso afastar a noção, presente ainda no ensino acadêmico, de que os princípios são regras de aplicação extraordinária ou residual. Na verdade, estão mais próximos da realidade jurídica do que comumente se imagina.” MARQUESI, Roberto Wagner. Op. Cit. 51 COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários de arrendamento e parceria rural no Mercosul. Curitiba: Juruá, 2002, p. 42. 29 proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; e, d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam. Para Orlando Gomes a subordinação do proprietário à função social implica uma noção de dever, pois “se o proprietário deve conformar o exercício de seu direito ao bem-estar social ou qualquer interesse superior, ou por outras palavras, se a propriedade tem uma função social, o titular está adstrito ao cumprimento de deveres”52. Nesse viés, destaca-se que a lei agrária é expressa ao dizer que os requisitos devem ser observados simultaneamente, pois a inobservância de qualquer um deles pode acarretar sanções ao proprietário, a exemplo da desapropriação para fins de reforma agrária e o aumento da tributação. O legislador constituinte de 1988 também cuidou dos requisitos para atender a função social da propriedade rural no art. 186, no capítulo III, que versa sobre a Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, assim se manifestando: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Além disso a função social da propriedade é evidenciada no art. 5º, inc. XXII da Constituição Federal, traduzindo-se em direito e garantia fundamental dos cidadãos, sendo, portanto, cláusula pétrea conforme o art. 60, § 4º, IV da CF. De outra banda, a Carta Magna também incluiu a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, III), na finalidade de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Valdemar P. da Luz conclui que “o cumprimento da função social da propriedade encontra-se condicionada à atuação do homem sobre aterra e seus reflexos sobre a comunidade, de forma a originar uma perfeita relação HOMEM-TERRA-COMUNIDADE”.53 O princípio da efetivação da justiça social dita que as relações sociais devem atender a uma justiça social, através da garantia do acesso à terra para todos, bem como do equilíbrio 52 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 76. 53 LUZ, Valdemar P. da. Curso de Direito Agrário. 2. ed. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996, p. 19. 30 das desigualdades existentes entre proprietários e trabalhadores. Nesse contexto, os contratos agrários, ao regular o uso e a posse da terra, são instrumentos de realização de uma efetiva justiça social. É no princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual ou princípio da supremacia da ordem pública, que se manifesta o interesse Estatal em regular as relações agrárias, até mesmo como meio de se atingir à justiça social e a harmonia das relações no campo, através de normas cogentes que se sobrepõem as normas de cunho privado, prevalecendo sobre a vontade particular. Nos contratos agrários é verificado nas restrições à liberdade de contratar. Nas palavras de Arthur Pio dos Santos: O interesse público incidente sobre a exploração da terra tem por meta fazer a economia do setor primário servir de sustentáculo ou de auxílio ao equilíbrio e ao desenvolvimento integrado. Esse interesse justifica a interferência estatal no campo estrito do acordo de vontades individuais, ou seja, no princípio da liberdade de ajustes que é peculiar às obrigações contratuais. 54 Já o princípio da reformulação da estrutura fundiária visa a constante melhoria das relações no campo, proporcionando uma melhor distribuição da terra, a extinção de propriedades improdutivas ou antieconômicas, com a permanência na terra daqueles que a tornem produtiva. Por fim, pelo princípio do progresso econômico e social as relações agrárias devem atender a um fim econômico, porém sem descuidar de atender aos interesses sociais. Tal princípio se correlaciona diretamente com princípio do desenvolvimento sustentável. A importância da observação de tais princípios se dá principalmente na aplicação e interpretação do Direito Agrário. Como ensina Torminn Borges: “ao aplicar qualquer texto do direito agrário, oriundo de suas fontes primárias ou de suas fontes secundárias, é inarredável que o interprete o faça como agrarista”55. Salientando-se, que devido ao caráter de ordem pública evidenciada pelos princípios citados, em análise ao fato concreto, os aplicadores do direito têm obrigação de analisá-los, inclusive podendo proceder ex-officio, independentemente de provocação das partes. 54 apud HIRONAKA, Gisela M. F. N. Direito Civil: estudos, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 111. 55 BORGES, Paulo Torminn. Op. Cit., p. 79. 31 2.2 Características dos contratos agrários em geral Antes de analisar as características específicas dos contratos agrários em geral é importante atentar a distinção entre contratos agrários e contratos de Direito Agrário, já que há uma certa tendência por aqueles que não conhecem a matéria agrária em confundi-los. Como dito anteriormente, os contratos agrários versam sobre o exercício ou posse temporária da terra56, sendo espécies de contratos de Direito Agrário, que abrangem, entre outros, contratos referentes ao fomento da atividade agrária (contratos de crédito rural), financiamento e empréstimos para aquisição de terras, contratos de seguro agrícola, entre outros, ligados à Política Agrária e Fundiária ou pela própria natureza agrária. Em face do interesse público sobre a exploração da terra, os contratos agrários se revestem de suma importância, já que “poderemos considera-los instrumentos idôneos, capazes de assegurar à terra o atendimento à sua função social”57. Conforme Pinto Ferreira, “os contratos agrários representam interesses coletivos ou gerais da sociedade, com normas prefixadas legalmente e acima da vontade das partes”58, evidenciando um forte dirigismo estatal e interesse coletivo, o que distinguiu os contratos agrários dos contratos de modelo clássico-liberal, inclusive com a limitação da autonomia da vontade e seu fundo social. Ademais, os contatos agrários revestem-se de suma importância econômica, já que se relacionam diretamente com a produção de alimentos a partir da exploração da terra, seja por meio da agricultura, pecuária ou extrativismo. Quanto à classificação, os contratos agrários podem ser típicos ou atípicos. A lei agrária traz como modalidades contratuais típicas ou nominadas o arrendamento rural e a parceria rural. Já como modalidades atípicas ou inominadas de contratos agrários cita-se o contrato do fica, contrato de roçado, contrato de invernada ou pastoreio, comodato rural, contrato de exploração de terras entre safras, cujas denominações e formas de pactuar obedecem aos regionalismos e aos usos e costumes locais. É auspicioso salientar que a Lei nº 4.947/66 em seu art. 13, I e §1°, assim como o Decreto em seu art. 39, reconhecem e permitem a utilização dos contratos agrários 56 O ilustre professor da Universidade Federal de Santa Maria, José Fernando Lutz Coelho, conceitua os contratos agrários como “o acordo de vontades que permitem o uso temporário da terra alheia por agricultores e pecuaristas, subordinados às cláusulas obrigatórias e ao dirigismo estatal, com a prevalência das normas de ordem pública”. COELHO, José Fernando Lutz. Locação: questões atuais e polêmicas. Curitiba: Juruá, 2005, 124. 57 HIRONAKA, Gisela M. F. N. Direito Civil: estudos, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 111. 58 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 226. 32 inominados, referindo que compete ao proprietário do imóvel a observância das mesmas regras aplicáveis aos arrendatários e aos parceiros. Em função da escassez de fontes doutrinárias e pelo próprio tratamento legal, os contratos agrários atípicos serão aqui analisados subsidiariamente, dando-se maior atenção às modalidades típicas do arrendamento e da parceria. Porém, cumpre registrar que atualmente as modalidades atípicas vêm se destacando em relação às formas típicas, fato esse que não pode deixar de ser observado pelo Direito Agrário, e corresponde a uma tendência dos contratos em geral, em adequação aos contornos da realidade, que muitas vezes não encontra similaridade nas formas legais existentes, assim como observou Ricardo Lorenzetti, ao dizer que: “Os modelos contratuais que surgem da tipicidade estão em situação crítica. Seu uso diminuiu consideravelmente e as formas atípicas proliferaram”.59 Entre as modalidades típicas, a lei agrária (art. 3º do Decreto nº 59.566/66) define o contrato de arrendamento rural como: O contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei. O referido dispositivo legal, também define o subarrendamento60 e as figuras do arrendador e arrendatário61. Por sua vez, o contrato de parceria rural62 é conceituado no art. 4º do Decreto nº 59.666/66, como sendo: O contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lheentrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI, do Estatuto da Terra). 59 LORENZETTI, Ricardo Luis. Op. Cit., p. 61. 60 Art. 3º, § 1º. Subarrendamento é o contrato pelo qual o Arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento. 61 Art. 3º, § 2º. Chama-se Arrendador o que cede o imóvel rural ou o aluga; e Arrendatário a pessoa ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que o recebe ou o toma por aluguel. 62 Para um estudo aprofundado do contrato de parceria rural, indispensável a leitura da obra A parceria agrícola no Direito Brasileiro, de autoria do professor João Sidnei Duarte Machado (Op. Cit.). 33 Quanto à parceria, o Regulamento também cuida de denominar as figuras do parceiro-outorgado e parceiro-outorgante63, além das formas de parceria rural, que poderá ser agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista64. Segundo lição trazida por Oswaldo e Silvia Opitz65, o uso da terra conferido ao arrendatário decorre de relação ex locatio e não de direito real, restringido-se ao convencionado no contrato. Em decorrência disso, conforme Ferreira “no arrendamento rural efetiva-se o pagamento do aluguel, pouco importando o sucesso ou a desfortuna do arrendatário”66, observando-se que o uso da terra pelo arrendatário corresponde a um fato econômico, sendo que a atividade produtiva é risco do arrendatário, e o pagamento é independente do sucesso da produção. Já na parceria rural, a relação existente entre os contratantes é de natureza societária, em que o proprietário cede apenas o uso e a parte do gozo sobre o imóvel, sendo que o parceiro-outorgante “participa dos riscos do negócio, dependendo do sucesso do empreendimento”67. Assim se houver quebra de safra na parceria rural, tanto o parceiro- outorgado como o parceiro-outorgante sofrem com as perdas. Ao contrário, o lucro obtido com os frutos e produtos serão repartidos de acordo com a limitação legal do art. 35 do Decreto nº 59.566/66, como observa José Fernando Lutz Coelho68. Os contratos agrários admitem forma de contratar expressa (escrita) ou tácita (verbal), sendo que a prova da contratação poderá ser exclusivamente testemunhal (art. 92, §8º do ET; art. 14 do Decreto), sendo peculiaridades próprias dos contratos agrários. Acrescentam-se como características nos contratos agrários típicos e atípicos, independentemente da forma celebrada, deverão obrigatoriamente conter cláusulas que assegurem: a) a conservação dos recursos naturais (meio ambiente ecologicamente equilibrado e que garanta a sadia qualidade de vida, conforme dispõe a Constituição Federal 63 Art. 4º, Parágrafo único. Para os fins deste Regulamento denomina-se parceiro-outorgante, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parceria definidas no artigo 5º. 64 Art. 5º. Dá-se a parceria: I - agrícola, quando o objeto da cessão for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal; II - pecuária, quando o objeto da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda; III - agro-industrial, quando o objeto da cessão for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou maquinaria e implementos com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola-pecuário ou florestal; IV - extrativa, quando o objeto da cessão for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou animais de qualquer espécie com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal; V - mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria definidas nos incisos anteriores. 65 OPITZ, Oswaldo e OPITZ, Silvia C. B. Contratos no Direito Agrário. 5. ed. Porto Alegre: Síntese, 2000, p. 17. 66 FERREIRA, Pinto. Op. Cit., p. 228. 67 COELHO, José Fernando Lutz. Locação. Op. Cit., p. 131. 68 Idem., Ibidem. 34 em seu art. 225); e, b) a proteção social e econômica daqueles que labutam a terra, com a previsão de irrenunciabilidade de direitos e garantias e vedação de quaisquer tipos de exploração. Tais cláusulas vêm previstas tanto no Estatuto da Terra, quanto na Lei nº 4.947/66 e no Decreto nº 59.566/66 e compreendem, entre alguns exemplos: a) a proibição de renúncia dos direitos ou vantagens por quem trabalha sem ser proprietário; b) prazos mínimos de exploração (3, 5 ou 7 anos, conforme a finalidade do uso) como meio de evitar um maior desgaste do solo e dos recursos naturais; c) observância das normas do Código Florestal; d) a observância de práticas de exploração agrícolas admitidas (uso racional da terra); e) fixação do preço do arrendamento em quantia certa (dinheiro), com a possibilidade do pagamento se dar em dinheiro ou equivalente em produto69; f) condições de renovação do contrato, assegurando o direito de preferência; g) indenização de benfeitorias; h) auxílio do proprietário na solicitação de crédito rural ao arrendatário ou parceiro-outorgado; i) proibição da prestação de serviço gratuito; j) proibição de práticas atentatórias á liberdade individual de quem está explorando à terra, tais como imposição de exclusividade da venda dos frutos ao proprietário, obrigatoriedade da aquisição de gêneros e utilidades em estabelecimentos determinados pelo proprietário; k) proibição de dispor dos frutos antes da partilha. Aos contratos agrários, além da observância obrigatória dos princípios fundamentais do Direito Agrário e normas obrigatórias supracitadas, acrescenta-se a observância dos contratos agrários típicos e atípicos aos “princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao objeto”, desde que não entrem em conflito com os preceitos expressos de Direito Agrário (art. 13 da Lei 4.947, de 06 de abril de 1966)70. Aqui reside o fulcro do tema do presente estudo, já que pelo antigo Código Civil de 1916, de modelo clássico-liberal, cujas características foram abordas no capítulo I, cumpria aos contatos agrários apenas a observância dos elementos constitutivos dos atos jurídicos em 69 Ressalta-se que a opção do pagamento do preço no arrendamento é obrigação facultativa ao arrendatário, sendo que uma vez convencionada, não pode o arrendador se opor ao recebimento na forma de pagamento escolhida pelo arrendatário, ou mesmo exigir uma forma ou outra. 70 Reza o citado artigo: “Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontades e ao objeto, observados os seguintes preceitos de Direito Agrário...”. Ademais, acrescenta-se que o próprio Estatuto da Terra prevê em seu art. 92, §9º, que para a solução dos casos omissos pelo Estatuto, prevalecerá o disposto no Código Civil. O Decreto nº 59.566/66 tão bem faz remissão ao Código Civil, em consideração as omissões contidas tanto nele próprio quanto no Estatuto e na Lei nº 4.947/66. Logo, vale dizer, que o próprio legislador agrário reconhece o caráter subsidiário do Código Civil às normas que regem os contratos agrários. 35 geral, previstos no art. 82: a) ser agente capaz, b) objeto lícito e c) forma prescrita e não defesa em lei71. Porém, com a edição do Código Civil de 2002, pautado sobre eixos sociais e éticos, trouxe mudanças substanciais as obrigações em geral,
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