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Vai ser bastante valoroso você saber quais foram os fatos e acontecimentos históricos que influenciaram o pensamento existencialista, dentre os quais podemos citar desde as Grandes Guerras Mundiais até a Fenomenologia de Husserl. É uma abordagem muito rica e complexa! Você vai poder diferenciar os pressupostos que marcaram o pensamento de: • Kierkegaard, que traz a necessidade da apropriação subjetiva da verdade, além dos três estágios da existência humana - Estético, Ético e Espiritual; • Heidegger, trazendo o conceito de Daisen (ou ser-no-mundo), ou seja, antes da consciência existe o próprio homem; • Sartre, com sua concepção de homem, que nada mais é do que aquilo que se projeta ser. Para ele, você vai perceber que não existe determinismo, o homem é livre. Introdução Surgido no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais (de 1918 a 1945), o existencialismo foi um movimento filosófico e cultural que se localizou no eixo Alemanha/França. (SÁ, 2013) O contexto em que o mundo encontravase, devido às sequelas do conflito, era de uma crise geral, tanto política, social, econômica, moral como também financeira. Esta experiência de guerra trouxe desânimo e desesperança, que alcançaram principalmente os jovens, que estavam incrédulos dos valores burgueses e da aptidão do homem em resolver de maneira lógica as incoerências da sociedade. O século XIX surgiu cheio de esperanças no homem, que dava crédito ao futuro da ciência, com a certeza de um progresso da civilização, já que esta se encontrava engrandecida pelas descobertas técnicas, além de crer em uma verdade absoluta envolta numa razão clara e distinta. O positivismo era a promessa de uma nova era. Entretanto, o século XX irrompe como um tempo de dúvidas, sofrimento e desilusão. No século XIX enxergava-se clareza, simplicidade e praticidade, já no século XX havia enigma e escuridão. Sob estes termos que estes filósofos visavam repensar essa existência aparentemente gratuita, da qual sentiam repugnância. demostrava trazer as respostas para o momento histórico que surgia posterior à guerra. Claramente, esta foi a causa deste movimento ter se propagado tão depressa. Ultrapassando o âmbito acadêmico, o existencialismo transformou-se em um estilo de vida, um jeito de se comportar. A fama dos existencialistas era envolta em julgamentos de que esta reflexão filosófica envolvia morbidez, amargura, intuito de cultivar as facetas sórdidas da existência humana, focando-se nas exceções da vida humana. Cobertos de injúrias, os existencialistas refutavam esta tese sustentando que o comportamento deles não deveria ser avaliado por meio dos padrões vigentes, já que eles possuíam um projeto de impelir os fundamentos de uma nova moral. o que une estes pensadores, que embora fossem muito individualizados em suas concepções filosóficas, é a filosofia que é desenvolvida e exercida como análise da existência, sendo que a existência quer dizer o modo de ser do homem no mundo. O existencialismo então é questionador do modo de ser do homem, e por julgar este modo de ser como modo de ser no mundo, questiona também o próprio ‘mundo’, sem por isso conjecturar o ser como já formado, constituído. A relação homem-mundo constitui assim o tema único de toda filosofia existencialista. Com a grande articulação do filósofo alemão Jean-Paul Sartre, este movimento tinha como referencial o próprio filosofar, baseado na atitude contínua de estranhamento e interrogação do sentido. Esta abordagem de temática muito característica e própria não impede o existencialismo de ter um conjunto heterogêneo de ideias e pensadores. A compreensão do princípio da oposição tradicional entre as expressões “essência” e “existência” é importante por nos mostrar o porquê da escolha da palavra existencialismo para definir este movimento filosófico. Buscando na antiguidade as bases do existencialismo, podemos citar Platão, que respondeu à pergunta que a filosofia investigava na Grécia antiga (no decorrer dos séculos IV e V a.C.). A pergunta era sobre o que nas coisas constituía o seu verdadeiro ser, ou seja, qual a essência, sendo que a resposta dada era que aquilo que se mantinha constante, idêntico, permanente, era considerada essência. O que se modifica ou se alterava era considerado menos importantes, acidentais e não faziam parte da constituição da essência. Partindo deste princípio, SÁ (2013) explana que está em transformação tudo o que é sensível com a existência no tempo. Somente o atemporal, as coisas do nível supersensível poderiam ser permanentes. Chamando de “ideias” essas essências supersensíveis e eternas, Platão pregou que estas serviam como o fundamento verídico para a existência das coisas sensíveis e temporais. Podendo ser nomeada de Deus, espírito, razão, substância, a essência dos entes foi considerada a verdadeira “ideia” das coisas atemporais e suprassensíveis e vigorou no pensamento filosófico até a nossa época. “Em virtude dessa valorização da essência em detrimento da existência, se diz que a tradição filosófica, ou metafísica, do Ocidente é essencialista.” No século XIX, toda essa tradição metafísica, que sempre pautou a realidade em ideias abstratas e universais, foi alvo de críticas ferrenhas de Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) e Sören Kierkegaard (1813 – 1855), considerados pioneiros do existencialismo moderno. M. Stirner – ex-hegeliano e rigoroso crítico de Hegel – é outro precursor bem definido do movimento existencialista. Com o surgimento do método fenomenológico, no início do século XX, houve a expectativa de que se pudesse propiciar a descrição da existência concreta em uma exatidão ainda não galgada. Há, entretanto, uma diferenciação entre os que estabeleceram para a descrição do existente, ou das maneiras de existir, o método fenomenológico dos que empreenderam uma descrição da existência voltando-se para uma ontologia ou antropologia existencialista. Para o primeiro caso, podemos citar K. Jaspers e no segundo, Heidegger e Sartre. Vamos diferenciar a maneira de pensar a descrição do existente voltada para a fenomenologia do modo que se volta para a ontologia ou antropologia existencialista? Jaspers foi precursor das ciências compreensivas, focado mais precisamente na psicopatologia e na psiquiatria. Utilizando o método fenomenológico, Jaspers crê que o entendimento dos estados psíquicos que os pacientes efetivamente sentem ou experimentam com intensidade apresentam-se de maneira viva, com análise das relações de parentesco, delimitação e distinção de forma mais precisa através da fenomenologia. Com este método, Jaspers propõe a descrição das estruturas universais dos fenômenos relativos ao sujeito referentes à sua vida psíquica mórbida. Já a ontologia de Heidegger e Sartre, é criticada por Jasper no sentido de que, em relação à psicopatologia, torna-se um tratamento objetificado, conhecido e descoberto, perdendo-se assim a aquisição de conhecimento real. As explanações da ontologia fundamental de Heidegger são consideradas por Jaspers como um erro filosófico por não levar o leitor a filosofar, mas sim a descobrimento do esquema total do existir humano Podemos definir o existencialismo como: O conjunto de doutrinas segundo às quais a filosofia tem como objetivo a análise e descrição da existência concreta, considerada como ato de uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente como gênese ou fundamento esta afirmação em si. Enquanto para a fenomenologia de Husserl a consciência era pura e a redução fenomenológica1 era absolutamente possível, na Fenomenologia Existencial não seria possível cessar e alhear-se de valores e preconceitos, já que a consciência é formada de interferências persistentes do mundo, numa correlação intersubjetiva em contínua ambiguidade. É a existência antecedendo a essência. O homem forma-se a partir do momento em que ele existe, vive, imagina, e determina suas crenças. Os valores que se vão formando passam a fazer parte de suas escolhas e de seu relacionamento com o mundo. Ainda sobre esta autora, o existencialismo surge,então, com uma visão do homem como ser-no-mundo. A valorização do homem passa a envolver a sua própria subjetividade, liberdade e responsabilidade por suas escolhas. Podemos definir o existencialismo também como uma corrente filosófica – a mais discutida nas décadas de 1940 e 1950 – que significava fatos ou pessoas que se distanciavam do pensamento usual, através da transgressão de regras estabelecidas. Você sabia que há uma opinião bastante propagada de que na filosofia existencialista, justamente pela essência de seus temas, as contribuições pessoais prevalecem sobre as outras circunstâncias? Isso ocorre devido ao fato de haver vários tipos de existencialismos, sendo que cada um deles equivale a um autor específico, à sua noção subjetiva das questões humanas e aos pormenores da vida particular de cada filósofo. “Por isso mesmo, o existencialismo seria menos uma doutrina, no sentido próprio do termo, do que um filosofar, uma maneira de o homem se expor a si mesmo, reconhecendo-se autenticamente neste ato” (PENHA, 2004, p.15). Assim, o existencialismo seria a manifestação de uma experiência única, individual, um modo de pensar fundamentado por uma situação muito singular. As influências de Kierkegaard Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855) nasceu em Kopenhagem, na Dinamarca e lá concluiu seus estudos em Teologia. Podendo ser eleito o protótipo do pensador existencialista, por ter a obra e a vida conflituosas e veementes, este pensador ordenou seu pensamento filosófico opondo-se diretamente à filosofia idealista de Hegel (1770 – 1831). Não é exageração fincar que a doutrina kierkegaardiana emerge como reação direta ao hegelianismo. Este filósofo é estimado como o derradeiro representante e o apogeu da tradição essencialista iniciada por Platão. o existencialismo nasceu cristão. é, nesta direção, o existencialista que mais se parece com as origens kierkegaardianas. Marcel é o pensador em que o princípio “a existência precede a essência” tem o sentido exato que lhe foi conferido desde início. O homem está sempre se construindo, é criador de si mesmo e da sua própria essência. Deus surge como quem dá ao homem a vocação e a existência, juntamente com seu ímpeto para o crescimento e desenvolvimento. E a maior realização do homem é justamente reconhecer-se e tornar-se aquele que é diante de Deus. Assim também foi percebido por Kierkegaard: o homem é criador de si. Também reputado por alguns estudiosos como o precursor do Existencialismo, Kierkegaard é porventura o pensador de maior saliência na corrente existencialista por exercer influência em todos os filósofos fenomenológicos-existenciais. A busca deste filósofo é pela existência autêntica; sendo que todo conhecimento deve enlaçar-se irrecorrivelmente à existência, à subjetividade, em nenhuma vez ao abstrato, ao racional, e, se assim fizer, falhará no propósito de penetrar no sentido profundo das coisas, por conseguinte, de alcançar a verdade. “Segundo Kierkegaard, nada é uma verdade em si mesma, mas depende de como a pessoa percebe e se relaciona com o objeto ou o fato. Há um envolvimento do sujeito com a verdade. E assim, a verdade está no próprio existir, no eu.” o estilo de Kierkegaard era bastante marcado por metáforas, além de ser extremamente sarcástico. Ele não se caracterizou por escrever sobre o mundo, ou sobre as explicações que pudessem advir disto; seu foco foi a vida humana, a existência e o ser-existente, abarcando assim o desespero, a fé, o amor, a angústia, entre outros. A sua vontade era discorrer sobre a existência concreta, e não sobre uma busca de essência. A única realidade que interessa de fato o indivíduo é a realidade singular e concreta. A própria realidade é a única que o indivíduo pode conhecer. A apropriação da realidade só se dá de forma subjetiva. O universal nada mais é que mera abstração do singular. O homem então para Kierkegaard “é espírito, é a síntese de finito e infinito, de temporal e eterno, de liberdade e necessidade. (...) O espírito é o eu. O eu é aquele que não estabelece relação com nada que lhe é alheio.” O ser do homem consiste em sua própria existência singular, sua subjetividade, que é pura liberdade de escolha. Por isso a filosofia não se reduz à construção de sistemas abstratos, à especulação conceitual e à descrição de essências ideais; filosofar é afirmar a existência enquanto liberdade e assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas. Vemos, portanto, que o primado tradicional da essência sobre a existência é radicalmente invertido por Kierkegaard, justificando, assim, a opinião amplamente aceita de que esse filósofo e teólogo dinamarquês é o principal e mais direto precursor do existencialismo. Kierkegaard valoriza a busca pela verdade, e através desta apropriação subjetiva seria possível a fundamentação do pensar ligando-o na raiz mais profunda da existência: o indivíduo. Deste modo, a verdade torna-se um compromisso pessoal do indivíduo, pois tem princípio na existência concreta de cada ser humano particular. Este pensador separa a existência em três estágios – Estético, Ético e Espiritual 1. Estético – dirigido para o prazer. Está atrás de sentido para sua existência. Convencido de que é absolutamente livre, o indivíduo se rende aos prazeres e sensações, usufruindo e desfrutando, vivendo direcionado aos impulsos. Porém, quando se encontra neste estágio, o homem se enlaça a uma existência vazia, que leva a frustração e a insatisfação, desembocando no desespero. Este desespero relaciona-se inconscientemente ao fato de se ter um eu. “O eu é uma relação, que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas consigo própria. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele consiste no orientar-se dessa relação para a própria interioridade”. este estágio é de completa procura nos prazeres e também no conhecimento, da âncora da existência. O homem permanece sob o domínio completo dos sentidos e dos sentimentos e há a sensação de que, idealmente, é capaz de tudo, é capaz de infindada subjetividade. Mas, o que realmente ocorre é edificação de um mundo ilusório que é negado pelos critérios da própria subjetividade. não há razões lógicas que ordenem como deve ser encaminhada a vida de cada pessoa. Racionalmente, não há motivos que justifiquem esta ou aquela forma de viver, ou seja, não há critérios que instituam esta ou aquela forma de viver. Apesar disso, em seu interior, o homem tem conhecimento de que agir de acordo com seus impulsos pessoais não lhe acarreta satisfação. Frustrado, é tomado pela melancolia e tédio. Caindo no desespero, o homem alcança o estágio seguinte. Kierkegaard aponta que ato de desespero é o apogeu da angústia, embora não seja obrigatoriamente um prejuízo para o homem. Entrar na angústia é possibilidade de cura. O desespero pode ser tanto um proveito como uma incorreção, na mais incontestável dialética. Quando se encontra no desespero, o homem caminha para o estágio seguinte, que é o ético. Enquanto o homem que se mantém no estágio da Estética tem o centro da realidade fora de si, o homem que passa para o estágio Ético o tem em si. 2. Ético – alia paixão e razão, reajustando-se o social. Ao atingir este estágio, o homem deixa o marasmo existencial, mas ainda mantém sua individualidade, o que impede que ignore os requisitos do mundo exterior, que vem envolto em normas e convenções. Estes limites estabelecidos pela sociedade não impedem que a personalidade do indivíduo mantenha-se livre neste estágio. Entretanto, Kierkegaard indica que é impossível achar realização existencial plena neste estágio, já que é exatamente nele que emerge o grande embate entre as exigências da interioridade e da universalidade. O homem toma consciência de ser responsável, mas esta conscientização vem juntamente com o peso do universal, ou seja, da necessidade de tomar para si a forma da existência que a coletividade impõe, porque ele é submetido à lei em toda sua generalidade. Neste estágio, a personalidade de cada pessoa mantém-se livre, entretanto esta liberdade é estabelecida dentrodos limites impostos pela sociedade. 3. Espiritual – junção com a espiritualidade pra atingir a existência humana. Somente neste estágio é possível encontrar-se com sua existência plena. Deus transforma-se na norma e modelo do indivíduo, sendo que é o formato exclusivo capaz de realizá-lo inteiramente. Neste estágio, a ação não necessita mais de ordem racional. GILES (1975) denomina este estágio de religioso, e o caracteriza como a entrada do indivíduo em um relacionamento particular com o Absoluto. É quando ocorre o domínio da grande solidão, é quando Deus se torna a regra do indivíduo. Por não se basear em consequências sociais e históricas, mas sim na justificação individual e instantânea, este estágio não se caracteriza por critérios, nem justificativas. O autor supracitado ainda traz que o salto para o estágio religioso será recheado de combate constante, já que a fé revela-se uma conquista constante sobre a dúvida. Não há espera em relação a entendimento, há sim uma relação de resignação infinita. Há neste momento um duplo movimento dialético, pois depois desta resignação infinita, o homem novamente vive o finito, mas desta vez dentro do panorama do Absoluto, e este relacionamento independe de racionalidade. O intuito de descrever os estágios acima está ligado ao fato de Kierkegaard procurar uma explicação para a sua existência. Suas ideias então visam edificar a dialética2 percebida nesses estágios. Para ele, o homem transita por estes estágios no decorrer da vida, iniciando pelo estágio Estético até chegar ao Espiritual. Na realidade, tudo é dialética no pensamento de Kierkegaard. Esta transposição que leva o indivíduo de um estágio para outro é dialético, já que este salto é, ao mesmo tempo o abismo e o ato que o transpõe. Para ele a dialética é um instrumento que tem por finalidade procurar a verdade na realidade, distanciando-se de tudo o que é vazio e abstrato para ir em direção daquilo que é concreto e rico de conteúdo. (...) A dialética em direção ao existencial exige que o indivíduo se aprofunde no autoconhecimento da existência; é cheia de decisões. Kierkegaard não intenta a missão ávida de elaborar um sistema que transmitisse o fundamento exclusivo da sabedoria. Sua intenção era bem mais modesta: exibir que uma vez um homem viu o que significa existir. O pensamento kierkegaardiano evidencia a existência enquanto momento dramático, associação entre o universal e o particular, e demonstra de maneira profunda e impiedosa as várias maneiras de luta do homem consigo próprio para alcançar a existência, que é, a conquista do próprio “eu” em sua individualidade. Certamente à frente de seu tempo, Kierkegaard foi o dianteiro ao lançar luz no homem como definidor de sua existência, não apenas um simples pertencente a uma espécie. Apenas depois de meio século de sua morte, que alguns seguidores, como Heidegger e Sartre, desdobraram seus pensamentos. “Seu foco no indivíduo trouxe um novo posicionamento perante o homem". As influências de Heidegger A grande questão que levou Heidegger (1889-1976) a abandonar o curso de teologia e dedicar-se ao curso de filosofia foi relacionada ao sentido do ser. Modificando de maneira absolutamente nova a questão do ser, deixa de enfocar “o que é ser” para interrogar “qual o sentido do ser”. O intuito da questão ontológica3 – de investigar a essência dos entes – converte-se em uma questão hermenêutica. Intitulado por Heidegger de “fenomenologia hermenêutica”, o método empregado neste questionamento ontológico difere do sentido transcendental definido por Husserl quando não advém de algum a priori transcendental, mas sempre de interpretação. Heidegger crê que foi através do pensamento de Kierkegaard que houve a análise mais profunda de questões existenciais fundamentais, como a angústia. Heidegger realizou de maneira essencial a articulação entre a fenomenologia e o existencialismo e foi discípulo e sucessor de Husserl. Enfatizando a importância de se elaborar uma interpretação ontológica do existir humano em geral, Heidegger apontou que era importante o esclarecimento do que compõe a ser humano enquanto existente. Este filósofo repudiava veementemente que sua doutrina fosse denominada existencialista. Perturbado pela teimosia de muitos que o denominavam desta forma, Heidegger preocupou-se em mostrar as diferenciações que o distinguiam do existencialismo. Qual seria, então, a distinção entre existencialismo e analítica existencial? Enquanto o existencialismo trata de uma filosofia que discorre sobre a existência humana, focada na análise do homem particular, individual e concreto, a analítica existencial não demanda atenção alguma na existência pessoal. Heidegger foca na discussão do Ser, e estabelece uma ontologia geral, traçando os fenômenos que o caracterizam tais como se apresentam à consciência. Heidegger nasceu na Alemanha e seu filosofar é cheio de interrogações persistentes, que objetivam revelar e compreender a questão sobre o ser. Não há procura por soluções (e nem poderia, ainda que quisesse), “e, sim, procura ser um pensamento que interroga dentro do âmbito a partir de onde todas as interrogações e soluções se levantam. É um caminhar que nos dará pelo menos a possiblidade de interrogar.” Como já citamos, Heidegger possuía uma relação tão próxima com a fenomenologia, que Husserl, principal expoente desta corrente filosófica, citava “A fenomenologia somos eu e Heidegger”. Entretanto, Heidegger não segue a fenomenologia como movimento, mas sim como uma possibilidade metodológica. Assim, este filósofo não caracteriza o “quê” dos objetos da pesquisa filosófica, mas o “como” alicerçada no modo pelo qual entramos em contato com as próprias coisas. O homem assume papel privilegiado no pensamento de Heidegger por ser ele quem lança a interrogação sobre o ser. Neste sentido, é requerida uma análise mais minuciosa sobre seu modo de ser, anterior ao aprofundamento da interrogação direta sobre o sentido do ser. Dasein (ser-aí) é um termo utilizado por Heidegger que diz respeito ao “modo de ser deste ente que mesmos somos” A drástica divergência em relação aos entes que não têm a maneira de ser do homem é a ausência de uma essência anterior à existência. Para o homem, a definição que envolve o modo de ser é a “existência”, o “ser-aí”, o “ser-no-mundo”, enquanto o modo de ser dos entes não humanos é nomeado “ser simplesmente dado”. LIMA (2008) aponta que, antes da consciência, existe o próprio homem: isto seria o dasein. Endossando as afirmações acima, BARRETO (2013) aponta que o homem, pra Heidegger, é entendido como este Dasein – “ser-o-aí” – ente que habita o aí, na abertura (Da), onde compreende o ser das coisas (sein), e oferece condições de possibilidades para o indivíduo ser de modo próprio o que “é”. o Dasein indica a visão de homem-existente, e é no mundo que se dá a existência. Este ser-no-mundo seria, então, uma unidade, impossível de ser desatada, não significando “dentro de”, muito menos uma contiguidade entre o Dasein e o mundo. A palavra “em” dentro da expressão ser-em-um mundo quer dizer morar, habitar, e a palavra mundo seria o que se mostra, o fenômeno. (...) Dasein, que, numa tradução literal, corresponde a ser aí, e que vem sendo eventualmente traduzido como ser no mundo. O dasein, categoria central da analítica existencial, implica a essencial relação do existente com o seu mundo. Existir é estar inevitavelmente situado no e projetado para o mundo. (...) A existência nunca resulta de uma livre opção por existir, e por isso o sentimento original do existente é o de ter sido lançado numa situação. Todavia, o dasein é essencialmente a possibilidade e a necessidade de exercer o poder de escolha. (...) O dasein é obrigado a escolher, e é constrangido a assumir a responsabilidade por suas escolhas. “ser com outros” vinculando-o ao modo como nós nos relacionamos, sentimos, pensamos, vivemos com os outros. O ser-no-mundo define nosso contexto relacional, nunca estamos encerrados em nós mesmos. Mesmo que haja isolamento, é “ser-com”, copresença. Otermo “mundaneidade” é definido por Heidegger como a expressão de “mundo”, e o Dasein é sempre mundano. Na cotidianidade do mundo ao nosso redor, vivemos e enfrentamos as coisas do mundo com abundantes maneiras de se ocupar da vida, em articulações de significação. Quando compreendemos este ser-no-mundo como mundaneidade, o outro deve ser considerado como um mundo constitutivo dele mesmo, ou seja, habitamos mundos que possuem semelhanças, mas também abarcam muitas diferenças e meios para lidar com situações, objetos e pessoas. Continuando, o Dasein caracteriza-se por ser o “mundano”, distinguindose dos entes simplesmente dados, também chamados de “intramundanos”, porém privados de mundo. Podemos entender melhor esta separação quando pensamos em pedras e árvores, por exemplo. Elas “estão no mundo, mas não tem o mundo, isto é, não são aberturas de sentido não se podendo dizer que elas ‘existem’. Mundo é estrutura de sentido, contexto de significação, linguagem sempre historicamente em movimento.” Por ser envolto nas possibilidades de ser, o dasein é fundamentalmente inacabado. Dentro destas possiblidades de ser que determinam o existir humano, o homem projeta e nega seu estado original de ser alienado. A existência é fatalmente temporal: envolve uma antecipação do futuro para compreender o presente e um assumir do passado. Para haver uma existência autêntica, é necessária a responsabilidade pessoal, pelo inacabado e pela transcendência, “no sentido da capacidade de ultrapassar constantemente a situação e a realização, assumindo o passado, compreendendo o presente virtual e negando-os mediante um projeto livre e autodeterminando.” a decadência do homem ocorre quando este se desvia e se retira de si mesmo, sentindo-se ameaçado pela própria presença, quando o seu próprio ser-no-mundo o angustia. O que ameaça o homem é a sua singularidade, o seu próprio poder-ser-no-mundo, e não algo concreto e determinado. A angústia então aparece com uma função libertadora que é a de “arrastar a presença para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já ‘é’, retirando o homem da aparente segurança de sua fuga decadente.” O morrer – a impossibilidade de qualquer possibilidade – para o dasein é uma busca de refúgio da superficialidade do dia a dia, almejando, assim, se livrar da angústia diante do fim que o paralisa, embora seja através dela que se conceba o sentido de sua singularidade e assim possa alcançar a sua totalidade enquanto ser, retirando-se da superficialidade do cotidiano “Heidegger também reconhece a possibilidade da morte como algo que vem dar sentido à vida. (...) Cada presença deve, ela mesma e a cada vez, assumir a sua própria morte.” (...) o existir humano nunca se reduz a uma simples presença, pois esse existir supõe um ser também ausente, já que é um-ser-para-a-morte, que acontece independente de todos os aspectos e de todas as razões, revelada na angústia diante da impossibilidade, isto é, do “nada”. (...) O ser humano pode aprender a viver projetando-se na direção do “nada” ou agarrando-se a entes/verdades que parecem sólidos, estáveis, e que possibilitam uma ilusória experiência do não vazio, de fugir do “nada”. A morte é a possibilidade derradeira da existência, para onde o Dasein se dirige, e onde o homem se totaliza. Heidegger não a considera o fim da existência humana, pois, mesmo chegando ao fim do itinerário, ainda existimos, conservamo-nos vivos, temos a consciência de ter terminado algo. Por poder acontecer de forma repentina, a morte põe termo na existência individual. Embora possa parecer algo exterior, fora de nosso controle, nos abate sem aviso. Isso nos inquieta, nos assusta: a imprevisibilidade da morte. E esta é a experiência mais pessoal e intransferível. Não há como experimentarmos a morte alheia, ainda que seja sofrida a morte do outro. A angústia é, então, o único caminho para se alcançar a plenitude do ser. Através dela, o homem chega ao íntimo de sua existência. A angústia diante do nada transporta o homem para existência autêntica. E para isso, é necessária a interiorização do pensamento da morte. Assumindo a morte, alcançamos a autenticidade. Mesmo assim, ainda há a angústia, que estaria relacionada ao nada. O nada para Heiddeger não é a negação do ser, como a maioria dos manuais de filosofia o definem. “Ao contrário, a negação é que é possibilitada pelo nada.” O nada representa os limites temporais do Dasein: anteriormente ao seu nascimento, o “Ser-aí” é nada, e é por meio deste nada que o Dasein pode se totalizar, se completar. Vamos colocar na prática estes pressupostos apresentados por Heidegger, exemplificando esta teoria na ação clínica? O Dasein – juntamente com suas estruturas existenciais – encaminha o pensamento clínico psicológico trazendo uma abertura aos questionamentos dos variados modos de ser do homem, entendido como incompletude e indeterminação, como abertura e tarefa de ser. Com a compreensão do homem como “ser-o-aí”, carente de essencialidades e de estruturas psíquicas construídas preliminarmente, a ação clínica desvincula-se do homem como simples jogo de forças definido pelo princípio da causalidade. Deste modo, a ação clínica é traduzida como o acolhimento daquele que precisa de cuidado, em que se dá sentido às vicissitudes da existência, acompanhando o paciente para este apropriar-se do que já conhece pré-reflexivamente, contextualizando suas experiências que vão aclarando-se no existir. É importante evitar qualquer objetivação e determinismo da experiência falada, já que poderia funcionar como um paradigma prévio, impedindo o fenômeno da singularidade. Considerando a narrativa de forma atenciosa, o psicólogo clínico possibilita o comprometimento do cliente consigo mesmo. O pensamento heideggeriano cooperou para o existencialismo ao desobjetificar o ser humano, encerrando com ideias de que o homem é mero objeto e coisa material da natureza. O existencialismo de Sartre “O existencialismo é um humanismo porque é a única filosofia capaz de tornar a vida humana digna de ser vivida” Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um dos maiores pensadores do século passado, sendo influente no Existencialismo, além de contribuir para o humanismo, visto sua forma de compreender o homem. Para Sartre, há o humanismo existencial, já que ele não acreditava em um humanismo estreito que colocasse o homem como, simplesmente, o valor último das preocupações humanas. O homem está, para Sartre, continuamente se projetando para fora de si mesmo, construindo-se e realizando-se no mundo. Sartre define o humanismo “como qualquer doutrina que pense o homem tomando como critério aquilo que o diferencia de qualquer outro ser, ou ainda, que entenda o homem na sua existência própria.” Ainda na autora supracitada, há os dizeres: “Há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem.” Assim, o homem para os existencialistas, só não é suscetível de uma explicação por, inicialmente não ser nada, além dele mesmo, de seus quereres, que moldam seu destino. Atribui-se grandemente a Sartre a repercussão obtida pelo existencialismo, sendo que sem sua presença, a reverberação teria sido bem menos agitada e duradoura. A presença de Sartre foi decisiva dentro do existencialismo, e a transposição desta corrente de pensamento dificilmente sairia da Europa sem sua presença. Dentre as capacidades de Sartre estavam um talento artístico que incluía romances, contos, peças teatrais e uma atividade jornalística que envolvia assuntos de diversas naturezas. Ainda realizava crítica literária. Seria facilmente possível, estudar o pensamento existencialista detendo-se apenas nas obras deste grande filósofo. Por outro lado, nenhuma obra da doutrina existencialista é possível se não se levar em conta a obra sartriana. Com a obra de maior projeção intitulada de O ser e o nada, podemos notar a influência de Husserl no trabalho de Sartre ao conhecer o subtítulo desta obra: “Ensaio de ontologiafenomenológica” Mesmo tendo sido publicada em meio à guerra (no auge da Segunda Guerra Mundial), esta obra publicada em 1943, causou grande comoção. Entretanto, foi criticada pela linguagem altamente difícil, já que mesmo especialistas tinham dificuldade em compreendê-la de fato. O humanismo de Sartre parte de uma conjectura de que Deus não existe. Assim, o existencialismo que ele representa é um esforço para extrair todas as consequências de uma posição ateia coerente. Mesmo que Deus existisse, afirma Sartre, em nada mudaria a questão de o homem precisa convencer-se de que nada pode salvá-lo de si próprio, nem mesmo uma evidência da existência de Deus. A relação entre Sartre e Nietzsche envolve semelhanças e afinidades, embora Sartre nunca tenha mencionado Nietzsche em sua famosa conferência O existencialismo é um humanismo. Nietzsche foi quem primeiro pregou a morte de Deus, levando o ateísmo até as últimas consequências práticas. Realizando o ataque a religião de maneira veemente e vigorosa, Nietzsche também combateu de modo feroz qualquer resíduo do teísmo. Embrenhou-se em um combate também à ciência e a arte, esta por mascarar a religiosidade. Nietzsche mostrava-se um ateu muito mais radical e exigente do que Sartre. para os marxistas, o existencialismo isolava os homens, afastando-os da solidariedade, visto que o existencialismo de Sartre advém da subjetividade pura (do cogito cartesiano). Os marxistas ainda alegavam que o existencialismo põe o homem em um mundo carecido de qualquer sentido, desolado, absurdo, desmotivando o homem de agir, além de colocá-lo distante da solidariedade. Comparando o homem existencialista a Narciso, haveria uma contemplação que levaria a um compadecimento de si próprio e não uma exaltação de si. para ir contra estas críticas, em que os marxistas suponham que a subjetividade individual impossibilitava qualquer vivência e ação comunitária, Sartre retrucava afirmando que: • O existencialismo não fecha o indivíduo em si. Em um nível teórico: a) o cogito, ou a subjetividade, é de onde advém obrigatoriamente toda filosofia e verdade, não havendo a possibilidade de desconsiderá-lo; b) somente a partir do cogito é possível salvar o homem como sujeito, não o transformando em objeto; c) no cogito há o reencontro com os outros necessariamente, como correlativos do “eu”, além de se tornarem testemunhas de sua existência e de seus atos; d) há o pressuposto de que existe uma universalidade de condição humana, não uma universalidade de natureza humana, determinada por aquilo que vem antes de seu estar no mundo (Por exemplo, em um zoológico, a condição dos animais é universal – todos estão em cativeiro – porém não há universalidade de natureza). • O existencialismo não leva à anarquia. Em um nível prático: a) quanto ao fato de que podemos escolher seja o que for: - Sartre afirma que há algo que não podemos deixar de escolher: o não-escolher. De uma maneira ou de outra, sempre teremos que fazer uma escolha; - A minha escolha, tomada de minha responsabilidade universal, não tem nada a ver com o capricho, mesmo não fazendo alusão a nenhum valor preestabelecido. b) Quanto ao fato de que você não poder julgar os outros: - Sim, pois cada homem é livre para decidir sobre seu projeto, e Sartre não crê no progresso; - Não, pois julgando a escolha alheia baseando-se na verdade ou no erro (quer dizer, na má-fé), pode-se elaborar juízo lógico sobre a ação do outro. Também há a possibilidade de se lançar um juízo moral. Assim, a posição dos existencialistas é a existência precedendo a essência, a liberdade do homem é o fim de toda a humanidade, embora a liberdade do homem requeira a liberdade dos outros, condicionando-as reciprocamente. O julgamento dos outros então visam à própria liberdade e a dos outros. c) Nós mesmos criamos os valores, visto que não existe Deus e consequentemente não há outro jeito. Nós mesmo que significamos nossa vida particular e a vida da humanidade. Já os cristãos criticavam os existencialistas por frisarem os aspectos sórdidos e repugnantes da natureza humana, mas o aspecto mais criticado relacionava-se a extinção de Deus, levando a comportamentos humanos sem lei e valor, possibilitando ações ao bel-prazer do homem. Reconhecemos, no entanto, a Sartre o mérito de oportunamente sacudir com notável eficácia o quietismo de muitos que comodisticamente acusam os outros ou as circunstâncias de suas esterilidades e fracasso. Sartre foi o filósofo que, influenciado por Husserl e Heidegger, realmente formou uma ontologia e uma antropologia existencialista. Sartre divide o ser em duas regiões ontológicas drasticamente distintas, de acordo com o seu modo de ser. O “ser em si” (en-soi) refere-se às coisas em si mesmas, sem relação com a consciência, assim, sem relação com o sentido. Já o “para-si” (pour-oi), refere-se ao mundo da consciência, à existência, exatamente do mesmo modo que esta palavra tem significado no existencialismo. Nesse contexto, o termo existência não é um mero sinônimo de ser, como o empregamos no linguajar cotidiano. Existir é um modo específico de ser relacionado ao ente cujo sentido nunca está dado a priori – o homem. Antes que existisse esta folha de papel diante de nós, foi preciso que alguém pensasse nela, concebesse idealmente seu ser, sua essência, para então produzi-la, dando-lhe existência. Podemos dizer, então, que sua essência vem antes de sua existência. No caso do homem, a relação se inverte, primeiro é preciso ser homem, existir, para depois pensar sobre isso e atribuir-lhe sentido. Assim sendo, somente em relação ao homem é válida a inversão da fórmula tradicional da metafísica que dava precedência para as essências. No caso do homem, o existencialismo postula que a existência precede a essência. Neste raciocínio, somente o homem é livre, pois apenas ele não se encontra determinado quanto ao seu sentido, contrariamente aos outros entes. Desta forma, somente o homem existe, enquanto a folha de papel é. PENHA (2004) exemplifica claramente esta súmula ao citar a semente de uma planta, em que se encontra tudo o que ela será ao desenvolver-se regularmente. Em sua essência, há determinada sua essência. O homem, entretanto, diferentemente dos outros seres, não é predeterminado. Enquanto a essência equivaleria a algo de abstrato, a existência estaria ligada a algo de concreto. a essência precede a existência quando há o pensamento de uma ideia prévia sobre algo que leva a uma fórmula técnica para sua elaboração. Por exemplo, um corta-papel foi pensado e não foi fabricado à toa. Mas quando pensamos em um Deus criador, Ele seria como um Artífice superior, possibilitando existência às coisas a partir de uma ideia ou conceito pré-formado em mente, igualmente como faz o fabricante de corta-papel. Deste modo, para o existencialismo ateu de Sartre, retomamos a máxima de que a existência precede a essência, que significa que um ser “que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana" Assim, inicialmente o homem surge, existe e se descobre para posteriormente se definir. Nesta linha de pensamento, não há natureza humana, já que não há Deus para conceber. Partindo para o primeiro princípio do existencialismo, define-se o homem sendo o que se lança ao futuro, consciente de se projetar no futuro. O homem então para Sartre é dotado de liberdade total e absoluta. O homem para Sartre é o que projeta ser. Considerando o primeiro princípio do existencialismo, em que o homem é antes de qualquer coisa, um projeto que vive subjetivamente, ele transforma-se naquilo que fizer de sua vida, sendo que não há nada, além dele mesmo, de seu desejo, que demarque seu destino. A construção da história do homem ocorre de acordo com suas escolhas, e também conforme o caminho que escolher percorrer. Assim, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Com esta liberdade, atrelada à responsabilidade e capacidade de escolher, a angústia pode emergir. Somos sentenciados a sermos livres,responsáveis pelos nossos próprios atos, e assim responsáveis por nós mesmos, “o homem se escolhe a si mesmo”. Com esta convicção existencialista do homem, o homem é conduzido a construir sua própria definição, cada um passa a ser aquilo que faz de si mesmo. São as opções que o homem faz entre as alternativas que enfrenta que formam sua essência. Cada um, a partir de seu projeto de vida, de sua formação de crenças e valores, e de sua história construída até então, irá se constituindo pelos seus atos, suas escolhas e suas formas de viver o mundo. Para os existencialistas, o homem é um ser livre, a sua liberdade faz dele plenamente responsável pela sua escolha e a sua escolha sendo verdadeira, é também uma escolha que o homem faz para todos os homens. Dessa forma, o ato individual acaba engajando toda a humanidade. Isto é, se ele acredita que aquilo que ele escolhe, por base em seus valores próprios, é o certo, então, ele também está escolhendo para todos os homens. PENHA (2004) clarifica que as escolhas do homem envolvem a escolha universal porque, ao escolher, o homem decreta o que lhe parece válido de uma maneira geral, universal. Se o homem poderá fazer aquilo que quiser de sua vida, não havendo nada, além dele mesmo que o determine, Sartre afirma que quando nasce, o homem não é nada. Não há nada de inato, que se fez antes de seu surgimento, que o norteie, mostrando o caminho a seguir. É através de sua experiência pessoal que o homem obtém esta resposta. O indivíduo primeiramente existe com o tempo, podendo transformar-se nisso ou naquilo, adquirindo sua essência. É a essência que irá retratá-lo como bom ou mal, destemido ou covarde, demonstrando no que se tornou. “A essência humana, portanto, só aparece como decorrência da existência do homem. São seus atos que definem sua essência. (...) o homem existe – e só depois é possível defini-lo, conceituá-lo. Enfim, da existência decorre a essência”. Continuando neste autor, somente no homem a existência precede a essência devido a liberdade. O homem ser livre o torna sem predeterminação. O homem tem que escolher a cada momento como será seu instante seguinte, ou seja, o homem deve ser inventado todos os dias, resume Sartre. As escolhas que o homem realiza em meio às opções que tem constitui sua essência. É esta escolha que lhe autoriza criar seus valores. A liberdade, na visão existencialista, é algo além do livre-arbítrio. Em Sartre, ela assume o papel de decisão que o indivíduo tem sobre sua vida, quando escolhe e se responsabiliza por esta escolha. Porém, esta liberdade não é absoluta, já que é submetida a regras e convenções sociais. O homem conscientiza-se das limitações advindas da manifestação de sua existência. A condição do homem existencialista • Angústia: Sartre define “Se existir é escolher, existir é sofrer angústia” Embora muitas pessoas acreditem que não sentem angústia, ela se abriga continuamente no coração do homem. A angústia, obviamente, se torna mais sensível para quem tem que fazer escolhas significativas. Observando o exemplo de Abraão, ou de um chefe militar que necessita decidir entre atacar ou não e assim possivelmente entregar a morte vários homens, Sartre fala da reponsabilidade direta e o aumento proporcional da angústia. A angústia também se relaciona com o fato de que o homem precisa escolher sem o apoio e orientação de ninguém. É puro desamparo. O homem está condenado a ser livre. Condenado porque não criou a si próprio e livre, pois, atirado ao mundo, é responsável por tudo o que fizer. Por exemplo, uma pessoa se faz covarde ou herói, e isso pode se modificar: depende da sua liberdade Com a liberdade de escolha, o homem nota a responsabilidade assumida sobre seus atos e também sobre a humanidade inteira; consequentemente surge a angústia. “A angústia da liberdade é a angústia de optar, de fazer escolhas.”. A angústia surge quando se escolhe algo em detrimento de outro. • Desamparo: O desamparo é quando o homem se vê diante de escolhas de sua vida e de seu destino, sem o apoio ou orientação de ninguém. É interessante perceber que o desamparo provém da ausência de valores para o homem se sentir orientado e estimulado. Mantendo-se firme na inexistência de Deus, Sartre afirma que tudo é permitido. Não há afirmação alguma de que o bem existe, de que é necessário e prudente ser honesto, de que não se deve mentir; pois estamos em um plano onde só há homens. Sem algo para se apegar, o homem fica abandonado por não encontrar nem em si mesmo nem fora de si um algo para afeiçoar-se. “Desamparado também o homem existencialista, porque não há mais desculpas para ele. Porque, se é livre, projeto de si mesmo, autor de seu destino, ele é inteiramente responsável por si mesmo" Sem sinais, sem moral (nem cristã, nem kantiana, nem qualquer outra), que possa mostrar de forma certa o percurso a seguir, o homem deve escolher por ele próprio, tornando-se assim a sua própria lei e sua própria moral. Sartre cita que interpretamos os sinais que nos são mostrados no decorrer da vida de acordo com nosso próprio temperamento e simpatias, deste modo, sempre somos nós que decidimos, mesmo quando acreditamos que seguimos a opinião de outras pessoas. Somente podemos contar conosco, com nossas responsabilidades e com nossos recursos. • Desespero Por causa deste abandono total, emerge o desespero, que é considerado a terceira característica do homem existencialista. Sartre assume uma posição bastante drástica em relação ao desespero: somente podemos contar com o que provém da nossa vontade. Estamos desamparados por não poder ter ‘apoio’ de Deus, nem da humanidade, nem de partido algum ou de qualquer companheiro. NOGARE (2008) traz uma citação do próprio Sartre, de sua famosa conferência “O Existencialismo é um humanismo” de 1964 (traduzida por Virgílio Ferreira), em que o existencialista até considera contar com companheiros de luta, desde que haja uma mesma meta de luta, um objetivo em comum. Também julga ser importante ter certo controle, certo conhecimento dos movimentos do grupo. Fora esta situação, Sartre julga não ser possível contar que a bondade humana ou mesmo o interesse genuíno do homem pelo bem da sociedade. Pelo fato de a liberdade ser uma característica do ser humano, não existe uma natureza humana sobre a qual possa se basear. Por todas estas afirmações, Sartre rechaça qualquer possibilidade de existência de álibis para justificar a própria incapacidade ou derrota. Sartre defende que o existencialismo é otimista quando o vê como doutrina de ação, já que o desespero obriga o homem a agir. Há observações críticas ao que postulava Sartre, que envolvem o fato de que sempre interpretamos os fatos de acordo com nossas simpatias e nosso temperamento e só escolhemos de acordo com isso. Não se podemos, entretanto, excluir que um sinal, recheado de significação objetiva, não nos leve a seguir um caminho oposto ao nosso temperamento e simpatia. Outra crítica envolve a questão levantada por Sartre da liberdade absoluta do homem, que é considerada anti-humana, anticientífica e mítica. Anti-humana por retirar do homem qualquer motivação para agir, já que não há Deus, valores etc. Sem a motivação, a ação se torna impossível ou absurda. Anticientífica visto que as ciências humanas e naturais são cada vez mais enfáticas em verificar os condicionamentos da liberdade, estes mesmos que Sartre nega veementemente. E a parte mítica envolve a “escolha fundamental do homem é colocada no começo e ninguém sabe qual é”. Quando Sartre julga uma espécie de criação de si, com uma autodeterminação absoluta, cria uma teoria completamente utópica. Sartre também se empenha em discriminar duas classes de humanismos, sendo que: 1. Uma destas espécies de humanismo caracteriza-se pela ideia do homem como fim e valor superior. Esta é uma abordagem desprezada por Sartre, visto que o homem nunca é fim, mas sim um estar sempre por fazer-se; 2. Outro modo de pensamento pode ser caracterizado como humanismo existencialista, em que o homem está continuamente se projetando parafora de si mesmo, construindo-se e realizando-se no mundo. Podemos avaliá-lo como transcendente e subjetivo.