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ARISTÓTELES - Ética a Nicômaco (fins dos desejos ) (2) (1)

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ARISTÓTTELES: trecho retirado da obra Ética a Nicômaco (sobre Fins dos desejos = bem)
4
Já mostramos que o desejo tem por objeto o fim; alguns pensam que esse fim é o bem, e outros que é o bem aparente. Ora, os primeiros terão de admitir, como consequência de sua premissa, que a coisa desejada pelo homem que não escolhe bem não é realmente um objeto de desejo (porque, se o fosse, deveria ser boa também; mas no caso que consideramos é má). Por outro lado, os que afirmam ser objeto de desejo o bem aparente devem admitir que não existe objeto natural de desejo, mas apenas o que parece bom a cada homem é desejado por ele. Ora, coisas diferentes e até contrárias parecem boas a diferentes pessoas. 
Se estas consequências desagradam, deveremos dizer que em absoluto e em verdade o bem é o objeto de desejo, mas para cada pessoa em particular o é o bem aparente; que aquilo que em verdade é objeto de desejo é objeto de desejo para o homem bom, e que qualquer coisa pode sê-lo para o homem mau, assim como, no caso dos corpos, as coisas que em verdade são saudáveis o são para os corpos em boas condições, enquanto para os corpos enfermos outras coisas é que são saudáveis, ou amargas, doces, quentes, pesadas, e assim por diante? Com efeito, o homem bom aquilata toda classe de coisas com acerto, e em cada uma delas a verdade lhe aparece com clareza; mas cada disposição de caráter tem suas ideias próprias sobre o nobre e o agradável, e a maior diferença entre o homem bom e os outros consiste, talvez, em perceber a verdade em cada classe de coisas, como quem é delas a norma e a medida. Na maioria dos casos o engano deve-se ao prazer, que parece bom sem realmente sê-lo; e por isso escolhemos o agradável como um bem e evitamos a dor como um mal.
5
Sendo, pois, o fim aquilo que desejamos, e o meio aquilo acerca do qual deliberamos e que escolhemos, as ações relativas ao meio devem concordar com a escolha e ser voluntárias. Ora, o exercício da virtude diz respeito aos meios. Por conseguinte, a virtude também está em nosso poder, do mesmo modo que o vício, pois quando depende de nós o agir, também depende o não agir, e vice-versa; de modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre, também temos o de não agir quando é vil; e se esta em nosso poder o não agir quando isso é nobre, também está o agir quando isso é vil. Logo, depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por ser bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos. 
O aforismo "ninguém é voluntariamente mau, nem involuntariamente feliz" parece ser em parte falso e em parte verdadeiro, porque ninguém é involuntariamente feliz, mas a maldade é voluntária. Do contrário, teremos de contestar o que se acabou de dizer, e negar que o homem seja um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos. Mas, se esses fatos são evidentes e não podemos referir nossas ações a outros princípios motores que não estejam em nós mesmos, os atos cujos princípios motores se encontram em nós devem também estar em nosso poder e ser voluntários.
Isto parece ser confirmado tanto por indivíduos na sua vida particular como pelos próprios legisladores, os quais punem e castigam os que cometeram atos perversos, a não ser que tenham sido forçados a isso ou agido em resultado de uma ignorância pela qual eles próprios não fossem responsáveis; e, por outro lado, honram os que praticaram atos nobres, como se tencionassem estimular os segundos e refrear os primeiros. Mas ninguém é estimulado a fazer coisas que não estejam em seu poder nem sejam voluntárias; admite-se que não há vantagem nenhuma em sermos persuadidos a não sentir calor, fome, dor e outras sensações do mesmo gênero, já que não as sentiríamos menos por isso. E sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios[footnoteRef:1]; pois o princípio motor está no próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriagado foi causa da sua ignorância. E punimos igualmente aqueles que ignoram quaisquer prescrições das leis, quando a todos cumpre conhecê-las e isso não é difícil; e da mesma forma em todos os casos em que a ignorância seja atribuída à negligência: presumimos que dependa dos culpados o não ignorar, visto que têm o poder de informar-se diligentemente. [1: Instituída por Plutarco, a penalidade para o delinquente ébrio era dobrada: 1) porque se embriagou, e 2) porque a embriaguez por ele desejada, toldando-lhe o conhecimento, o fizera delinquir (N.T. Torrieri Guimaraes, na Obra Ética a Nicômaco, Martin Claret, 2001, p.56)] 
Mas talvez um homem seja feito de tal modo que não possa ser diligente. Sem embargo, tais homens são responsáveis em razão da vida indolente que levam, por se haverem tornado pessoas dessa espécie. Os homens tornam-se responsáveis por serem injustos ou intemperantes, no primeiro caso burlando o próximo e no segundo passando o seu tempo em orgias e coisas que tais; pois são as atividades exercidas sobre objetos particulares que fazem o caráter correspondente. Bem o mostram as pessoas que se treinam para uma competição ou para uma ação qualquer, praticando-a constantemente.
Ora, ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de homem verdadeiramente insensato. Não menos irracional é supor que um homem que age injustamente não deseja ser injusto, ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante. Mas quando, sem ser ignorante, um homem faz coisas que o tornarão injusto, ele será injusto voluntariamente. Daí não se segue, porém, que, se assim o desejar, deixará de ser injusto e se tornará justo. Porque tampouco o que está enfermo se cura nessas condições.
Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente, por viver na incontinência e desobedecer aos seus médicos. Nesse caso, a princípio dependia dele o não ser doente, mas agora não sucede assim, porquanto virou as costas à sua oportunidade — tal como para quem arremessou uma pedra já não é possível recuperá-la; e contudo estava em seu poder não arremessar, visto que o princípio motor se encontrava nele. O mesmo sucede com o injusto e o intemperante: a princípio dependia deles não se tornarem homens dessa espécie, de modo que é por sua própria vontade que são injustos e intemperantes; e agora que se tornaram tais, não lhes é possível ser diferentes.
Mas não só os vícios da alma são voluntários, senão que também os do corpo o são para alguns homens, aos quais censuramos por isso mesmo: ao passo que ninguém censura os que são feios por natureza, censuramos os que o são por falta de exercício e de cuidado. O mesmo vale para a fraqueza e a invalidez: ninguém condenaria um cego de nascença, por doença ou por efeito de algum golpe, mas todos censurariam um homem que tivesse cegado em consequência da embriaguez ou de alguma outra forma de intemperança.
Dos vícios do corpo, pois, os que dependem de nós são censurados e os que não dependem não o são. E, assim sendo, também nos outros casos os vícios que são objetos de censura devem depender de nós.
Alguém poderia objetar que todos os homens desejam o bem aparente, mas não têm nenhum controle sobre a aparência, e que o fim se apresenta a cada um sob uma forma correspondente ao seu caráter. A isso respondemos que, se cada homem é de certo modo responsável pela sua disposição de ânimo, será também de certo modo responsável pela aparência; do contrário, ninguém seria responsável pelos seus maus atos, mas todos os praticariam pela ignorância do fim, julgando que com eles lograriam o melhor. Ora, visar ao fim não depende da nossa escolha, mas é preciso ter nascido com um sexto sentido, por assim dizer, que nos permita julgar com acerto e escolher o que é verdadeiramente bom; e realmente bem dotado pela natureza é quem o possui. Com efeito, isso é o que há de mais nobre, e não podemos adquiri-lo nem aprendê-lo de outrem, mas o possuímossempre tal como nos foi dado ao nascer; e ser bem e nobremente dotado dessa qualidade é a perfeição e a cúpula de ouro dos dotes naturais.
Se isto é verdade, como será a virtude mais voluntária do que o vício? Tanto para o homem bom como para o mau, o fim se apresenta tal e é fixado pela natureza ou pelo que quer que seja, e todos os homens agem referindo cada coisa a ele.
Portanto, quer não seja por natureza que o fim se apresente a cada homem tal como se apresenta, algo todavia também depende dele; quer o fim seja natural, uma vez que o homem bom adota voluntariamente o meio, a virtude é voluntária — o vício não será menos voluntário, pois no homem mau está igualmente presente aquilo que depende dele próprio em seus atos, embora não na sua escolha de um fim. Se, pois, como se afirma, as virtudes são voluntárias (pois nós próprios somos em parte responsáveis por nossas disposições de caráter, e é por sermos pessoas de certa espécie que concebemos o fim como sendo tal ou tal), os vícios também serão voluntários, porque o mesmo se aplica a eles.
Quanto às virtudes em geral, esboçamos uma definição do seu gênero, mostrando que são meios e também que são disposições de caráter; e, além disso, que tendem por sua própria natureza para a prática dos atos que as produzem; que dependem de nós, são voluntárias e agem de acordo com as prescrições da regra justa. Mas as ações e as disposições de caráter não são voluntárias do mesmo modo, porque de princípio a fim somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias; mas, embora controlemos o despontar de nossas disposições de caráter, o desenvolvimento gradual não é óbvio, como não o é também na doença; no entanto, como estava em nosso poder agir ou não agir de tal maneira, as disposições são voluntárias.
Tomemos, porém, as várias virtudes e digamos quais são, com que espécies de coisas se relacionam, e como se relacionam com elas; e ao mesmo tempo se verá quantas são. Em primeiro lugar falemos da coragem.
REFERÊNCIA:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991 (Coleção Os Pensadores, V.2). P.54/59 (grifos nossos)

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