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APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 1 DIDÁTICA DA MATEMÁTICA 1) A GÊNESE DO NÚMERO As crianças e a aprendizagem (tópico 1) Como as crianças aprendem? Todas ao mesmo tempo? Todas da mesma maneira? Por que aprenderam algumas coisas melhor que outras? Como ensinar para obter um melhor aprendizado? Essas perguntas são feitas entre os educadores há bem pouco tempo. Antigamente, acreditava-se que as crianças aprendiam apenas recebendo informações de um professor. O professor explicava, ditava regras, mostrava figuras. A criança ouvia, copiava, decorava e devia aprender. Quando não aprendia, culpava-se a criança (desatenta, irresponsável) ou falta de "jeito" do professor. Atualmente existem outras ideias sobre aprendizagem. Elas são o produto do trabalho de certos educadores e psicólogos que têm procurado responder as perguntas apresentadas no início deste texto. O campo de estudo desses pesquisadores chama-se Psicologia Cognitiva (piscologia é a ciência que estuda o pensamento e as emoções; a palavra cognitiva refere-se ao conhecimento). Os conceitos da Psicologia Cognitiva aplicam-se ao conhecimento e à aprendizagem em geral e naturalmente valem para o conhecimento matemático. Essas ideias não negam completamente as ideias antigas sobre o aprendizado. É possível aprender recebendo informações, treinando e decorando regras. Mas, dessa maneira, a compreensão daquilo que se aprende costuma ser bem pequena. E esta é a diferença: o que se procura através da Psicologia Cognitiva é favorecer o aprendizado com compreensão. A Psicologia Cognitiva fez importantes decobertas sobre o pensamento da criança. Os pesquisadores concluíram que: a) crianças pensam de maneira diferente dos adultos; b) cada criança pensa diferentemente de outra; c) o pensamento evolui, passa por estágios; em cada estágio, a criança tem uma maneira especial de compreender e explicar as coisas do mundo. Vamos exemplificar esta última afirmação. Experimentemos mostrar a uma criança duas bolachas iguais, uma inteira e a outra partida em quatro pedaços. Quase todas as crianças de cinco anos de idade vão dizer que as quantidades de bolacha não são iguais. Muitas vão achar que há maior quantidade na bolacha em pedaços. Já as crianças mais velhas reconhecerão facilmente que as quantidades são iguais. Esse exemplo mostra um fato comum: em certos estágios do pensamento as crianças pensam que a disposição das partes altera a quantidade. Por isso, para as crianças pequenas, pode parecer que a quantidade de bolacha aumenta se ela for partida em pedaços. Os pesquisadores da Psicologia Cognitiva também elaboraram ideias sobre o que é aprender. Eles declaram que aprender com compreensão é um processo pessoal, que acontece dentro da cabeça de cada um. Esse processo exige que o aprendiz pense por si próprio. Assim, para a Psicologia Cognitiva, simplesmente receber informações de um professor não é suficiente para que o aluno aprenda com compreensão, porque, nesse caso, a criança fica passiva, não pensa com a própria cabeça. A Psicologia estudou também quais objetos ou atividades ajudam a aprender. Ela tem mostrado que o pensamento e o aprendizado da criança desenvolvem-se ligados à observação e investigação do mundo. Quanto mais a criança explora as coisas do mundo, mais ela é capaz de relacionar fatos e ideias, tirar conclusões; ou seja, mais ela é capaz de pensar e compreender. Por exemplo, as crianças que tiveram oportunidade de praticar relações comerciais (compras, pagamentos, trocas) costumam ser mais capazes de resolver problemas matemáticos envolvendo esses assuntos do que crianças que não tiveram tais experiências. É justamente esta última ideia que tem motivado os educadores a buscarem meios de fazer a criança explorar o mundo à sua volta. A matemática e a necessidade de materiais concretos (tópico 2) No caso da matemática parece ser mais difícil fazer a criança explorar o mundo à sua volta, porque as noções matemáticas nem sempre aparecem com clareza nas situações do cotidiano. Por isso, procura-se criar um mundo artificial que facilita a exploração pela criança. Esse mundo artificial é constituído, em grande parte, por materiais concretos que a criança pode manipular, montar, etc. São objetos ou conjuntos de objetos que representam as relações matemáticas que os alunos devem compreender. Frisamos que as relações matemáticas não estão nos objetos em si. Elas podem se formar na cabeça da criança, desde que o material seja bem utilizado. Exemplos desses materiais concretos são o ábaco e o material dourado, que já foram examinados por nós nos módulos anteriores. Eles são utilizados na aprendizagem das regras de nosso sistema de numeração e das técnicas operatórias, temas fundamentais da matemática nas séries iniciais do 1º grau. Além do ábaco e do material dourado, existem muitos outros materiais que podem ser usados no aprendizado da matemática. Apesar da importância dos materiais na aprendizagem e da quantidade de escritos teóricos sobre eles, os materiais em si podem ser muito simples, fáceis de construir e substituíveis (quando não se consegue obter um tipo de material, pode-se substituí-lo por outro, sem muita dificuldade). A utilização adequada dos materiais (tópico 3) Parece-nos necessário, porém, alertar o professor sobre alguns elementos importantes na utilização de materiais concretos. APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 2 Já dissemos que noções matemáticas se formam na cabeça da criança e não estão no próprio material. Dissemos ainda que o material favorece o aprendizado, desde que seja bem utilizado. Vejamos o que significam essas duas afirmações, em termos práticos: Primeiro, o material deve ser oferecido às crianças antes das explicações teóricas e do trabalho com lápis e papel. É preciso que os alunos tenham tempo e liberdade para explorar o material, brincar um pouco com ele, fazer descobertas sobre sua organização. Após algum tempo de trabalho livre, o professor pode intervir, propondo questões, estimulando os alunos a manifestarem sua opinião. Em resumo, são essenciais, neste início, a ação e o raciocínio do aluno, pois, como dissemos, é só ele mesmo que pode formar as noções matemáticas. A partir da observação e manipulação, da troca de ideias entre alunos e entre estes e o professor é que as relações matemáticas começam a ser percebidas e enunciadas. O professor deve então, aos poucos, ir organizando esse conhecimento. Para concluir, podemos dizer que a atitude adequada do professor, em relação ao uso do material concreto, decorre de ele conceder o ensino de matemática nas séries iniciais como um convite à exploração, à descoberta e ao raciocínio. Matemática desafio e prazer Somas, divisões e subtrações estão em todos os momentos: na compra do doce, na bilheteria do parque de diversões e na organização dos brinquedos. Chamar a atenção do seu filho para a presença da matemática no dia-a-dia ajuda a desmistificar o que parece ser um bicho de milhões de cabeças. - Dê vida às operações - Jogando se aprende - Ajude nas tarefas, mas não faça por ele! Grande parte da geração passada viveu nos bancos escolares uma espécie de arrepio ao ter que solucionar problemas, realizar equações, operações e utilizar o raciocínio lógico em diferentes momentos sem saber como aplicar na vida prática. Hoje seu filho tem nas mãos tecnologia, calculadora, informação e ainda convive com o mito da matemática difícil e para uso acadêmico. Os atuais métodos de ensino escolar estão tentando reverter esta história, buscando caminhos para ligar o ensino da matemática às situações do cotidiano. Já que não há dúvida quanto à utilidade dos números na rotina diária, vocêpode participar da integração da matemática à realidade do seu filho sem medo e com prazer. Dê vida às operações Mostre à criança que ao arrumar brinquedos e livros e organizar listas de compras estamos desenvolvendo pré-requisitos básicos para o ensino da matemática: a classificação e a seriação. Na cozinha, a meninada adora viver momentos de grande chefe e se diverte lidando com medidas. Ótima ocasião para comparar gramas, mililitros, quilos e litros. A descoberta é a percepção de diferentes relações. Estipular mesada fixa também dá elementos para um bom aprendizado e estabelece regras e princípios. Seu filho estará gerenciando e planejando gastos, o que propicia uma identificação produtiva e saudável com o dinheiro. Os mais novos gostam de tarefas desafiadoras. Para a introdução à matemática esse é um ponto bastante vantajoso. Conte com a cumplicidade dos pequeninos para a checagem das contas de luz, extratos bancários, gráficos econômicos nos jornais e tíquetes de supermercado. São situações repletas de números, cálculos, medidas, projeções e podem ser abordadas em diferentes níveis, dependendo da maturidade da criança. Quaisquer outras oportunidades do dia-a-dia que envolvam contagem, classificação, comparação e seriação representam familiaridade com o sistema numérico e possibilidade de reflexão sobre a importância da matemática. Jogando se aprende O lúdico faz a criança viver situações de intercâmbio e perceber, indiretamente, conceitos importantes. O tradicional também vale - dama, ludo, cartas, dominó, gamão, batalha naval, memória, quebra-cabeça com números, tangram, banco imobiliário, super trunfo - e outras novidades disponíveis no mercado. Há opções na internet (veja as dicas logo abaixo) e em CDroms. Por meio da brincadeira, socializamos o conhecimento: crianças e adultos de idades diferentes trocam o que sabem. Tenha certeza de que aprendemos mais no lazer do que em algumas aulas expositivas. Reserve um tempinho para jogar com seu filho. Observe e perceba como ele pensa, assim você terá pistas preciosas para ajudá-lo em trabalhos escolares. A questão do jogo vai além da matemática. Jogar é negociar e trabalhar no coletivo de forma saudável e transparente. Quando tudo é oferecido pronto à criança, essa é uma alternativa para o desenvolvimento do raciocínio. Ajude nas tarefas, mas não faça por ele! Não é raro que os pais se deparem com algumas dificuldades diante do olhar inquieto e perdido da criança: problemas, contas, exercícios realizados de forma diferente da aprendida em outros tempos. Em primeiro lugar, ouça seu filho. Ele dará pistas de como você pode ajudá-lo. As crianças têm formas de resolução de problemas interessantíssimas. Algumas estão longe do modelo tradicional. Realizam desenhos, gráficos, tabelas, buscando concretizar o pensamento e expressar o raciocínio de um jeito próprio. Valorize essa possibilidade e faça perguntas para que ele busque, no papel, o caminho. É sempre o primeiro passo. Pode ser surpreendente. Viver essa etapa anterior é dar voz à criança e mostrar-lhe que, se há uma forma padrão, há também outras que devem ser consideradas. Se a escola de seu filho já o iniciou nas técnicas operatórias e espera que ele resolva problemas somente por meio delas, você vive uma outra questão: verificar se ele compreende e percebe a relação entre o enunciado do problema e a conta a ser efetuada. Aqui as coisas podem não ser tão fáceis. Essa é uma tarefa de competência maior da escola, pois há várias questões em jogo: fluência na leitura, entendimento, aplicação de técnicas e cálculos. É aconselhável pedir à criança uma resolução própria, por meio de formas não convencionais e solicitar ao professor que a ajude na passagem para a resolução tradicional. Mesmo porque você já deve ter reparado: quando se trata de contas, tentar ensinar do jeito que aprendemos pode confundir mais o quadro. APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 3 UM BOM COMEÇO É FUNDAMENTAL Da capacidade que o professor polivalente tem de enxergar o conjunto das disciplinas e a relação entre elas depende uma saudável iniciação escolar Ricardo Prado O rito de entrada no mundo escolar acontece, de fato, na 1a série do Ensino Fundamental. É nela que os alunos serão apresentados às disciplinas com as quais conviverão nos anos seguintes. Receberão de um único professor as primeiras noções de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia — além de Arte, Educação Física e o que mais a escola oferecer. O paradoxo é justamente esse professor ter de fazer o planejamento sem conhecer a turma. E cada turma é uma aventura diferente, com necessidades de aprendizagem específicas, assim como cada aula é única. Ajustar o previsto à realidade é o desafio. O geógrafo Celso Antunes, coordenador de ensino da Universidade Sant’Anna, de São Paulo, sugere um exercício mental: imaginar o planejamento como uma série de círculos concêntricos. No menor, estão localizadas as principais competências de cada disciplina, em relação às quais não há negociação. É preciso que sejam abordadas, explicadas, trabalhadas e avaliadas. Chamemos esse centro de "núcleo duro" do planejamento. Os círculos maiores são mais permeáveis. Eles são compostos pelos temas trazidos pelas crianças, por jornais, por colegas educadores ou pelo próprio professor. É neles que se dá a justaposição com outras disciplinas e abre-se o espaço para improvisar. Interdisciplinaridade Diferentemente dos professores que lecionam matérias específicas, o polivalente transita livremente por elas. Não é preciso combinar com ninguém para realizar trabalhos interdisciplinares. O que também não quer dizer que isso seja uma obrigação. "Tenho visto colegas angustiados diante da interdisciplinaridade", diz o biólogo Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e assessor científico do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. "Trabalhar de maneira interdisciplinar tornou-se uma espécie de ‘compulsão pedagógica’." A interdisciplinaridade pode ser explorada em projetos didáticos. A professora Fabiana Maffessoni, de Curitiba, é um bom exemplo. Utilizando as obras de Poty Lazzarotto espalhadas pela cidade, ela criou um trabalho de Arte para mostrar aos alunos da 4a série do Colégio Opet outra visão do lugar onde vivem. Painéis de concreto sobre o café, a erva-mate ou a história do Paraná serviram de ponto de partida para um bem fundamentado estudo do meio. Fabiana acredita que os quatro primeiros anos do Ensino Fundamental são muito importantes para aguçar a sensibilidade das crianças e aumentar seu repertório artístico. Segundo ela, há três trabalhos imprescindíveis a fazer nessa área: mostrar obras de arte (em livros, slides ou museus), ensinar as crianças a observar a produção artística e, por fim, incentivá-las a criar. "Quem é estimulado desde pequeno vai lidar melhor com os elementos da composição, como a linha, a cor e o espaço", afirma. Para ela, qualquer disciplina casa bem com Arte. Nesse projeto, os seis painéis de Poty escolhidos pela professora ajudaram a conhecer a história do Paraná. Formar leitores A seguir, vamos recordar alguns componentes do "núcleo duro" de cada disciplina. A começar pela Língua Portuguesa. "Deve-se pensar o planejamento em torno de três grandes eixos: leitura e escrita, linguagem oral e análise linguística", sugere Alfredina Nery, que trabalha com formação de professores.Entende-se atualmente que desenvolver a capacidade leitora é obrigação de todos os professores, em todas as séries. Tem de ser parte do cotidiano do aluno, pois, além de formar o gosto (que, por sua vez, desenvolve a competência), é matéria-prima para escrever bem. Escrevemos (professores, jornalistas, médicos, escritores) com base em modelos lidos. Por isso, quanto mais a criança lê, mais condições terá de redigir com estilo e propriedade. Dos três eixos principais, é comum haver excesso de um lado e falta de outro. Enquanto a análise linguística (leia-se gramática) recebe atenção exagerada, a linguagem oral frequentemente é esquecida. Portanto, atenção para equilibrá- los. A linguagem oral também é importante porque estuda a diferença entre a fala informal, que a criança traz de casa, e a pública, essencial para a vida em sociedade. Números do dia-a-dia Os principais conteúdos de Matemática nas séries iniciais se dividem em quatro blocos: números e operações, grandezas e medidas, espaço e forma e tratamento da informação (interpretação de dados). Se você leciona para as séries iniciais, saiba que terá cumprido sua missão se conseguir que os alunos adquiram (ou desenvolvam) essas quatro grandes competências. Segundo Maria Sueli Monteiro, consultora em Educação Matemática, o objetivo primordial deve ser aproximar da ciência matemática o conhecimento que todos trazem de casa. Os conteúdos não são mais tratados como uma grande sequência de pré-requisitos, mas como uma rede de relações que envolvem todas as áreas da disciplina, da geometria à aritmética. Iniciar as aulas perguntando o que os alunos fizeram no dia anterior envolvendo alguma operação numérica é uma boa estratégia. Os relatos inspiram situações-problema. "A geometria permite trazer o cotidiano para a sala, pois há formas geométricas em todos os ambientes criados pelo homem", sugere Antonio Rodrigues Neto, coordenador de Matemática do Colégio São Domingos, de São Paulo. Ciência é experiência Os Parâmetros Curriculares Nacionais prevêem que ao fim da 4a série um aluno saiba utilizar conceitos científicos básicos associados a energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida. Ou, nas palavras de Nelio Bizzo, diferenciar uma aproximação mágica ou religiosa da abordagem científica: "Galileu Galilei surpreendeu os sábios de sua época ao mostrar que era possível estudar e medir a materialização de um fenômeno, como a queda de uma pedra. Sem o lado experimental, não é Ciência". Sempre há o risco de uma experiência não dar certo, pois trabalha-se com muitas variáveis. A frustração pode ser contornada prevendo diversas possibilidades e estágios (as várias situações de aprendizagem). De qualquer forma, o ideal é que o professor teste a atividade antes de sugeri-la. E não é preciso ter laboratório na escola. Em vez de ver uma planta num livro, é melhor observá-la em seu ambiente natural. "Marcar a sombra feita pelo Sol numa determinada hora durante várias semanas é um belo laboratório sobre as estações do ano", exemplifica Bizzo. Cronologia bem pessoal Depois de salientar que a capacidade leitora situa-se antes de qualquer competência da área de História, pois dela depende a capacidade de interpretar textos, documentos e mapas, a historiadora Kátia Maria Abud, da Faculdade de Educação da USP, destaca o principal objetivo das aulas dessa disciplina nas séries iniciais: desenvolver o conceito de tempo. "Às vezes, o aluno não tem clara a noção de passagem do tempo, nem suas categorias, como contemporaneidade, simultaneidade, duração ou anterioridade", explica. mailto:rprado@abril.com.br APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 4 Para sedimentar essa compreensão, ela acredita que o melhor é começar com os fatos que marcam o dia da criança, como antes da escola e depois dela. Há também a linha do tempo na vida da família. Daí, parte-se para o conhecimento do local. Nessa fase, uma visita às casas mais antigas ou ao museu histórico da cidade pode ser uma excelente atividade. Mas é importante o professor conhecer o acervo previamente para dominar o assunto que será trabalhado. Os PCN também sugerem estudar os deslocamentos populacionais nessas séries. Investigar quais são as etnias e os grupos migratórios existentes na classe pode ser uma forma de trabalhar o tema, além de envolver questões de pluralidade cultural. "Num momento de guerra, como o que vivemos, trabalhar a tolerância torna-se mais atual ainda", destaca Kátia. Ator e palco A compreensão da espacialidade, a capacidade de apontar os pontos cardeais e fazer a leitura de uma planta ou um mapa, interpretando corretamente seus códigos, são as principais competências de Geografia. Para isso, o mais indicado é partir do próximo, afirma Celso Antunes, da Universidade Sant’Anna. "É mais fácil, pois o aluno se vê como centro de um processo e contextualiza a realidade." O próximo aqui não é visto por sequência pedagógica, mas pelo que permite de inferências, de relações entre o que o aluno vive e o que aprende. "Desse centro parte-se para a periferia e a Geografia é insuperável nesse processo de comparação", diz Antunes. Segundo ele, não se deve separar o homem da Terra, pois ator e palco interagem no mesmo cenário. "Olhando para meus 42 anos de sala de aula, vejo que também dividia a Geografia em física e humana. Gostaria de poder voltar no tempo e corrigir o erro. Infelizmente, essa é uma prática habitual", lamenta. Para finalizar, ele destaca duas ênfases no planejamento: trabalhar com mapas desde o primeiro momento, aumentando a complexidade ao longo dos anos, e realizar muitos estudos do meio. As quatro séries iniciais são importantes porque formam o hábito de leitura, essencial para a compreensão de textos, imagens, mapas e gráficos, que são usados em todas as disciplinas trabalham registros orais e escritos em diversas circunstâncias de situação comunicativa, das informais às mais valorizadas socialmente constroem o significado de número natural e, a partir dele, possibilitam a resolução de situações-problema e procedimentos de cálculo representam a introdução ao mundo dos seres vivos e aos métodos de investigação científica permitem a aquisição da noção de tempo, essencial para a compreensão da historicidade dos fatos servem para que o aluno tenha noções de orientação espacial, leitura cartográfica e conhecimento do meio ambiente que o cerca é nessa fase que, se estimulada corretamente, a criança se torna apta a manejar com criatividade conceitos estéticos e recursos artísticos Qual é o momento de criar matemática? Certa feita, um professor de matemática expondo as suas ideias sobre a educação em sua área, defendeu o princípio de que nós, homens e mulheres, recém- nascidos e idosos, analfabetos e letrados, animais racionais e irracionais estamos, a todo momento criando e vivendo matemática: o neném sugando o seio materno o faz num ritmo numérico; no berçário é nomeado por um número; a gata percebe a subtração de um filhote na ninhada; a vida social, com suas transações financeiras, com suas numerações telefônicas e de endereços, com suas medições e suas outras múltiplas manipulações numéricas nos faz, a todo momento, criar e viver a matemática. Para este professor a resposta à indagação acima é simples e direta: não há um único momento na vida em que não se cria matemática, mesmo quando não temos consciência deste fato. Há nesta exposição uma clara confusão entre praticar um conceito e pensá-lo. Certamente todos conceitos matemáticos, mesmo os mais complexos, compõem o plano de ação humano e se encontram no nosso cotidiano. Eles estão presentes na estruturação do nosso espaço, nas relações sociais, políticas e econômicas que estabelecemos para a vida conjunta e para a produção e estão em todas as máquinas e equipamentos, dos mais simples aos mais complexos,que manipulamos. Mas esta simples existência objetiva dos conceitos matemáticos não determina a sua existência no nosso subjetivo, do mesmo modo que o simples fato de lidarmos com um eletrodoméstico qualquer - uma televisão, um aspirador de pó, etc. - não nos torna pensadores em eletrônica. Há um enorme espaço vazio, um abismo mesmo, entre a manipulação mecânica e quotidiana de um conceito e a sua apreensão conceitual. Ao contrário do que é sugerido pelo senso comum, quanto mais lidamos praticamente com um conceito sem antes elaborá-lo (melhor dizendo, sem antes criá-lo) mental e conscientemente, mais ele se torna inacessível ao pensamento. Ou seja, quanto mais a prática for cega e mecânica, mais o conceito que lhe embasa se torna invisível e inacessível ao pensamento. É a educação conceitual e, no nosso caso, a educação conceitual matemática - e só ela - que leva os homens a superarem este abismo existente entre a prática mecânica e o pensar. Somente uma ação social especial, orientada por uma metodologia do conhecimento, uma pedagogia e uma psicologia poderá propiciar a entrada dos seres humanos no movimento científico dos conceitos matemáticos e não só nestes, mas em todos os movimentos conceituais. A educação matemática não é um fato cotidiano, rotineiro, que acontece aleatória, permanente e espontaneamente, que acontece a todo e qualquer momento. Trata-se de um momento especial. Que momento é este? Qual é o instante da nossa vida, do nosso crescimento físico, orgânico, espiritual, do nosso desenvolvimento e aprofundamento conceitual, em que esta aprendizagem determinada - a da apreensão da linguagem numérica - deve ser iniciada e desencadeada? O momento em que acontece o ponto de partida de qualquer aprendizagem é sempre o mais importante de todo o movimento educacional pois nele está o germe que traz em si dois elementos antitéticos: tanto pode se desenvolver na formação e multiplicação das células da vida, do entusiasmo, da curiosidade, da busca apaixonada daquele conhecimento, quanto pode, contrariamente, gerar o vírus da sua rejeição e morte , da impotência, da repressão castradora e escravizadora. Abrem-se, portanto, duas opções: ou se cria um novo corpo ou um novo anticorpo conceitual. Se o ponto de partida acontecer respeitando o desenvolvimento da criança, com a criança, interagindo com a sua atenção, a sua emoção, a sua sensibilidade, o germe da criatividade passará a ser dominante em todo o processo futuro da aprendizagem; se, ao contrário, este ponto de partida acontecer apesar da criança, apoiando-se na tarefa obrigatória, na disciplina mecânica, estaremos desenvolvendo o vírus da rejeição que se tornará anticorpo resistente a toda futura aprendizagem, gerando bloqueios cognitivos e afetivos sobretudo ao processo de aprender os conceitos científicos. A definição de qual dos dois pontos de partida será o determinante não é fruto do acaso, da sorte; é preciso compreender o homem como um ser global - razão, emoção e instinto - e não como uma máquina programável, para que o objetivo fundamental da educação - ganhar este ser global para o movimento conceitual - seja alcançado. APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 5 Freud e a psicanálise concebem, de forma geral, a formação do intelecto como um movimento que acontece em oposição aos instintos básicos. Os corpos emocional e intelectual seriam, assim, essencialmente opostos e contraditórios. E quando esta contradição se transforma em antagonismo teríamos a neurose. A educação escolar tem se centrado fundamentalmente na formação do intelecto. A formação emocional tem sido definida como campo privado da família. Nesta dissociação já vemos um movimento de aprofundamento da oposição entre estes dois corpos. Contudo um fator ainda mais grave se acrescenta para aguçar esta ruptura. A educação tem se definido como um movimento de profissionalização do indivíduo, em suma, de formação da força de trabalho. As exigências da produção industrial, que se tornaram particularmente determinantes a partir de meados do século passado, moldaram a sociedade como um amplo movimento mecânico e chegaram na educação com uma imposição clara e inexorável: é necessário a produção máquinas humanas para as atividades ainda não cobertas pela máquina-ferramenta - as tarefas manuais e intelectuais repetitivas mecânicas ainda não mecanizadas no equipamento extra-corpóreo humano. A escola que temos, portanto, é voltada apenas para a formação do intelecto; mas não do intelecto humano mas sim do "intelecto" mecânico. Desta forma a oposição entre os corpos emocional e intelectual está enquadrada num aparelho social e educacional que aponta para a repressão exacerbada, mecânica, do primeiro pelo segundo. O antagonismo entre eles e a neurose resultante são os produtos inevitáveis e inerentes desta mecânica humana. A neurose não é, pois, a anormalidade, mas sim a normalidade. O que impressiona é a capacidade humana de sobreviver à esta máquina destruidora; que, apesar de tudo, o corpo emocional, à duras penas e com grandes perdas, ainda consiga se desenvolver. Quando no período da revolução industrial a máquina ferramenta foi criada, desenvolvida e generalizada, passou a prevalecer a explicação mecânica do cosmos, da vida, e da mente humana na produção intelectual. Foi neste contexto que se formaram o nosso atual currículo educacional, a nossa atual escola, a nossa teoria pedagógica e de aprendizagem, a nossa didática e os nossos livros didáticos. A mente humana era compreendida como uma engrenagem que precisava ter suas peças bem encaixadas para o seu funcionamento perfeito. Agora, sob o signo da informática e do computador, a explicação sai da mecânica e entra na eletrônica: o universo, a sociedade, o organismo, a vida, a mente, os afetos e os conhecimentos passam a ser concebidos como circuitos. O nosso organismo corpóreo, nesta leitura, não passa de um hardware e as ideias e as emoções são apenas softs, isto é, programas de computadores . Nesta concepção que interpreta a mente infantil como um computador e a educação como um processo de programação, o corpo emocional-afetivo é simplesmente negado. Por outro lado as diferentes áreas da aprendizagem são vistas como um dado puramente físico-orgânico: quando os circuitos eletrônicos - os neurônios - estão prontos para a aprendizagem de línguas? Aos dois anos e meio? Então este é o momento ótimo (a janela) para que aconteça a aprendizagem; se esta não acontecer perder-se-á o momento ótimo, a janela se fechará e nunca mais a aprendizagem acontecerá com a intensidade e a riqueza que aquele momento teria propiciado. Cria-se assim o caldo de cultura para a formação de andróides, onde as famílias abrem mão do contato afetivo com os seus pequenos, lançando- os sucessivamente pelas pseudo-janelas da aprendizagem neuro-eletrônica: aos dois anos e meio a língua; aos três anos a matemática; aos três e meio música; aos quatro esporte e assim por diante. E fica estabelecida uma obsessão pseudo-moderna: quanto mais cedo uma escola introduzir os pequenos na matemática, nas línguas, nas ciências naturais, mais moderno e eficiente é o seu ensino. Certamente a nossa espécie sobreviverá a este novo massacre; a história da educação é um grandioso testemunho da capacidade humana de superar a destruição contra educativa desencadeada em nome da educação. Mas quanta energia será inutilmente dissipada, quanta sensibilidade será sepultada sob esta tremenda avalanche neuro-eletrônica! A nossa concepção de educação em geral e matemática em particular, tem como objetivo principal a superação desta oposição entre os corpos emocional e intelectual do homem. E o mais importante é que, com a criação da máquina programável, definitivamente o homem tem as condições tecnológicas de emancipar o seu corpo da determinação do mecânico. A criação, desenvolvimento egeneralização da máquina programável ocupou, está ocupando, e ocupará, definitivamente, todos os postos de trabalho que exijam movimentos mecânicos, sejam manuais sejam intelectuais. Desta forma a vida não exige mais que a sociedade seja um mecanismo e que a educação a ele se submeta enquanto fábrica de máquinas humanas. As condições tecnológicas e a base técnica para a superação da ruptura entre a emoção e a ideia estão dadas. Cabe, agora, um profundo, difícil e complexo, mas necessário, movimento de transformação da sociedade e da educação para a promoção do encontro do homem emoção com o homem intelecto, isto é, do homem consigo mesmo, inteirando-se numa nova unidade contraditória ainda, é verdade, mas não mais antagônica e sim harmônica. Concebemos, portanto, a educação como o movimento de criação deste homem não fragmentado e o seu primeiro momento é a formação do corpo emocional. Este é o elemento determinante da personalidade humana e servirá de base segura para a formação do intelecto criador. A criação de um corpo afetivo inteiro, sem deformações, sem mutilações, sem ausência de membros - este é o objetivo do primeiro e fundamental movimento da aprendizagem liberado da necessidade de formação de máquinas humanas. Trata-se da aprendizagem de criação da linguagem emocional-afetiva. Através dela a criança apreende os movimentos do seu id - a sua sexualidade, os seus instintos de vida e de morte, o seu sentido de prazer e de desprazer - aprende a conhecê-los, a identificá- los e reconhecê-los, a submetê-los ao teste de realidade, a administrá-los em sua destrutividade (negatividade) e construtividade (positividade). A linguagem emocional-afetiva deixa de ser um puro atributo da família e passa a ser um elemento presente, ativo e original da escola. Na velha escola este elemento curricular era inexistente pois os aspectos humanos eram vistos como secundários, mais que isto, como obstáculos para a formação da máquina humana. Na nova educação a apreensão da linguagem afetiva-emocional é o objetivo da primeira e fundamental aprendizagem, pré-requisito para a continuidade do processo educativo. Uma carência nesta formação da linguagem afetiva-emocional, um membro não formado, nesta primeira aprendizagem que perpassa o período da primeira infância trará, consequências que acompanharão a criança pelo resto da sua vida. Ao contrário do que afirmam os pedagogos neuro- eletrônicos, a aprendizagem intelectual em qualquer área pode ocorrer em qualquer momento da vida. Já a aprendizagem afetivo-emocional que acontece na primeira infância é fundamental para compor a personalidade que combinará as forças básicas da vida: a sexualidade, a agressividade, as tendências para a vida e para a morte, a relação do id com a realidade. Os elementos não desenvolvidos criarão carências e lacunas que acompanharão aquele ser humano impondo-lhe dor e sofrimento em sua caminhada futura. Por outro lado, uma linguagem emocional- afetiva incompleta ou deformada servirá de bloqueio para todas as aprendizagens futuras deste pequeno; a infelicidade o APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 6 acompanhará, atormentando-o, minando com o medo as suas energias de busca de conhecimento e de cultura; já a formação sadia de uma linguagem emocional-afetiva inteira gerará uma criança feliz, cheia de impulsos para o novo, pois o novo será visto sempre como uma fonte de desafio criador e não como um obscuro e sinistro abismo. Esta aprendizagem da linguagem emocional- afetiva não se esgota neste seu primeiro movimento. Ela se constituirá num movimento permanente que acompanhará toda a nossa vida. Mas é neste primeiro momento, que percorre toda a primeira infância, que se forma o organismo básico - o ego - que administrará os nossos instintos básicos do id. A linguagem emocional-afetiva se forma no interior do id, como parte dele, desenvolvendo-se, aprofundando-se e ampliando-se nesta dinâmica. E, analogamente, todas as linguagens posteriores serão formadas e desenvolvidas no interior da linguagem emocional-afetiva. É por isto que a riqueza, profundidade e amplitude desta, assim como os seus limites, determinarão as fronteiras de todas as futuras linguagens que serão desenvolvidas pela aprendizagem. Certamente este campo inicial, se rico e fértil, potencializará todas as aprendizagens em todos os campos; e, inversamente, se pobre, mal formado, restrito, limitará com medos, inseguranças, agressividades e carências o impulso e a alegria do conhecer, sentir e pensar que compõem a dinâmica de todo ato educativo. Na medida em que a criança vai adquirindo segurança na leitura do mundo interno, dos seus instintos básicos da vida e da morte, identificando prazer e desprazer, o seu centro de interesse vai se voltando mais e mais para o mundo externo. Vai, assim, criando a sua identificação com este mundo externo, localizando-se nele através do teste de realidade dos impulsos contidos em seu id. Surge o momento para a criação de uma nova linguagem que capacite a criança para a leitura deste mundo externo. Nela a criança identifica as sensações externas que podem e devem ser desenvolvidas e aquelas que são proibidas por serem negativas ao processo de sociabilidade. Aprende a ler as expressões destas sensações assim como aprende a expressar as suas sensações para a comunidade em que vive. Esta linguagem das sensações básicas geradas na contradição entre o mundo real e o mundo interno do indivíduo foi criada e desenvolvida pelo homem no processo cultural-artístico. A linguagem cultural-artística vincula-se, fundamentalmente, à capacidade de expressão corporal do homem e aos rituais coletivos criados para lidar com as forças básicas da natureza. A expressão corpórea primitiva e suas formas mais elaboradas - a dança, a música, o ritmo, a linguagem gestual, a linguagem visual (cores, figuras, etc.), os jogos esportivos coletivos e individuais - são os elementos que compõem o que chamaremos de linguagem sensitiva (ou da sensibilidade). Esta constitui o conteúdo do segundo movimento de aprendizagem que se forma a partir e no interior da linguagem emocional-afetiva. Enquanto esta primeira linguagem se centrava no indivíduo e na formação do seu mundo interior, a linguagem sensitiva tem como centro a relação entre o indivíduo e a sua comunidade. Os elementos culturais do esporte, da arte, dos ritos coletivos constituem os seus conceitos básicos que devem ser desenvolvidos no processo de aprendizagem. É preciso compreender que a sucessão dos movimentos de aprendizagem não é rígida, mecânica e excludente. Não se trata de datar a aprendizagem emocional- afetiva que, quando encerrada, cede lugar à aprendizagem sensitiva. As aprendizagens não se excluem e, portanto, não podem ser antogonizadas. Certamente no primeiro movimento o centro articulador se encontra na linguagem emocional-afetiva, mas os elementos das outras linguagens já estão presentes em seu interior, formando-se e preparando-se para ocupar o centros nos futuros movimentos da aprendizagem. No desenvolvimento da primeira linguagem e no seu interior, a linguagem sensitiva vai se compondo lentamente e se expandindo até que, num determinado momento, realiza um salto qualitativo, passando a dominar a ação educativa como centro articulador. No interior deste movimento global de expressão a criança vai desenvolvendo uma área que se refere à comunicação da qualidade das coisas que compõe a sua realidade. Trata-se da linguagem das palavras. Para criar coletivamente o plano de ação que dirigirá e combinará as suas ações individuais, o homem inventa a linguagem das palavras. O homem inicia a sua caminhada de racionalização da natureza a partir dos movimentos qualitativos, das variações da qualidades das coisas que lhe cercam e que lhe são significativas. Qualidade é aquilo que existe em todos elementos que nos cercame que satisfazem uma certa necessidade nossa. Qualidade é o atributo, a propriedade de determinado ser ou objeto que nós é significativa, que é útil e necessária para a nossa vida, que precisamos administrar para a nossa sobrevivência e que, por isto mesmo, precisa ser nomeada. A necessidade de administrar coletiva e socialmente diferentes e múltiplas qualidades faz com que inventemos a comunicação das qualidades - as palavras. Quando falamos uma palavra qualquer - cadeira, por exemplo - estamos atuando sob um acordo coletivo que os homens elaboraram em sua história de vincular um certo som e símbolo a uma certa ideia - descrição de um conjunto de objetos que tem a propriedade de nos fornecer assento. Temos aí uma linguagem - o vínculo direto entre um símbolo e um pensamento: a linguagem das palavras. A linguagem das palavras nasce diretamente no terreno social. Trata-se de um amplo acordo coletivo para tratar as coisas da natureza objetiva e subjetiva. A linguagem das palavras nasce diretamente da expressão, da imitação, da repetição, do treino, da cultura, do ambiente social articulado. Daí que a conversa, a leitura, enfim a interação entre as pessoas, são os seus elementos educativos predominantes. Ao produzir o homem passa a lidar com um outro aspecto da matéria: a quantidade. Todas as coisas e seres que nos rodeiam - energia, água, terra, ovelhas, ar, vacas, pessoas, cachorros, cadeiras, calor, distância. etc. - possuem quantidade. Não existe nada sem quantidade. Portanto sentimos tudo que nos rodeia através da sua quantidade. A quantidade existe em todas as coisas e a percebemos através dos nossos sentidos. Na pecuária o homem é obrigado a administrar o movimento quantitativo dos rebanhos; na agricultura o homem administra o movimento quantitativo das terras produtivas, do tempo, das sementes, do produto, etc. Na produção de metais o homem administra o movimento quantitativo do calor, do mineral, das unidades produtivas, etc. Enfim, em todas atividades produtivas o homem precisa administrar múltiplos movimentos quantitativos. Para isto ele inventa o número: Número é a ideia criada pelo homem para administrar e controlar os movimentos quantitativos envolvidos na produção e, de forma mais geral, que acontecem na natureza humana. Numeral é o símbolo que expressa o número. E linguagem numérica é este conjunto de símbolos e ideias que o homem criou para operar coletivamente sobre os diversos movimentos quantitativos que compõem a natureza humana. Com o desenvolvimento da produção o homem passa a trabalhar ainda mais intensamente com os aspetos quantitativos dos movimentos que administra. E, com isto, começa também a sentir necessidade de desenvolver ainda mais a linguagem das quantidades. Esta inicialmente nasce no interior da linguagem das palavras. É a linguagem das palavras o terreno em que nasce a linguagem das quantidades ou, mais especificamente, a linguagem numérica. Assim como a linguagem numérica é determinada pela linguagem das palavras, APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 7 a aprendizagem daquela tem como condição a aprendizagem da linguagem das palavras. As relações sociais determinam a linguagem das palavras e, por isto mesmo, determinam também a linguagem numérica. Contudo, mediando a ação social humana e a linguagem numérica existe a linguagem das palavras. Esta mediação garante à linguagem numérica um caráter diferenciado. Nascendo da linguagem das qualidades, a linguagem numérica se desenvolve em oposição a ela: cada salto seu é produto da necessidade da sua diferenciação e cada salto na diferenciação é ocasionado pelo seu desenvolvimento. Realmente todo desenvolvimento da matemática acontece como processo de diferenciação destas linguagens: é o esforço humano para se liberar da linguagem das palavras no trabalho que exerce com movimentos quantitativos. É a luta da linguagem numérica para se emancipar de sua origem - a palavra. E, nesta diferenciação, forma-se na linguagem numérica um atributo novo. A linguagem das palavras se dinamiza no sentido de provocar o surgimento de um determinado pensamento, de uma determinada ideia. Falamos ou escrevemos alguma coisa para alguém buscando fazer surgir no seu pensamento as imagens que queremos comunicar. A linguagem matemática, por sua origem na palavra, mantém esta dinâmica. Mas acrescenta uma nova que lhe é específica, que se deve ao seu caráter diferenciado. Ela é operacional. Trata-se de uma linguagem que tem uma espécie de funcionamento interno, objetivo. Se temos trinta reais no bolso, seiscentos no banco e quatrocentos e trinta e dois na poupança, podemos jogar tudo isto no conjunto de regras operacionais codificadas da adição e obter um dado novo, impossível de ser obtido só pelo pensamento: o total do dinheiro que é fornecido pela sentença matemática - trinta mais seiscentos, mais quatrocentos e trinta e dois é igual a mil e sessenta e dois reais - que como que pensa por mim. O conhecimento matemático é um movimento que se dá do aspecto qualitativo das coisas para o seu aspecto quantitativo: Toma-se uma certa qualidade como ponto de partida - por exemplo, uma porção de terra, um rebanho de ovelhas ou ainda um carro numa estrada - e busca-se registrar e administrar a sua quantidade - as dimensões da terra, o número de ovelhas ou a velocidade do carro. A qualidade é identificada e isolada das outras através da linguagem das palavras; a regularidade e o ritmo do movimento constituem os aspectos quantitativos e figurativos que as linguagens numéricas e geométricas buscam apanhar. E isto é feito através da criação de algoritmos. Trabalhando o homem precisa operar, constantemente, com ideias, isto é, precisa operar mentalmente. Uma das ideias sempre presentes no trabalho humano é a da quantidade. Na produção o homem lida diretamente com quantidades, ou melhor, com movimentos quantitativos. Assim os criadores de ovelhas, de porcos, de aves, de gado bovino, enfim, de animais em geral, precisam administrar a quantidade de seus rebanhos: saber se todos que foram pastar voltaram, saber quantos filhotes nasceram, quantos morreram, etc. Para controlar e administrar os movimentos quantitativos da produção o homem inventou o número e uma série de operações mentais para registrar as variações quantitativas: quando se juntam dois rebanhos, quando se separa uma certa quantidade do rebanho original, etc. Estas combinações de elaborações numéricas criadas para operar com quantidades, que se constituem nas operações mentais mais comuns e que mais aparecem na atividade produtiva e que, portanto, constituem operações mentais repetitivas ou saber calcular são chamados de algoritmos: Algoritmo (ou saber calcular) é a formalização de uma operação mental genérica superior criado para operar com os números; com os algoritmos o homem controla e registra os movimentos quantitativos que ocorrem na produção. Todos os movimentos naturais possuem o aspecto quantitativo. Todos movimentos naturais possuem regularidade. Regularidade de um movimento natural é repetição de resultados que ele apresenta sempre que se encontrar submetido a certas condições comuns. A regularidade também é chamada pelos cientistas de lei natural. As regularidades se expressam em variações quantitativas determinadas que sempre são passíveis de serem apreendidas por algoritmos, que constituem o aspecto operacional da linguagem matemática . De forma geral a resolução dos problemas teóricos conceituais são sistematizadas na forma de algoritmos. O algoritmo é, portanto, a formulação genérica, universal da dinâmica interna do conceito; é o seu aspecto operacional mental que sempre se repete dentro da variação quantitativa que, inicialmente, aparenta ser aleatória. A experiência acumulada ao longo da prática produtiva e da aprendizagem técnica permite a síntese algorítmica. Vimos que o movimento de aprendizagem se inicia com a linguagem emocional-afetiva; a partir dela e no seu interior é desencadeada a aprendizagem da linguagem sensitiva; a dinâmica interna desta se desenvolve até o salto qualitativo que inicia o processo de aprendizagem das palavras; é no interior desta última mas ao mesmo tempo dela se destacando como um campo autônomo que se inicia e se desenvolve a linguagem das quantidades e das formas - a linguagem matemática. A aprendizagem é um movimento contínuo de desdobramento da linguagem no interior do processo global de formação do homem. Assim é que, no interior da linguagem matemática matura-se a linguagem das ciências naturais - a física, a química, a geográfica física, etc. - o que propicia o desencadeamento de sua aprendizagem. Da mesma forma, no interior de todas as linguagens, mesmos as iniciais, os processos de maturação e desenvolvimento vão propiciando a geração de outras linguagens fundamentais para a ação educativa. Assim na linguagem emocional-afetiva se cria e se dinamiza a linguagem psicológica; na linguagem sensitiva vão se criando as linguagens específicas musical, pictórica, corporal, rítmica, etc.; na linguagem das palavras, o seu caráter documental e contextual propicia a criação da linguagem histórica e antropológica (geográfica cultural e social). Este processo sequencial de aprendizagem tem como referência básica a educação infantil. Contudo, trata- se de um processo universal pois tem como base o movimento fundamental através do qual a nossa espécie constituiu a sua humanidade. É devido a este caráter genérico e universal que podemos concluir que ele não se restringe à educação infantil mas que, com certeza, se refere ao desencadeamento da ação educativa efetiva, que supere a ação de treinamento que tem prevalecido até agora para qualquer idade. Esta não é uma simples suposição teórica mas se trata de um princípio com bases em experiências educacionais marcantes. A literatura pedagógica que trata de experiências concretas revela que em todas o encontro afetivo dos personagens educativos - os alunos e educadores - é o primeiro passo para que a ação educacional se inicie. E que todas as outras linguagens se formam no seu interior, não se excluindo e se antagonizando, mas se combinando dentro da sequência que apresentamos acima. Até agora respondemos a questão de qual é o momento de criar matemática; agora vamos responder a questão porque criar (e não treinar) matemática. Matemática significa, em grego, saber pensar. Ora, é o pensar que nos torna humanos. Desta forma o primeiro e principal objetivo da matemática é o de humanizar este animal bípede, de andar ereto, que sai do útero materno totalmente indefeso e dependente e que assim permanece por um largo período, muito maior que o experimentado pelos filhotes de todas as outras espécies. APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 8 O homem criou a matemática para resolver os vários problemas colocados pela sobrevivência. Mas com ela e as outras linguagens, o homem criou o pensar e a sua racionalidade; recriou-se, assim, enquanto animal racional, elevando o animal à razão. O homem criou a matemática e a matemática criou o homem. A matemática é humana e o humano é matemático. Com ela o homem resolve os grandes e pequenos problemas colocados pela vida. Mas é, certamente, na resolução do nosso principal e mais vital problema - o do encontro do homem com a sua racionalidade e humanidade - que se radica a importância desta ciência. A matemática surge, inicialmente, colada com a prática. Seu início, assim como o de todos os campos do pensamento, é eminentemente empírico e técnico. Os seus conceitos fundamentais aparecem, embrionariamente, como ferramentas: para contar as ovelhas, use as pedrinhas; para adicionar e subtrair os seus lucros e perdas, use o ábaco; para levantar uma parede perpendicular, use o triângulo de cordas 3- 4-5, e assim por diante. Tal como a enxada, o martelo, o arado, os conceitos matemáticos não passam de equipamentos que se aprende a manejar através de treinamento voltado para tarefas imediatas. Trata-se do saber fazer matemático; estamos, por enquanto, distantes do saber pensar. O desenvolvimento conceitual aos poucos vai descolando a matemática da prática imediata e empírica. E, com ele, a reflexão vai se desenvolvendo antes da ação para guia-la e orienta-la. O saber pensar surge e se desenvolve a partir do saber fazer até que, num determinado momento, adquire movimento próprio. E, com ele, o espaço humano se expande transformando qualitativamente a vida da espécie. O momento anterior ao da ação - o do planejamento da ação - passa a ser determinante nas relações entre os homens. Entretanto o saber pensar surge e se desenvolve no mesmo movimento em que a humanidade se divide em duas classes: a classe minoritária daqueles que dominam e dirigem a ação do trabalho e a classe majoritária e dominada daqueles que agem, que trabalham. O saber pensar se separa do saber fazer não apenas na dimensão intelectual mas, também e principalmente, na social: um pequeno grupo de homens é separado dos demais e a eles é atribuída a função de pensar sem fazer enquanto às grandes massas fica a tarefa de fazer sem pensar. A separação do trabalho intelectual do manual faz com que o saber pensar surja junto e identificado com o saber dominar. É por isto que o conhecimento de uma forma geral e o matemático de uma forma particular passam a ser mistificados enquanto instrumentos de poder. Pensar é poder e poder é pensar. A ciência, a arte e a cultura transformam-se, assim, em fontes de poder e, como tal passam a ser objetos de apropriação de uma classe que, com esta posse, se torna dominante. Como vimos, algoritmo é a estrutura lógica numérica-geométrica criada para o registro e controle da regularidade e ritmo dos movimentos quantitativos. Todo conceito matemático e todos os conceitos das ciências que trabalham com a linguagem matemática possuem, devido ao seu caráter numérico, o aspecto algoritmo. Desta forma a linguagem matemática é o movimento humano de criação de algoritmos que acontece da qualidade para a quantidade do universo. É a fusão do saber pensar com o algoritmo, resultando o saber calcular. Apartado dos elementos conceituais, isto é, formadores do pensamento, o algoritmo se reduz a um código de regras, a um mecanismo mental, a um mecanismo algorítmico. E o saber calcular - fusão do algoritmo com o conceito - cede lugar ao saber fazer matemático rasteiro, ao mentefato (nome dado pelo educador matemático Ubiratan D'Ambrósio aos mecanismos mentais). Desta forma a produção mecânica, extensiva, de massas, gerou uma solicitação imediatista, utilitarista e alienada do desenvolvimento conceitual à educação matemática: produza massivamente operadores de mecanismos algorítmicos pois a produção precisa urgentemente deles. Para obtê-los a indústria só tinha um caminho: direcionar a educação matemática e das ciências exatas para a aprendizagem do treinamento, para a formação de operadores de mentefatos, de mecanismos algoritmos. A não aprendizagem do saber-pensar de um conceito não representa nenhum impedimento em aprender a sua operação (saber fazer). Isto se deve ao fato que todo conceito matemático possui um duplo aspecto: o de ser formativo do pensamento (pois é produto do pensamento) e o de ser operacional (produzir resultados imediatos e objetivos). Esta dualidade e essencial à linguagem matemática. A aprendizagem do saber pensar é ampla e profunda e implica na transformação de todo o processo da racionalidade do educando; já a aprendizagem do saber fazer é superficial posto que é repetitiva e manual e pode se dar sem mudança da racionalidade. Quando o saber fazer é definido socialmente como prioritário, o saber pensar se torna seu entrave. A aprendizagem do saberfazer, por não implicar em pensamento, acontece simplesmente pela manipulação das regras da operacionalidade do conceito, do treinamento no mecanismo algorítmico. Daí chamarmos esta aprendizagem (que para o saber pensar é uma contra- aprendizagem) de pedagogia de treinamento. Todo conceito matemático e todos os conceitos das ciências que trabalham com a linguagem matemática, possuem, devido ao seu caráter numérico, o aspecto algorítmico. Apartado dos elementos conceituais, isto é, formadores do pensamento, o algoritmo se reduz a um código de regras, a uma máquina, a um mecanismo algorítmico. Ele tem apenas uma função: garante que, se partimos dos mesmos dados, chegaremos todos a uma mesma resposta (ou respostas). Muitos educadores matemáticos defendem a ênfase na utilidade social de um conceito matemático como forma de superar a alienação inerente ao mecanismo algorítmico. Contudo é exatamente este aspecto utilitário que determinou a prioridade no saber fazer em detrimento do saber pensar. A partir daí a pedagogia matemática e, de modo geral, toda a pedagogia caminhou e se diversificou, tendo como elemento fundamental este aspecto de treinamento. Desta forma, toda a ação pedagógica, mesmo aquelas que se revestem de uma aparência de participação e de criação, que se efetiva por regras pré- estabelecidas tem o princípio do treinamento como seu elemento dominante. O caráter operacional específico (algorítmico) tem sido tão útil ao trabalho humano no trato com os movimentos quantitativos que passa a ser o predominante na linguagem matemática. Mas o que tem mais contribuído para este predomínio é mesmo o fato do trabalho humano estar dominado pela atividade mecânica. O fato da civilização se iniciar e se desenvolver com a busca permanente da redução do homem à condição de máquina - o que caracteriza a sociedade de classes que por milênios e milênios tem se expandido até os nossos dias - comprometeu a linguagem matemática com o seu aspecto operacional, omitindo, combatendo e escamoteando até o esquecimento o seu elemento inicial de identidade com a linguagem das palavras: o de gerador de ideias. A própria linguagem das palavras tem sofrido restrições e reduções mecanicistas. Contudo, como a linguagem matemática possui altamente desenvolvido este caráter operacional, ela tem sofrido muito mais as distorções deste processo de violência anti-humana. Desta forma ocorre uma inversão entre causa e consequência: o caráter operacional perde a sua combinação com o pensamento, e se transforma no único elemento da linguagem matemática. E isto acaba APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 9 penetrando e distorcendo totalmente a educação matemática: o aluno tem de aprender a operar o conceito matemático e não a pensar através dele. Isto é, apenas o aspecto mentefato do conceito é apreendido. Com a informática torna-se desnecessária a produção de operadores de algoritmos mentais. A educação matemática livra-se, assim, da aprendizagem de treinamento e pode se voltar à sua finalidade básica: a de formação do homem enquanto ser pensante e criador. As transformações tecnológicas que há algumas décadas estão transformando vertiginosamente as relações humanas com a informática, a robótica e a automação criaram um dado novo para a educação matemática em geral: todos os algoritmos de todas as ciências são transferidos (ou transferíveis) para o maquinismo não humano. Desta forma o mentefato e o mecanismo algorítmico mental tornaram-se desnecessários, mais que isto, inúteis, atrasados e imperfeitos. A consequência imediata disto é o colapso da pedagogia do treinamento posto que a estrutura educacional formadora de operadores de mecanismos algorítmicos mentais se tornou também inútil, atrasada, vazia e obstaculizadora do desenvolvimento humano. Este colapso traz a grande questão para a educação dos nossos dias: que homens ela deve formar agora? Respondemos: homens que saibam pensar. A educação deve ser criada para dar prioridade ao saber pensar ao invés do saber fazer. O homem torna-se, assim, novamente o centro de suas preocupações pois ele não vem mais mascarado ou de máquina ou de senhor. Com isto a matemática e todas as outras ciências, todas as artes e culturas, estão liberadas para realizarem o seu objetivo maior: o autoconhecimento do homem pelo homem. O centro da aprendizagem deixa de ser o movimento operacional e passa a ser o conceitual. Como se dá o nosso movimento conceitual? A partir do aspecto puramente lógico-operacional ou a partir do aspecto lógico-histórico? É a lógica operacional do conceito ou é a lógica de sua criação histórica que determina o seu conhecimento e, portanto, a sua aprendizagem? Trata-se de um posicionamento metodológico referente à teoria do conhecimento que imediatamente não é acessível aos educadores. É claro que todo o nosso trabalho de crítica até agora já orienta no sentido da superação da lógica- operacional e da adoção da lógica-histórica que é a lógica da evolução conceitual, da sintetização da dinâmica da criação histórica na própria evolução do conceito. Se rejeitamos o aprender-fazer da operacionalidade do conceito como elemento desencadeador do movimento de aprendizagem o que tomaremos em seu lugar? Já sabemos que é o saber-pensar. Mas onde se materializa este saber-pensar? Para nós só existe uma resposta: na evolução histórica conceitual do homem. O homem aprendeu a pensar criando, historicamente, conceitos. Da mesma forma o educando aprenderá pensar criando conceitos num movimento semelhante ao da evolução histórica do conceito. Compreendemos história, aqui, não no sentido fatual, cronológico, fortuito mas sim no seu significado fundamental do homem criando a si próprio através do desenvolvimento de sua racionalidade conceitual. É a história do conceito, despida dos elementos ocasionais e centrada no ato de criação, que nos dá a dinâmica do saber-pensar e que deveremos transformar em plano de ação pedagógico, em ação educativa concreta de sala de aula. A criação numérica aconteceu primeiramente com o homem utilizando o seu corpo (dedos, toques, fala, etc.) e objetos do seu ambiente para contar as quantidades que ele precisava administrar: o numero de animais (ovelhas, vacas e bois, porcos, aves, cavalos, etc.) do seu rebanho, o número de pessoas da sua tribo, e assim por diante. O homem inventou a contagem para administrar os movimentos quantitativos necessários para a sua vida. Para realizar esta contagem criou alguns instrumentos operacionais: os objetos que o cercavam e elementos do seu corpo. Com base neste instrumental concreto criou um elemento de racionalidade, de pensamento, uma abstração: a correspondência biunívoca. Estes três elementos da sua primeira criação numérica - a contagem, o instrumental concreto, e a correspondência biunívoca - compõem o primeiro conceito numérico e matemático que chamamos numeral objeto. O numeral objeto é o primeiro momento da criação numérica e precede o numeral escrito. A pedagogia do treinamento passa por cima desta primeira criação matemática ou, no máximo, faz-lhe uma rápida e superficial menção. Procurando agilizar o mais rápido os mentefatos numéricos, considera perda de tempo qualquer trabalho pedagógico que não parta diretamente dos numerais escritos modernos. "As crianças já sabem o que e número". Para esta pedagogia todo o treinamento repetitivo e massacrante que massificou os numerais hindu-arábicos nas cabecinhas infantis - na escola as professoras fazem as crianças repetir várias vezes a grafia dos numerais, fazem-nas andar sobre eles; os programas infantis de televisão mostram à exaustão "este é o 1, este é o 5 ...", em casa os pais orgulhosos falam "meu filho já sabe contar até 50" - é considerado equivocadamente como aprendizagem numérica. Pelo contrário, a aprendizagem numérica se inicia com o numeral objeto, isto é, comos educadores elaborando um movimento pedagógico no qual as crianças criam o numeral objeto. A Alfabetização Matemática ou, como denominam alguns matemáticos, a Numeralização, é o momento principal de todo o movimento de aprendizagem matemática do aluno. Nela o educando deveria aprender a pensar numericamente no universo do Número Natural. E a qualidade, a abrangência e profundidade do pensamento numérico que aqui se formar, determinará toda a futura educação matemática - e não só matemática mas também científica, cultural e artística - do educando. Porém o que ocorre é que os educandos passam por ela na pré-escola e nas séries iniciais sem adquirir pensamento numérico. Ou seja, não são alfabetizados. Isto porque se compreende que o aluno alfabetizado é aquele que sabe utilizar números em jogos eletrônicos, sabe recitar grandes números, alguns até escrevê-los, lêem números de telefones, lidam com números decimais em supermercados e shoppings, em resumo, que sabe escrever, falar e identificar números. E como o aluno adquiriu estas habilidades? Simplesmente pelo método do treinamento pelo uso exaustivo em seu meio. Dezenas, centenas, milhares, milhões, bilhões de vezes por dia os algarismos foram mostrados a ele. Na sala de aula o professor entende que o método de aprender números e cálculos é o mesmo da vida cotidiana. Mostra o número numa infinidade de exercícios. Quando muito, inova fazendo o diagnóstico do que já sabe de leitura e escrita do número e continua a partir daí escrevendo e lendo números com as crianças em exercícios de identificação e aplicação em situações cotidianas. Músicas com números, histórias infantis com números, jogos educativos não mudam o enfoque de aprender número lendo e escrevendo e adivinhando regras. Para casa o aluno leva lições que instigam a repetição e adivinhação de regras. Na televisão o palhacinho alegre atrai com imagens e sons a atenção da criança para o mundo alegre dos números e das contas. Em casa, papai e mamãe querendo acelerar a aprendizagem dos filhos, ajudam repetindo a cantilena da escola e da televisão. Sob tal bombardeio as crianças adquirem, na verdade, um condicionamento numérico, algo totalmente distinto de pensamento numérico: sabem manipular os números nos dedinhos, sabem escrever os algarismos, sabem recitar versinhos e cantar musiquinhas de contagem, sabem identificar os símbolos numéricos e diferenciá-los, mas não sabem pensar numericamente. Este condicionamento numérico é concebido como aprendizagem "via socialização". Os professores partem APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 10 de uma falsa suposição de que o aluno já está de posse do conceito numérico quando, na realidade, o máximo que possuem é o senso numérico, algo instintivo que nada tem a ver com pensamento. A ausência do pensamento numérico determinará a "aprendizagem" matemática posterior que não passará de uma "construção" feita com pré-moldados: cada bloco é fabricado numa matriz separada e todo problema se reduz à questão do encaixe. Desta forma, a aprendizagem algébrica acontecerá de forma totalmente independente do conceito numérico e a aprendizagem do cálculo analítico acontecerá como um processo em si mesmo. Tudo enfim, se reduzirá a um treinamento de regras e procedimentos: o sistema decimal, as operações e seus algoritmos, a estrutura dos conjuntos numéricos, a expansão numérica e todos os outros conceitos que têm suas bases de formação no número. Por trás desta ilusão está a dura verdade dos altos índices de repetência, reprovação e rejeição à matemática em nossas escolas confirmados tanto por nossas experiências e quanto por muitas pesquisas. Enquanto o pensamento numérico estiver ausente da visão de mundo do educando, este permanecerá um analfabeto em matemática está na base da visão fragmentadora do ensino de matemática.. O conceito numérico não pode ser nem transmitido nem treinado; ele tem de ser (re)criado pelo educando. Ou seja, o educando tem que viver ativa e intensamente a dinâmica que o trabalho humano viveu na gestação do conceito numérico. Os momentos significativos deste movimento de criação e, em cada momento, os elementos dialéticos desta criação tem que ser combinados numa proposta de aula que leve cada aluno e a toda a classe a se organizar e mobilizar todas as suas forças, energias e capacidade de imaginação para criar o conceito. A ação pedagógica, portanto, só se dará se conseguir efetivamente ganhar o educando para o movimento de criação humana, se conseguir integrá-lo ativamente neste maravilhoso movimento. A questão do certo e do errado, desta forma, é totalmente secundária. Ou melhor, muda de plano: o certo não é se o aluno expressou a resposta que queremos dele mas se ele realmente se mobilizou, mais que isto, se se apaixonou pela questão colocada e se transformou um problema que é da humanidade num problema seu. Na criação do conceito numérico identificamos quatro momentos básicos da aprendizagem: 1. - o senso numérico que todos nós temos (inclusive vários outros animais também o possuem) e que é o ponto de partida da aprendizagem; 2. - o numeral objeto que constitui o primeiro ato de criação numérica do homem; 3. - o numeral repetitivo, o primeiro registro escrito numérico humano; 4. - o numeral semi-repetitivo, a primeira síntese grupal numérica; 5. - o numeral abstrato atual, a realização máxima da abstração numérica. Qual o sentido maior da educação: mostrar os caminhos ou tornar o homem um rompedor de novos caminhos? Treiná-lo ou torná-lo um criador? Adaptá-lo ou emancipá-lo? Programá-lo ou libertá-lo de todos os programas e esquemas? Caros alunos, prestem muita atenção na aula. Se tiverem alguma dúvida, perguntem imediatamente. Não percam o "fio da meada" caso contrário perderão a meada toda. Não se distraiam nem conversem com os colegas pois hoje aprenderemos uma matéria nova, muito importante. Trata-se de logaritmo: - Seja dado ac = b; chamamos de logaritmo de b na base a ao número c. Entenderam? - Agora prestem atenção ao exemplo-modelo que eu vou resolver na lousa: - Para calcular o logaritmo de 8 na base 2 decompomos 8 no fator 2, o que resulta 23. - Como 23 = 8 resulta que o logaritmo de 8 na base 2 é 3. - Entenderam? Agora façam todos os exercícios da página 40 do livro. Não tem mistério: é só fazer igualzinho ao modelo que está na lousa. O que vimos acima é uma típica aula de matemática que acontece em quase todas as salas de aula do mundo, do pré-primário ao doutorado: - O conceito surge do nada, do éter ("matéria nova, muito importante"); - Magicamente é apresentado ("Seja dado"); - Ele é então "mostrado" do mesmo modo que é apresentado uma máquina ("logaritmo é ..."); - Mostra-se como ele "funciona" na prática ("Como 23 = 8 resulta que logaritmo de 8 na base 2 é 3"); - A partir daí é com o aluno; quanto mais exercício fizer "observando o modelo", quanto mais treinar, mais "dominará o conceito". Existe alguma diferença entre esta "aprendizagem" e a de como operar uma máquina qualquer? Do mesmo modo que você aprende a dirigir um carro, a jogar basquete, a operar o painel de um computador, a apertar os botões de uma prensa hidráulica, você aprende a lidar ou melhor, "manipular" um conceito. Trata-se da aprendizagem do tipo "mostrar, praticar e treinar" que não se restringe só ao aprendizado de matemática. Todas as ciências, linguagens, formas artísticas e culturais são "ensinadas" com esta "metodologia". Manipular o conceito, ao contrário de pensar com ele: este é o resultado desta pedagogia. O conceito não ultrapassa os limites das mãos e só chega ao cérebro na forma de condicionamento. Chamamos esta "pedagogia" de "Pedagogia" do Treinamento O sistema de ensino, em quase sua totalidade, está estruturado para o treinamento/adestramento do aluno. Trata-se da característicafundamental do que se convencionou chamar de pedagogia tradicional. Isto se dá de forma muito simples, direta e espontânea. O treinamento/adestramento do aluno por parte do professor é a forma mais fácil, cômoda e acessível de se "dar aula". Não é, pois à toa que os professores "praticam esta pedagogia" maciça, espontânea e inconscientemente. Transferida de pai para filho, de geração para geração, de professor para aluno, por séculos e séculos de condicionamentos e tabus, esta "metodologia" do treinamento/adestramento é "ensinada" e "apre(e)ndida" junto com os conceitos que busca "ensinar". Desta forma, junto com o treinamento em logaritmo, o aluno "aprende" também a agir e pensar sob regras (ou seja, é adestrado de modo a não criar e não pensar autonomamente) e a "ensinar adestrando". Porque todos nós, professores, alunos, pedagogos, psicólogos, artistas, músicos, pais, mães, trabalhadores, enfim, homens e mulheres do mundo inteiro somos tão irresistivelmente atraídos por esta "anti-pedagogia" ? Porque todos nós, de Nova York à Cingapura, de Tóquio ao Alegrete, vivemos numa mesma sociedade: a Sociedade do Trabalho Mecânico. Trata-se de uma forma de organização social que tem como elemento principal e característico a redução do homem à condição de máquina produtiva. Já vimos, anteriormente, como a nossa civilização, desde os seus primórdios com o surgimento das primeiras formações sociais mais complexas - as egípcia, babilônica, persa, chinesa, hindu, etc. - tem se desenvolvido com base no uso, cada vez mais intenso e extenso, da máquina humana. E em nosso século essa redução do trabalho humano ao seu aspecto mecânico e repetitivo atingiu o seu ponto máximo. Chegou-se, assim, ao extremo de que em todos os APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS 11 cantos do planeta, a todo segundo, todos os homens e mulheres passaram a viver condições de vida que atuam no sentido de transformá-los em máquinas produtivas. E a educação, a mais humana das atividades sociais, devido exatamente a esta condição, sofreu uma brutal reversão de sua dinâmica e de seus fins. De atividade libertadora do homem transformou-se em escravizadora, buscando formar a máquina humana ao invés do homem senhor do seu destino e, portanto, das máquinas. Atualmente vivemos um período em que as condições que geraram esta pedagogia estão se transformando. A revolução técnica possibilita a criação de máquinas programáveis para todas as atividades que antes eram levadas pela "máquina humana". Esta, portanto, tornou-se desnecessária. Não é mais necessário reduzir o trabalho humano a trabalho mecânico e repetitivo; não é mais preciso transformar o homem em máquina sem pensamento; não é mais necessário, portanto, treinar e adestrar o homem. A micro-eletrônica e a informática possibilitam a substituição de toda a atividade mecânica humana, tornando desnecessária a sociedade do trabalho mecânico. Esta é a razão do esgotamento da pedagogia do treinamento/adestramento. O esquema tradicional do professor falando e mostrando e do aluno prestando atenção, anotando e fazendo extensamente "exercícios" (realmente, esta é a palavra certa: "exercícios") repetidos e sem criatividade transformou-se numa sucata e sem sentido. Enfim, a chamada pedagogia tradicional esgotou-se definitivamente. O esgotamento das pedagogias tradicionais abriu, nos tempos atuais, um amplo leque de tentativas e alternativas pedagógicas. Todas tentam responder a questão central: como levar o aluno à aprendizagem do conhecimento que supere o treinamento/adestramento? Foi Piaget um dos primeiros estudiosos a levantar a necessidade da aprendizagem acontecer através do processo de "criação" do conceito. Ao enfatizar que conhecimento não se "transfere" nem se "transmite"; que ninguém substitui o educando no movimento que este realiza ao (re)criar o conceito; que a ação do professor não é de "dar" ou mostrar o conhecimento ao educando mas sim de organizar o processo educativo de modo que o educando o elabore, num esforço próprio; Piaget apontava o objetivo básico do movimento pedagógico: trata-se de transformar o educando num agente autônomo. Esta é a essência do que se costumou chamar de construtivismo. Porém, por que o construtivismo é tão difícil se tornar uma prática pedagógica? Por que não terá ultrapassado ainda a condição de metodologia em experimentação, apesar de seus mais de 50 anos de vida? A nosso ver quatro são as razões fundamentais que distanciam o princípio correto da busca da autonomia da prática pedagógica generalizada: . Em primeiro lugar Piaget não desvendou o laço de compromisso entre a "pedagogia" do treinamento/adestramento com a sociedade do trabalho mecânico. E, desta forma, não foi até elucidação dos condicionantes sociais que amarravam a aprendizagem. Com isto sua crítica não ultrapassou à localização dos efeitos nocivos da "aprendizagem" mecânica o que, certamente, não foi pouca coisa. . Com tal limitação de origem, o construtivismo obrigou-se a conceber o processo da aprendizagem como algo que acontecia individualmente e, mais que isto, como a evolução do pensamento por fases e etapas dadas mais por condições genéticas do que sociais e históricas. . Tais etapas evolutivas do pensamento, assim concebidas, tornaram-se abstratas e puramente lógicas. O caminho para atingi-las tornou-se misterioso e nebuloso. A organização do processo educativo ficou sem nenhum princípio orientador a não ser pistas muito gerais e complexas. Para alcançar um determinado conceito o aluno teria que passar por várias operações abstratas anteriores sacadas exclusivamente da lógica formal. O conceito é percebido como o produto mágico do formalismo lógico. . O resultado mais comum do construtivismo para o processo de sala de aula é uma espécie de maêutica socrática que vêm na forma de estudo dirigido ou programado onde o professor organiza todo o movimento educativo no sentido de se chegar a uma resposta esperada. Os blocos lógicos, os jogos de aprendizagem, todos já vêm organizados para dar a "resposta certa" ao aluno que vem envolvida na ilusão de que este que "construiu" a resposta. As críticas de Vigotsky apontam direta e certeiramente para as duas primeiras lacunas do construtivismo. Tanto que os modernos teóricos desta concepção já a concebem sob a dupla ótica de Piaget e Vigotsky. Ainda assim há um traço de espontaneismo em Vigotsky onde ele percebe o social educando diretamente e criando uma base para aprendizagem escolar. Esta "educação espontânea" pode ser também uma ação da sociedade do trabalho mecânico adestrando e treinando os homens para o trabalho abstrato. Falta, portanto, a superação do seu logicismo formal que resulta na maêutica socrática e no dirigismo "oculto" que apontamos. Ou seja, falta substituir este logicismo formal, elemento essencial da pedagogia do treinamento, pela lógica dialética. A pedagogia conceitual que propomos toma o elemento central do construtivismo piagetiano, a busca da autonomia criativa do educando, o contexto social da compreensão de Vigotsky e, sob esta ampla e rica base pedagógica acrescenta o movimento dialético do conceito como caminho da aprendizagem. O conceito, qualquer que seja - número natural, número racional, equação, função, força, aceleração, célula, modo de produção, espaço, etc. - é, acima de tudo, produto coletivo, social e histórico do movimento do trabalho humano. E, como tal, o conceito é sempre síntese do trabalho humano. A sua evolução, os seus momentos sucessivos no sentido de uma amplitude e profundidade maiores são marcados por uma essencial identidade com a própria evolução do trabalho humano. Desta forma a linha de criação de um conceito é idêntica à dialética do trabalho humano, sendo por esta determinada. Esta identidade entre o conceito e o trabalho humano é a chave para desvendar o "misterioso"
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