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O sistema global de proteção geral aos direitos humanos Não faria sentido a existência de tantos direitos assegurados em tratados internacionais se não fossem criados mecanismos de monitoramento. É por essa razão que os tratados internacionais, além de instituírem uma gama de direitos, também estabeleceram diversos órgãos de monitoramento, cuja finalidade consiste em acompanhar a implementação e a observância dos direitos humanos dentro dos respectivos territórios dos Estados signatários. A Carta Internacional de Direitos Humanos A Carta da ONU, de 1945, prevê em seu art. 55 que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH fixou o rol dos direitos e liberdades fundamentais que deveriam ser assegurados e protegidos. Verificada a natureza jurídica daquele documento (declaração, e não tratado), alguma insegurança surgiu, já que, para a maioria dos teóricos, apesar de os princípios da DUDH já estarem consagrados pelo costume internacional, esta não teria força jurídica obrigatória e vinculante. Com a finalidade de tornar os direitos e garantias afirmados na DUDH juridicamente vinculantes e obrigatórios, foram instituídos dois pactos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses três documentos internacionais formam a chamada International Bill of Human Rights (em português, “Carta Internacional de Direitos Humanos”), que representa a base convencional do sistema global geral de proteção aos direitos humanos, tendo como destinatário da proteção o indivíduo genericamente considerado. A simples condição de ser humano assegura ao indivíduo toda a proteção do sistema. Atualmente, portanto, são instrumentos gerais de proteção: a DUDH, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Protocolo Facultativo contra a Pena de Morte e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Em linhas gerais, é possível afirmar que o sistema global de proteção geral tem, na DUDH, uma espécie de síntese dos direitos que foram pactuados nos dois tratados de 1966. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Conforme estabelece esse documento internacional, os Estados-partes têm o dever de assegurar os direitos nele elencados a todos os indivíduos que estejam sob sua jurisdição, obrigando-se a adotar as medidas necessárias para a realização de tal fim. Além de prover um sistema legal capaz de responder às violações dos direitos civis e políticos (obrigação positiva), cabe-lhes abster-se da prática de atos que atentem contra os ditos direitos. Ademais, as obrigações dos Estados de respeitar e assegurar os direitos previstos no pacto são imediatas, caracterizando a autoaplicabilidade. Por autoaplicabilidade, portanto, entendemos a situação jurídica em que os direitos humanos não estão sujeitos à disponibilidade de recursos econômicos. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Esse pacto apresenta um amplo rol de direitos, entre os quais estão o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito a formar e a associar-se a sindicatos, o direito a um nível de vida adequado, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à previdência social, o direito à saúde e o direito à participação na vida cultural da comunidade. Por terem os direitos econômicos, sociais e culturais aplicabilidade progressiva, os Estados se obrigam a adotar medidas até o máximo dos recursos disponíveis, a fim de alcançarem progressivamente a plena realização desses direitos. Existem essencialmente três formas de monitoramento dos direitos assegurados no sistema global (a sistemática de relatórios, o sistema de comunicações interestatais e o mecanismo de petições individuais), quer geral, quer especial. Alguns pactos poderão prever os três, poderão prever dois, ou até mesmo um único, qual seja, a sistemática de relatórios. Todos esses meios giram em torno de um comitê, que visa ao monitoramento dos direitos previstos no respectivo pacto. Assim, por exemplo, o Comitê de Direitos Humanos foi instituído pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos; o Comitê sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais, pelo pacto de mesmo nome; o Comitê contra a Tortura, pela Convenção contra a Tortura, e assim ocorre nas demais convenções. A sistemática de relatórios As comunicações interestatais O mecanismo das petições individuais A sistemática de relatórios Por ela, os Estados, assim que ratificam o respectivo pacto, ficam obrigados a encaminhar ao respectivo comitê relatórios sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas a fim de ver implementados os direitos convencionalmente previstos. No caso do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, devem ser encaminhados em um ano, a contar da ratificação do pacto, e sempre que solicitado pelo comitê. Ao comitê, cabe examinar e estudar os relatórios, tecendo comentários e observações gerais a respeito; posteriormente, cabe a esse órgão encaminhar o relatório, com os comentários aduzidos, ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Fique atento aos textos dos pactos, pois os procedimentos sofrem pequenas variações de pacto para pacto. As comunicações interestatais Por essa forma de monitoramento, um Estado-parte de um certo tratado pode denunciar outro Estado-parte por violações aos direitos humanos enunciados no tratado em questão. Para tanto, Estado denunciante e Estado denunciado deverão ter ratificado o pacto cuja denúncia relata a violação. Ademais, o manejo desse mecanismo só é possível se ambos os Estados tiverem firmado declaração em separado reconhecendo a competência do comitê para as comunicações interestatais. Antes de ser manejado esse mecanismo, devem ter fracassado as negociações bilaterais, assim como exige-se o esgotamento dos recursos internos no âmbito dos Estados. O mecanismo das petições individuais Assegura a indivíduos e organizações não governamentais o direito de apresentar petições denunciando violações de direitos enunciados no respectivo pacto. Esse mecanismo, assim como o de comunicações interestatais, pode estar previsto no próprio pacto, pode não estar previsto, ou pode ter previsão em um protocolo facultativo, isto é, em um tratado adicional. A petição individual só pode ser admitida se o Estado violador tiver ratificado o respectivo pacto. Ademais, são requisitos da petição, sem os quais ela não será admitida: esgotamento prévio dos recursos internos — salvo quando a aplicação desses recursos se mostrar injustificadamente prolongada, ou se inexistir no direito interno o devido processo legal, ou, ainda, se não se assegurar à vítima o acesso aos recursos de jurisdição interna — e a mesma questão não poderá ser examinada por outra instância internacional, ou seja, a matéria não pode estar pendente em outros processos internacionais. O direito à igualdade material, o direito à diferença e o direito ao reconhecimento de identidades são os fundamentos do sistema global especial, já que este se destina à proteção ao indivíduo historicamente situado. Trata-se da proteção de grupos que, historicamente, tiveram seus direitos humanos fundamentais violados de muitas formas. Para a proteção a alguns desses grupos, foram instituídas, pela ONU: • A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. • A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. • A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. • A Convenção sobre os Direitos da Criança. • A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, entre outras. O que caracteriza os sistemas regionais é suamenor abrangência geográfica. Enquanto o sistema global (ligado à ONU) tem alcance mundial, os sistemas regionais (ligados a organizações de cunho regional), normalmente têm alcance continental. Os três sistemas regionais consolidados são o europeu, instituído pela Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950; o sistema africano, instituído pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981; e o sistema interamericano, instituído pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos Apresenta um rol de direitos muito semelhante ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A seguir, reproduziremos alguns desses direitos, para, após, apresentarmos o sistema de monitoramento dos direitos humanos previsto na convenção. Cabe assinalar que esse instrumento, de maior importância no sistema interamericano, é também denominado Pacto de San José da Costa Rica. A convenção foi assinada em San José, Costa Rica, em 1969, entrando em vigor em 1978. Apenas Estados- membros da Organização dos Estados Americanos têm o direito de aderir à convenção americana. Artigo 3º - Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. Artigo 4º - Direito à vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competentes e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem a aplicar a mulher em estado de gravidez. 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competentes. Artigo 5º - Direito à integridade pessoal. 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. […] Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competentes, a fim de que decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competentes, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a. direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c. concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d. direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e. direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g. direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e h. direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade. Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se. Artigo 10 – Direito à indenização. Toda pessoa tem direito a ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença transitada em julgado, por erro judiciário. (OEA, 1969) Monitoramento No sistema interamericano, existem dois importantes órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). A comissão – É composta por sete membros eleitos a título pessoal, para período de quatro anos, permitida uma únicarecondução por igual período, pela Assembleia Geral da OEA, a partir de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-membros, devendo ser pessoas de autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos. Cabe à comissão promover a observância dos direitos humanos na América. Ao ler a convenção, você observará que a comissão tem funções conciliadora, assessora, crítica, legitimadora, promotora e protetora. Veja que a comissão não possui função jurisdicional, portanto não julga nem produz decisões com caráter substitutivo à vontade das partes. A corte – É órgão jurisdicional do sistema interamericano e é composta de sete juízes nacionais de Estados-membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da convenção. A Corte IDH apresenta competência consultiva e contenciosa. Dito de outra forma, possui duas atribuições essenciais: a primeira, de natureza consultiva, relativa à interpretação das disposições da convenção americana, assim como das disposições de tratados relacionados à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos; a segunda, de caráter jurisdicional, cuja finalidade consiste em apresentar solução de controvérsias que se apresentem acerca da interpretação ou aplicação da própria convenção. Controle Além do sistema de comunicações interestatais, que funciona de forma semelhante ao sistema global, tendo por órgão processante a comissão no sistema interamericano, existe, em âmbito regional, o mecanismo de petições individuais, que funciona da seguinte forma: O indivíduo enquanto sujeito de direito internacional Conforme foi visto até aqui, o indivíduo, hoje, também é sujeito de direito internacional, notadamente porque pode submeter demandas aos mais variados órgãos internacionais, o que pode ser feito por si mesmo ou por meio de ONGs. No direito internacional, quer no sistema global, quer nos sistemas regionais, o indivíduo tem, atualmente, uma participação significativa, mesmo quando não pode agir diretamente. Para exemplificar o papel do indivíduo como sujeito de direito internacional, vamos analisar agora duas condenações do Brasil pela Corte IDH. Primeiramente, não vamos esquecer que apenas a CIDH e os Estados-partes podem submeter um caso à Corte IDH, não estando prevista a legitimação do indivíduo, nos termos do art. 61 da convenção americana, entretanto o estatuto da corte permite a representação das vítimas perante o órgão. Ainda que indivíduos e ONGs não tenham acesso direto à Corte IDH, se a CIDH submeter o caso a ela, as vítimas, seus parentes ou representantes podem submeter de forma autônoma seus argumentos, arrazoados, e provas perante a corte. O caso Damião Ximenes Lopes Em 1º de outubro de 2004, em conformidade com o disposto nos artigos 50 e 61 da convenção americana, a CIDH submeteu à corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil, a qual se originou na denúncia nº 12.237, recebida na secretaria da comissão em 22 de novembro de 1999. A comissão apresentou a demanda nesse caso com o objetivo de que a corte decidisse se o Estado era responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal), 8º (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da convenção americana, com relação à obrigação estabelecida no artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) do mesmo instrumento, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes (portador de deficiência mental), pelas supostas condições desumanas e degradantes da sua hospitalização, pelos alegados golpes e ataques contra a integridade pessoal de que alega ter sido vítima por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes e por sua morte enquanto se encontrava ali submetido a tratamento psiquiátrico, bem como pela suposta falta de investigação e garantias judiciais que caracterizavam seu caso e o mantinham na impunidade. A vítima foi internada em 1º de outubro de 1999 para receber tratamento psiquiátrico na Casa de Repouso Guararapes, um centro de atendimento psiquiátrico privado que operava no âmbito do sistema público de saúde do Brasil, chamado Sistema Único de Saúde – SUS, no município de Sobral, estado do Ceará. O senhor Damião Ximenes Lopes faleceu em 4 de outubro de 1999 na Casa de Repouso Guararapes, após três dias de internação. Acrescentou a comissão que os fatos desse caso se veem agravados pela situação de vulnerabilidade em que se encontram as pessoas portadoras de deficiência mental, bem como pela especial obrigação do Estado de oferecer proteção às pessoas que se encontram sob o cuidado de centros de saúde que integram o SUS. A comissão, por conseguinte, solicitou à corte que ordenasse ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação citadas na demanda e o ressarcimento das custas e gastos. A sentença da corte No final da noite de 17 de agosto de 2006, a Corte IDH, o tribunal máximo da OEA, condenou o Brasil pela morte violenta de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no dia 4 de outubro de 1999, na Clínica de Repouso Guararapes, localizada no município de Sobral, interior do Ceará. A corte declarou em sua sentença que o Brasil violou sua obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos, violou o direito à integridade pessoal de Damião e de sua família e violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial a que têm direito seus familiares. Como medida de reparação à família de Damião Ximenes, a corte condenou o Brasil a indenizá-los. Nessa sentença condenatória, a corte deixa claro que o Brasil: […] tem responsabilidade internacional por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, bem como seu dever de regulamentar e fiscalizar o atendimento médico de saúde. (CORTE IDH, 2006) A corte também conclui: […] que o Estado não proporcionou aos familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso à justiça, à determinação da verdade dos fatos, à investigação, à identificação, ao processo e à punição dos responsáveis pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial. (CORTE IDH, 2006) Por unanimidade, os juízes da corte decidiram que o Estado deveria garantir a celeridade da justiça brasileira em investigar e sancionar os responsáveis pela tortura e morte de Damião. O caso Gomes Lund Em 24 de novembro de 2010, no caso Gomes Lund e outros contra o Brasil, a Corte IDH condenou o Brasil pelo desaparecimento de integrantes da guerrilha do Araguaia durante as operações militares ocorridas nos anos 1970. O caso foi submetido à corte pela CIDH. A corte reconheceu que o caso representava: […] uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre leis de anistia em relação aos desaparecimentos forçados e às execuções extrajudiciais, com a consequente obrigação dos Estados de assegurar o conhecimento da verdade, assim como da obrigação de investigar, processar e punir violações de direitos humanos. (CORTE IDH, 2010) A sentença da corte Na sentença, a corte afirmou que as disposições da Lei de Anistia de 1979 são manifestamente incompatíveis com a convenção americana, carecendo de efeitos jurídicos e não podendo seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações de direitos humanos, muito menos para a identificação e punição dos responsáveis. Para a corte, leis de anistia relativas a graves violações de direitos humanos são incompatíveis com o direito internacional e as obrigações jurídicas internacionais contraídas pelos Estados. Esses postulados fundaram-se em ampla jurisprudência produzida por órgãos das Nações Unidas e pelo sistema interamericano, destacando, também, decisões judiciais emblemáticas invalidando leis de anistia na Argentina, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Colômbia. A corte reafirmou um entendimento: as leis de anistia violam o deverinternacional do Estado de investigar e punir violações a direitos humanos. Encerramento Resumo O principal tema desta unidade foi a apresentação dos sistemas de proteção aos direitos humanos. Estudamos o sistema global geral, cujo foco de proteção é o indivíduo genericamente considerado. Posteriormente, estudamos o sistema global especial, cujo foco consiste no indivíduo historicamente situado. Em um segundo momento, vimos os sistemas regionais de proteção, com ênfase no sistema interamericano de direitos humanos. Por fim, conhecemos a condição de sujeito internacional do indivíduo. Também vimos, brevemente, os resultados de dois importantes julgamentos da Corte IDH que tiveram o Brasil como Estado denunciado. De tudo o que foi estudado nesta unidade, podemos concluir que os sistemas globais e regionais são complementares, que o sistema interamericano apresenta um órgão com competência jurisdicional, capaz de produzir decisões juridicamente obrigatórias e vinculantes, e, finalmente, que o indivíduo é o principal sujeito da proteção assegurada pelo direito internacional dos direitos humanos.
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