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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 348.777 - RO (2016/0031994-2) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR IMPETRANTE : JACKSON ALENCAR KRIIGER IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA PACIENTE : JACKSON ALENCAR KRIIGER (PRESO) ADVOGADOS : FERNANDA BATISTA LOUREIRO - DF035799 JAINARA CRISTINE LOIOLA DE SOUSA - DF027345 EMENTA HABEAS CORPUS. VÍCIO NO CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA. AUTORIZAÇÃO POR JUIZ INCOMPETENTE. PRESERVAÇÃO DO TEMPO DE PENA EFETIVAMENTE CUMPRIDO. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO FAVOR REI E DO NE BIS IN IDEM. 1. A nulidade da decisão judicial que autorizou a antecipação da pena do réu, cumprida por quase dois anos, não tem o condão de afastar o seu cômputo do cálculo da pena, uma vez que os princípios do favor rei e do ne bis in idem impõem a primazia do direito à liberdade. 2. Ordem concedida para determinar que, no cálculo da pena do paciente seja incluído, com todos os consectários legais, o período de encarceramento provisório, decorrente da decisão judicial proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções e Contravenções Penais (Projeto Ressoar – audiência realizada em 18/10/2012). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. Jainara Cristine Loiola de Sousa pelo paciente, Jackson Alencar Kriiger. Brasília, 13 de junho de 2017 (data do julgamento). Ministro Sebastião Reis Júnior Relator Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 1 de 5 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 348.777 - RO (2016/0031994-2) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de Rondônia, em benefício próprio, por Jackson Alencar Kriiger, apontando-se como autoridade coatora o Juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Porto Velho/RO. Ocorre que, tendo o Tribunal a quo verificado que a insurgência se dirigia contra acórdão proferido por órgão julgador da própria Corte, determinou a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça. Eis a ementa do referido julgado (fl. 25): Agravo em execução penal. Guia de execução inexistente. Cumprimento da pena. Impossibilidade. Insegurança jurídica. Não demonstrada. Recurso não provido. Nenhuma pessoa poderá ser recolhida para cumprimento de pena privativa de liberdade sem a devida Guia de Recolhimento. Inexistente a violação ao principio da segurança jurídica, se o agravante sabia que o benefício poderia ser retirado a qualquer momento, em razão de ter sido adquirido de forma irregular. Infere-se das razões do writ que o impetrante/paciente requer seja reconhecido como período de pena efetivamente cumprido, aquele em que permaneceu em prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, por decisão do Juízo das Execuções Penais. Aduz que, considerando o cumprimento antecipado da pena, bem como o período em que se encontra no regime fechado, está próximo a adquirir o direito à progressão de regime. O pedido de liminar foi indeferido (fls. 108/113). Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 2 de 5 Superior Tribunal de Justiça Prestadas as informações (fls. 60/69 e 71/105), o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, caso contrário, pela denegação da ordem (fls. 119/123). É o relatório. Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 3 de 5 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 348.777 - RO (2016/0031994-2) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): Consta dos autos que o paciente, em audiência realizada pela 1ª Vara de Execuções e Contravenções Penais da comarca de Porto Velho – Projeto Ressoar –, em 18/10/2012, apresentou-se voluntariamente para o cumprimento antecipado da pena, fixada no Processo n. 0004336-64.2010.8.22.0501, enquanto aguardava o julgamento do recurso especial por ele interposto. Na ocasião, a advogada justificou o pedido, asseverando que solicitado ao Tribunal de Justiça de Rondônia a expedição de guia de execução provisória, tendo em vista que o recurso especial não possui efeito suspensivo, o pedido fora negado, ao argumento de que, para tal desiderato, seria necessário que o réu desistisse do recurso em andamento, entendimento com o qual não concordava. A Magistrada, na presença do Ministério Público, atendeu ao pleito, assim decidindo (fl. 8): Pelo MM. Juiz foi deliberada a seguinte decisão: "Vistos: Primeiramente, data maxima venia da decisão do eg. TJRO, entendo que o direito a duplo grau de jurisdição é principio constitucional, pelo que exigir-se a desistência do recurso implicaria em cerceamento a direito constitucional, pelo que, tendo o apenado se apresentado para início do cumprimento de sua pena, determino que seja o mesmo encaminhado ao Regime semiaberto. Isso porque, em sendo hipótese de prisão cautelar, ocorre a execução provisória da sentença até decisão do recurso especial, devendo, na hipótese de ser a execução provisória mais benéfica ao réu, ser autorizada. No caso concreto, pendente de julgamento outra condenação que poderá ensejar fixação de regime fechado, entendo viável o inicio da execução da pena, uma vez que, quando da unificação ficará o apenado menos tempo em regime mais gravoso, pelo que, demonstrado de forma inequívoca ser mais benéfico ao apenado a execução provisória. Assim, tendo ele se apresentado, determino seu encaminhamento ao regime SEMIABERTO de sua condenação. No que pertine ao monitoramento, em que pesem os argumentos do MP, considerando o excesso de apenados na CAPEP e a resistência generalizada dos presos ao sistema de monitoramento, em caráter excepcional, AUTORIZO O MONITORAMENTO ELETRÔNICO desde a origem do cumprimento de sua pena, dispensando a exigência de 30 dias, já que o apenado tem, inclusive, emprego fixo. ASSIM, determino que o Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 4 de 5 Superior Tribunal de Justiça apenado se apresente diretamente na UMESP para monitoramento. AUTORIZO O TRABALHO NA EMPRESA EM QUESTÃO, devendo apresentar em 30 dias a carteira assinada, bem como apresentar carta de trabalho em 5 dias na UMESP informando dias, horário e local de trabalho. Autorizo, ainda, apenado a participar da seleção no PRONTOCOR, para o que deverá informar previamente NA UMESP seus deslocamentos. Finalmente, AUTORIZO o estudo, devendo o apenado apresentar carta de vaga, com dias, horários e locais das aulas na UMESP. Em nova audiência, realizada em 12/9/2013, o apenado solicitou a continuidade no cumprimento voluntário da pena, em que pese a não existência de guia de execução penal nos autos (fl. 9). Na oportunidade, o magistrado proferiu a seguinte decisão (fl. 9): Pelo MM. Juiz foi deliberada a seguinte decisão: "O réu foi condenado em dois processos com sentenças condenatórias, uma delas fixando no semiaberto e outra no fechado. O apenado requer voluntariamente o continuidade do cumprimento da execução da pena da condenação mais branda, ou seja, SEMIABERTO. O cumprimento antecipado da pena sem guia de execução não pode ser admitido, em tese, porque pode haver grave prejuízos aos interesses do réu, já que embora haja possibilidade de detração de pena futuramente, o réu vem sendo restringindo em seus direitos sem que haja titulo executivo judicial para justificar. De outro lado, o réu cumpriu já um ano da pena do regime SEMIABERTO, sem qualquer alteração, falta ou irregularidade. O princípio da segurança jurídica implicaem dever resguardar o cidadão mesmo nos casos em que haja decisões equivocadas, já que quer resguardar as relações jurídicas decorrentes. Por isso, entendo viável conceder prazo de 30 para que a parte venha a guia de execução penal, quando então analisarei os fatos alegados no desvio na execução. [...] Posteriormente, em 11/6/2014, ante o pedido do apenado de autorização para trabalhar como empresário individual, o Juízo da Vara de Execução Penal, com amparo no art. 66, VI, da LEP, declarou a nulidade de todos os procedimentos ocorridos a partir de 18/10/2012, incluindo-se a ata da audiência. Declarou, ainda, como não iniciado o cumprimento da pena – que ainda não existe – por antecipação, a qual só poderá ter início com a chegada de guia de recolhimento definitiva ou provisória (fl. 67). Por oportuno, confira-se a decisão em sua integralidade (fls. 63/67): Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 5 de 5 Superior Tribunal de Justiça Vistos em correição permanente. Esta semana tomei conhecimento procedimento, ao recebê-lo para analisar pedido de autorização para trabalhar como empresário individual por parte do requerente. Além disso, consta que cometeu infração no monitoramento eletrônico. Ao granjear às peças deste procedimento descortino inexorável ilegalidade na decisão que aceitou o Sr. Jackson como apenado por antecipação e que determinou a sua inclusão no sistema carcerário local, sem que apresentasse guia de recolhimento (provisória ou definitiva) ou mandado de prisão cautelar. A Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 – condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 105), ocorrendo o mesmo com a execução da pena restritiva de direitos (artigo 147). Dispõe ainda, em seu artigo 164, que a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado valerá como título executivo judicial. A Constituição do Brasil de 1988 , em seu artigo 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Cabe, ainda, como exceção, prisão provisória, ou seja, aquela decorrente de guia de recolhimento provisória mas, de qualquer forma, nos termos do artigo 107 da LEP, deve haver guia de recolhimento. Vejamos: Art. 107 - Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária. E, de acordo com o que dispõe o parágrafo único do artigo 2° da Lei 7.210/84, aplicam-se ao preso provisório, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária, todas as disposições do referido diploma normativo. Vale frisar que tal dispositivo legal refere-se àquela pessoa presa em decorrência da sentença penal condenatória, ainda passível de recurso (art. 387, parágrafo único, CPP – acrescido pela lei 11.719/2008). O CNJ disciplinou a matéria na Resolução 113/2010 da seguinte forma: Art. 8° Tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível, será expedida guia de recolhimento provisória da pena privativa de liberdade ainda quando pendente recurso "sem efeito suspensivo, devendo, nesse caso, o juízo da execução definir o agendamento dos beneficios cabíveis. Art. 9º A guia de recolhimento provisória será expedida ao Juízo da Execução Penal após o recebimento do recurso, independentemente de quem o interpôs, acompanhada, no que couber, das peças e informações previstas no artigo 1º. § 1º A expedição da guia de recolhimento provisória será certificada nos autos do processo criminal. § 2º Estando o processo em grau de recurso, sem expedição da guia de recolhimento provisória, às Secretarias desses órgãos caberão expedi-la e remetê-la ao juízo competente. Art. 10. Sobrevindo decisão absolutória, o respectivo órgão prolator comunicará imediatamente o fato ao Juízo competente para a execução, para anotação do cancelamento da guia Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 6 de 5 Superior Tribunal de Justiça Art. 11. Sobrevindo condenação transitada em julgado, o juízo de conhecimento encaminhará as peças complementares, nos termos do artigo 1º, ao juízo competente para a execução, que se incumbirá das providências cabíveis, também informando as alterações verificadas à autoridade administrativa. Pois bem. Não aportando nesta VEP e nem nos estabelecimentos prisionais guia de recolhimento (provisória ou definitiva) e nem mandado de prisão cautelar (flagrante convertido em preventiva, preventiva e temporária), é ilegal e inconstitucional a manutenção de qualquer pessoa na condição de preso, mesmo que este implore por isso. Com efeito, "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (inciso LXI do Art. 5º da constituição federal) É o caso dos autos. Nessa toada, a decisão exarada em 18 de outubro de 2012 é nula para todos os efeitos. Idem quanto às decisões subsequentes. Por conseguinte, toda "execução antecipada da pena", se é que podemos chamar assim, também deve ser considerada nula e de nenhum efeito. A autorização/ordem de prisão foi emanada de autoridade incompetente, pois só o juízo da ação penal poderia fazê-lo. Aliás, apesar do interessado estar há quase dois anos ''cumprindo pena" sem título, na verdade, não ficou um dia sequer encarcerado, pois num só golpe, lhe foi deferido o monitoramento eletrônico, dispensando-o da fila de espera, como ocorre com todos os presos. A fundamentação foi apenas que deve ser deferido em caráter excepcional", porque a CAPEP estava cheia e porque os presos resistiam ao sistema de monitoramento eletrônico. Contudo, é notório que os presos fazem filas para receber a monitoração virtual. Se hoje, que há quase duas mil tornozeleiras disponíveis é assim, imagine quando o equipamento era escasso? Violou-se o artigo 9º, parágrafo único da Portaria 16/2012 da VEP, que estabelecia: Quando do encaminhamento do preso para inclusão de trabalho nos convênios e posterior para implementação de monitoração eletrônica deverá ser sempre observado e respeitado pela unidade prisional a ordem de antigüidade de entrada do preso no respectivo regime, sob pena de responsabilidade do agente público; Ainda, lhe foi dispensada a permanência dos trinta dias na CAPEP para adequar-se ao regime semiaberto, como ocorre, também, com todos os presos, consoante artigo 3º, I, da Portaria 16/2012, então em vigor na VEP, que tinha a seguinte redação: As autorizações de trabalho externo serão concedidas pela administração da unidade desde que o sentenciado satisfaça os seguintes requisitos: I - Estar há mais de 30 (trinta) dias no regime prisional semiaberto ou ter iniciado o cumprimento da pena nesse regime ". Entendo que a decisão de 18/10/2012 foi de natureza administrativa, pois não eclodiu de nenhum processo judicial (principal, incidental ou preparatório). Também não foi nenhum caso de urgência que necessitaria a Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 7 de 5 Superior Tribunal de Justiça presença do magistrado para determinar busca e apreensão de pessoas e coisas, naqueles casos em que não há tempo hábil para requerer a medida. Assim, a considero um ato administrativo. E um ato administrativo nulo gera a nulidade de todos os atos dele decorrentes, bem como os respectivos efeitos. Nesse sentido, a título de exemplo: [...] Observe-se que referidos acórdãos são meramente exemplificativos, porque, após granjear a jurisprudência pátria, não encontrei situações similares. Não pode o interessado alegar prejuízo com esta decisão, porque ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Nessa tenda, observo que a autoridade judiciária que decidiu administrativamenteo fez mediante provocação da advogada Adriana Vilela (OAB/RO 4.408), a qual assinou a ata em seu termo final (embora conste o defensor público como presente e não ela). Assim, nos termos do artigo 5º, LXI, da Constituição da República c.c. Artigo 107 da LEP, na qualidade de corregedor permanente dos estabelecimentos locais para cumprimento de pena (LEP, art. 66, VI), DECLARO A NULIDADE de todos os procedimentos ocorridos a partir de 18/10/2012, incluindo-se a ata de audiência. Declaro, ainda, como não iniciado o cumprimento da pena – que ainda não existe – por antecipação, a qual só poderá ter início com a chegada de guia de recolhimento definitiva ou provisória. (sem grifos no original) Em face do decisum, a defesa impetrou habeas corpus na origem, tendo a ordem sido denegada (fl. 29), ao fundamento de que a decisão é inexistente, pois não há título executivo judicial – Guia de Execução – bem como esta não foi expedida, portanto, não poderia a Juíza da VEP despachar ou decidir sobre a situação do agravante se não havia processo (fl. 29). Como visto, o presente habeas corpus apresenta situação assaz inusitada, a determinar a concessão da ordem. Com efeito, iniciada a execução provisória da reprimenda, autorizada por ordem emanada de magistrado regularmente investido de jurisdição, posteriormente, fora anulado todo o tempo de pena cumprido pelo réu. Ora, da atenta análise dos autos, verifica-se que de fato há ilegalidades evidentes na decisão que autorizou a execução antecipada da pena, seja pela ausência de título executivo com força coercitiva, seja pela incompetência do Juízo da Vara de Execução Penal – que a autorizou, em descumprimento de decisão Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 8 de 5 Superior Tribunal de Justiça proferida pelo Tribunal de Justiça, órgão competente e de hierarquia superior, que havia negado o pleito de execução provisória da pena. Todavia, constatados os vícios acima referidos, ao Juízo da Vara de Execuções Penais cumpria tão somente determinar a imediata interrupção da execução da pena, até que houvesse a expedição de guia de recolhimento definitiva, ou ao menos a provisória, conforme asseverou o Ministério Público, na audiência realizada no dia 12/9/2013 (fl. 9), preservando, contudo, o tempo de pena efetivamente cumprido pelo réu (aproximadamente dois anos). Com efeito, há que se distinguir entre início do processo de execução, que efetivamente não havia ocorrido dada a inexistência do trânsito em julgado da condenação, com o início da execução da pena, que se dá com o recolhimento do réu à prisão, exatamente o que ocorreu na hipótese vertente e não pode ser desconsiderado, já que, conforme reconheceu o próprio Juízo Vara de Execuções e Contravenções Penais da Comarca de Porto Velho, em audiência realizada em 12/9/2013, na presença do Ministério Público, órgão de fiscalização, o réu cumpriu já um ano da pena do regime SEMIABERTO sem qualquer alteração, falta ou irregularidade (fl. 9). Nesse contexto, causa perplexidade a solução adotada pelo magistrado de 1º grau que, invocando a legislação adjetiva, bem como os princípios constitucionais da não culpabilidade e do juiz natural, em sua literalidade, impôs ao réu duplo cumprimento da pena, pelo mesmo fato delituoso. Ora, como cediço, os princípios citados representam garantias individuais do réu frente ao poder do Estado-acusador, motivo pelo qual não podem ser interpretados em seu prejuízo, exatamente o que aconteceu na hipótese ora examinada. Feitas essas considerações, entendo que a realização da justiça no caso concreto, impõe, em uma interpretação sistêmica, a prevalência dos princípios do favor rei, que determina a predominância do direito de liberdade do acusado quando em confronto com o direito de punir do Estado, e do ne bis in Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 9 de 5 Superior Tribunal de Justiça idem, segundo o qual não pode haver dupla punição pelo mesmo fato, a fim de que seja assegurado ao paciente, no cálculo de sua pena, o cômputo do período de encarceramento provisório. Cumpre ressaltar que essa linha de raciocínio é a mesma utilizada para enfrentar a questão referente à impossibilidade de revisão de sentença absolutória proferida por juiz incompetente, consoante se depreende dos seguintes precedentes desta Corte Superior: HABEAS CORPUS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. NE REFORMATIO IN PEJUS. ORDEM CONCEDIDA. 1. De acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a declaração de incompetência absoluta do Juízo se enquadra nas hipóteses de nulidade absoluta do processo. Todavia, a sentença prolatada por juiz absolutamente incompetente, embora nula, após transitar em julgado, pode acarretar o efeito de tornar definitiva a absolvição do acusado, uma vez que, apesar de eivada de nulidade, tem como consequência a proibição da reformatio in pejus. 2. O princípio ne reformatio in pejus, apesar de não possuir caráter constitucional, faz parte do ordenamento jurídico complementando o rol dos direitos e garantias individuais já previstos na Constituição Federal, cuja interpretação sistemática permite a conclusão de que a Magna Carta impõe a preponderância do direito a liberdade sobre o Juiz natural. Assim, somente se admite que este último - princípio do juiz natural - seja invocado em favor do réu, nunca em seu prejuízo. 3. Sob essa ótica, portanto, ainda que a nulidade seja de ordem absoluta, eventual reapreciação da matéria, não poderá de modo algum ser prejudicial ao paciente, isto é, a sua liberdade. Não se trata de vinculação de uma esfera a outra, mas apenas de limitação principiológica. 4. Ordem concedida para tornar sem efeito a decisão proferida nos autos da ação penal que tramita perante a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba. (HC n. 146.208/PB, Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, DJe 16/05/2011) HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO E LESÕES LEVES (ARTS. 222, § 2o., E 209, CAPUT, AMBOS DO CPM). PACIENTE QUE, PELOS MESMOS FATOS, JÁ CUMPRIU OBRIGAÇÃO IMPOSTA EM TRANSAÇÃO PENAL (PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE), PERANTE JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL, COM EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DENÚNCIA RECEBIDA PELO JUÍZO MILITAR. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM. PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM. CENTRALIDADE, EM NOSSO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL, DOS DIREITOS E GARANTIAS Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 10 de 5 Superior Tribunal de Justiça INDIVIDUAIS. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL EM CURSO NA 1a. AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR/RS. 1. A sentença prolatada por juiz absolutamente incompetente - ou, como se dá no caso, a homologação de transação penal proposta pelo Parquet -, embora nula, pode acarretar o efeito de tornar definitiva a absolvição do acusado. Assim, apesar de eivada de nula, a decisão do Juízo Especial Criminal tem como consequência a proibição da reformatio in pejus. 2. A coisa julgada material significa a imutabilidade do comando contido na sentença. Na seara penal, a res judicata sustenta-se sobre a necessidade de segurança que a ordem jurídica demanda. 3. Ao confrontar a competência absoluta da Justiça Militar e o princípio do ne bis in idem, deve a solução tender para esta, em razão da centralidade dos direitos e garantias individuais em nossa Carta Constitucional. 4. Parecer do MPF pela concessão da ordem. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal em curso na 1a. Auditoria da Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul. (HC n. 90.472/RS, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 3/11/2009) Nomesmo sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: HABEAS CORPUS. PACIENTE ABSOLVIDO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA, NÃO SUSCITADA NA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ACOLHIDA DE OFÍCIO PELO TRIUBNAL, POR TRATAR-SE DE NULIDADE ABSOLUTA. ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA ABSOLUTÁRIA TRANSITOU EM JULGADO EM TUDO AQUILO QUE NÃO FOI OBJETO DO RECURSO DO PARQUET. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 160/STF, COM A MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE HAVER NOVA DECISÃO MAIS GRAVOSA AO RÉU. O Tribunal, ao julgar apelação do Ministério Público contra sentença absolutória, não pode acolher nulidade – ainda que absoluta –, não veiculada no recurso da acusação. Interpretação da Súmula 160/STF que não faz distinção entre nulidade absoluta e relativa. Os atos praticados por órgão jurisdicional constitucionalmente incompetente são atos nulos e não inexistentes, já que proferidos por juiz regularmente investido de jurisdição, que, como se sabe, é una. Assim, a nulidade decorrente de sentença prolatada com vício de incompetência de juízo precisa ser declarada e, embora não possua o alcance das decisões válidas, pode produzir efeitos. Precedentes. A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico pátrio, ainda que sem o caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, complementar o rol dos direitos e garantias individuais já previstos pela Constituição Federal, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do dever de acusar. Nesse contexto, princípios como o do devido processo legal e o do juízo natural somente podem ser invocados em favor do réu e nunca em seu prejuízo. Por isso, estando o Tribunal, quando do julgamento da apelação, adstrito ao exame da Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 11 de 5 Superior Tribunal de Justiça matéria impugnada pelo recorrente, não pode invocar questão prejudicial ao réu não veiculada no referido recurso, ainda que se trate de nulidade absoluta, decorrente da incompetência do juízo. Habeas corpus deferido em parte para que, afastada a incompetência, seja julgada a apelação em seu mérito. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para determinar que, no cálculo da pena do paciente seja incluído, com todos os consectários legais, o período de encarceramento provisório, decorrente da decisão judicial proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções e Contravenções Penais (Projeto Ressoar – audiência realizada em 18/10/2012). Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 12 de 5 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA Número Registro: 2016/0031994-2 PROCESSO ELETRÔNICO HC 348.777 / RO MATÉRIA CRIMINAL Números Origem: 00002075420168220000 00024724920148220501 00043366420108220501 00128293920148220000 128293920148220000 2075420168220000 24724920148220501 43366420108220501 EM MESA JULGADO: 13/06/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JULIANO BAIOCCHI VILLA-VERDE DE CARVALHO Secretário Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA AUTUAÇÃO IMPETRANTE : JACKSON ALENCAR KRIIGER IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA PACIENTE : JACKSON ALENCAR KRIIGER (PRESO) ADVOGADOS : FERNANDA BATISTA LOUREIRO - DF035799 JAINARA CRISTINE LOIOLA DE SOUSA - DF027345 ASSUNTO: DIREITO PROCESSUAL PENAL - Execução Penal SUSTENTAÇÃO ORAL Dra. JAINARA CRISTINE LOIOLA DE SOUSA, pela parte PACIENTE: JACKSON ALENCAR KRIIGER CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Sexta Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Documento: 1612552 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/06/2017 Página 13 de 5