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POS UMA VOLTA AS ORIGENS - BRAGA NETO

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14 getul io janeiro 2009 janeiro 2009 getul io 15
A 
prática é muito antiga, mas só recentemente foi teorizada e aplicada ao 
mundo jurídico como opção de acesso à Justiça: a mediação. Em outros 
termos é a busca pela solução de um conflito a partir de um diálogo entre 
as partes, envolvendo um terceiro elemento como facilitador da negocia-
ção, ou seja, a figura do mediador. E foi com um especialista no assunto 
que Getulio conversou para saber mais a respeito dessa prática que, paulatinamen-
te, ganha terreno no Brasil. O advogado Adolfo Braga Neto é mediador, professor 
universitário, sócio do escritório Oliveira Marques Advogados Associados e pre-
sidente do conselho de administração do Instituto de Mediação e Arbitragem do 
Brasil (IMAB), além de vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições de 
Mediação e Arbitragem (Conima). Formado em Direito pela Faculdade do Largo 
de São Francisco, também é consultor da ONU e do Banco Mundial, exibindo um 
extenso currículo de atividades ligadas à mediação e à capacitação de profissionais 
no Brasil e no exterior, principalmente em Portugal e outros países lusófonos, como 
Angola e Cabo Verde. Tanta expertise lhe rendeu o apelido de “Dom Quixote da 
Mediação”, uma clara referência ao pioneirismo de seu trabalho como mediador 
e formador. “Ora, investíamos porque acreditávamos”, ele explica, divertindo-
se com a alcunha. “E se continuamos investindo é porque ainda acreditamos.” 
A seguir, confira os principais trechos desta esclarecedora entrevista.
eNtreViStA 
adolFo BRaGa neto
Mediação: 
UMa volta às oRiGens
os métodos alternativos de solução de conflitos cada vez ganham mais força no Brasil e no mundo, 
reavivando velhas práticas pacificadoras como a mediação
Por Carlos Costa 
Fotos Gustavo Scatena
entRevista???
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gem. O mediador não oferece uma 
decisão, mas motiva as partes envolvi-
das a encontrar a solução. O papel do 
mediador é oferecer a reflexão para que 
as pessoas possam pensar o que será 
melhor para elas, gerando assim uma 
solução. No caso de Salomão, houve 
uma intervenção. Ele decidiu, a partir 
de uma lógica, dividir a criança ao meio 
e depois questionar quem gostaria que 
aquilo efetivamente acontecesse. 
Como a mediação chegou até nós?
Adolfo Braga No âmbito do IMAB, 
sempre tivemos uma vertente para a 
abertura. Começamos pelas mãos de 
Harvard, depois surgiram as outras te-
orias e hoje trabalhamos com aquela 
caixa de ferramentas que mencionei. O 
IMAB nasceu com o nome de Instituto 
de Mediação. Em 1996 incorporamos 
Arbitragem, pelo fato de estarmos atu-
ando com ela também e em seguida 
também no Brasil – pois já atuávamos 
no exterior. Hoje realizamos trabalhos 
em outros países em função da diretriz: 
estar sempre em contato com institui-
ções internacionais. Essa vertente come-
çou a se fortalecer em 2001, quando o 
Ministério da Justiça de Portugal imple-
mentou um sistema de mediação e nos 
convidou a capacitar o primeiro grupo 
de mediadores do país. Uma comitiva 
liderada pelo ministério havia visitado 
a América do Sul em 2000, passaram 
pela Bahia, São Paulo, Brasília e Bue-
nos Aires, conhecendo as experiências 
em termos de mediação e conciliação. A 
Argentina, inclusive, tem uma expertise 
maior que a nossa, pois existe ali, pelo 
menos na cidade de Buenos Aires (distri-
to federal), uma lei obrigando as partes 
a ir para a mediação antes de começar 
um processo judicial. Durante essa vi-
sita, também conheceram os juizados 
especiais. A idéia do juizado especial é 
solucionar questões de pequena mon-
ta, do ponto de vista de valor, de até 40 
salários mínimos, que normalmente 
não eram levadas ao Judiciário. Kazuo 
Watanabe, o grande mentor do juiza-
do especial, chama esses conflitos não 
levados ao Judiciário de litigiosidade 
contida. Sua implementação veio a ser 
obrigatória com a Constituição de 1988, 
constituindo-se em um grande avanço 
em nossa legislação. 
Ampliando o acesso à Justiça a todos. 
Adolfo Braga A nossa Constituição 
ampliou o acesso à Justiça a todos os ci-
dadãos. Ninguém pode falar o contrário. 
Existe acesso a qualquer nível, seja no 
âmbito penal, comercial ou tributário, 
assim como existe assessoria jurídica 
gratuita, o Estado é obrigado a manter. 
Em todos os Estados temos a Defensoria 
Pública. Só que o acesso se dá para ape-
nas uma porta, que levará a uma única 
saída. A grande vantagem dos métodos 
alternativos é que geram a possibilidade 
da existência de outras portas de acesso 
à Justiça, o que leva ao cidadão a opção 
do método mais adequado aos conflitos 
por ele enfrentado. Mas insisto: o obje-
tivo da mediação, da arbitragem, e de 
quaisquer métodos alternativos, não é 
desafogar o Judiciário. O objetivo é ofe-
recer opção. Claro que, se quiser, o ci-
dadão terá acesso a um processo formal 
no Judiciário. Mas, se preferir algo mais 
rápido e sigiloso, outra forma de solu-
ção, pode recorrer a outras opções.
Como foi a experiência em Portugal? 
Adolfo Braga Em 2001 houve a ca-
pacitação de 70 mediadores, em Lisboa 
e no Porto. Em 2003/04 o Ministério da 
Justiça quis ampliar esse número, e nova-
mente nos convidou. Realizamos o curso 
já em parceria com uma associação cria-
da pelos primeiros 70 participantes. Em 
2005 fundamos o Instituto de Mediação 
e Arbitragem de Portugal, IMAP [do qual 
Braga Neto é diretor], com a mesma filo-
sofia do IMAB, mas com ênfase em me-
diação, pois a arbitragem lá ainda precisa 
de aperfeiçoamento com uma lei mais 
adequada aos tempos atuais. No mesmo 
ano fui convidado para fazer capacitação 
em Angola, um projeto ainda em curso. 
Em 2006 houve novo convite, dessa vez 
de Cabo Verde. E dessa forma começa-
mos a transitar pelo mundo de fala portu-
guesa. Nós, do IMAB, entendemos que a 
capacitação efetiva não passa apenas por 
um curso teórico, é preciso ter a prática. 
Há mesmo um movimento mundial 
nesse sentido? 
Adolfo Braga Talvez seja pretensão, 
mas esse movimento que ocorre no Bra-
sil em prol da mediação veio de pessoas 
capacitadas lá fora, ou que participaram 
de capacitação realizada aqui por estran-
geiros. A própria Sara Cobb esteve no 
Brasil, sou seguidor de suas idéias, assim 
como de outros renomados mediadores 
no mundo, como Juan Carlos Vezzulla, 
com quem me capacitei. Ele viveu anos 
no país e foi o mentor do IMAB. Ou 
mesmo Joseph Folger, que ministrou 
cursos de que participei. Assim come-
çamos a disseminar. E agora é a nossa 
vez de fazer esse trabalho no exterior. 
Fui chamado até de Dom Quixote dos 
métodos alternativos no Brasil [risos]. 
Ora, investíamos porque acreditávamos. 
E se continuamos investindo é porque 
ainda acreditamos.
Isso vem no bojo de um movimento ne-
oliberal que visa dar respaldo jurídico 
para soluções privadas de conflitos?
Adolfo Braga Existe uma filosofia 
por trás da mediação. Entendemos ser 
uma forma de fortalecer a cidadania. E 
compartilhamos a idéia: fortalecer o ci-
dadão e devolver a ele o poder de decidir 
o que é melhor para si. Se duas pessoas 
estão em dificuldade para chegar a um 
acordo, o que é natural, talvez o auxílio 
de alguém de fora indique melhores 
soluções não para lhe dar conselhos ou 
sugestões, mas sim para promover a re-
flexão que levará à solução.
Que bagagem o senhor trouxe da ex-
periência em Angola? Como é o Judi-
ciário lá?
Adolfo Braga O movimento na 
África se deu em função da experi-
ência que o Brasil levou a Portugal. 
a Constituição ampliou o acesso à Justiça, só que por apenas uma 
porta (a fila congestiona). a mediação gera outro tipo de acesso. 
Mas insisto: o objetivo não é desafogar o Judiciário
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Como o senhor escolheu o caminho 
da mediação? Ou foi a mediação que 
o procurou?
Adolfo Braga Neto Eu procurei 
esse caminho. Sempre prestei assesso-
ria a empresários e entidades de classe 
patronal ligados à Fiesp. Atuava nos de-
partamentos jurídicos dessas entidades 
e realizávamos um trabalho enorme em 
relação às ações coletivase individuais. 
Entretanto, mesmo quando conseguí-
amos um bom resultado ou éramos 
bem-sucedidos, recebíamos apenas 
um “muito obrigado”, que mais parecia 
uma obrigação.
Por parte da empresa?
Adolfo Braga Sim, da empresa e 
do empresário. O desgaste era grande 
porque os empresários não saíam sa-
tisfeitos, mesmo quando ganhávamos 
em terceira instância, ou seja, depois 
de 10 ou 15 anos de batalha. Muitas 
vezes abortávamos processos no meio 
do caminho porque o conceito deles 
em relação à outra parte mudava, não 
existia mais a intenção da continuida-
de. No âmbito empresarial, as coisas 
mudam rapidamente para atender à 
dinâmica da economia, extremamen-
te veloz. Preocupado, conversei com 
um colega de escritório e percebi que 
a insatisfação não era apenas minha. 
Em 1994 iniciamos uma pesquisa para 
saber o que os colegas americanos e 
europeus estavam fazendo nesse senti-
do. Nos EUA me deparei inicialmente 
com a arbitragem e também ouvi falar 
da mediação. Em 1995 conheci o Ins-
tituto de Mediação e de Arbitragem do 
Brasil, IMAB, do qual hoje sou presi-
dente do conselho de administração. 
A sede era em Curitiba, Paraná, onde 
fiz um dos primeiros cursos de capaci-
tação de mediadores. 
A mediação é um estatuto antigo? 
Adolfo Braga A idéia de media-
ção sempre esteve presente em todas 
as civilizações. É muito antiga. Já era 
conhecida na China de Confúcio, por 
exemplo, que defendia a intervenção 
de um terceiro num conflito como 
forma de auxiliar pessoas a construir 
soluções. Entre os árabes, há sempre 
alguém auxiliando. Entre o povo ju-
daico, é tarefa para o rabino. No nosso 
caso, antes mesmo da vinda dos por-
tugueses, o pajé e o cacique faziam 
eventualmente esse papel de árbitro 
ou mediador. Ou seja, nada foi inven-
tado. Na realidade, estamos voltando 
ao passado. Mas, embora a mediação 
sempre tenha existido, em essência 
ela não tinha uma teoria específica. 
O primeiro movimento de teorização 
começa entre o final da década de 
1960 e início da de 70 na Universidade 
Harvard, quando especialistas ligados 
à faculdade de Direito começaram 
a estudar e implementar técnicas de 
negociação utilizando uma terceira 
pessoa como elemento facilitador no 
andamento das tratativas. A partir daí 
surgiram outras teorias.
Esse ‘ressurgimento’ da mediação tem 
a ver com as constituições ou é uma al-
ternativa à morosidade dos judiciários? 
Adolfo Braga A mediação moderna 
surge desse primeiro modelo desenvol-
vido em Harvard. E estava voltada mais 
para acordos comerciais, sobretudo bu-
siness. Afinal, essa é uma vertente bem 
americana. Esse foi o grande passo deles 
em termos de teoria. Veja, quando estão 
envolvidas em conflitos, as pessoas geral-
mente adotam posições que só pioram a 
situação. O que a teoria defende? “Não 
vamos discutir posições. Se for assim, 
será um ou outro. O nosso trabalho é um 
e outro”. Ou seja, analisar e entender a 
motivação das pessoas. Esse desmonte 
faz com que elas mudem de posição e 
cheguem a um acordo. A base era essa. 
O modelo americano é o primeiro a ser 
teorizado e representou o grande passo 
rumo a um movimento mundial. Aco-
plado a isso, os estudiosos identificaram 
muitas negociações mal sucedidas em 
função de questões emocionais. Então 
separaram a questão emocional – esse foi 
o grande diferenciador do modelo ame-
ricano. E explica também por que tal 
modelo não é muito aplicado no Brasil. 
Afinal, somos um país latino. Aqui é fun-
damental levar em conta o fator emocio-
nal. A emoção tem de ser trabalhada e 
trazida para dentro da negociação. 
Que modelos chegaram ao Brasil?
Adolfo Braga Na década de 1980 
profissionais formados em Harvard per-
ceberam que a comunicação entre as 
partes poderia ser modificada para se 
chegar mais facilmente à solução. Assim 
surge o modelo chamado “circular nar-
rativo”, que teve como mentora a ame-
ricana Sara Cobb, também formada em 
Harvard. Segundo ela, a questão é a co-
municação: “Os teóricos falam muito, 
mas não apontam como fazer a media-
ção. Então eu digo como”. Assim ela 
começou a repensar, a partir da teoria 
da comunicação, a construção de nar-
rativas, com pressupostos da psicologia, 
do pensamento sistêmico. Parte-se do 
princípio de que tudo forma um siste-
ma. E qualquer movimento de um dos 
membros envolvidos muda a relação de 
todo o sistema. Posteriormente, na dé-
cada de 90, surgiu o modelo chamado 
“mediação transformativa”, segundo o 
qual um conflito não se resolve – no 
máximo, pode ser transformado. Para 
transformar um conflito é preciso trans-
formar pessoas e levá-las a reconsiderar 
posturas e modos de ver. Hoje existem 
mediadores que criam teorias próprias. 
Começam a difundi-las e pretendem fa-
zer escola. Nós, aqui no instituto, e eu, 
particularmente, misturamos modelos.
Aproveitando o melhor de cada um.
Adolfo Braga Sim. No Brasil se 
trabalha muito com o “mediador que 
possui uma caixa de ferramentas”, que 
as usa de acordo com suas possibilida-
des, habilidades e disponibilidades das 
pessoas, os mediados.
Quando Salomão mandou dividir a 
criança em duas partes, o que ele fez?
Adolfo Braga [risos] Uma arbitra-
Quando salomão decidiu cortar a criança ao meio, houve uma 
intervenção, uma arbitragem. o mediador não traz uma vertente, 
mas motiva as partes envolvidas a encontrar a saída
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E o senhor acha que deve ser um ad-
vogado?
Adolfo Braga Não. Essa é uma 
atividade interdisciplinar. Conflitos se 
instauram em qualquer área. O projeto 
de lei 4827/98 foi aprovado na Câmara 
dos Deputados em 2001. Em paralelo 
havia surgido, em 2000, outro antepro-
jeto, elaborado por Kazuo Watanabe, 
que ainda não tramitava no Congresso. 
Este último vinha do modelo argentino, 
no qual a mediação é feita por advo-
gados, e determinava que assim fosse. 
Em 2003 foi realizada uma audiência 
pública no Ministério da Justiça para 
ouvir as instituições de mediação, e 
decidiu-se juntar os dois projetos. Os 
sete artigos iniciais se tornaram 47. E 
esse foi o projeto aprovado no âmbito 
do Senado em 2006. Mas, como passou 
por tantas modificações, voltou para a 
Câmara dos Deputados e hoje está no 
plenário. Ou seja...
O trabalho de desconstrução do me-
diador guarda semelhança com o do 
psicanalista? 
Adolfo Braga O mediador utiliza 
técnicas de qualquer área, psicologia, 
sociologia, direito ou comunicação – 
faz um mix de tudo e utiliza como fer-
ramenta de trabalho.
Qual o perfil do bom mediador?
Adolfo Braga É fundamental treina-
mento e boa capacitação. E, sobretudo, 
saber escutar e questionar os envolvi-
dos. O que fazemos é propiciar a refle-
xão para as partes. Quando se utiliza 
a figura do mediador, as perspectivas 
de solução se ampliam. Por exemplo, 
participei de uma mediação entre dois 
sócios que, no final, comentaram assim: 
“As perguntas foram muito provocati-
vas, nos colocaram na parede”. Ou seja, 
levaram a pensar e a repensar posturas. 
O mediador deve saber manejar o con-
flito de modo a refletir com as partes, 
pois, se ele fizer uma intervenção sem 
saber onde está pisando, pode quebrar 
todos os ovos e piorar a situação. 
O que falta para a mediação ser mais 
aplicada?
Adolfo Braga Nossa preocupação 
é não termos ainda uma lei que regule 
a atividade. Cada vez mais pessoas re-
correm à mediação. Em outra vertente, a 
mediação também contaminou o Judici-
ário. O Executivo, por sua vez, tem im-
plementado a mediação comunitária no 
trabalho com grupos carentes. A Secreta-
ria da Justiça de São Paulo, por exemplo, 
com apoio do Estado e da Prefeitura, está 
implantando um projeto bastante inova-
dor que leva a mediação comunitária 
para regiões de alta vulnerabilidade. E 
se diferencia por utilizar eventualmente 
pessoas da própria comunidade, levando 
essa cultura à população local. Em Belo 
Horizonte também há um projeto nesse 
sentido, mas são profissionais contrata-
dos pelo Estado trabalhando em áreas de 
maior risco. Em Fortaleza esse tipo de 
açãoestá sendo conduzido pelo Minis-
tério Público, estão implantando o que 
chamam de Casa da Cidadania Ativa.
 
E que preparo têm essas pessoas?
Adolfo Braga São pessoas da própria 
comunidade, muitas vezes sem nível uni-
versitário, mas que querem se desenvol-
ver como mediadores. Os resultados são 
bons. Temos a preocupação de estabelecer 
um patamar mínimo para a capacitação. 
Aprovamos recentemente o mínimo de 
80 horas teóricas e 80 práticas. Mas nor-
malmente fazemos 100 e 100. É possível 
adotar esse mínimo em todo o Brasil, não 
importando a diferença cultural. 
Quantas pessoas trabalham em sua 
equipe?
Adolfo Braga Somos sete professo-
res. Mas, para desenvolver a prática, o 
IMAB tem convênio com as faculdades 
de Direito da USP e da PUC. Ao todo 
são 15 mediadores conosco. 
Qual a relação entre mediação e Es-
tado? 
Adolfo Braga No Judiciário, em-
bora a intenção dos juízes seja desa-
fogar o trabalho deles – não é essa a 
nossa vertente –, cada vez mais se usa 
a mediação. Geralmente um grupo de 
mediadores auxilia o trabalho do juiz. 
Por exemplo, fui contratado pela Fiesp 
para capacitar conciliadores que reali-
zariam trabalhos de conciliação e me-
diação para o Poder Judiciário, numa 
das vertentes mantidas pela federação 
das indústrias. Vem acontecendo em 
todo o Brasil. 
E quanto à efetividade da decisão? A 
sentença de um juiz tem de ser cumpri-
da. Que laços a mediação cria?
Adolfo Braga A mediação pode ser 
usada preventivamente antes da ins-
tauração de um processo. Durante uma 
capacitação que fiz na Defensoria Pú-
blica do Estado do Pará, por exemplo, 
tivemos um caso de DNA. Eles enfren-
tavam problemas com o alto custo do 
exame. Discuti então a possibilidade de 
implementar a mediação antes de o caso 
ir para o tribunal. Ou seja, sentar com 
o provável pai e com a ex-companheira 
dele, conversar sobre o significado da 
paternidade e, eventualmente, não levar 
o exame adiante. O questionamento do 
mediador pode ajudar o casal a refletir 
sobre a relação de paternidade. E uma 
das vertentes da mediação é exatamente 
trabalhar a responsabilidade das pesso-
as. No caso do DNA, trabalhar com a 
melhor solução não só para os dois, 
mas para um menor que depende de-
les. Afinal, um documento probatório 
de paternidade, sozinho, não produz 
responsabilidade alguma. Falar em 
construção de solução significa fazer 
as partes assumirem a responsabilida-
de pela situação geradora do conflito. 
Resultado: quando bem realizada, a 
mediação se traduz em cumprimento 
das responsabilidades assumidas pelos 
envolvidos no conflito. 
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Como ex-colônia, Angola busca ajuda 
no modelo português quando precisa 
de capacitação e aprimoramento. Todo 
o sistema processual angolano é mui-
to calcado no português – aliás, como 
aqui no Brasil. Hoje temos certa pene-
tração, inclusive em Portugal, por força 
da nossa televisão, das novelas, da nossa 
cultura. O Brasil chama a atenção dos 
países “palópios”, a designação deles 
para “Países Africanos de Língua Ofi-
cial Portuguesa” [atualmente são seis: 
Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, 
Guiné Equatorial, Moçambique, São 
Tomé e Príncipe]. Nós chamamos de 
lusófonos. Essa influência mostra que 
temos ensinamentos a transmitir.
Algum caso paradigmático?
Adolfo Braga A dificuldade na ca-
pacitação se dá porque temos certa 
“formatação”. Todo profissional tem. O 
médico, por exemplo, é um profissional 
preparado para medicar. O arquiteto, 
projetar um edifício. Assim acontece 
com o advogado. Diante de um con-
flito, monta um processo para resolver 
a questão. Na mediação não acontece 
isso. Quem dá as coordenadas são as 
partes envolvidas. Nesse caso, o advo-
gado atua até ao contrário, ajudando 
a desmontar a situação. Para uma cul-
tura extremamente formatada como a 
nossa, as dificuldades são maiores, pois 
temos de levar o profissional a buscar 
um novo paradigma. Já em Angola e 
Cabo Verde, sociedades em formação, 
esse aprendizado foi mais ágil e dinâ-
mico – elas têm menos “formatação” e 
se adaptam facilmente ao novo. Tive a 
honra de realizar a primeira mediação 
em Angola, na capital, Luanda. Um 
casal havia se separado e ele não estava 
pagando pensão alimentícia. Por ainda 
haver uma cultura tribal, a poligamia, 
embora não seja permitida oficialmen-
te, é tolerada desde que o homem con-
siga manter as famílias. Durante essa 
mediação a questão veio à baila e foi 
um exercício de isenção para mim. O 
casal falava sobre poligamia de maneira 
aberta e tranqüila. Resultado: optaram 
pela manutenção do relacionamento, 
pois ainda havia uma relação amorosa 
entre os dois. Como mediador foi uma 
experiência fantástica. 
O trabalho em Angola continua?
Adolfo Braga Está em implemen-
tação, com continuidade prevista para 
este ano. Quando Angola se libertou de 
Portugal, em 1975, toda iniciativa priva-
da se apagou. Naquele ano o país come-
çou uma guerra civil entre “petróleo e 
diamante”, simplificando a questão. Só 
alcançaram a paz em 2002. Só então o 
Judiciário começou a ser implantado. 
Hoje, na prática, está presente apenas 
na capital e nas grandes cidades. Por 
isso, a nossa proposta de capacitação 
é completa, não nos restringimos à te-
oria. A idéia é treinar o mediador em 
situações concretas da vida real. E o 
aprimoramento continua, justamente 
para criarmos futuros supervisores e 
professores de mediação.
E quanto se paga por um curso?
Adolfo Braga A carga-horária é de 
100 horas aula. O custo gira em torno 
de R$ 2.000,00. 
O que o Brasil ganha com a mediação? 
Adolfo Braga Essa pergunta é mui-
to ampla, não é possível ser objetivo na 
resposta. Além disso, não gosto da ex-
pressão “desafogar o Judiciário”. Pode 
até acontecer, mas não é para já. Nesse 
primeiro momento, a questão é: media-
ção para todos como novo paradigma na 
solução de conflitos. E não se trata ape-
nas de questões comerciais, mas de fa-
mília, desavenças comunitárias etc. Não 
existem limitações. É uma ferramenta 
para mudança de cultura. Há pouco 
tempo, por exemplo, fui convidado por 
uma empresa de Cuiabá, franqueadora 
e franqueado não se entendiam. En-
caminhei a documentação explicando 
todo o sistema que envolve a mediação, 
mas o empresário não entendeu nada 
e não quis comparecer. Em vez disso, 
procurou seu advogado, que, por sua 
vez, também não entendeu a propos-
ta. Como não obtive resposta, entrei 
em contato e expliquei os termos para 
empresário e advogado. Ou seja, a me-
diação ainda não está na nossa cultura. 
É uma questão de tempo. De uma óti-
ca otimista, arrisco dizer que podemos 
pensar em tempo menor que cinco 
anos. Sou de uma época em que as pes-
soas confundiam mediação com inter-
mediação, até com meditação... [risos] 
Agora já têm uma vaga idéia. Quando os 
empresários conhecerem as vantagens 
que a mediação propicia, certamente a 
levarão para o âmbito empresarial, já o 
fazem hoje de maneira tímida.
Tradicionalmente o brasileiro, homem 
cordial, contemporizava com quase 
tudo. De onde veio a tendência con-
tenciosa, de processar tudo e todos?
Adolfo Braga Veio no bojo da Cons-
tituição de 1988. Quando se pensou na 
possibilidade de ampliar o acesso à Jus-
tiça se pensou justamente nas pessoas 
que não utilizavam o Judiciário. E se 
hoje estamos acostumados a levar qual-
quer pendência para o tribunal é por-
que temos mais consciência de nossos 
direitos. E vem também de certo mo-
delo, no qual o Estado é quem decide. 
Esse é o paradigma.
 
O resultado da mediação é oficializado 
em algum documento?
Adolfo Braga Dependerá muito dos 
objetivos e em que base o método será re-
alizado. Poderá ou não ser. No Brasil ine-
xiste lei que regulamente a mediação.
 
Há uma lei de arbitragem, no entanto. 
Adolfo Braga Exatamente, a Lei 
9307/96. Com relação à mediação, veja, 
em 1998 a deputada Zulaiê Cobra pro-
duziu um projeto de lei bem simples, 
com apenas sete artigos, esclarecendo o 
que era mediação judicial, extrajudicial, 
e quem podia ser mediador. O único pe-
cado cometido foi dizer que mediadorera uma pessoa capacitada, mas não 
especificava em quê. 
Para mim foi um exercício de isenção: o casal falava tranqüilamente 
de poligamia. Por fim, optaram pela manutenção do relacionamento. 
Como mediador, foi uma experiência fantástica
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