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14 getul io janeiro 2009 janeiro 2009 getul io 15 A prática é muito antiga, mas só recentemente foi teorizada e aplicada ao mundo jurídico como opção de acesso à Justiça: a mediação. Em outros termos é a busca pela solução de um conflito a partir de um diálogo entre as partes, envolvendo um terceiro elemento como facilitador da negocia- ção, ou seja, a figura do mediador. E foi com um especialista no assunto que Getulio conversou para saber mais a respeito dessa prática que, paulatinamen- te, ganha terreno no Brasil. O advogado Adolfo Braga Neto é mediador, professor universitário, sócio do escritório Oliveira Marques Advogados Associados e pre- sidente do conselho de administração do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (IMAB), além de vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima). Formado em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, também é consultor da ONU e do Banco Mundial, exibindo um extenso currículo de atividades ligadas à mediação e à capacitação de profissionais no Brasil e no exterior, principalmente em Portugal e outros países lusófonos, como Angola e Cabo Verde. Tanta expertise lhe rendeu o apelido de “Dom Quixote da Mediação”, uma clara referência ao pioneirismo de seu trabalho como mediador e formador. “Ora, investíamos porque acreditávamos”, ele explica, divertindo- se com a alcunha. “E se continuamos investindo é porque ainda acreditamos.” A seguir, confira os principais trechos desta esclarecedora entrevista. eNtreViStA adolFo BRaGa neto Mediação: UMa volta às oRiGens os métodos alternativos de solução de conflitos cada vez ganham mais força no Brasil e no mundo, reavivando velhas práticas pacificadoras como a mediação Por Carlos Costa Fotos Gustavo Scatena entRevista??? 16 getul io janeiro 2009 janeiro 2009 getul io 17 gem. O mediador não oferece uma decisão, mas motiva as partes envolvi- das a encontrar a solução. O papel do mediador é oferecer a reflexão para que as pessoas possam pensar o que será melhor para elas, gerando assim uma solução. No caso de Salomão, houve uma intervenção. Ele decidiu, a partir de uma lógica, dividir a criança ao meio e depois questionar quem gostaria que aquilo efetivamente acontecesse. Como a mediação chegou até nós? Adolfo Braga No âmbito do IMAB, sempre tivemos uma vertente para a abertura. Começamos pelas mãos de Harvard, depois surgiram as outras te- orias e hoje trabalhamos com aquela caixa de ferramentas que mencionei. O IMAB nasceu com o nome de Instituto de Mediação. Em 1996 incorporamos Arbitragem, pelo fato de estarmos atu- ando com ela também e em seguida também no Brasil – pois já atuávamos no exterior. Hoje realizamos trabalhos em outros países em função da diretriz: estar sempre em contato com institui- ções internacionais. Essa vertente come- çou a se fortalecer em 2001, quando o Ministério da Justiça de Portugal imple- mentou um sistema de mediação e nos convidou a capacitar o primeiro grupo de mediadores do país. Uma comitiva liderada pelo ministério havia visitado a América do Sul em 2000, passaram pela Bahia, São Paulo, Brasília e Bue- nos Aires, conhecendo as experiências em termos de mediação e conciliação. A Argentina, inclusive, tem uma expertise maior que a nossa, pois existe ali, pelo menos na cidade de Buenos Aires (distri- to federal), uma lei obrigando as partes a ir para a mediação antes de começar um processo judicial. Durante essa vi- sita, também conheceram os juizados especiais. A idéia do juizado especial é solucionar questões de pequena mon- ta, do ponto de vista de valor, de até 40 salários mínimos, que normalmente não eram levadas ao Judiciário. Kazuo Watanabe, o grande mentor do juiza- do especial, chama esses conflitos não levados ao Judiciário de litigiosidade contida. Sua implementação veio a ser obrigatória com a Constituição de 1988, constituindo-se em um grande avanço em nossa legislação. Ampliando o acesso à Justiça a todos. Adolfo Braga A nossa Constituição ampliou o acesso à Justiça a todos os ci- dadãos. Ninguém pode falar o contrário. Existe acesso a qualquer nível, seja no âmbito penal, comercial ou tributário, assim como existe assessoria jurídica gratuita, o Estado é obrigado a manter. Em todos os Estados temos a Defensoria Pública. Só que o acesso se dá para ape- nas uma porta, que levará a uma única saída. A grande vantagem dos métodos alternativos é que geram a possibilidade da existência de outras portas de acesso à Justiça, o que leva ao cidadão a opção do método mais adequado aos conflitos por ele enfrentado. Mas insisto: o obje- tivo da mediação, da arbitragem, e de quaisquer métodos alternativos, não é desafogar o Judiciário. O objetivo é ofe- recer opção. Claro que, se quiser, o ci- dadão terá acesso a um processo formal no Judiciário. Mas, se preferir algo mais rápido e sigiloso, outra forma de solu- ção, pode recorrer a outras opções. Como foi a experiência em Portugal? Adolfo Braga Em 2001 houve a ca- pacitação de 70 mediadores, em Lisboa e no Porto. Em 2003/04 o Ministério da Justiça quis ampliar esse número, e nova- mente nos convidou. Realizamos o curso já em parceria com uma associação cria- da pelos primeiros 70 participantes. Em 2005 fundamos o Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal, IMAP [do qual Braga Neto é diretor], com a mesma filo- sofia do IMAB, mas com ênfase em me- diação, pois a arbitragem lá ainda precisa de aperfeiçoamento com uma lei mais adequada aos tempos atuais. No mesmo ano fui convidado para fazer capacitação em Angola, um projeto ainda em curso. Em 2006 houve novo convite, dessa vez de Cabo Verde. E dessa forma começa- mos a transitar pelo mundo de fala portu- guesa. Nós, do IMAB, entendemos que a capacitação efetiva não passa apenas por um curso teórico, é preciso ter a prática. Há mesmo um movimento mundial nesse sentido? Adolfo Braga Talvez seja pretensão, mas esse movimento que ocorre no Bra- sil em prol da mediação veio de pessoas capacitadas lá fora, ou que participaram de capacitação realizada aqui por estran- geiros. A própria Sara Cobb esteve no Brasil, sou seguidor de suas idéias, assim como de outros renomados mediadores no mundo, como Juan Carlos Vezzulla, com quem me capacitei. Ele viveu anos no país e foi o mentor do IMAB. Ou mesmo Joseph Folger, que ministrou cursos de que participei. Assim come- çamos a disseminar. E agora é a nossa vez de fazer esse trabalho no exterior. Fui chamado até de Dom Quixote dos métodos alternativos no Brasil [risos]. Ora, investíamos porque acreditávamos. E se continuamos investindo é porque ainda acreditamos. Isso vem no bojo de um movimento ne- oliberal que visa dar respaldo jurídico para soluções privadas de conflitos? Adolfo Braga Existe uma filosofia por trás da mediação. Entendemos ser uma forma de fortalecer a cidadania. E compartilhamos a idéia: fortalecer o ci- dadão e devolver a ele o poder de decidir o que é melhor para si. Se duas pessoas estão em dificuldade para chegar a um acordo, o que é natural, talvez o auxílio de alguém de fora indique melhores soluções não para lhe dar conselhos ou sugestões, mas sim para promover a re- flexão que levará à solução. Que bagagem o senhor trouxe da ex- periência em Angola? Como é o Judi- ciário lá? Adolfo Braga O movimento na África se deu em função da experi- ência que o Brasil levou a Portugal. a Constituição ampliou o acesso à Justiça, só que por apenas uma porta (a fila congestiona). a mediação gera outro tipo de acesso. Mas insisto: o objetivo não é desafogar o Judiciário entRevista Como o senhor escolheu o caminho da mediação? Ou foi a mediação que o procurou? Adolfo Braga Neto Eu procurei esse caminho. Sempre prestei assesso- ria a empresários e entidades de classe patronal ligados à Fiesp. Atuava nos de- partamentos jurídicos dessas entidades e realizávamos um trabalho enorme em relação às ações coletivase individuais. Entretanto, mesmo quando conseguí- amos um bom resultado ou éramos bem-sucedidos, recebíamos apenas um “muito obrigado”, que mais parecia uma obrigação. Por parte da empresa? Adolfo Braga Sim, da empresa e do empresário. O desgaste era grande porque os empresários não saíam sa- tisfeitos, mesmo quando ganhávamos em terceira instância, ou seja, depois de 10 ou 15 anos de batalha. Muitas vezes abortávamos processos no meio do caminho porque o conceito deles em relação à outra parte mudava, não existia mais a intenção da continuida- de. No âmbito empresarial, as coisas mudam rapidamente para atender à dinâmica da economia, extremamen- te veloz. Preocupado, conversei com um colega de escritório e percebi que a insatisfação não era apenas minha. Em 1994 iniciamos uma pesquisa para saber o que os colegas americanos e europeus estavam fazendo nesse senti- do. Nos EUA me deparei inicialmente com a arbitragem e também ouvi falar da mediação. Em 1995 conheci o Ins- tituto de Mediação e de Arbitragem do Brasil, IMAB, do qual hoje sou presi- dente do conselho de administração. A sede era em Curitiba, Paraná, onde fiz um dos primeiros cursos de capaci- tação de mediadores. A mediação é um estatuto antigo? Adolfo Braga A idéia de media- ção sempre esteve presente em todas as civilizações. É muito antiga. Já era conhecida na China de Confúcio, por exemplo, que defendia a intervenção de um terceiro num conflito como forma de auxiliar pessoas a construir soluções. Entre os árabes, há sempre alguém auxiliando. Entre o povo ju- daico, é tarefa para o rabino. No nosso caso, antes mesmo da vinda dos por- tugueses, o pajé e o cacique faziam eventualmente esse papel de árbitro ou mediador. Ou seja, nada foi inven- tado. Na realidade, estamos voltando ao passado. Mas, embora a mediação sempre tenha existido, em essência ela não tinha uma teoria específica. O primeiro movimento de teorização começa entre o final da década de 1960 e início da de 70 na Universidade Harvard, quando especialistas ligados à faculdade de Direito começaram a estudar e implementar técnicas de negociação utilizando uma terceira pessoa como elemento facilitador no andamento das tratativas. A partir daí surgiram outras teorias. Esse ‘ressurgimento’ da mediação tem a ver com as constituições ou é uma al- ternativa à morosidade dos judiciários? Adolfo Braga A mediação moderna surge desse primeiro modelo desenvol- vido em Harvard. E estava voltada mais para acordos comerciais, sobretudo bu- siness. Afinal, essa é uma vertente bem americana. Esse foi o grande passo deles em termos de teoria. Veja, quando estão envolvidas em conflitos, as pessoas geral- mente adotam posições que só pioram a situação. O que a teoria defende? “Não vamos discutir posições. Se for assim, será um ou outro. O nosso trabalho é um e outro”. Ou seja, analisar e entender a motivação das pessoas. Esse desmonte faz com que elas mudem de posição e cheguem a um acordo. A base era essa. O modelo americano é o primeiro a ser teorizado e representou o grande passo rumo a um movimento mundial. Aco- plado a isso, os estudiosos identificaram muitas negociações mal sucedidas em função de questões emocionais. Então separaram a questão emocional – esse foi o grande diferenciador do modelo ame- ricano. E explica também por que tal modelo não é muito aplicado no Brasil. Afinal, somos um país latino. Aqui é fun- damental levar em conta o fator emocio- nal. A emoção tem de ser trabalhada e trazida para dentro da negociação. Que modelos chegaram ao Brasil? Adolfo Braga Na década de 1980 profissionais formados em Harvard per- ceberam que a comunicação entre as partes poderia ser modificada para se chegar mais facilmente à solução. Assim surge o modelo chamado “circular nar- rativo”, que teve como mentora a ame- ricana Sara Cobb, também formada em Harvard. Segundo ela, a questão é a co- municação: “Os teóricos falam muito, mas não apontam como fazer a media- ção. Então eu digo como”. Assim ela começou a repensar, a partir da teoria da comunicação, a construção de nar- rativas, com pressupostos da psicologia, do pensamento sistêmico. Parte-se do princípio de que tudo forma um siste- ma. E qualquer movimento de um dos membros envolvidos muda a relação de todo o sistema. Posteriormente, na dé- cada de 90, surgiu o modelo chamado “mediação transformativa”, segundo o qual um conflito não se resolve – no máximo, pode ser transformado. Para transformar um conflito é preciso trans- formar pessoas e levá-las a reconsiderar posturas e modos de ver. Hoje existem mediadores que criam teorias próprias. Começam a difundi-las e pretendem fa- zer escola. Nós, aqui no instituto, e eu, particularmente, misturamos modelos. Aproveitando o melhor de cada um. Adolfo Braga Sim. No Brasil se trabalha muito com o “mediador que possui uma caixa de ferramentas”, que as usa de acordo com suas possibilida- des, habilidades e disponibilidades das pessoas, os mediados. Quando Salomão mandou dividir a criança em duas partes, o que ele fez? Adolfo Braga [risos] Uma arbitra- Quando salomão decidiu cortar a criança ao meio, houve uma intervenção, uma arbitragem. o mediador não traz uma vertente, mas motiva as partes envolvidas a encontrar a saída entRevista 18 getul io janeiro 2009 janeiro 2009 getul io 19 E o senhor acha que deve ser um ad- vogado? Adolfo Braga Não. Essa é uma atividade interdisciplinar. Conflitos se instauram em qualquer área. O projeto de lei 4827/98 foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2001. Em paralelo havia surgido, em 2000, outro antepro- jeto, elaborado por Kazuo Watanabe, que ainda não tramitava no Congresso. Este último vinha do modelo argentino, no qual a mediação é feita por advo- gados, e determinava que assim fosse. Em 2003 foi realizada uma audiência pública no Ministério da Justiça para ouvir as instituições de mediação, e decidiu-se juntar os dois projetos. Os sete artigos iniciais se tornaram 47. E esse foi o projeto aprovado no âmbito do Senado em 2006. Mas, como passou por tantas modificações, voltou para a Câmara dos Deputados e hoje está no plenário. Ou seja... O trabalho de desconstrução do me- diador guarda semelhança com o do psicanalista? Adolfo Braga O mediador utiliza técnicas de qualquer área, psicologia, sociologia, direito ou comunicação – faz um mix de tudo e utiliza como fer- ramenta de trabalho. Qual o perfil do bom mediador? Adolfo Braga É fundamental treina- mento e boa capacitação. E, sobretudo, saber escutar e questionar os envolvi- dos. O que fazemos é propiciar a refle- xão para as partes. Quando se utiliza a figura do mediador, as perspectivas de solução se ampliam. Por exemplo, participei de uma mediação entre dois sócios que, no final, comentaram assim: “As perguntas foram muito provocati- vas, nos colocaram na parede”. Ou seja, levaram a pensar e a repensar posturas. O mediador deve saber manejar o con- flito de modo a refletir com as partes, pois, se ele fizer uma intervenção sem saber onde está pisando, pode quebrar todos os ovos e piorar a situação. O que falta para a mediação ser mais aplicada? Adolfo Braga Nossa preocupação é não termos ainda uma lei que regule a atividade. Cada vez mais pessoas re- correm à mediação. Em outra vertente, a mediação também contaminou o Judici- ário. O Executivo, por sua vez, tem im- plementado a mediação comunitária no trabalho com grupos carentes. A Secreta- ria da Justiça de São Paulo, por exemplo, com apoio do Estado e da Prefeitura, está implantando um projeto bastante inova- dor que leva a mediação comunitária para regiões de alta vulnerabilidade. E se diferencia por utilizar eventualmente pessoas da própria comunidade, levando essa cultura à população local. Em Belo Horizonte também há um projeto nesse sentido, mas são profissionais contrata- dos pelo Estado trabalhando em áreas de maior risco. Em Fortaleza esse tipo de açãoestá sendo conduzido pelo Minis- tério Público, estão implantando o que chamam de Casa da Cidadania Ativa. E que preparo têm essas pessoas? Adolfo Braga São pessoas da própria comunidade, muitas vezes sem nível uni- versitário, mas que querem se desenvol- ver como mediadores. Os resultados são bons. Temos a preocupação de estabelecer um patamar mínimo para a capacitação. Aprovamos recentemente o mínimo de 80 horas teóricas e 80 práticas. Mas nor- malmente fazemos 100 e 100. É possível adotar esse mínimo em todo o Brasil, não importando a diferença cultural. Quantas pessoas trabalham em sua equipe? Adolfo Braga Somos sete professo- res. Mas, para desenvolver a prática, o IMAB tem convênio com as faculdades de Direito da USP e da PUC. Ao todo são 15 mediadores conosco. Qual a relação entre mediação e Es- tado? Adolfo Braga No Judiciário, em- bora a intenção dos juízes seja desa- fogar o trabalho deles – não é essa a nossa vertente –, cada vez mais se usa a mediação. Geralmente um grupo de mediadores auxilia o trabalho do juiz. Por exemplo, fui contratado pela Fiesp para capacitar conciliadores que reali- zariam trabalhos de conciliação e me- diação para o Poder Judiciário, numa das vertentes mantidas pela federação das indústrias. Vem acontecendo em todo o Brasil. E quanto à efetividade da decisão? A sentença de um juiz tem de ser cumpri- da. Que laços a mediação cria? Adolfo Braga A mediação pode ser usada preventivamente antes da ins- tauração de um processo. Durante uma capacitação que fiz na Defensoria Pú- blica do Estado do Pará, por exemplo, tivemos um caso de DNA. Eles enfren- tavam problemas com o alto custo do exame. Discuti então a possibilidade de implementar a mediação antes de o caso ir para o tribunal. Ou seja, sentar com o provável pai e com a ex-companheira dele, conversar sobre o significado da paternidade e, eventualmente, não levar o exame adiante. O questionamento do mediador pode ajudar o casal a refletir sobre a relação de paternidade. E uma das vertentes da mediação é exatamente trabalhar a responsabilidade das pesso- as. No caso do DNA, trabalhar com a melhor solução não só para os dois, mas para um menor que depende de- les. Afinal, um documento probatório de paternidade, sozinho, não produz responsabilidade alguma. Falar em construção de solução significa fazer as partes assumirem a responsabilida- de pela situação geradora do conflito. Resultado: quando bem realizada, a mediação se traduz em cumprimento das responsabilidades assumidas pelos envolvidos no conflito. entRevista Como ex-colônia, Angola busca ajuda no modelo português quando precisa de capacitação e aprimoramento. Todo o sistema processual angolano é mui- to calcado no português – aliás, como aqui no Brasil. Hoje temos certa pene- tração, inclusive em Portugal, por força da nossa televisão, das novelas, da nossa cultura. O Brasil chama a atenção dos países “palópios”, a designação deles para “Países Africanos de Língua Ofi- cial Portuguesa” [atualmente são seis: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe]. Nós chamamos de lusófonos. Essa influência mostra que temos ensinamentos a transmitir. Algum caso paradigmático? Adolfo Braga A dificuldade na ca- pacitação se dá porque temos certa “formatação”. Todo profissional tem. O médico, por exemplo, é um profissional preparado para medicar. O arquiteto, projetar um edifício. Assim acontece com o advogado. Diante de um con- flito, monta um processo para resolver a questão. Na mediação não acontece isso. Quem dá as coordenadas são as partes envolvidas. Nesse caso, o advo- gado atua até ao contrário, ajudando a desmontar a situação. Para uma cul- tura extremamente formatada como a nossa, as dificuldades são maiores, pois temos de levar o profissional a buscar um novo paradigma. Já em Angola e Cabo Verde, sociedades em formação, esse aprendizado foi mais ágil e dinâ- mico – elas têm menos “formatação” e se adaptam facilmente ao novo. Tive a honra de realizar a primeira mediação em Angola, na capital, Luanda. Um casal havia se separado e ele não estava pagando pensão alimentícia. Por ainda haver uma cultura tribal, a poligamia, embora não seja permitida oficialmen- te, é tolerada desde que o homem con- siga manter as famílias. Durante essa mediação a questão veio à baila e foi um exercício de isenção para mim. O casal falava sobre poligamia de maneira aberta e tranqüila. Resultado: optaram pela manutenção do relacionamento, pois ainda havia uma relação amorosa entre os dois. Como mediador foi uma experiência fantástica. O trabalho em Angola continua? Adolfo Braga Está em implemen- tação, com continuidade prevista para este ano. Quando Angola se libertou de Portugal, em 1975, toda iniciativa priva- da se apagou. Naquele ano o país come- çou uma guerra civil entre “petróleo e diamante”, simplificando a questão. Só alcançaram a paz em 2002. Só então o Judiciário começou a ser implantado. Hoje, na prática, está presente apenas na capital e nas grandes cidades. Por isso, a nossa proposta de capacitação é completa, não nos restringimos à te- oria. A idéia é treinar o mediador em situações concretas da vida real. E o aprimoramento continua, justamente para criarmos futuros supervisores e professores de mediação. E quanto se paga por um curso? Adolfo Braga A carga-horária é de 100 horas aula. O custo gira em torno de R$ 2.000,00. O que o Brasil ganha com a mediação? Adolfo Braga Essa pergunta é mui- to ampla, não é possível ser objetivo na resposta. Além disso, não gosto da ex- pressão “desafogar o Judiciário”. Pode até acontecer, mas não é para já. Nesse primeiro momento, a questão é: media- ção para todos como novo paradigma na solução de conflitos. E não se trata ape- nas de questões comerciais, mas de fa- mília, desavenças comunitárias etc. Não existem limitações. É uma ferramenta para mudança de cultura. Há pouco tempo, por exemplo, fui convidado por uma empresa de Cuiabá, franqueadora e franqueado não se entendiam. En- caminhei a documentação explicando todo o sistema que envolve a mediação, mas o empresário não entendeu nada e não quis comparecer. Em vez disso, procurou seu advogado, que, por sua vez, também não entendeu a propos- ta. Como não obtive resposta, entrei em contato e expliquei os termos para empresário e advogado. Ou seja, a me- diação ainda não está na nossa cultura. É uma questão de tempo. De uma óti- ca otimista, arrisco dizer que podemos pensar em tempo menor que cinco anos. Sou de uma época em que as pes- soas confundiam mediação com inter- mediação, até com meditação... [risos] Agora já têm uma vaga idéia. Quando os empresários conhecerem as vantagens que a mediação propicia, certamente a levarão para o âmbito empresarial, já o fazem hoje de maneira tímida. Tradicionalmente o brasileiro, homem cordial, contemporizava com quase tudo. De onde veio a tendência con- tenciosa, de processar tudo e todos? Adolfo Braga Veio no bojo da Cons- tituição de 1988. Quando se pensou na possibilidade de ampliar o acesso à Jus- tiça se pensou justamente nas pessoas que não utilizavam o Judiciário. E se hoje estamos acostumados a levar qual- quer pendência para o tribunal é por- que temos mais consciência de nossos direitos. E vem também de certo mo- delo, no qual o Estado é quem decide. Esse é o paradigma. O resultado da mediação é oficializado em algum documento? Adolfo Braga Dependerá muito dos objetivos e em que base o método será re- alizado. Poderá ou não ser. No Brasil ine- xiste lei que regulamente a mediação. Há uma lei de arbitragem, no entanto. Adolfo Braga Exatamente, a Lei 9307/96. Com relação à mediação, veja, em 1998 a deputada Zulaiê Cobra pro- duziu um projeto de lei bem simples, com apenas sete artigos, esclarecendo o que era mediação judicial, extrajudicial, e quem podia ser mediador. O único pe- cado cometido foi dizer que mediadorera uma pessoa capacitada, mas não especificava em quê. Para mim foi um exercício de isenção: o casal falava tranqüilamente de poligamia. Por fim, optaram pela manutenção do relacionamento. Como mediador, foi uma experiência fantástica entRevista
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