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Contos Para Rir - Luisa Ducla Soares

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Prévia do material em texto

Luísa	Ducla	Soares
Contos	para	Rir
Esta	obra	foi	digitalizada	e	corrigida	pelo	Serviço	de	Leitura	Especial
da	Biblioteca	Municipal	de	Viana	do	Castelo.	Destina-se	unicamente	a	pessoas
com	necessidades	especiais	e	não	tem	fins	comerciais.
Contactos	do	Serviço:
Tel:	258	809	340
E-mail:	leituraespecial@cm-viana-castelo.pt																				
A	tradição	portuguesa	é	rica	em	contos	divertidos,	que	já	fizeram	rir	muita	gente
sisuda	ao	longo	dos	séculos.
Luísa	Ducla	Soares	reconta-os	agora,	à	sua	maneira,	acrescentando-lhes	novas
peripécias	e	uma	dose	redobrada	de	humor
Vão	ver	como	os	tesouros	da	cultura	popular,	transmitidos	de	geração	em
geração,	nunca	perdem	a	actualidade,	a	graça,	a	frescura.
E	sorriam,	riam,	soltem	umas	saudáveis	gargalhadas!
Luísa	Ducla	Soares
Contos	para	Rir
Ilustrações	de	Sandra	Abafa
Pedro	das	Malasartes
Uma	viúva	morava	num	monte	com	seu	único	filho,	chamado	Pedro.	Por	ser
tonto,	tonto	e	para	nada	mostrar	jeito	ou	arte,	todos	o	conheciam	por	Pedro	das
Malasartes.	Certo	dia	ela	pediu-lhe	que	fosse	buscar	um	porco	â	quinta	dos
vizinhos.
-	Trá-lo	com	muito	cuidado.	Vê	lá	que	ele	não	te	fuja.	Passaram	horas,	mais
horas	e	o	rapaz	sem	voltar.	Meteu-se	a	mãe	ao	caminho,	aflita,	para	ver	se	o
encontrava.	Achou-o	estendido	no	chão,	a	meio	da	estrada,	com	o	porco	enorme
em	cima	da	barriga.
-	Então,	que	te	aconteceu?
-Trouxe	o	bicho	ao	colo	para	não	se	cansar.	Mas	não	aguento	tanto	peso.
Ela	ajudou-o	a	levantar-se,	atou	uma	cordinha	à	pata	do	animal,	conduzindo-o
assim	até	casa.
-	Aprendeste	como	deves	fazer?	Fixaste	mesmo?
-	Com	uma	cordinha,	com	uma	cordinha...	-repetia	o	moço,	para	o	ensinamento	
não	lhe	sair	da	cabeça.																										
Na	manhã	seguinte,	a	mãe	mandou-o	trazer	umas	garrafas	de	vinho.
Pedro	foi	à	adega,	atou	um	cordel	a	cada	garrafa	e	assim	as	foi	arrastando,	aos
safanões,	por	entre	as	pedras.	Claro	que	quando	entrou	na	cozinha	as	garrafas
estavam	todas	partidas.	Do	vinho...	nem	sinal!
A	pobre	mulher	levou	as	mãos	à	cabeça.
-	Ai,	que	parvoíce!	Para	a	próxima	vez	põe	as	garrafas	num	cesto	com	palha	para
não	se	partirem.
-	Nunca	mais	me	vou	esquecer!	-	prometeu	o	filho,	obediente.
De	manhã	à	noite	a	mãe	trabalhava	na	costura	para	ganhar	o	sustento	de	ambos
mas,	a	dada	altura,	faltaram-lhe	as	agulhas.	Prestável	como	era,	o	rapaz
imediatamente	se	ofereceu	para	ir	comprar	meia	dúzia	delas	à	aldeia.
Dessa	vez	foi	num	pé	e	veio	no	outro.
-	Fiz	tudo	direitinho,	não	tem	que	se	preocupar.	querida	mãe.	Aqui	estão	as
agulhas	num	cesto	cheio	de	palha	para	não	se	partirem.
Perdeu	a	desgraçada	a	tarde	inteira	a	remexer	na	palha,	picou	os	dedos.	Mesmo
assim,	só	conseguiu	encontrar	uma.
-	O	melhor	é	não	contar	com	ele	para	os	recados	-	concluiu	desiludida.
Sem	nada	que	fazer,	resolveu	o	pateta	refrescar-se	numa	poça	de	lama.	Deitou-se
lá	dentro,	rebolou-se,	rindo	à	gargalhada	com	a	brincadeira.
Quando	a	mãe	o	viu	todo	sujo,	começou	a	barafustar.
-	Que	porcaria!	Vai	já	ao	rio	lavar	essa	roupa	nojenta!	Só	te	quero	de	volta
quando	estiveres	limpo..
-	Mas	como	é	que	eu	vou	saber	se	a	roupa	está	bem	lavada?
-	Ora,	pergunta	ia	alguém	que	vá	a	passar...
Despiu-se	o	rapaz	na	praia,	ajoelhou-se	na	areia	e	começou	a	esfregar	com
quanta	força	tinha	a	camisa,	as	calças,	as	cuecas,	as	meias,	as	botas.
Já	estava	farto	de	esfregar	quando	surgiu,	junto	á	outra	margem,	um	barquito	de
pesca.
-	Ó	do	barco,	acudam-me,	acudam-me,	que	estou	numa	aflição!	-	pôs-se	o	rapaz	
a	gritar,	entrando	pelo	rio	dentro	até	ao	pescoço.			
Por	cuidar	que	algum	banhista	se	afogava,	atirou-se	o	pescador	pela	borda	fora
para	o	salvar.
Quando	chegou	ao	pé	do	moço	e	este	lhe	perguntou	se	a	roupa	estava	bem
lavada,	o	homem	até	espumou	de	raiva.
-	Atiro-me	eu	à	água,	vestido,	para	isto?!	Vou	obrigar-te	a	dar	um	mergulho,	para
veres	como	é	bom!	Vais-me	pagar!
-	Ai,	ai,	ai!	Não	posso	pagar-lhe	de	outra	maneira?	Tenho	medo	dos	mergulhos...
-	Deseja-me	muito	vento	para	navegar	à	vela	e	não	criar	calos	a	remar	-	disse	o
pescador,	compreendendo	que	o	jovem	tinha	um	parafuso	a	menos.
-	Muito	vento!	Que	nunca	lhe	falte	o	vento!	Vento,	vento	e	mais	vento!
Pedro	das	Malasartes	vestiu	a	roupa	a	pingar,	deitou	pernas	à	estrada.
Não	tardou	muito	que	encontrasse	um	terreiro	onde	os	feirantes	estavam	a
montar	os	seus	toldos	de	lona	e	a	espalhar	as	mercadorias.
-	Viva!	-	exclamou	o	rapaz,	louco	por	feiras,	e,	para	ser	simpático,	acrescentou	-
"Que	se	levante	muito	vento!	Que	nunca	falte	o	vento!"
As	ciganas,	que	acreditavam	em	pragas,	receando	ver	os	seus	montes	de
camisolas	voarem	pelos	ares,	ficaram	furiosas.	Um	vendedor	de	loiça,	um	pouco
mais	calmo,	explicou-lhe:
-	Não	percebes	que	o	vento	atira	abaixo	os	toldos	e	a	mercadoria?	O	que	tu	deves
dizer	é	o	seguinte:	"É	preciso	que	não	caia	nada."
O	nosso	rapazola	prometeu	fixar	a	lição.
Para	evitar	mais	críticas,	protestos	das	pessoas,	meteu-se	pelo	mato.	Ao	menos	a
bicharada	não	implicava	com	ele.	Para	seu	azar,	sendo	época	de	caça,	deu	com
um	grupo	de	caçadores.	Educado	como	era,	dirigiu-lhes	logo	a	palavra.
-	Ora	muito	bom-dia!	Só	desejo	que	"hoje	não	caia	nada."
-	O	quê?	-	irritaram-se		os	homens.	-	Merecias	um	tiro...	É	preciso	que	caiam	
patos,	perdizes,	coelhos.	A	quem	vem	à	caça	deve	desejar-se	"muito	sangue".
-	Não	me	esqueço	-	assegurou	o	rapaz.	-	"Muito	sangue!	Muito	sangue!"
Como	o	barulho	dos	disparos	não	lhe	agradava,	rapidamente	desandou	dali.
Só	parou	na	vila,	Aí	o	rebuliço	era	grande.	Dois	matulões	estavam	a	jogar	à
pancada	e	ninguém	era	capaz	de	os	separar.
Curioso.	Pedro	aproximou-se.	Como	não	conseguia	ficar	calado,	papagueou	a
última	coisa	que	lhe	tinham	ensinado.
-	O	que	é	preciso	é	muito	sangue!	“Muito	sangue!	Muito	sangue!”
Um	polícia	agarrou-o	por	uma	orelha,	ameaçador:
-	Queres	ir	para	a	prisão	por	convite	à	violência?	O	que	deves	dizer	é:	"Que	se
separem	depressa!"
Com	medo	de	ser	levado	para	a	esquadra,	o	moço	largou	a	correr.
No	largo	tudo	era	finalmente	paz.	Os	sinos	tocavam,	da	igreja	saía	um	cortejo	de
casamento.	Como	os	convidados	vinham	cumprimentar	os	noivos,	ele	não	quis
ficar	atrás.	Aproximou-se	do	parzinho	recém-casado,	feliz	por	apresentar
também	os	seus	votos.
“Que	se	separem	depressa!	Que	se	separem	depressa!"
A	noiva,	furiosa,	atirou-lhe	com	o	ramo	de	rosas	ã	cara.	Foi	preciso	os
convidados	agarrarem	o	noivo	para	ele	não	lhe	pregar	duas	bofetadas.
Um	dos	convidados,	que	já	o	conhecia,	pretendeu	dar-lhe	uma	lição.
-	Para	a	outra	vez	dizes:	"Muitos	destes	é	que	fazem	falta,	principalmente	para	a
gente	nova."
"Muitos		destes		é		que	fazem	falta,	é	que	fazem	falta..."
Estava	certo	de	que	a	frase	não	mais	lhe	sairia	da	memória.
Rumou	então	pela	rua	principal,	por	onde	ia	a	passar	um	enterro.	Os
acompanhantes	vinham	todos	muito	chorosos	pois	o	morto	era	um	soldado	que
perdera	a	vida,	na	flor	da	idade,	numa	batalha.
Pedro	não	deixou	escapar	a	oportunidade	de	ter	uma	palavra	amável	para	quem
tanta	tristeza	mostrava.
"Muitos	destes	é	que	fazem	falta.	Principalmente	para	a	gente	nova."
Os	outros	soldados	por	pouco	não	deram	cabo	dele.	Valeu-lhe	o	padre	que
acalmou	a	multidão	e	procurou	ensiná-lo:
-	O	que	deves	desejar	é:	"Que	Deus	o	leve	para	o	céu	depressa."
-	Nunca	mais	me	engano!	-	prometeu	o	pato.
Seguiu	até	ao	jardim,	sentou-se	num	banco,	à	sombrinha,	a	ver	quem	passava.
Não	teve	muito	que	esperar.	Nessa	mesma	tarde	celebrava-se	um	baptizado.	Que
lindo	bebé,	corado	e	gordinho	ali	chegou,	todo	bem	vestido,	ao	colo	da
madrinha!	O	nosso	moço	aproximou-se,	deu-lhe	um	beijo	na	testa,	exclamando
com	entusiasmo:
"Que	Deus	o	leve	para	o	céu	depressa!"
A	mãe	da	criança	desmaiou,	o	pai	ficou	verde,	a	madrinha	desatou	a	tremer.	Com
a	confusão,	o	bebé	tanto	berrava	que	ninguém	sabia	o	que	lhe	havia	de	fazer.	Foi
essa	a	sorte	do	Pedro	das	Malasartes	pois	assim	só	um	miúdo	correu	atrás	dele	à
pedrada.
Quando	chegou	a	casa,	ao	pôr	do	Sol,	exausto	de	tantas	aventuras,	já	a	roupa	lhe
tinha	secado	no	corpo.
-	Estás	muito	limpinho.	Hoje	portaste-me	bem	-alegrou-se	a	pobre	viúva,	sem
calcular	o	que	se	tinha	passado.
E	abraçou-o.
-	Gosto	de	ti	-disse	ela.
Elesorriu,	repetindo:
-	Gosto	de	ti.
Os	Três	Desejos
Sonhar	não	custa	dinheiro.	Por	isso,	o	Manuel	e	a	Maria,	que	tinham	sempre	a
algibeira	vazia,	fartavam-se	de	sonhar.
-	Ah,	se	eu	fosse	rico	havia	de	arranjar	um	palácio	e	à	volta	uma	quinta	e	à	volta
uma	floresta	a	perder	de	vista...
-	Pois	eu	-	divagava	a	rapariga	-,	nem	pensava	duas	vezes.	Ia	logo	viver	para	a
cidade,	corria	as	lojas	todas,	comprava	vestidos,	sapatos...	metia-me	num
instituto	de	beleza.	Assim	não	faço	vista	nenhuma...	Enfeitava-me	com	jóias
maravilhosas:	colares	de	pérolas,	anéis	de	brilhantes,	brincos	de	esmeraldas	O
marido	pôs-se	a	troçar.
-	Não	me	digas	que	depois	querias	ir	para	o	baile,	toda	aperaltada...
-	Claro,	claro	que	não	faltava	a	um	baile.	Só	não	me	casava	com	um	príncipe
porque	já	casei	com	um	pelintra...	que	és	tu.
Ele	irritava-se.
-	Ah,	querias	ser	princesa!	Que	ridículo!	As	princesas	hoje	são	umas
desgraçadas,	com	os	fotógrafos	sempre	atrás.	A	mim	apetecia-me	correr	mundo.
Estavam	eles	entretidos	a	sonhar	quando,	truz,	truz.	truz,	alguém	bateu	ã	porta.
Não	esperavam	visitas.	Quem	seria	àquela	hora?
-	Cheira-me	a	que	será	um	príncipe	a	convidar-te	para	dançar...	-	gracejou	o
Manuel.
Mas	deparou-se-lhes	um	pobre	de	pedir.	O	rapaz	piscou	o	olho	à	mulher.	Que
príncipe	aquele!	Velho,	esfarrapado,	sujo	do	pó	dos	caminhos.
-	Se	me	dessem	um	copinho	de	água...	-	suplicou	o	pedinte.
Maria	foi	buscar	a	garrafa	e,	de	caminho,	cortou	uma	fatia	de	pão.
-	Tome,	meu	amigo.	É	tudo	o	que	temos.	Foi	também	o	nosso	jantar.	Sente-se	à
lareira	a	aquecer,	que	há-de	vir	gelado.
O	velho	comeu,	bebeu.	Quando	se	preparava	para	sair,	disse:
-	Quero	agradecer	tanta	simpatia.	Por	isso	vou	satisfazer	três	dos	vossos	desejos.
-	Ai,	quem	me	dera	um	chouriço	para	assar	nas	brasas!	Está	mesmo	a	apetecer-
me!
E	não	é	que	o	chouriço	apareceu	mesmo!
O	Manuel,	ao	ver	que	o	primeiro	desejo	tinha	sido	desperdiçado	daquela
maneira,	perdeu	a	cabeça:
-	Malvada	gulodice!	Havias	de	ficar	com	esse	chouriço	preso	ao	nariz!
E	não	é	que,	mais	uma	vez,	a	magia	deu	certa!	O	nariz	da	Maria,	pequenino,
arrebitado,	parecia	agora	uma	tromba,	com	aquele	enchido	pendurado,	a	rematá-
lo.
Tentaram	os	dois	puxá-lo.	Não	se	desprendia.
-	E	se	o	cortássemos?	-	lembrou	o	rapaz.
Mas	o	chouriço	estava	tão	ligado	ao	nariz,	que	formavam	uma	só	peça.
Maria	mirou-se	no	espelho...	Quase	ia	caindo	para	o	lado.
De	que	lhe	serviriam	vestidos	de	seda,	jóias	e	riquezas	com	uma	narigueta
daquelas?	Antes	que	o	marido	tivesse	outra	ideia,	exclamou:
-	Ponha-me	já	o	nariz	como	ele	era	antigamente!
Palavras	não	eram	ditas,	voltou	ela	a	ter	a	mesma	aparência.	E	do	chouriço...
nem	sinal.	Podia	ao	menos	ter	ficado	em	cima	da	mesa	para	o	petiscarem	à
ceia...
-	Cumpriram-se	os	três	desejos	-	disse	o	velho	que,	ao	contrário	dos	mendigos
que	por	aí	encontramos,	era	mesmo	um	mágico.
O	casal	ainda	tentou	convencê-lo	a	conceder-lhes	mais	uma	oportunidade.	Não
poderia	ele,	como	prémio	de	consolação,	dar-lhes	ao	menos	um	caixote	com
moedas	de	ouro,	uma	casa	com	vista	para	o	rio	ou	uma	viagem	á	volta	do
mundo?	Nem	sequer	um	fim-de-semana	no	Algarve?
Mas	os	feiticeiros	lá	têm	as	suas	regras.
-	Três	é	o	número	que	Deus	fez	-	sentenciou	aquele,	sumindo.
Manuel	e	Maria	encolheram	os	ombros.	Como	já	era	tarde,	foram	para	a	cama
dormir,	sonhar.
O	Troca	Tintas
Muito	gostava	o	Zé	Troca-Tintas	de	passear	e	dar	à	língua.
-	Trabalhar	com	as	mãos	faz	calos	-	dizia	ele.	-	Trabalhar	com	o	miolo	faz	dores
de	cabeça.	Descansar	nunca	fez	mal	a	ninguém.
Por	isso	a	sua	vida	era	calcorrear	caminhos,	pedinchando	uma	moeda	aqui,	uma
refeição	acolá,	dormindo	onde	calhava.
Certo	dia	abeirou-se	de	um	cozinheiro	que	estava	a	deitar	ervilhas	para	uma
panela.
-	Dê-me	qualquer	coisinha...	-	suplicou	o	malandro.
-	Tens	bom	corpo,	vai	para	as	obras!	-	irritou-se	o	outro.	-	De	mim	só	levas	uma
ervilha.
-	Mais	vale	isto	que	nada	-	aceitou	ele,	metendo	a	ervilha	na	algibeira.	-	Quem
sabe	se,	qualquer	dia,	não	vai	ter	alguma	utilidade...
Foi	andando,	andando,	até	que	chegou	a	uma	feira.	Quantos	pintos,	galinhas	e
galos	havia	por	ali!	Brancos,	vermelhos,	sarapintados,	com	o	pescoço	pelado.	O
nosso	homem	tirou	a	ervilha	da	algibeira	mas	com	tão	pouca	sorte	que	esta,
pimba,	caiu	ao	chão.	Logo	um	dos	galos	se	precipitou	para	a	comer.
-	Ai!	Ai!	-	começou	o	2é	a	gritar.	-	Roubaram-me!	Fiquei	sem	nada.	Quero	de
volta	o	que	me	tiraram!
E,	baixinho,	exigia	à	criadora	de	galináceos	que	lhe	desse	o	bicho	que	engolira	a
ervilha.
Juntara-se	gente	à	volta,	curiosa,	tomando	partido.	Aflita,	para	não	provocar
escândalo,	a	mulher	deu-lhe	um	dos	galos.
Já	tenho	o	que	quis:
Da	ervilha	um	galo	fiz!
Estou	bem	feliz!
Sem	casa	onde	morar,	nessa	noite	pediu	a	um	lavrador	para	passar	a	noite	na
quinta.
-	Posso	deixar	o	meu	galo	no	pátio?
O	dono	da	propriedade	não	viu	inconveniente.
Foram	todos	dormir.	Mas,	muito	antes	de	o	Sol	nascer,	desatou	o	galo	a	cantar:
Cocorocó!	Cocorocó!
Tão	barulhenta	era	a	cantoria	que	nem	bichos	nem	gente	conseguiam	pregar
olho.	Atirou-se	um	porco	muito	dorminhoco	ao	galo	para	o	fazer	calar,	mas	tal
empurrão	lhe	deu,	que	o	esborrachou	com	os	seus	cem	quilos	de	gordura.
-	Ai	meu	rico	galo,	que	era	toda	a	minha	fortuna!	Ou	me	dá	um	porco	por	ele	ou
vou	já	chamar	a	polícia!	-	ameaçou	o	Troca-Tintas.
O	lavrador,	para	evitar	problemas	com	a	polícia,	entregou-lhe	um	porco	e	pô-lo
dali	para	fora.
Já	tenho	o	que	quis!
Da	ervilha	fiz	um	galo
Do	galo	um	porco	fiz
Estou	bem	feliz!
Alguma	coisa	já	ganhara	com	as	trocas.	Mas	ainda	havia	de	ficar	rico!
Partiu	dali,	cantarolando,	à	procura	de	alguém	que	caísse	no	conto-do-vigário.
Ainda	não	meio-dia	quando	chegou	junto	de	uma	poça	onde	uma	manada	de
vacas	bebia.
O	porco,	pouco	dado	a	limpezas,	entrou	lá	para	dentro	e	pôs-se	a	chafurdar,
sujando	a	água.	Uma	das	vacas	deu-lhe	tal	marrada	que	lhe	deixou	as	tripas	de
fora.
-	Ai	o	meu	gordinho!	O	meu	bichinho	de	estimação!	Ou	me	dão	o	porco	de
volta,	vivo	e	de	boa	saúde,	ou	levo	daqui	uma	vaca.
Bem	tentou	o	pastor	chegar	a	um	acordo	com	o	maroto	pois	uma	vaca	é	bem
mais	valiosa	do	que	um	porco	mas,	quando	foi	ameaçado	com	o	tribunal,	mudou
de	ideias.	Tinha	lá	tempo	para	demandas	na	justiça	ou	dinheiro	para	encher	a
bolsa	de	advogados...	Contrariado,	entregou	uma	vaca.
Troca-Tintas	esfregou	as	mãos	de	alegria.
Já	tenho	o	que	quis!
Da	ervilha	fiz	um	galo
Do	galo	um	porco	fiz
Do	porco	fiz	uma	vaca.
Estou	bem	feliz!
Todos	gabavam	a	sua	sorte.
-	Com	a	vaca	tens	leite	fresco	todos	os	dias,	podes	fazer	manteiga,	queijos	para
vender.	Acabou-se	a	pobreza!
-	Que	trabalhão,	mugir	a	vaca!	Cansar-me	a	bater	manteiga?	Estou	lá	para
aprender	a	fazer	queijos...	Era	só	o	que	me	faltava!	Vou	continuar	as	minhas
trocas...
Vários	dias	andou	com	a	vaca	mas	como	ela	era	tão	grande	e	tão	forte	ninguém
se	atrevia	a	fazer-lhe	mal.	Estava	quase	desesperado,	quando	topou	com	quatro
homens,	vestidos	de	preto,	que	carregavam	aos	ombros	uma	caixa	de	madeira,
bem	comprida,	com	uma	fechadura	de	prata.
-	Que	cofre	aquele!	Deve	guardar	um	precioso	tesouro	-	calculou	Zé	Troca-
Tintas.
Aproximou-se	com	a	vaca	que,	brava	como	era,	começou	a	marrar	a	torto	e	a	
direito.																																																																							
Os	homens,	para	escaparem	às	chifradas,	largaram	a	caixa,	que	rebolou	por	cima
do	animal,	abrindo-lhe	uma	ferida	no	dorso.
-	Ah,	malvados,	deram	cabo	da	minha	tourinha!	Ia	levá-la	a	uma	exposição	de
gado...	Agora	já	não	posso.	Exijo	que	me	dêem	esse	cofre	em	troca	dela.
Os	quatro	homens	olharam	uns	para	os	outros,	espantados.	Ainda	procuraram
contrariá-lo	mas	lá	acederam	a	fazer	a	troca.
O	nosso	Zé	bem	se	esforçou	para	abrir	a	caixa	do	tesouro.	Estava	fechada	à
chave.	Que	iria	encontrar	lá	dentro?	Barras	de	ouro?	Jóias	maravilhosas?
Espadas	de	prata	com	punhos	cravejados	de	rubis?	O	coração	batia-lhe	de
ansiedade	quando,	finalmente,	conseguiu	erguer	a	tampa.
Horror	dos	horrores!	O	que	encontrou	foi	uma	velha	muito	velha,	morta	e	bem
morta.	O	cofre,	afinal,	era	um	caixão	e	a	velha	ia	a	enterrar.
Após	o	primeiro	choque,	o	matreiro	não	se	deu	porachado.
-	Até	esta	morta	me	vai	render!
Já	tenho	o	que	quis.
Da	ervilha	fiz	um	galo
Do	galo	um	porco	fiz
Do	porco	fiz	uma	vaca
Da	vaca	uma	velha	fiz.
Estou	bem	feliz!
Atou	o	caixão	com	uma	corda,	arrastou-o	até	à	casa	mais	próxima,	de	cuja
chaminé	subia	um	rolo	de	fumo.	Bateu	à	porta.	Veio	abrir	um	casal	que,	vendo-o
tão	derreado,	o	convidou	para	descansar	à	lareira.
-	Posso	guardar	aqui	esta	minha	caixa?
-	Pois	guarde	à	vontade.	Durma	no	sofá,	ao	quentinho,	que	nós	vamos	para	a
cama.
Retirou	o	homem	a	velha	do	caixão	e	encostou-a	tão	perto	do	lume,	que	ficou
toda	queimada.
No	dia	seguinte	de	manhã,	pôs-se	a	gritar:
-	Ai,	o	vosso	lume	queimou	a	minha	querida	avozinha!	Coitadita,	parece	mesmo
um	carvão.	Têm	de	me	dar	qualquer	coisa	em	troca!
-	Só	se	for	um	saco	de	batatas,	das	que	cultivamos.	Vamos	num	instante	buscá-
las.
Quando	eles	saíram	para	a	arrecadação,	olhou	â	volta.	Só	trastes	baratuchos!	Não
ia	carregar	com	aquele	lixo.	Nem	com	o	saco	de	batatas	que	lhe	impingiam:
valia	pouco	e	custava	a	transportar.	A	menina	do	casal,	essa.	é	que	era	linda,
linda,	linda...	Pequenina,	com	os	cabelos	aos	caracóis,	ainda	nem	falava.	Alguns
ricaços	sem	filhos	haviam	de	dar	bom	dinheiro	por	ela...
Pegou	num	saco	vazio,	meteu-a	lá	dentro,	largou	a	fugir.
Já	tenho	ò	que	quis.
Da	ervilha	fiz	um	galo.
Do	galo	um	porco	fiz,
Do	porco	fiz	uma	vaca,
Da	vaca	uma	velha	fiz.
Da	velha	fiz	a	menina.
Estou	bem	feliz.
Pôs-se	á	procura	de	uma	casa	rica,	sem	crianças,	para	concretizar	o	seu	negócio.
Encontrou	um	palacete,	onde	lhe	deram	abrigo.	Era	a	morada	dos	padrinhos	da
menina.	Durante	a	noite	esta	começou	a	choramingar	e	a	madrinha,	pé	ante	pé,
foi	abrir	o	saco,	encontrando	lá	a	querida	afilhada.	Pegou	nela	com	carinho,	deu-
lhe	um	copo	de	leite,	levou-a	para	a	sua	cama.	Depois	foi	ao	jardim	buscar	o	cão
de	guarda,	que	enfiou	no	saco.
No	dia	seguinte	Zé	Troca-Tintas	bem	quis	ver	se	trocava	a	garota	por	um	belo
maço	de	notas	mas	os	criados	logo	de	manhãzinha	correram	com	ele.
-	Vou	ã	procura	de	outro	palacete	bem	depressa	porque	a	miúda	pesa	que	se	farta
-	disse	ele	para	os	seus	botões.	-	Mas,	pelo	caminho,	ela	que	vá	pelo	seu	pé
porque	já	deve	saber	andar.
Tirou	um	canivete	do	bolso,	cortou	o	atilho.
Zás!	De	lá	pulou	o	cão	de	guarda,	que	lhe	comeu	o	nariz.
O	Zé	resolveu	desistir	dos	negócios	e	voltar	a	pedir	esmolas,	exibindo	a	sua
desgraça.
Ai,	já	não	estou	como	quis.
Da	ervilha	fiz	um	galo
Do	galo	um	porco	fiz
Do	porco	fiz	uma	vaca
Da	vaca	uma	velha	fiz
Da	velha	fiz	uma	menina
Da	menina	um	cão	fiz
Que	me	comeu	o	nariz.
Não	posso	cheirar	perfumes	E	não	me	posso	assoar.
Ai,	meninos	e	senhores,	Como	me	vou	governar?
Quando	o	ouvem	pedinchar,	todos	começam	a	fazer	troça:
-	Ó	Troca-Tintas,	tens	bom	corpo,	porque	mo	vais	para	as	obras?	Só	os	elefantes
é	que	trabalham	com	o	nariz!
O	Dinheiro	Elástico
Andava	o	rei	à	caça	no	bosque	quando	encontrou	um	lenhador.	Estava	este	a
rachar	lenha,	trauteando	uma	canção.
Corta,	corta,	meu	machado,	nunca	pares	de	cortar.																										
Contigo	ganho	dinheiro	para	eu	me	sustentar.																			
Contigo	ganho	dinheiro	para	dívidas	pagar.															
Contigo	ganho	dinheiro	ainda	para	emprestar.								
Ficou	o	monarca	de	ouvido	à	escuta,	intrigado	com	a	letra	da	canção.	E	resolveu
entabular	conversa.
-	Muito	deves	tu	receber	por	esse	trabalho!	Pelo	menos	disso	te	gabas...
-	Saiba	Vossa	Majestade	que	ganho	apenas	três	moedas	de	prata	por	mês	e	com
elas	faço	tudo	o	que	digo.
Parecia	impossível.	Toda	a	gente	se	queixava	de	o	ordenado	não	chegar	mas
aquele	pobretana	lá	se	arranjava,	feliz	e	contente,	com	uma	ninharia.	Ainda
pagava	dívidas	e	emprestava	aos	outros
-	O	teu	dinheiro	é	elástico?	Ora	diz-me	lá	como	fazes	as	contas...
O	homem	pousou	a	ferramenta,	limpou	o	suor,	passando	a	explicar:
-	Nada	mais	simples!	Divido	as	despesas	assim:	um	terço	para	mim	e	para	a
minha	mulher.	O	segundo	terço	para	amparar	os	meus	velhos	pais,	a	quem	tanto
devo.
O	terceiro	bem	o	gasto	com	os	filhos.	Trata-se	de	um	empréstimo,	pois	espero
que	mo	devolvam	quando	deixar	de	ter	forças	para	rachar	lenha.
-	Está	bem	achado!	Vou	apresentar	esse	enigma	aos	fanfarrões	dos	ministros,	que
julgam	que	percebem	muito	de	finanças	mas	só	sabem	esvaziar	cofres.	Veremos
se	o	conseguem	adivinhar.	Mas	proíbo-te	de	falares	no	assunto	até	veres	cem
vezes	a	minha	cara.
Seguiu	o	rei	para	o	palácio,	apressando-se	a	chamar	os	ministros,	a	quem	contou
a	proeza	do	sujeito	que	tanto	fazia	render	o	dinheiro.
Habituados	a	exigir	e	estoirar	avultadas	somas,	eles	ficaram	perplexos.	Era
inacreditável	tal	prodígio.
-	Pois	fiquem	sabendo,	seus	gastadores	incompetentes,	que	vos	despeço	se	até	à
próxima	semana	não	me	trouxerem	a	solução.
Os	infelizes	deram	voltas	e	mais	voltas	á	cabeça.
O	Ministro	da	Cultura	encafuou-se	na	biblioteca.
O	Ministro	do	Desporto	até	se	pôs	a	fazer	o	pino	para	ver	se	o	sangue	lhe
irrigava	melhor	o	cérebro.
O	Ministro	da	Saúde	tomou	cem	injecções	de	tónicos	para	avivar	a	inteligência.
O	Ministro	do	Tesouro,	como	ainda	não	havia	máquinas	de	calcular,	foi	fazendo
contas	pelos	dedos	e	rabiscando	números	em	tudo	o	que	era	papel:	cadernos,
folhas	de	embrulho,	até	papel	higiénico.
O	Primeiro-Ministro	consultou	as	bruxas.	Esticar	os	rendimentos	daquela
maneira,	só	por	artes	mágicas.
Como	nem	assim	achou	solução,	refugiou-se	no	bosque.	Que	desânimo!	Ia	ser
despedido!
Ao	reconhecê-lo,	perguntou-lhe	o	lenhador:
-	Então,	a	corte	está	a	mudar-se	para	a	floresta?	Há	dias	apareceu	por	cá	o	rei.
Hoje	instala-se	aqui	o	senhor.
-	Pois	é	justamente	por	causa	do	rei	que	me	encontro	numa	aflição.	Quer	ele	que
os	ministros	descubram	como	consegue	um	pobre,	apenas	com	três	moedas	de
prata,	viver	com	a	mulher,	pagar	dívidas	e	ainda	por	cima	conceder	um
empréstimo.	Toda	a	gente	de	bom	senso	percebe	que	isso	é	impossível.
O	espertalhão	desatou	a	rir.
-	Resolvo-lhe	já	o	problema!	Se	me	der	cem	moedas	de	ouro,	ensino-lhe	como
governo	a	minha	vida.
Não	hesitou	o	Primeiro-Ministro	em	logo	ali	abrir	os	cordões	À	bolsa	que,	pelos
vistos,	andava	bem	recheada.
Com	o	dinheirinho	a	tilintar	nas	mãos	calejadas,	o	lenhador	revelou-lhe	o
segredo.
Quando	o	prazo	expirou,	reuniu-se	o	governo	na	sala	do	trono.
-	Então,	já	procuraram	um	novo	emprego?	-	troçou	o	rei.	-	Ou	sabem	dar-me	a
resposta	certa?
O	Primeiro-Ministro,	todo	orgulhoso,	relatou,	tintim	por	tintim	o	que	ouvira.
Calculou	o	rei	que	o	lenhador	tinha	faltado	à	sua	palavra.	Furioso,	dirigiu-se	para
o	mato,	pronto	a	castigá-lo.
-	Atraiçoaste-me,	desgraçado!	Comigo	não	se	brinca!	Tinhas	prometido	que	só
revelarias	o	mistério	depois	de	veres	cem	vezes	a	minha	cara.
-	Foi	o	que	eu	fiz.	Pedi	ao	seu	ministro	cem	moedas	de	ouro.	Como	todas	têm	a
sua	cara	gravada,	acho	que	não	errei.
Ficou	o	rei,	mais	uma	vez,	surpreendido	com	a	esperteza	do	indivíduo	e
resolveu,	em	vez	de	castigo,	dar-lhe	um	prémio.
Ele	nada	queria	pedir	mas,	depois	de	muito	instado,	confessou	um	desejo.
-	Gostava	que	Vossa	Majestade	me	desse	o	direito	de	receber	um	cêntimo	de
cada	homem	que	tiver	medo	da	mulher.
-	Que	parvoíce!	Toda	a	gente	sabe	que	os	homens	são	muito	mais	fortes	que	as
mulheres.	Elas	é	que	têm	medo	deles.
-	Pois	nada	mais	me	interessa.
Concedeu-lhe	o	rei	o	direito	pretendido	e	não	mais	pensou	no	assunto.
Passado	um	ano,	parou	diante	do	palácio	uma	carruagem	dourada	puxada	por
quatro	cavalos.
Debruçaram-se	os	cortesãos	da	varanda	para	ver	quem	se	apeava.	Quem	havia	de
ser?	O	nosso	lenhador,	aperaltado	que	nem	fidalgo.
Fizeram-no	entrar	os	criados.
-	Estou	a	ver	que	te	corre	bem	a	vida	-	comentou	o	rei.	-	Achaste	algum	tesouro?
Deves	ter	bela	fortuna...
-	Por	isso	venho	agradecer	o	direito	que	me	concedeu.	Mas	quero	também
contar-lhe	uma	novidade.	Acabou	de	chegar	dos	reinos	do	Noite	a	mais	bela	de
todas	as	bailarinas.	Os	seus	olhos	azuis	parecem	duas	lagoas,	os	seus	cabelos
lembram	cascatas	de	ouro,	a	sua	boca	é	um	morango	que	apetece	saborear.
Quando	ela	dança,	mais	leve	que	folha	ao	vento,	os	homens	ficam	loucos...
Estava	o	rei	entusiasmado	com	a	descrição	quando	a	rainha	se	aproximou.
-Fala	mais	baixo	que	ela	pode	ouvir...
-	Uma	moedinha	já	para	cá!	-	exclamou	o	antigo	lenhador.	-	Apanhei	mais	um
que	tem	medo	da	mulher.
O	Criado	Esperto
Há	bons	e	maus	patrões.	O	da	nossa	história	era	tão	ruim,	tão	sovina,	tão
caloteiro	que	arranjava	sempre	maneira	de	não	pagar	a	quem	o	servia.	Por	isso
lhe	chamavam	Unhas	de	Fome.
Um	rapaz	daquela	terra	precisava	de	emprego	e,	esquecendo	o	conselho	que
todos	os	amigos	lhe	davam,	foi	bater-lhe	á	porta.
-	Ah,	vens	em	busca	de	trabalho?	Isso	por	aqui	não	falta.	Que	ordenado
pretendes?
-	Seis	moedas	de	ouro	ao	fim	do	ano.
-	Está	combinado.	Mas,	se	não	fizeres	exactamente	o	que	te	mando,	ponho-te	no
olho	da	ma	com	as	algibeiras	vazias.
Na	manhã	seguinte,	deu-lhe	as	suas	ordens
-	Vais	só	varrer	o	largo	em	frente	de	casa.
O	moço	pegou	na	vassoura,	varreu,	varreu,	varreu	de	uma	ponta	à	outra.
Quando	o	patrão	saiu,	encontrou	um	monte	de	estrume	malcheiroso	em	frente	da
escada.
-	Então,	que	porcaria	vem	a	ser	esta?
-	O	senhor	não	me	mandou	só	varrer	o	largo?	Não	ia	retirar	a	prenda	que	os
cavalos	aqui	lhe	deixaram...	Mais	adiante	também	não	toquei	nas	prendinhas	dos
cães	rafeiros...	Tenha	cuidado,	não	as	pise,	que	pode	sujar	os	sapatos.
Ficou	o	homem	furioso	com	aquele	Chico	Esperto	e	pôs-se	a	matutar	na	maneira
de	o	apanhar	em	falta.
Não	podia	acusá-lo	de	preguiçoso,	nem	de	mentiroso,	nem	de	dorminhoco.
Passaram	os	meses	e	o	moço,	massacrado	de	tarefas	e	recados,	não	tinha
parança.	Ainda	por	cima,	sempre	se	apresentava	bem-disposto.
Certa	manhã,	antes	de	sair,	o	patrão	disse-lhe:
-	Ando	mal	do	estômago.	Quero	que	me	faças	para	o	almoço	uma	comida	muito
leve.	Ai	de	ti,	se	não	me	obedeceres!
Que	havia	de	preparar?	Uma	canjinha	de	galinha?	Fruta	cozida?	Chá	com
torradas?	Alguma	coisa	com	que	não	fosse	possível	implicar...
Teve	então	uma	ideia	luminosa.	Foi	buscar	o	canário	ã	gaiola	e	meteu-o	dentro
da	terrina.
Quando	Unhas	de	Fome	regressou,	sentou-se	à	mesa,	com	cara	de	caso.
-	Puseste	aqui	uma	terrina.	Achas	que	sopa	é	um	prato	leve?	Desta	vez	é	que	vais
perder	o	ordenado!
-	Levante	a	tampa	e	logo	verá	que	o	petisco	não	podia	ser	mais	leve.
O	outro	levantou-a,	intrigado,	e	logo	o	passarinho	amarelo	bateu	asas,	voou.
Não	teve	o	ricaço	outro	remédio	se	não	calar-se.	Mas	cada	vez	crescia	mais	a	sua
raiva	pelo	espertalhão.	Como	não	sabia	que	fazer,	foi	pedir	conselho	á	sua	velha
mãe,	que	era	ainda	mais	trapaceira	que	ele.
-	Ó	filho,	usa	este	truque	que	nunca	falha:	manda-o	ao	campo	apanhar	um	molho
de	ais	e	ao	jardim	colher	uma	dúzia	de	arres.
-	Óptimo!	Óptimo!	Desta	vez	é	que	ele	não	acha	saída.
No	dia	seguinte	ficou	o	rapaz	surpreendido	com	a	exigência.	Um	molho	de	ais	e
um	quilo	de	arres:
Atrapalhado,	foi	até	ao	campo	e,	logo	por	azar,	picou-se	numa	urtiga.
-	Pois	aqui	está	a	solução!	-	descobriu	ele.	Calçou	umas	luvas,	apanhou	um
molho	de	urtigas	bravas.
-	Mas	faltam-me	os	arres...
Foi	até	ao	jardim	que	estava	então	cheio	de	rosas.
-	Não	há	rosas	sem	espinhos...	As	roseiras	vão	dar-me	um	jeitão!
Com	uma	tesoura	cortou	uma	dúzia	de	hastes	de	roseira	e	meteu-as	dentro	de	um
saco,	com	as	urtigas	por	cima.
Quando	o	patrão	regressou,	quis	logo	saber	se	as	suas	ordens	tinham	sido
cumpridas.
-	Fiz	com	imensa	facilidade	o	que	o	senhor	me	pediu.	Está	aqui	tudo	bem
fechado	neste	saco.	É	só	meter	a	mão.
Unhas	de	Fome	desatou	o	cordel,	enfiou	os	dedos	no	saco	e	logo	soltou	um	grito
ao	tocar	nas	urtigas:
-	Ai!	Ai!	Ai!
-	Procure	mais	fundo	-	aconselhou	o	Chico	Esperto.
-	Arre!	Arre!	Arre!	-	explodiu	o	malandro,	a	sangrar	com	os	espinhos.
O	criado	riu-se:
-	Como	vê,	cumpri	ã	risca	as	suas	ordens.	Deve	estar	contente.
O	patrão	não	deu	parte	fraca	mas	jurou	vingar-se.	Durante	anos	e	anos	tivera
criados	de	graça,	agora	este	divertia-se	à	sua	custa.	Havia	de	arranjar	maneira	de
lhe	estragar	a	vida.
Quando	chegou	a	Páscoa,	anunciou-lhe:
-	É	hábito	nesta	casa	passar	três	dias	sem	comer.	Portanto,	até	sábado	não	se	
trinca	nada.																									
-	Não	se	apoquente,	patrão,	que	eu	sigo	o	seu	exemplo.			
Do	nascer	ao	pôr	do	Sol	trabalhava	o	rapaz,	sem	uma	côdea	de	pão	para	iludir	a
fome	ao	almoço	ou	ao	jantar.	Com	a	barriga	a	dar	horas,	surgiu-lhe	uma
lembrança:
-	Se	não	posso	trincar,	posso	beber	à	vontade.	Desceu	até	ao	estábulo	e	bebeu	o	
leite	da	vaca,	até	sé	regalar.	Alambazou-se	com	o	mel	das	abelhas	e	por	fim	
entrou	na	adega	e	escorropichou	uma	garrafa	cheia	de	vinho.																														
Alegre,	um	pouco	alegre	de	mais,	cantava	e	dançava	pela	casa	fora	enquanto
fazia	arrumações.
Unhas	de	Fome	bem	revistava	a	despensa,	a	arca	do	pão,	a	prateleira	dos	queijos,
as	latas	de	bolachas,	as	tigelas	de	marmelada.	Nada,	mesmo	nada	lhe	faltava.
Quando	chegou	o	dia	da	feira,	o	trabalho	cresceu.	Foi	preciso	acarretar	garrafões
de	azeite,	cabazes	de	fruta,	apanhar	as	couves,	as	alfaces,	carregar	tudo	para	a
carroça.	Juntamente	com	vinte	coelhos,	cinquenta	codornizes,	dez	galinhas	e	três
porcos.	Que	estafa!
Lá	partiram.	Quando	chegaram	ao	topo	da	colina	fronteira	à	casa,	com	o	rapaz
derreado	e	o	patrão	folgado	na	carroça,	reparou	este	que	faltava	uma	saca	de
batatas.
-	Não	se	arrelie,	patrão,	estou	aqui	para	o	servir.	Vou	num	salto	buscá-la.	Quer	a
grande	ou	a	pequena?
-	A	grande,	pois	então!	A	pequena	fica	para	os	gastos	da	nossa	cozinha.
-	Não	estranhe	se	eu	me	demorar,	que	o	peso	não	é	brincadeira!	Uns	cinquenta
quilos!	E	não	tenho	montada.	Se	desatrelasse	o	cavalo	para	mo	emprestar,	eu
voltava	num	instante.
Desatrelou-se	o	animal	e	o	rapaz	montou-o	em	pêlo.
Num	instante	chegou	ã	quinta	e	disse	ã	mãe	do	patrão.
-	O	seu	filho	manda	pedir	a	bolsa	grande	do	dinheiro.
-	Essa	não	pode	ser.	Lá	guarda	ele	as	moedas	de	ouro	com	que	há-de	comprar	a
quinta	do	vizinho.
-	Então	chegue	à	varanda	e	pergunte-lhe.
Chegou	a	velhota	ao	varanda	e	gritou	na	sua	voz	esganiçada:
-	Qual	é?
Respondeu	de	longe	ò	caloteiro	alargando	os	braços:
-	A	grande!
Quando	o	rapaz	se	viu	com	a	bolsa	de	cabedal	bem	recheada	na	mão,	montou	o
cavalo	e	nunca	mais	apareceu.
Levou	o	pagamento	que	lhe	competia	e	o	de	todos	os	criados	que,	até	então,
tinham	sido	despedidos	com	as	mãos	a	abanar.
O	Céu	Está	a	Cair
Andava	uma	galinha	a	esgravatar	na	terra	quando,	de	repente	-	pim!	-	um
pássaro	lhe	largou	um	inesperado	presente	no	alto	di	cabeça.	Que	porcaria!
-	Cocorocó!	-	cacarejou	ela,	numa	aflição.	-	Caiu	um	bocado	do	céu	em	cima	da
minha	cabecinha!
Abalou	pelos	campos	fora,	com	medo	que	o	resto	do	céu	viesse	por	aí	abaixo,	
aos	trambolhões.																														
Encontrou	um	porco,	debaixo	de	uma	árvore,	a	comer	bolotas.
-	Ron,	ron,	ron!	-	grunhiu	ele,	admirado.	-	Porque	foges	tu,	galinha?
-	Caiu	um	bocado	do	céu	em	cima	da	minha	cabecinha.
Temendo	que	o	mesmo	lhe	sucedesse,	o	porco	foi	atrás	dela.
Chegaram	a	um	lago	onde	nadava	um	pato	que,	naturalmente,	ficou	espantado
com	aquela	correria.
-	Cuá,	cuá,	cuá,	que	aconteceu?
-	Caiu	um	bocado	do	céu	em	cima	da	minha	cabecinha!	-	repetiu	a	galinha.
Para	evitar	semelhante	desgraça,	o	pato	saiu	da	água	e	juntou-se	aos	fugitivos.
Foram	ter	a	uma	rua	onde	estava	um	gato	deitado	ao	sol.	Este	abriu	um	olho,
espreguiçou-se	e	perguntou:
-	Miau,	miau,	miau,	que	aconteceu?
-	Caiu	um	bocado	de	céu	em	cima	da	minha	cabecinha!	-	voltou	a	explicar	a
galinha.
O	gato	ficou	com	os	pêlos	todos	em	pé.	Que	horror!	O	melhor	era	escapar	já	dali
com	os	outros	três.
Pata	aqui,	pata	acolá,	acharam-se	num	campo	onde	pastava,	despreocupado,	um
burro.	Este,	ao	vê-los	com	tal	pressa,	ficou	preocupado.
-	Hihon,	hihon,	hihon,	que	aconteceu?
-	Caiu	um	bocado	de	céu	em	cima	da	minha	cabecinha!	-	disse	a	galinha.
O	burro,	ao	olhar	para	cima,	para	as	nuvens	que	se	acastelavam,	teve	medo.	Ai,
se	as	nuvens	e	até	o	Sol	tombavam	em	cima	dele!	De	certeza	que	lhe
amachucavam	as	grandes	orelhas...
-	Vou	com	vocês!	resolveu,	desatando	a	galopar.	Mas	a	galinha,	o	porco,	o	pato	e
o	gato	não	conseguiam	acompanhá-lo.	Nenhum	deles	tinha	jeito	para	atletismo.
-	O	melhor	é	saltarem	todos	para	as	minhas	costas,	ou	não	nos	despachamos.
O	gato	deu	logo	um	salto	e	instalou-se	no	pescoço	do	burro.A	galinha	e	o	pato
bateram	as	asas,	tornaram	a	bater	até	que	finalmente	conseguiram	voar	até	à
garupa.	O	porco	é	que	não	arranjava	maneira	de	subir.	Foi	preciso	o	burro	deitar-
se	para	aquele	gorducho	ser	capaz	de	o	montar.
Assim	foram	galgando	montes	e	vales,	atravessando	campos	e	aldeias.
Passaram	finalmente	diante	de	uma	quinta.	De	guarda	estava	um	cão,	que	logo
começou	a	ladrar.
-	Ão,	ão,	ão!	Que	aconteceu?
-	Caiu	um	bocado	de	céu	em	cima	da	minha	cabecinha!	-	contou,	pela	quarta
vez,	a	galinha.
Que	perigo!	O	cão,	nas	suas	andanças,	já	tinha	visto	caírem	maçãs	das	árvores,
caírem	bolas	atiradas	por	miúdos,	caírem	perdizes	em	pleno	voo,	atingidas	pelos
tiros	dos	caçadores.	Mas	bocados	do	céu...
-Vamos	esconder-nos	debaixo	da	cama	da	minha	dona	-	propôs	ele.	-	Aí	estamos
bem,	protegidos.
Assim	fizeram.	Como	a	cama	era	alta,	enfiaram-se	por	baixo	da	colcha	e
adormeceram.
À	meia-noite	veio	a	velha	senhora	deitar-se.	Ela	bem	queria	dormir	mas	as
pulgas	do	cão	tanto	lhe	picavam	que	a	desgraçada	não	tinha	descanso.	A	coçar-
se,	às	voltas,	reviravoltas,	acordou	a	bicharada.
Que	grande	barafunda!	Na	escuridão,	todos	se	atropelavam,	numa	algazarra.
Sempre	teria	caído	o	céu?
A	galinha	cacarejava,	o	pato	grasnava,	o	porco	roncava,	o	gato	miava,
o	burro	zurrava,	o	cão	ladrava,	a	velha	gritava:
-	Que	grande	confusão,	os	bichos	nascem	do	chão	debaixo	do	meu	colchão!
O	Canário
Lindo	canário	amarelo	cacei	junto	da	ribeira,	meti-o	numa	gaiola	da	mais	bonita
madeira.
Mandei-o	dar	de	presente,	pelo	Natal,	à	rainha,	que	logo	pôs	o	canário	na	melhor
sala	que	tinha.
Vinham	fidalgos	de	longe	com	suas	damas	de	honor	só	para	ouvirem	trinar	o
passarinho	cantor.
Vinham	orquestras	e	bandas,	conjuntos	de	guitarristas,	ao	som	da	sua	voz	fina
até	choravam	fadistas.
Mas	numa	noite	de	Inverno,	depois	de	grande	nevão,	adoeceu	o	canário	com
uma	constipação.
Tapado	com	cobertores,	deram-lhe	chá	de	limão	com	três	gotinhas	de	mel,	outras
três	de	vinho	Dão.
Ai,	o	canário	a	tossir,	ai,	o	canário	a	espirrar!	Mandem	já	vir	os	doutores,	alguém
o	tem	de	salvar!
Chegaram	numa	ambulância,	a	correr,	do	hospital,	cem	doutores	de	bata	branca.
Acharam	que	estava	mal.
Tanto,	tanto	comprimido!	e	tanta,	tanta	injecção!	Ai,	a	maior	delas	todas
trespassou-lhe	o	coração.
Morreu	o	lindo	canário,	a	rainha	desmaiou.	Agora,	senhores,	vou	contar	o	que
depois	se	passou.
Vestiu-se	a	corte	de	luto	para	os	tristes	funerais.	Vieram	pombos	e	melros,
periquitos	e	pardais.
Mas	veio	o	gato	também	ver	o	cortejo	de	luxo.	Abriu	a	boca	e	meteu	o	canarito
no	bucho.
O	meu	rico	passarinho,	num	gato	está	sepultado!	Disse	a	rainha	e	guardou	o	gato
sempre	ao	seu	lado.
Vêm	fidalgos	de	longe	ouvir	o	gato	miar	e	miam	os	violinos	para	o	acompanhar.
Frei	João	Sem	Cuidados
Frei	João	Sem	Cuidados	era	um	homem	que	com	nada	se	afligia.
-Corria-lhe	a	vida	à	maneira	porque,	como	frade,	não	precisava	de	ganhar
dinheiro	para	sustentar	mulher	nem	de	ouvir	a	choradeira	dos	filhos.	Ria-se	de
todos	os	homens	casados	porque	não	tinha	de	aturar	uma	sogra.	Dormia	e	comia
à	fartazana	no	convento.	Passeava	pelas	ruas,	conversando	com	toda	a	gente	e,
quando	estava	cansado,	sentava-se	na	frescura	silenciosa	da	igreja,	a	rezar.
Dava	conselhos	com	um	sorriso,	resolvia	problemas	num	abrir	e	fechar	de	olhos.
Tanto	o	rei	ouviu	falar	do	frade,	que	pensou	metê-lo	em	trabalhos.
-	Ando	eu	para	aqui	a	preocupar-me	com	os	negócios	do	reino,	sem	saber	como
resolvê-los	e	o	felizardo	com	fama	de	não	ter	cuidados...
Mandou-o	chamar	à	sua	presença,	falando-lhe	com	cara	de	poucos	amigos:
-	Dou-te	vinte	e	quatro	horas	para	responderes	a	três	perguntas:	Aonde	fica	o
meio	da	Terra?	Quanta	água	há	no	mar?	Em	que	estou	eu	a	pensar?	Se	não
acertares,	mando-te	cortar	a	cabeça	porque	afinal	não	te	serve	para	nada.
Pela	primeira	vez	na	vida,	sentiu-se	o	frade	preocupado.
Consultou	os	sábios	do	reino,	folheou	os	poeirentos	alfarrábios	da	biblioteca	mas
em	parte	alguma	achava	resposta	para	aqueles	enigmas.
Pediu	ajuda	aos	santinhos	dos	altares	mas	os	santos	de	pau	carunchoso	nem	se
dignaram	abrir	a	boca.
Sentou-se	então	numa	pedra,	desesperado.
Passou	um	moleiro	que,	ao	ver	o	rio	de	lágrimas	que	lhe	nascia	dos	olhos,	quis
saber	o	que	se	passava.
Contou	o	frade	a	conversa	do	rei	e	logo	o	outro	ali	o	consolou:
-	Não	se	preocupe,	Frei	João	Sem	Cuidados.	Empreste-me	a	sua	fatiota	que
amanhã	eu	irei	ao	palácio	real	em	seu	lugar.	Somos	da	mesma	altura,	a	minha
barriga	é	tão	grande	como	a	sua...
-	E	se	o	rei	manda	cortar-te	a	cabeça?
O	outro	riu-se	a	bom	rir	enquanto	trocavam	de	roupa.
No	dia	seguinte	apresentou-se	o	moleiro	na	sala	do	trono,	diante	de	toda	a	corte.
Puxou	o	capuz	até	ao	nariz	para	não	ser	reconhecido.
-	Ora	vamos	lá	a	saber	onde	fica	o	meio	da	Terra...	-	disse	o	soberano,	trocista.
O	moleiro	nem	hesitou:
-	Não	há	pergunta	mais	fácil.	Toda	a	gente	sabe	que	a	Terra	é	redonda	como	a
laranja	-	respondeu	ele,	tirando	uma	da	algibeira.	-	Onde	fica	o	meio	deste	fruto?
Em	qualquer	parte,	porque	é	redondo.
Sentiu-se	o	rei	embatucado	com	aquela	resposta	mas	não	se	deu	por	achado.
-	Pois	agora,	diz-me,	sem	errares,	quanta	água	há	no	mar.
O	moleiro	não	tinha	papas	na	língua
-	Qual	a	dificuldade?	Facilmente	se	mede	a	água	do	mar.	Basta	Vossa	Majestade
mandar	tapar	primeiro	a	foz	de	todos	os	rios	para	não	se	misturar	a	água	doce
com	a	salgada.
Ficou	o	rei	perplexo	com	a	esperteza	do	homem	e	calou-se	pois	não	achava
maneira	de	barrar	todos	os	rios.
-	Bem,	finalmente	vais	adivinhar	em	que	estou	eu	a	pensar.
O	falso	frade,	mais	uma	vez,	não	se	atrapalhou.
-	Pensa	Vossa	Majestade	que	está	a	falar	com	Frei	João	Sem	Cuidados.	Mas	veja
bem	quem	eu	sou...	o	2é	Moleiro!
Isto	dizendo,	destapou	a	cara.
-	Pois	enganaste-me	bem	enganado!	-	confessou	o	rei,	meio	engasgado.	-	Tenho
de	dar	o	braço	a	torcer.	Podes	fazer-me	um	pedido,	que	bem	o	mereces.	Queres
uma	bolsa	de	ouro?	Um	burro	para	carregares	farinha?	Um	moinho	novo?
O	espertalhão	não	demorou	a	falar.
-	Quero	que	Vossa	Majestade	me	diga	onde	é	o	lugar	das	cabeças.
-	Em	cima	dos	pescoços,	está	bem	de	ver.
-	Pois	então,	deixe-as	ficar	no	sítio	delas,	que	é	onde	se	sentem	bem.
Parece	que	o	rei	seguiu	o	conselho	e	Frei	João	Sem	Cuidados	continua	sem
cuidados.
Dom	Caio
Era	uma	vez	um	alfaiate	medroso,	medroso,	mesmo	medricas.	Tinha	medo	das
aranhas	por	terem	muitas	patas,	dos	gafanhotos	por	darem	grandes	saltos.	Até
fugia	das	galinhas,	que	o	podiam	picar.
Estava	ele,	num	quente	dia	de	Verão,	sentado	à	porta	da	loja	a	coser	um	par	de
calças,	quando	viu	aproximar--se	um	enxame	de	moscas.
-Ai,	que	horror!	Se	pousam	em	mim...	até	desmaio.	Aflito,	horrorizado,	deixou
cair	a	agulha,	levantou	as	calças	no	ar	e	começou	a	bater	nas	moscas.	Logo	sete
caíram	mortas	a	seus	pés.
Orgulhoso	com	o	feito,	pôs-se	a	anunciar:
-	Sou	um	valente!	Mato	sete	de	uma	vez!
Subiu-lhe	a	proeza	à	cabeça	de	tal	modo	que	até	compôs	uma	cançoneta.	De
manhã	a	noite	não	se	cansava	de	a	entoar:
Matei	sete	de	uma	vez,	é	verdade,	verdadinha.	Não	há	para	aí	valentia	igual	ou
maior	que	a	minha!
Quem	vinha	de	longe	e	passava	pela	rua	ficava	de	boca	aberta,	julgando	que
aquele	homem	se	distinguira	numa	sangrenta	batalha.
Andava	nesse	tempo	o	reino	em	guerra	e	nela	morrera	o	chefe	das	tropas	reais,	O
bravo	Dom	Caio.
Quem	havia	de	o	substituir?
Quem	seria	tão	forte,	destemido	como	o	famoso	general?
Chegou	aos	ouvidos	do	rei	a	fama	daquele	alfaiate	que	aos	sete	ventos	apregoava
que	matava	sete	de	uma	vez.	Era	o	que	lhe	convinha.
Mandou-o	trazer	à	sua	presença	e	perguntou-lhe:
-	É	certo	o	que	para	aí	dizem?	És	um	herói?	Que	fizeste	tu?
-	Matei	sete	de	uma	vez!
Ficou	o	rei	todo	satisfeito	e,	como	as	guerras	não	esperam,	de
imediato	deu	as	suas	ordens:
-	Tragam-me	já	o	cavalo	branco	de	Dom	Caio.	Quem	doravante	o	vai
montar	é	o	novo	chefe	do	nosso	exercito,	que	vos	apresento.
Trouxeram	o	cavalo,	bem	aparelhado.	Era	tão	fogoso	que	os	criados
mal	conseguiam	contê-lo.	Fardaram	o	alfaiate	a	rigor,	puseram-lhe	ao
peito	todas	as	medalhas	e	condecorações	do	seu	antecessor	e
enterraram-lhe	um	capacete	com	plumas	até	às	orelhas.	Assimpouco
se	lhe	distinguia	a	cara.
Que	altura	tinha	a	montada!	Olhar	para	baixo	até	fazia	vertigens…
Dava	cada	coice,	ainda	por	cima…
Atrapalhado,	o	falso	valentão,	deixou	cair	as	rédeas,	agarrou-se	às
crinas	e	apertou	com	quanta	força	tinha	a	barriga	do	animal,	que	logo
largou	a	galope.
-	Eu	caio!	Eu	caio!	-	gritava,	a	plenos	pulmões,	o	desgraçado.
E	mais	puxava	pelas	crinas	do	animal	que	sabia	de	cor	o	caminho	para	a	guerra.
-	Eu	caio!	Eu	caio!	-	ia	vociferando	cada	vez	mais	alto,	com	esperança	de	que
alguém	o	viesse	salvar.
Em	vez	disso,	encontrou-se	no	meio	da	guerra.	Era	ainda	pior	do	que	alguma	vez
imaginara.	As	espadas	cortavam	mesmo	cabeças	e	as	lanças	furavam	as	barrigas!
-	Afinal	Dom	Caio	não	morreu!	-	entusiasmaram-se	os	soldados	reais.	-	Vamos
atrás	dele.
-	Eu	caio!	Eu	caio!	-	berrava,	louco	de	pavor,	o	alfaiate,	conduzido	pelo
imparável	corcel.
Os	inimigos,	ao	verem	a	fúria	com	que	avançava,	seguido	pelas	suas	tropas,
resolveram	fugir	a	sete	pés.
Assim	foi	vencida	a	batalha.
O	alfaiate	regressou	à	corte,	onde	foi	recebido	em	triunfo.
As	ruas	estavam	engalanadas	de	flores.	As	fanfarras	de	música	tocavam.
-	Como	hei-de	recompensar-te	por	teres	salvo	o	meu	país?	-	interrogou-se	o	rei.	-
Não	há	dinheiro	nem	honrarias	que	paguem	a	tua	valentia.
O	alfaiate,	sem	saber	o	que	pedir,	olhou	para	a	princesa,	a	ver	se	ela	tinha
alguma	ideia.
-	Ah,	queres	casar	com	a	minha	filha!	Faz-se	já	o	casamento!
Lá	se	celebraram	as	bodas,	com	todo	e	esplendor.
Na	noite	de	núpcias,	quando	os	noivos	se	iam	deitar,	apareceu	um	rato	no	quarto.
O	nosso	herói,	apavorado,	subiu	para	uma	cadeira,	trepou	para	cima	do	armário	e
lá	ficou	a	tremer	como	varas	verdes.	A	princesa	é	que	espantou	o	bicharoco,
atirando-lhe	com	um	chinelo.
-	Mas	que	valentaço	me	saíste	tu!	Como	é	que	mataste	sete	duma	vez?	Vou
contar	tudo	ao	meu	pai.
O	fanfarrão	ajoelhou-se	aos	pés	da	mulher	e	confessou	que	não	passava	de	um
alfaiate,	cuja	proeza	fora	matar	sete	moscas	duma	vez.
-	És	alfaiate?	Isso	é	que	me	convém!	Os	outros	maridos	que	me	queriam	arranjar
passavam	a	vida	nas	guerras,	não	percebiam	nada	de	modas.	Tu	vais	estar	o
tempo	todo	ao	meu	lado,	dedicando-te	á	tua	arte.
No	dia	seguinte	foram	ambos	comprar	veludos,	sedas,	brocados	e	o	alfaiate
cortou,	provou,	coseu	os	mais	maravilhosos	trajes	para	a	princesa.
E,	claro,	quando	alguma	mosca	os	vinha	incomodar,	dava	cabo	dela.
Não	há	memória	de	um	casal	mais	feliz.
As	Galinhas	Faladoras
Hoje	as	mulheres	passam	as	noites	a	ver		televisão.	Mas	dantes	umas	
namoravam,
outras	faziam	renda,	outras	perdiam-se	na	conversa.	As	mais	preguiçosas	iam
naturalmente	para	a	cama	dormir.
A	Senhora	Mariquinhas,	que	morava	num	casinhoto	mesmo	ao	lado	do	palácio
real,	entretinha-se,	por	trás	das	cortinas,	a	bisbilhotar	tudo	o	que	por	lá	se
passava.	As	três	filhas,	essas,	coitadas,	esfregavam	os	tachos,	bordavam	toalhas
e	faziam	bonecas	de	trapos	para	vender	pois	dinheiro	era	o	que	não	abundava
naquela	casa.
Por	isso	se	queixavam:
-	Ó	mãe,	podia,	ao	menos,	ajudar-nos...
-	Calem-se,	meninas,	que	eu	estou	a	tratar	da	vossa	felicidade.
Quando	alguma	delas	se	lembrava	de	entoar	alguma	canção,	logo	tinha	de	fechar
a	boca.
-	Chiu,	meninas,	que	estou	a	tratar	da	vossa	felicidade	e	para	isso	preciso	de
silêncio.
As	moças	olhavam	umas	para	as	outras,	encolhiam	os	ombros,	continuavam	a
trabalhar.	Mas,	entre	si.	murmuravam:
-	Que	mãe	tão	preguiçosa	havia	de	nos	sair	na	rifa!	Põe-nos	a	trabalhar	pela	noite
fora	enquanto	se	distrai,	na	bisbilhotice.
Estava	um	dia	a	Senhora	Mariquinhas	a	regar	as	alfaces,	ao	entardecer,	quando
viu	a	rainha	a	apanhar	rosas	no	jardim	ao	lado.	Aproximou-se	do	muro	e
perguntou-lhe:
-	Não	quer	Vossa	Majestade	que	eu	ensine	as	suas	galinhas	a	falar?
-	O	quê?	-	espantou-se	a	rainha.
-	Fique	sabendo	que,	com	as	minhas	aulas,	aprendem	melhor	que	papagaios.
Seriam	a	grande	atracção	da	corte!
-	E	os	galos	também	aprendem?
-	Então	não	haviam	de	aprender?	Como	a	especialidade	deles	é	cantarem,
entoam	qualquer	cantiga.	Até	dão	para	fadistas	e	cantores	de	ópera.
Com	entusiasmo	aceitou	a	soberana	a	proposta,	ordenando	aos	criados	que
carregassem	para	o	quintal	da	mulherzinha	as	797	galinhas	e	os	85	galos	das
capoeiras	reais.	Juntamente	vieram	sacas	e	sacas	de	milho	para	a	alimentação.
Volvidos	quinze	dias,	assomou	a	rainha	ao	muro,	perguntando:
-	Então,	têm	feito	progressos?
-	Alguns,	alguns.	Já	dizem	bom-dia,	também	boa-tarde.	Mas	aprenderiam	mais
depressa	se	tivessem	melhor	ração.	Se	provassem	comida	de	gente:	bacalhau
com	natas,	uns	bifes	com	batatas	fritas,	principalmente	bolos	de	chocolate.
-	Não	quero	que	a	bicharada	se	atrase	nos	estudos...	Os	cozinheiros	vão	preparar
belos	petiscos.
Muito	bem	passaram	a	comer	em	casa	da	Senhora	Mariquinhas!	As	filhas,	que
eram	tão	magriças	que	até	os	ossos	pareciam	furar-lhes	a	roupa,	ganharam
formas	tão	ondulantes	que	todos	os	rapazes	começaram	a	reparar	nelas.
Outros	quinze	dias	decorreram.	De	novo	a	rainha	se	empoleirou	no	muro	para
saber	notícias.
A	falsa	professora	gabou	as	alunas:
-	Já	contam	até	cem!	Sabem	os	nomes	dos	meses	e	as	estações	do	ano.	No
entanto,	mais	aprenderiam	se	bebessem	um	copo	de	vinho	às	refeições.
-	Arranja-se	já	-	disse	imediatamente	a	rainha,	mandando	retirar	das	caves	umas
garrafas	do	melhor	vinho	de	mesa.
Muito	bem	se	passou	a	beber	em	casa	da	Senhora	Mariquinhas!
Ao	cabo	de	mais	quinze	dias,	voltou	a	rainha	a	interessar-se	pelo	progresso	dos
seus	galináceos.
-	Ah,	Majestade...	Os	bichinhos	são	um	fenómeno	a	falar!	Não	têm	papas	na
língua.	Veja	lá	que	até	me	vieram	contar	que	a	senhora	se	encontra	de	noite,	às
escondidas,	com	o	jardineiro...
A	rainha	que,	de	facto,	dava	umas	facadinhas	no	casamento,	ficou	aflita.	Se	o	rei
descobria,	estava	desgraçada!
-	Dizem	que	me	viram?	Que	horror!	Mata	já	essa	bicharada	linguareira.	Encho-te
bem	as	algibeiras	para	não	espalhares	a	notícia.
Foi	o	que	a	marota	quis	ouvir.
No	dia	seguinte,	logo	de	manhã,	alugou	uma	carroça,	despachando	toda	aquela
multidão	cacarejante	para	a	feira	mais	próxima.	Lá	comprou	vestidos,	sapatos
novos	para	as	filhas	e	cuidou	que	cada	uma	arranjasse	um	rico	enxoval.
-	Ó	mãe,	como	estamos	felizes!	-	alegraram-se	elas.	-Já	temos	uns	noivos
jeitosos	debaixo	de	olho...
Casaram	as	três	no	mesmo	dia	mas	foram	viver	para	o	outro	extremo	da	cidade.
Com	uma	mãe	tão	bisbilhoteira,	é	sempre	mais	prudente	manter	alguma
distância,	não	concordam?
Quanto	ã	Senhora	Mariquinhas,	lá	continua,	por	trás	da	cortina,	a	espreitar	a	vida
alheia.
As	Senhoras	das	Capinhas	Pretas
Chico	Melaço	fez-se	ao	caminho	com	um	pote	de	mel	para	vender	na	feira.	Era
tudo	o	que	tinha.
Quem	cria	ovelhas	faz	queijos.
Quem	engorda	porcos	faz	chouriços.
Quem	semeia	trigo	faz	pão.
Chico	Melaço	vivia	no	monte,	regalado,	folgado,	repimpado.	Encostava-se	a
uma	árvore	e	via	as	abelhas	a	trabalhar.	Eram	o	seu	rebanho.
Não	precisava	de	cão	ou	cajado	para	correr	atrás	delas	em	busca	de	pastagem.
Não	precisava	de	comprar	rações	para	quem	se	contenta	com	o	pólen	das	flores
do	rosmaninho,	da	alfazema,	do	pinheiro.
Ficava-se	a	ouvir	o	zumbido	das	suas	bichinhas,	cantarolando:
Zum,	zum,	zum,	abelhas	no	ar...
Quem	é	que	adivinha	onde	vão	pousar?																																								
Zum,	zum,	zum,	abelhas	ao	vento,	que	me	vão	trazer	um	doce	sustento.																																											
Zum,	zum,	zum,	que	bom	mel	doirado	De	tanto	o	comer,	já	estou	lambuzado.																																					
Pois	lá	seguia	o	rapaz	agora,	estrada	fora,	com	o	pote	a	transbordar,	pensando	no
rico	dinheiro	que	iria	meter	ao	bolso.
Podia	vender	o	mel	aos	pasteleiros	para	bolos	regionais.
Podia	vendê-lo	aos	farmacêuticos	para	rebuçados	da	tosse.
Podia	vendê-lo	às	meninas	gulosas,	que	com	ele	barram	o	pão,	as	bolachas	e,	por
fim,	o	devoram	às	colheradas.
Quem	lhe	daria	mais	por	ele?
A	certa	altura,	um	enxame	de	moscas,	atraído	pelo	cheiro	delicioso,	começou	a
esvoaçar	à	sua	volta.
-	Vêm	comprar	a	minha	mercadoria?	Quem	quiser	que	se	aproxime.
Como	resposta,	as	moscas	pousaram	todas	no	pote.
-	Pagam	bem?
Como	resposta,	as	moscas	baixarama	cabeça	para	petiscarem	o	pitéu.
Chico	Melaço	ficou-se	a	vê-las	banquetearem-se.	Eram	tantas	e	tantas	que
formavam	uma	nuvem	negra.
Como	a	música	lhe	corria	no	sangue,	logo	inventou	uma	nova	modinha:
Zum,	zum,	zum,	vou	ficar	rico	e	comprar	logo	um	burrico.
Zum,	zum,	zum,	nessa	montada	arranjo	uma	namorada.
Zum,	zum,	zum,	no	Castelo	do	Queijo	a	morar	eu	já	me	vejo.
Quando	o	pote	ficou	vazio,	esperou	Chico	Melaço	pelo	pagamento	mas,	para	sua
surpresa,	as	finórias	das	moscas	não	lhe	entregaram	moedas	ou	notas.
-	Vão	a	casa	buscar	o	dinheiro!	-	ordenou	o	jovem.	Obedientes,	elas	largaram
dali,	direitinhas	à	quinta	mais	próxima.
Esperou	o	nosso	Zé,	à	sombra	duma	oliveira,	mas	das	moscas,	nem	sinal.
Foi	o	Sol	deslizando	pelo	céu	até	ficar	a	pique,	ao	meio-dia.	Depois	desceu,
desceu,	desceu,	escondendo--se	finalmente	para	além	da	serra	para	dar	lugar	à
Lua.
Já	era	noite.	Das	marotas,	nem	recado....
No	dia	seguinte,	deslocou-se	o	nosso	vendedor	até	à	vila,	a	pedir	conselho.
Havia	de	se	vingar	daquele	bando	de	caloteiras.
-	Ora,	vai	ao	tribunal!	-	galhofou	o	chefe	da	Polícia,	ao	receber	a	queixa.	-	Só	a
justiça	te	pode	valer.
Dirigiu-se	o	Chico	Melaço	ao	tribunal	e	expôs	o	seu	caso:																			-	Sr.	Juiz,	
umas	senhoras	com	capinhas	pretas	atiraram-se	ao	meu	pote	de	mel,	paparam-no	
todo	sem	pagar.
-	Sabes	o	nome	delas?	-	indagou	o	magistrado.
-	Não,	senhor.
-	E	a	morada?
-	São	umas	galdérias,	não	têm	pouso	certo...
-	Mas	se	as	vires	és	capaz	de	as	reconhecer?
-	Ah,	com	certeza.	São	pequenas,	morenas,	usam	sempre	capinha	preta.	E
impossível	confundi-las.
O	juiz,	mais	satisfeito,	sugeriu:
-	Quando	encontrares	alguma,	agarra-a	e	trá-la	cá	para	eu	a	prender.
Chico	Melaço	ficou	atrapalhado.
-	Elas	fogem	depressa,	são	difíceis	de	apanhar.
-	Fogem	à	lei?	Então	dá	uma	paulada	na	primeira	que	encontrares.
O	rapaz	fixou	o	juiz	e	mais	atrapalhado	ficou.
-	Com	sua	ordem,	posso	dar	a	paulada?
-	Com	certeza	-	assegurou	o	outro.
Num	ápice	o	rapaz	pegou	num	pau	e	zás!	pregou	uma	paulada	na	careca	do	juiz,
onde	uma	mosca	estava	pousada.
Mas	nem	assim	a	justiça	se	cumpriu.	Um	galo	enorme	começou	a	crescer	no
sítio	onde	estivera	a	senhora	da	capinha	preta,	que	depressa	se	esgueirou	para
junto	das	suas	companheiras.	Todas	juntas,	até	hoje,	vão	rindo	da	humanidade.
Zum,	zum,	zum,	caçam-se	leões	e	pesca-se	atum.
Mas	apanhar	moscas,	quem	é	que	consegue?
Já	falhou	mais	um!	Zum,	zum,	zum.
A	Pele	do	Piolho
Era	uma	vez	um	rei	que	não	primava	pelo	asseio.	Tinha	tal	medo	da	água	que
nunca	se	lavava.
-	Tomar	banho	no	rio	é	perigoso,	posso	afogar-me.	Meter-me	numa	banheira	é
perigoso,	posso	escorregar.	Esfregar-me	com	uma	toalha	molhada	é	perigoso,
pode	cair-me	a	pele	-	dizia	ele.
Não	havia	perfume	que	cobrisse	o	seu	mau	cheiro.	A	rainha	tinha	morrido,
intoxicada.	O	pessoal	da	corte	mantinha--se	todo	à	distância,	o	que	ele	achava
natural,	como	sinal	de	respeito.
Só	a	filha	se	aproximava,	com	uma	mola	de	roupa	de	ouro	a	tapar-lhe	o	nariz.
-	É	a	nova	moda	-	desculpava-se	ela	para	não	o	ofender.
Certo	dia,	ao	penteá-lo,	até	estremeceu.
-	Ai,	senhor,	que	grande	piolho!	Vou	já	tirar-lho.
-	Não	o	tires	que	me	faz	companhia.	Meu	rico	bichinho	de	estimação!
Acompanha-me	a	toda	a	hora,	para	onde	quer	que	eu	vá...	Cães	ou	gatos	não	são
mais	dedicados.
Deixou	a	filha	ficar	o	animal	que,	com	o	tempo,	foi	crescendo,	crescendo,
crescendo.	Ficou	tão	grande	que	até	parecia	um	chapéu	pousado	no	cocuruto	da
real	cabeça.	Até	a	coroa	deixou	de	lhe	servir.
Também	a	princesa	cresceu,	tão	bela,	esperta	e	asseada	que	ninguém	diria	que
era	filha	de	tal	pai.
Estavam	pois	ambos	crescidos	quando	o	piolho	adoeceu.
Tinha	o	rei	andado	a	passear	ao	sol	e	o	pobre	apanhara	um	escaldão.	Agora
tossia,	espirrava	que	era	um	dó	de	alma	e	tinha	tanta,	tanta	febre	que	a	cabeça	do
monarca	escaldava.
Vieram	veterinários	de	longe	para	o	tratarem	mas	todos	eles	estavam	habituados
a	matar	e	não	a	curar	piolhos.	Besuntaram-no	com	cremes,	friccionaram-no	com
álcool,	picaram-no	com	injecções.	O	doente	não	melhorava.	Obrigaram	o	dono
do	bicharoco	a	tomar	xaropes,	comprimidos,	injecções	pois	este	só	se	alimentava
com	o	seu	sangue.	Nem	assim	recuperava	a	saúde.
Entre	choros	e	lamúrias	acabou-se-lhe	a	vida.
-	Vamos	enterrá-lo	no	jardim,	junto	aos	cravos	perfumados	-	propôs	a	princesa.
-	Nunca!	-	disse	o	pai.	-	Quero-o	sempre	junto	de	mim.	Com	a	sua	pele	vou	
mandar	fazer,	em	segredo,	um	tambor.																																																					
Assim	aconteceu.
Sentia-se	o	rei	enfraquecer	com	a	idade	mais	o	desgosto	pela	morte	do
companheiro	inseparável.	Resolveu	então	casar	a	filha	para	não	a	deixar
desamparada.
-	Só	aceito	um	marido	ao	meu	gosto!	-	exclamou	ela.	Só	caso	com	quem
adivinhar	de	que	é	feito	o	tambor	de	Vossa	Majestade.
Esteve	o	rei	de	acordo,	mandando	em	breve	reunir	todos	os	oficiais,	fidalgos	e
príncipes	que	aspiravam	á	mão	da	princesa.	Para	cima	de	uma	centena!
Entretanto	ela	já	fizera	a	sua	escolha.	Era	um	jovem	capitão	da	marinha,	que	não
temia	nem	as	mais	revoltosas	águas	do	mar.	Por	isso,	aproximou-se	dele	às
escondidas	e	murmurou:
-	O	tambor	é	de	pele	de	piolho.
Ora	um	criado	muito	velho,	que	andava	por	ali	a	servir	bebidas,	ouviu	a	frase.
Correu,	mesmo	com	a	bandeja	na	mão,	até	ao	trono,	anunciando:
-	Descobri!	Descobri!	O	tambor	é	de	pele	de	piolho.	A	princesa	desfez-se	em
lágrimas	mas	o	rei	só	tinha	uma	palavra,	não	podia	voltar	com	ela	atrás.
-	Escolhe	o	dia	do	casamento	que	serás	meu	genro,	embora,	pela	idade,	pudesses
ser	meu	avô.
A	princesa	é	que	não	esteve	pelos	ajustes.	Diante	de	toda	a	gente,	enfrentou	o
noivo:
Se	comigo	te	casares,	vais	sofrer	desilusão,	em	vez	de	te	dar	um	beijo,
dou-te	logo	um	bofetão.
Eu	durmo	na	cama	fofa,	tu	dormes	no	meio	do	chão,	eu	como	bolos	de	mel
e	tu	os	ossos	do	cão.
Eu	vou	para	o	baile	dançar,	tu	vais	carregar	melão.
Hei-de	ter	sete	filhinhos,	os	sete	dum	capitão.
Se	não	posso	dar-lhe	a	mão,	dou-lhe	corpo	e	coração.
Por	aquela	declaração	pública	é	que	o	velhote	não	esperava.	Levar	pancada,	ser
gozado	e	atraiçoado	pela	mulher	era	de	mais!
-	Desisto!	Desisto!
A	princesa	casou	com	o	capitão.	Mandaram	construir	um	palácio	com	vinte
casas	de	banho	e	uma	grande	piscina	diante	da	sala.
À	entrada	do	portão	há	um	letreiro	que	avisa:
A	Mulher	Gulosa
A	Maria	da	Graça	só	achava	graça	aos	bons	petiscos.	Não	paravam	na	despensa
os	queijos	amanteigados,	os	chouriços	e	presuntos,	as	tigelas	de	marmelada,	os
potes	de	mel.	Escorropichava	das	garrafas	o	vinho	doce	porque,	francamente,	a
água	só	era	boa	para	os	peixes.
Mal	o	marido	abalava	de	casa,	toca	a	partir	ovos,	a	misturar	farinha,	manteiga	e
açúcar	para	fazer	bolos.	Quando	o	desgraçado	voltava	do	trabalho	nem	uma
fatiazinha	sobrara	para	provar	ao	jantar.
-	Quem	é	a	gulosa	que	devora	tudo	o	que	é	bom?	-perguntava	o	homem,	fitando
a	mulher,	cada	dia	mais	corada	e	gorda.
-	Eu	não	sou!	-	exclamava	ela,	roendo-se	com	vontade	de	rir.	-	Lambareira	é	a
gata.	Tem	artes	de	chegar	a	todo	o	lado.	Ralha	com	a	Tareca.
O	Zé	Nabo	enxotava	a	bichana,	furioso,	exasperado.
-	Vai	comer	ratos!	Vai	comer	ratos!
Bem	mandava	o	homem	fechar	a	porta,	as	janelas	para	a	gata	não	entrar	mas	a
razia	continuava.	Era	um	ver	se	te	avias,	todos	os	petiscos	desapareciam	num
abrir	e	fechar	de	olhos.	Cerejas	vermelhinhas,	bolachas	da	feira,	frascos	de
compota,	amêndoas,	chocolates	não	duravam	nem	um	dia.
-	Ó	Maria	da	Graça,	tu	fazes	o	que	te	disse?	Não	deixas	a	gata	passar	do	quintal?
Ela	arranjava	logo	desculpa.
-	Bem	vês	que	não	abro	porta	nem	janela	mas	a	malandra	entra	pela	chaminé.	Se
eu	a	tapar,	por	onde	sai	o	fumo?
Parecia	impossível	que	a	Tareca,	com	os	ossos	quase	a	furar	o	pêlo,	se
alambazasse	com	tamanha	fartura.	Em	compensação	a	dona	ia	ficando	redonda
como	uma	bola...
-	Tu	não	me	enganes...	-	refilava	o	desgraçado.	-Passo	eu	o	dia	a	trabalhar	e	tu	a
trincar...
Andava	o	ambiente	tão	mau	entre	o	casal	que	parecia	impossível	durar	aquele
casamento.
Com	medo	de	perder	o	marido	e	os	petiscos	com	que	ele	enchia	a	despensa,	teve
a	matreira	uma	ideia	luminosa.
-	Acusas-me	a	mim	e	desculpas	a	gata.Pois	proponho-te	que	tires	a	limpo	qual
de	nós	é	culpada.	Amanhã	vamos	à	capela	da	Senhora	da	Graça,	minha
madrinha,	e	perguntamos	à	santa	quem	tem	razão.	Se	eu	falar	verdade,	trazes-me
de	volta,	às	costas,	para	casa.	Se	falar	mentira,	sou	eu	que	te	carrego	às	cavalitas
e	prometo	sair	da	tua	casa	e	da	tua	vida.
"Os	santos	não	mentem",	pensou	o	homem,	aceitando	o	desafio.
No	dia	seguinte	meteram-se	à	estrada	bem	cedo	porque	a	capela	ficava	a	muitas
horas	de	caminho.
Quando	chegaram	a	um	vale	entre	montanhas,	a	mulher	sentou-se	numa	pedra,
queixando-se	de	dores	nos	pés.
-	O	Zé,	já	pouco	falta	para	chegarmos	à	igreja.	A	santinha	deve	ouvir-nos	daqui.
Experimenta	fazer	a	pergunta,	que	eu	não	consigo	dar	mais	um	passo.
O	ingénuo	acedeu.
-	Senhora	da	Graça,	-	gritou	ele	com	toda	a	força	dos	seus	pulmões	-	quem	é	a
gulosa,	a	mulher	ou	a	gata?
Para	seu	espanto,	ouviu-se	o	eco,	repetindo:
-	A	gata...	a	gata...	a	gata...
Atónito,	o	homem	insistiu	com	a	pergunta:
-	Quem	é	a	gulosa,	a	mulher	ou	a	gata?
De	novo	o	eco	reproduziu	o	final	da	frase:
-	a	gata...	a	gata...	a	gata...	Rejubilante,	a	mulher	ordenou:
-	Baixa-te	para	eu	trepar	para	as	tuas	costas.	Bem	vês	que	tenho	razão.
Agachou-se	o	burro	e	fez-se	ao	caminho,	carregando	o	peso	desconforme	da
comilona.
Chegou	a	casa	mais	morto	que	vivo,	deitando	os	bofes	pela	boca.	Descarregou	a
mulher,	aliviado.	Em	seguida	pegou	na	vassoura	e	atirou-a	à	Tareca.	Magra,
ligeira,	esta	esgueirou-se	a	tempo.
Se	quiserem	saber	o	que	depois	se	passou,	oiçam	a	canção	trocista	que	ainda
hoje	entoam	os	miúdos	daquela	terra:
Atirou	o	pau	à	gata,	mas	a	gata	não	morreu.	O	Zé	Nabo	assustou-se	com	o	berro
que	a	gata	deu.	Miau!
A	gata	caçava	ratos,	a	mulher	ia	ao	chouriço.
Ai,	mas	que	grande	injustiça	a	bicha	pagar	por	isso!	Miau!
Deitou	as	unhas	de	fora,	arranhou	aqueles	dois.	Foi	roubar	um	carapau	e	fugiu
logo	depois.	Miau!
Dança,	Cacete!
Era	uma	vez	um	rapaz	sem	eira	nem	beira.	Andava,	de	barriga	a	dar	horas,	em
busca	de	emprego	mas	não	achava	quem	o	aceitasse.
-	És	tão	magro	que	até	passas	entre	as	gotas	da	chuva	-	riam-se	as	governantas
das	casas	fartas.
-	És	tão	pálido	que	te	confundem	com	um	fantasma	-riam-se	os	taberneiros.
-	És	tão	fraco	que	não	podes	com	uma	gata	pelo	rabo,	quanto	mais	com	um	saco
de	cimento	-	riam-se	os	mestres	de	obras.
Nas	suas	andanças	encontrou	certo	dia	uma	velhota	descalça,	sentada	nuns
degraus	de	pedra.
-	Doem-me	tanto	os	pés...	Até	já	estão	a	sangrar.	Não	haverá	uma	alma	caridosa
que	me	dê	sapatos?	-	lamuriava	ela.
Ora	aqui	está	alguém	ainda	mais	pobre	do	que	eu,	pensou	o	jovem	e,	num
generoso	impulso,	descalçou	as	botas	cambadas,	entregando-as	à	mulherzinha,
que	imediatamente	as	calçou.
-	Em	paga	da	tua	bondade	vou	oferecer-te	uma	prenda	-	disse	ela,	tirando	da
sacola	remendada	uma	bolsa	de	cabedal.	-	Quando	precisares	de	dinheiro,	basta
pronunciares	as	seguintes	palavras:	"Abre-te	bolsa!"	e	logo	ela	te	fornecerá	uma
mancheia	de	moedas	de	ouro.
O	rapaz	agradeceu,	espantado	com	tamanha	sorte	pois	não	é	todos	os	dias	que	se
recebe	uma	oferta	daquelas.	Seguiu	caminho	em	busca	de	um	lugar	decente	para
dormir	pois,	com	dinheiro	a	tilintar	na	algibeira,	já	não	precisava	de	passar	a
noite	ao	relento.
Chegado	a	uma	estalagem,	não	foi	no	entanto	bem	recebido.
-	Aqui	não	entram	pelintras	de	pé	descalço	-	disse	a	proprietária.	-	Onde	é	que	tu
tens	dinheiro	para	pagar	um	quarto?
O	moço,	como	resposta,	retirou	a	prenda	da	algibeira,	pronunciando	as	palavras
mágicas.
-	Abre-te,	bolsa!
Para	espanto	da	implicante	criatura,	espalhou-se	no	balcão	um	punhado	de
moedas	reluzentes.
Logo	ela	pensou	em	apoderar-se	do	fantástico	objecto.	Esperou	que	o	hóspede
fosse	jantar,	entrou	pé	ante	pé	no	quarto	e	trocou	a	bolsa	milagrosa	por	outra
aparentemente	igual.
Só	quando	o	rapaz	pretendeu	de	novo	arranjar	dinheiro	é	que	descobriu	que	fora
roubado.
Triste,	foi	ter	com	a	velhinha	para	lhe	contar	o	sucedido.	Estava	pobre	como
antigamente	e	não	tivera	sequer	oportunidade	de	comprar	um	par	de	sapatos.
-	Não	te	preocupes.	Arranjo-te	outra	prenda.	Toma	esta	toalha.	Quando	tiveres
fome,	estende-a	e	ordena:	"Serve-me	um	jantar!"
O	jovem	novamente	se	dirigiu	à	estalagem,	com	a	toalha	debaixo	do	braço.
Quando	o	ratinho	da	fome	começou	a	roer-lhe	o	estômago,	estendeu	a	toalha	na
mesa	do	quarto	para	não	ser	visto.	Mal	sabia	ele	no	entanto	que	a	estalajadeira
estava	a	espreitar	pelo	buraco	da	fechadura.
-Uma	terrina	a	fumegar	com	canja,	bacalhau	no	forno,	faisão	assado,	arroz	de
pinhões,	saladas	várias,	pratos	de	bolos	e	pudins	aterraram	num	instante	na
toalha.	Não	faltaram	os	vinhos	finos,	os	sumos	exóticos.
Bem	comido	e	bebido	o	nosso	amigo	depressa	adormeceu.	Era	o	que	a	marota
desejava.	Correndo	ao	armário	das	roupas,	apressou-se	a	trocar	a	toalha	mágica
por	outra	bem	parecida.
Ao	descobrir,	no	dia	seguinte,	que	de	novo	que	tinha	sido	enganado,	o	rapaz
dirigiu-se,	mais	uma	vez,	à	rua	onde	encontrara	a	velhinha.	Desta	vez	ela
mostrou-se	bastante	aborrecida.
-	Então,	largas	em	qualquer	parte	as	preciosidades	que	te	dou?	Deixas	que	uma
larápia	lhes	deite	a	mão?	Vais	receber	a	terceira	e	última	prenda.	Governa-te	com
ela	e	nunca	mais	cá	apareças!
Ao	ver	que	ela	lhe	estendia	um	cacete	de	pau	de	marmeleiro,	ficou	intrigado.
-	Para	que	quero	eu	isso?
-	Pode	ter	grande	utilidade.	Quando	alguém	te	fizer	mal,	basta	dizeres:	"Dança,
cacete!"
Como	continuava	sem	casa	e	não	havia	por	ali	mais	hospedarias,	regressou	o
moço	ao	local	onde	lhe	tinham	tirado	a	bolsa	e	a	toalha.	Mas	desta	vez	não
passou	da	sala.
A	proprietária	veio,	muito	pressurosa,	ter	com	ele,	ao	notar	que	trazia	um	novo
objecto.
-	Que	belo	cacete!	Para	que	serve?
-	Já	vai	saber	-	respondeu	o	rapaz,	pronunciando	as	palavras	fatais	-	Dança,
cacete!
Desatou	o	pau	a	dançar,	zumba	que	zumba,	malhando	nas	pernas,	nas	costas,	nos
braços	da	matreira.
-	Ai,	ai,	ai!	Pára,	pára	com	esta	dança	que	eu	devolvo-te	a	bolsa	mais	a	toalha!	-
gritava	ela,	numa	aflição.
O	cacete	só	descansou	quando	os	objectos	roubados	voltaram	às	mãos	do	dono.
Então,	o	rapaz	meteu-os	num	saco	e	desandou	dali	para	nunca	mais	ser	visto.
Que	será	feito	dele?	Algum	de	vocês	é	capaz	de	me	dizer?
o	Príncipe	com	Orelhas	de	Burro
A	rainha	Regina	e	o	rei	Reinaldo	queriam	desesperadamente	ter	um	filho.	Quem
havia,	depois	deles,	de	reinar	naquelas	terras?
Por	mais	que	consultassem	médicos,	bruxas	e	feiticeiros,	não	havia	meio	de
concretizarem	o	seu	desejo.
Até	que	finalmente,	no	dia	em	que	faziam	25	anos	de	casados,	nasceu	um
principezinho.	Era	uma	criança	forte,	saudável,	encantadora.
-	Vamos	chamar-lhe	Máximo,	porque	ele	é	realmente	o	máximo!	-	resolveu	o
pai,	já	com	longas	barbas	brancas.
A	mãe,	acariciando	o	menino	com	ternura	de	avó,	sugeriu:
-	Que	tal	convidarmos	umas	fadas	para	o	fadarem?	O	monarca	abraçou	logo	a
ideia.	Por	mais	caros	que	fossem	os	serviços	mágicos,	para	o	herdeiro	da	coroa
tudo	valia	a	pena.
Pois	lá	vieram	as	três	fadas	da	praxe,	cada	qual	com	sua	cintilante	varinha	de
condão.	Entraram	pela	janela	aberta	e	reuniram-se	à	volta	do	berço	de	ouro.
-	Eu	te	fado	-	disse	a	primeira	-,	para	que	sejas	o	mais	belo	deste	planeta.																
-	Eu	te	fado	-	anunciou	a	segunda	-,	para	que	sejas	inteligente	como	ninguém.																																									
O	real	casal	estava	radiante.	Que	surpresa	maravilhosa	lhes	reservaria	a	terceira
fada?
Esta	franziu	a	testa,	torceu	o	nariz.
-	Com	essas	duas	qualidades,	vais	tornar-te	um	convencido...	Pois	eu	te	fado	para
que	tenhas	orelhas	de	burro!
Logo	duas	orelhas	grandes,	peludas,	cinzentas	substituíram	as	orelhinhas	rosadas
do	pequerrucho.
A	rainha	desmaiou.	O	rei	puxou	da	espada	para	se	vingar	mas	as	fadas	depressa
desapareceram	sem	deixar	rasto.
Quando	vieram	a	si,	os	pais	até	arrepelaram	os	cabelos.	Que	vergonha	terem	um
filho	com	aqueles	apêndices	espetados!	Ainda	se	fossem	orelhas	de	gato,	de	cão
ou	mesmo	de	porco...	Mas	de	burro...	Que	horror!
Desde	logo	decidiram	esconder	de	todos	o	defeito	monstruoso	do	príncipe.	A
rainha	costurou	à	pressa	uma	enorme	touca	de	seda	que	lhe	enfiou	pela	cabeça.
Despediua	ama	ê	passou,	ela	própria,	a	tratar	do	filho.
Cresceu	o	rapaz	em	tamanho,	beleza	e	esperteza.	Com	seis	meses	falava	várias
línguas.	Com	dois	anos	resolvia	complicados	problemas	de	matemática.	Todos
ficavam	admirados	com	a	perfeição	do	seu	corpo,	a	agudeza	do	seu	espírito.
Mas	o	mais	curioso	era	a	estranha	capacidade	que	ele	tinha	de	ouvir	o	que
ninguém	mais	escutava:	os	passos	das	formigas,	a	fala	dos	peixes,	a	música	das
estrelas.
Por	mais	que	alguém	quisesse	esconder	um	segredo,	sempre	ele	o	desvendava.
-	Que	bisbilhoteiro!	-	criticavam	os	namorados.
-	Que	génio!	-	elogiavam	os	professores	de	música,	embasbacados	com	o	seu
talento	para	a	arte	dos	sons.
A	Polícia	passou	a	utilizar	os	seus	dons	para	apanhar	quadrilhas	de	ladrões	que
combinavam	assaltos.
O	Exército	Real	ganhava	todas	as	batalhas	pois	o	príncipe	lhes	revelava,	pondo	a
cabeça	junto	ao	chão,	os	movimentos	longínquos	dos	inimigos.
Máximo	era	realmente	o	máximo,	até	em	elegância.	Quem	podia	gabar-se	de
possuir	uma	colecção	tão	extraordinária	de	chapéus,	barretes,	toucados,
turbantes,	capacetes,	elmos?
Haveria	alguém	mais	feliz	no	mundo?
Mas,	na	solidão	do	quarto,	o	jovem	olhava-se	no	espelho	e	uma	cascata	de
lágrimas	corria	por	vezes	dos	seus	olhos	negros.	Conhecia	pessoas	com	o	nariz
comprido,	os	dentes	encavalitados,	a	cara	cheia	de	borbulhas.	Coxos	e	marrecas.
Magricelas	que	pareciam	palitos	e	gordos	que	não	passavam	nas	portas.	Fizera-
se	amigo	dos	pobres,	dos	doentes,	daqueles	que	a	pouca	sorte	marcara	e	a
sociedade	desprezava	como	lixo.	Mas	nunca	encontrara	um	rapaz	com	orelhas	de
burro...	Haveria	maior	defeito?	Que	princesa	aceitaria	casar	com	ele?
Quando	começou	a	deitar	barba,	foi	preciso	arranjar-lhe	um	barbeiro	porque
ainda	não	tinham	sido	inventadas	as	máquinas	de	barbear.
Mandou	o	rei	chamar	um	profissional	da	sua	confiança	e	perguntou-lhe:
-	Sabes	guardar	um	segredo?
-	Sim,	Majestade.
-	Se	não	conseguires,	separo-te	a	cabeça	do	tronco	com	a	minha	espada.
Como	o	homem	jurasse	que	mantinha	o	silêncio,	foi	levado	até	aos	aposentos	do
príncipe.
-	Para	fazer	bem	o	meu	trabalho,	preciso	que	tire	o	barrete	-	avisou	ele.
Quando	Máximo	o	retirou,	o	sujeito	ia	caindo	para	o	lado.	Podia	suspeitar	que	o
herdeiro	do	trono	fosse	careca...	mas	não	que	tivesse	orelhas	de	burro.	Em
muitos	anos	de	ofício	nunca	tal	vira.
Que	pena	não	poder	contar	o	que	sabia...	Com	aquela	novidade	atravessada	na
garganta,	até	perdeu	o	apetite.
Em	casa,	a	mulher,	muito	coscuvilheira,	queria	saber	de	que	cor	eram	os	cabelos
do	príncipe,	de	que	forma	era	a	sua	cabeça.
-	Tem	umas	orelhas	bem	feitinhas?	Tem?	-	insistia	a	filha.
-	Metam-se	na	vossa	vida!	-	barafustava	o	sujeito,	nervoso,	desandando	porta
fora.
No	palácio,	na	rua,	por	toda	a	parte,	choviam	as	perguntas.
Sem	mais	forças	para	resistir,	certo	dia,	o	barbeiro	saiu	da	cidade	e	só	parou	no
alto	de	um	monte	sem	viva	alma.	Abriu	uma	cova	com	as	mãos,	junto	a	um
canavial	e	desabafou	finalmente:
-	O	príncipe	tem	orelhas	de	burro!	O	príncipe	tem	orelhas	de	burro!
Aconteceu	que,	passado	algum	tempo,	por	ali	passou	um	pastor.	Partiu	uma	cana
para	fazer	uma	flauta	e	pôs-se	nela	a	soprar.	Qual	não	foi	o	seu	espanto	quando	o
instrumento	começou	a	cantar:
-	O	príncipe	tem	orelhas	de	burro!	O	príncipe	tem	orelhas	de	burro!
Foi-se	espalhando	a	notícia	daquela	estranha	flauta.	De	boca	em	boca,	de	aldeia
em	aldeia,	chegou	ao	palácio	real.
Quando	o	rei	teve	conhecimento	do	assunto,	chamou	o	pastor	à	sua	presença	e
mandou-o	tocar.	Sem	acreditar	nos	próprios	ouvidos,	quis	o	monarca
experimentar,	ele	próprio,	a	flauta.	Logo	ela	se	pôs	a	espalhar	a	terrível	verdade.
Furioso,	foi	o	soberano	ter	com	o	barbeiro,	com	a	espada	em	punho,	para	o
degolar.
-	Ai,	senhor,	tende	piedade	de	mim.	Ninguém	ouviu	o	segredo	dos	meus	lábios.
E	explicou	o	que	fizera	para	fugir	a	tentação.	Que	problema	havia	em	falar	para
um	buraco	no	chão?
Ficou	el-rei	perplexo.	Devia	ou	não	cortar-lhe	a	cabeça?
O	príncipe	já	sabia,	naturalmente,	de	tudo.	Mas	mantivera-se	calado.	Só	então
interveio:
-	Deixe	o	homem,	meu	pai,	que	ele	é	um	bom	barbeiro.	Nunca	me	fez	uma
arranhadela...	Como	já	toda	a	gente	sabe	que	tenho	orelhas	de	burro,	escuso	de
continuar	a	usar	estes	incómodos	barretes.	Ainda	bem!
A	rainha,	que	entretanto	chegara,	recomendava:
-	Máximo,	meu	filho,	esconde	o	teu	defeito.	Nunca	te	descubras!	Quem	vai
acreditar	numa	flauta?
Aflita,	prometeu	oferecer	todas	as	suas	jóias	à	fada	antipática	se	esta	retirasse	ao
príncipe	as	orelhas	desconformes.
De	asinhas	a	dar	a	dar,	a	fada	não	tardou	a	aparecer.	Desta	vez	vinha	bem-
disposta,	pronta	a	ajudar.
-	O	príncipe	já	viveu	tempo	suficiente	com	os	enfeites	que	lhe	coloquei.	Passem-
me	para	cá	as	jóias	que	eu	vou	tirar-lhe	as	orelhas	de	burro.
Preparava-se	ela	para	dar	o	toque	com	a	varinha,	quando	o	jovem	lhe	pediu	que
esperasse.
-	Se	eu	ficar	sem	as	orelhas	de	burro	não	oiço	mais	o	canto	dos	peixes,	a	fala	das
formigas,	a	música	das	estrelas?
-	Não!	-	disse	a	fada.	-	Passas	a	ser	como	as	outras	pessoas.
-	Não	me	vou	sentir	mais	irmão	de	todas	as	criaturas	imperfeitas,	que	agora
amo?
-	Não.
-	Então,	deixe-me	ficar	como	sou	e	quem	quiser	que	me	aceite.
A	rainha	bem	tentou	segurar	a	mágica	criatura	pela	orla	do	vestido.	O	rei	ergueu
a	espada	para	ela	não	poder	passar.
Mas	a	fada	sumiu.
O	rapaz	pôs-se	á	janela,	com	as	orelhas	ao	vento,	e	começou	a	rir,	a	rir,	a	rir.	No
outro	lado	da	praça	um	amigo	contava	a	outro	uma	anedota	deveras	divertida.
No	ano	seguinte	a	grande	moda	na	corte	era	usar	orelhas	postiças.
Na	escola,	os	professores	colocavam-nas,	como	prémio,	na	cabeça	dos	melhores
alunos.
Os	burros	deixaram	de	carregar	pesadas	cargas,	passando	a	animais	de
estimação.
A	princesa	de	um	reino	vizinho,	que	só	conseguia	adormecer	abraçada	a	bonecos
de	pelúcia,	apaixonou-se	pelas	longas	orelhas	macias	do	príncipe	Máximo.
Casaram,	foram	muito	felizes	e	tiveram	sete	filhos,	nenhum	deles	com	orelhas	de
burro.
A	história	não	devia	acabar	assim.	Mas	acabou.
Outro	fim	pode	inventar	quem	deste	não	gostar.
As	Três	Pombas
Vou	contar-lhes	uma	história	que	a	minha	avó	me	contou.
Eram	três	pombinhas,	as	três	dum	pombal.
A	mais	velha	casou-se,	foi	para	o	pinhal.
A	pomba	do	meio	fez-se	pombo-correio.
A	terceira	quis	voar	Para	além	do	mar.
E	que	mais?	E	que	mais?	E	que	mais?	Querem	saber?	Perguntem	aos	pardais.
Pedro	das	Malasartes
Três	Desejos
O	Troca-Tintas
O	Dinheiro	Elástico
O	Criado	Esperto
O	Céu	Está	a	Cair
O	Canário
Frei	João	Sem	Cuidados
Dom	Caio
As	Galinhas	Faladoras
Senhoras	das	Capinhas	Pretas
A	Pele	do	Piolho
A	Mulher	Gulosa
Dança,	Cacete!
O	Príncipe	com	Orelhas	de	Burro
As	Três	Pombas

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