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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE LAVRAS - UNILAVRAS BACHARELADO EM DIREITO MARLON DE PAULA TERRA NASCIMENTO NATÁLIA APARECIDA BOTELHO DE CASTRO TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO EM MATÉRIA DE CRIMES AMBIENTAIS EM PARALELO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ E STF LAVRAS-MG 2020 1 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE LAVRAS – UNILAVRAS BACHARELADO EM DIREITO MARLON DE PAULA TERRA NASCIMENTO NATÁLIA APARECIDA BOTELHO DE CASTRO TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO EM MATÉRIA DE CRIMES AMBIENTAIS EM PARALELO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ E STF O presente trabalho tem como objetivo ser apresentado ao Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), na modalidade de Bacharel em Direito com a finalidade de ser avaliado nas matérias de Direito Penal IV e Direito Processual Penal I, do 5° Período Noturno. Professor: Me. Emerson Reis da Costa LAVRAS-MG 2020 2 SUMÁRIO 1-INTRODUÇÃO 3 2-A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 4 3-A TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO EM FACE DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STJ E STF 6 4-CONCLUSÃO 11 5-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13 3 INTRODUÇÃO A Teoria da Dupla Imputação é resultante de divergências doutrinárias e jurisprudenciais antigas acerca da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Assim, para melhor entendimento sobre o tema se faz pertinente a análise histórico-jurídica da responsabilidade criminal dos entes coletivos. Dessa forma, veremos através da evolução do Código Penal a mudança de tratamento diante dos entes morais, além do advento da Lei. 9.605/1998 que com respaldo constitucional instituiu a responsabilização penal das pessoas jurídicas em face do cometimento de crimes ambientais. Outrossim, analisando o contexto do surgimento da teoria, a política criminal se insere de maneira relevante para entendermos a opção política social de proteger o meio ambiente. Desse modo, a consciência ecológica se apresenta como uma opção política da sociedade, que define o meio ambiente como um bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal, como também um valor constitucional que passa também a ser escopo. No mais, adentramos ao conceito clássico da teoria da dupla imputação, fazendo observações pertinentes sobre ela, de modo a compreendermos sua estrutura, finalidade e problemas. Diante da criação de uma teoria nada mais lógico que entendermos seus pressupostos, sua ideia teórica perante o contexto de sua adesão, e assim analisar o motivo de sua existência. Além disso, abordaremos o âmbito de sua admissão, e a abrangência de sua utilização pelos tribunais. Em específico notamos a existência do rompimento de uma jurisprudência consolidada que mudou de interpretação conforme o tempo, e assume nova posição e instituiu um marco para a efetiva responsabilização da pessoa jurídica no âmbito do direito penal ambiental. Assim, será objeto de análise a posição jurisprudencial do Supremos Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que hoje uniformemente seguem em direção a uma desnecessidade da dupla imputação. Por fim, abordaremos a eficácia jurídica em face da desnecessidade da dupla imputação, pontuando os problemas de aplicação da teoria em relação a sua obrigatoriedade e assim veremos sua inutilização sob essa ótica. Em suma, nos alinhamos a linha jurisprudencial que adota a desnecessidade da dupla imputação e neste último tópico abordaremos a sua inutilização como pressuposto para uma eficácia jurídica plena, após já termos entendido as divergências que cercam a questão e a dificuldade prática e teórica dos estudiosos do direito perante a necessidade de punição das pessoas jurídicas na seara do direito penal. 4 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA A responsabilização penal, administrativa e cível da pessoa jurídica é hoje tema pacífico diante da doutrina e jurisprudência devido a um longo caminho de construção social e histórica acerca do tema. Entretanto, para entendermos como chegamos até aqui se faz necessário uma análise jurídica e histórica a respeito. Em primeiro plano, cabe salientar que o Código Penal Brasileiro de 1890 procurou deixar expresso que a responsabilidade é individual, assim, partindo dessa premissa estabeleceu no Art.25 do mencionado código, que sendo a responsabilidade exclusivamente pessoal, nos crimes no qual tiverem envolvimento membros de sociedade, associações e corporações só seriam punidos criminalmente aqueles que participaram do delito (ROCHA, 2003). Contudo, havia previsão expressa no do parágrafo único Art.103 do CP/1890, a respeito da possibilidade de dissolução da personalidade jurídica em casos de sua utilização para o cometimento de crimes, o que gerava discussão por se tratar de responsabilização criminal. Na mesma linha divergente, veio o Decreto n. 22.213/1932 que versava sobre a Consolidação das Leis Penais. Com o advento do Código Penal Brasileiro de 1940, como também em sua reforma em 1984, não houve disposição que vedasse a responsabilidade de pessoas físicas nesses casos. Ainda assim, restaram dúvidas que foram completamente suplantadas pela Lei dos Crimes Ambientais n°9.605/98, que em seu Art.3° trouxe expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica elencando as sanções compatíveis com a sua natureza jurídica especial (ROCHA,2003). Para concretizar a mudança de paradigma quis o legislador constituinte dar tratamento constitucional ao tema. Assim, a responsabilidade da pessoa jurídica está prevista nos Artigos 173, §5° e 225, §3° da CF/88, e deixam completamente definido que as pessoas jurídicas, serão responsabilizadas criminalmente, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes, quando praticarem crimes contra a economia popular, a ordem econômica financeira e atividades lesivas ao meio ambiente. Outrossim, a criminalidade e a conduta delitiva são uma construção jurídico-social, ou seja, antes de serem consideradas como tal, passam por um juízo de valor feito pela sociedade com base na opinião política, para então serem imputadas como condutas criminosas e então impostas a responsabilidade a determinadas pessoas (ROCHA,2003). Dessa forma, a opinião política e social sobre certas condutas em consonância com a preocupação específica com bens 5 jurídicos predominantemente mais relevantes conduzem o legislador a tipificação necessária ao controle social. De modo semelhante, a responsabilidade penal também resultade um processo político, que visa definir o responsável pela conduta lesiva à norma e então puni-lo. Nesse ínterim, a responsabilidade penal da pessoa jurídica se apresenta como um instrumento repressivo a criminalidade ambiental. Portanto, a política criminal além de ser instrumento de proteção social aos bens mais importantes perante a sociedade, também se ocupa de achar meios eficazes para sua aplicação. No mais, sua utilização contribui com o aprimoramento da análise dos delitos e dos pressupostos da responsabilidade, assim, o direito penal e a política criminal constituem uma relação de complementaridade. Quanto à opção política de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, é importante destacar que a escolha pelo viés criminal ao mesmo tempo que é necessário a tutela penal do meio ambiente, é também favorável a defesa processual. Pois o exercício do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, garante a punição justa da pessoa jurídica e estabelece um sistema de punição mais rigoroso do que a sanção administrativa, ainda que sem prejuízo desta. Outrossim, a punição de natureza penal é um excelente mecanismo repressivo em face da proteção ao meio ambiente compatível com a lógica capitalista moderna. Haja vista que, o processo penal impõe um estigma negativo à pessoa jurídica de modo a prejudicar seus interesses econômicos, sujando seu nome no mercado. Dessa forma, de acordo com a lógica capitalista do lucro, qualquer imputação de crime ambiental é altamente nociva a imagem da empresa, o que cria um reforço negativo da conduta. Pois, a única maneira de alcançar a efetiva tutela ambiental é intervir, ainda que de maneira indireta na condição econômica das empresas, usando a lógica capitalista contra eles. Desde a revolução industrial e dos avanços tecnológicos a necessidade de matéria prima se mostrou a maior preocupação dos grandes empresários, grande parte dos recursos naturais como se sabe é esgotável e produzindo em ritmo frenético a devastação ecológica já era prevista décadas atrás. Neste diapasão entre produzir e preservar, surgiu a necessidade de proteger o meio ambiente devido a devastação de anos de progresso. Assim, de acordo com o contexto histórico, a opção política de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica é resultado de um longo processo de conscientização ambiental e social. 6 A TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO EM FACE DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STJ E STF A Teoria da Dupla Imputação consiste na obrigatoriedade de figurar na posição de sujeito passivo pessoas naturais, concomitantemente com a pessoa jurídica causadora do dano ambiental. Caracterizando assim, um litisconsorte passivo necessário entre pessoas físicas com responsabilidade diretiva pelo ente moral e a empresa. Essa teoria advém do entendimento de que só seria possível a punibilidade criminal de pessoas jurídicas, se houvesse a imputação da pessoa natural responsável conjuntamente. Haja vista que, devido à grandes discussões doutrinárias, é preciso atrelar a culpabilidade a uma pessoa física responsável pela gestão da empresa, visto que se trata de interpretação extraída do Art.3° da Lei n° 9.605/1998. Essa interpretação é consequência lógica da premissa de que, toda ação ilícita da pessoa jurídica é resultado da conduta humana interna. Por tal motivo, passou-se a exigir necessariamente a dupla imputação, pois a convergência das condutas individuais em paralelo ao ente moral, caracteriza condição material para a violação do bem jurídico tutelado. Diante dessa concepção, todos os problemas dogmáticos do ente moral, relacionados à deficiência de capacidade criminal, assim como de culpabilidade estariam sanados, visto que seriam supridos em face do dolo e da culpabilidade das pessoas naturais que agiram ilicitamente se utilizando da personalidade jurídica das empresas e grandes corporações. Outrossim, considerando que os crimes praticados pela pessoa jurídica são delitos de concurso necessário segundo a concepção de dupla imputação, não seria qualquer indivíduo participante da empresa que poderia figurar no polo passivo da demanda. Para assumir tal posição, é necessário que a pessoa natural tenha certo poder de decisão sobre o ente coletivo, de modo a conseguir influenciar as ações da empresa de forma determinante, como ocorre com os dirigentes, administradores e o órgão colegiado diretivo. A ideia teórica da dupla imputação nasceu em um momento conturbado, visto que anteriormente não havia a responsabilização penal da pessoa jurídica. Assim, com o advento da Lei. 9.605/1998 trazendo a responsabilização criminal da pessoa jurídica com respaldo constitucional, sobreveio a necessidade de se pensar em questões ainda divergentes e assim definir uma forma usual para assegurar a aplicabilidade penal e processual da norma. Em síntese, a imputação simultânea da pessoa jurídica e física é necessária para o prosseguimento da ação penal, pois não se admite a responsabilização do ente moral dissociado 7 da conduta da pessoa natural, visto que esta é elemento subjetivo próprio do crime. Coadunando com este entendimento, Renato Brasileiro de Lima faz um pertinente comentário sobre o tema: Independentemente da discussão quanto à possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica, controvérsia a ser analisada nos manuais de Direito Penal, tem sido admitida a possibilidade de se oferecer denúncia em face da pessoa jurídica, desde que a conduta delituosa também seja imputada à pessoa física que atua em seu nome ou benefício (teoria da dupla imputação), uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio. Logo, se a denúncia tiver sido oferecida tão somente em face da pessoa jurídica, não descrevendo a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, há de se reconhecer a inviabilidade de instauração da persecução criminal in iudicio, com o consequente trancamento do processo penal, em virtude da inépcia da peça acusatória (CPP, art. 395, I). (LIMA,2016 p.349) Ademais, a dupla imputação é também considerada uma tentativa de afastar a responsabilidade criminal objetiva, tão temida pelos juristas e estudiosos dodireito. Desta forma, ao impor a imputação simultânea entre pessoa física e jurídica condicionando a ação penal a existência dessa relação, pretende-se introduzir o elemento subjetivo no fato típico (MARTINS,2016). Para os adeptos da tese em análise, não é possível imputar crime ambiental somente a pessoa jurídica, pois a prática de uma conduta criminosa exige a participação da pessoa natural, e por isso faz-se necessário identificá-la e então colocá-la no polo passivo da demanda. A teoria em análise teve grande aceitabilidade pelos tribunais e pela doutrina majoritária por um longo período de tempo. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 564.960- SC, deixou expresso a obrigatoriedade da Teoria de Dupla Imputação, de forma que só seria possível a propositura da ação penal em face da pessoa jurídica se houvesse a imputação dos gestores e dirigentes conjuntamente. Assim, deveria constar na denúncia feita pelo Ministério Público, obrigatoriamente, sob pena de não recebimento, a pessoa jurídica e as pessoas naturais concomitantemente, figurando o litisconsorte necessário passivo como uma exigência para a prestação jurisdicional almejada. O Supremo Tribunal Federal por sua vez, também apresentou um precedente neste sentido, no HC n° 85.190/SC, no qual o Ministro Joaquim Barbosa proferiu voto decisório que definiu que somente seria possível a responsabilização criminal reflexa de pessoas jurídicas, o que ensejaria o trancamento da denúncia em razão da formulação genérica feita pelo órgão ministerial. Dessa forma, a obrigatoriedade da dupla imputação em muitos casos obsta a prestação jurisdicional, e consequentemente a tutela do meio ambiente. A discussão a respeito do tema sempre levantou questões que precisam ser encaradas pela ciência do direito, no entanto, a 8 finalidade à que a norma se destina não pode ser prejudicada por questões meramente processuais. A dupla imputação sempre esteve relacionada a polêmicas doutrinárias a respeito do cometimento de crimes pela pessoa jurídica e sua punibilidade, questões já superadas, mas que ainda encontram resistência por parte da doutrina. Contudo, em 2013 a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em uma mudança de paradigma, diante do Recurso Extraordinário 548.181- PR reconheceu a desnecessidade da dupla imputação perante a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em nova interpretação constitucional do Art.225, §3°, entendeu a Suprema Corte que haveria a possibilidade de as ações serem propostas apenas perante a pessoa jurídica que infringir o dano. Em razão dessa decisão, ainda que na ausência de caráter vinculante, inaugurou-se uma nova fase jurisprudencial que influenciou os tribunais e reconstruiu um entendimento que já havia se consolidado. Apesar de não ser uniforme, desde 2014 o STJ vem adotando a posição do STF e reconhecendo essa possibilidade. São exemplos dessa nova tendência no Superior Tribunal de Justiça no RHC n° 50.470/ES julgado pela 5ª Turma, pelo Relator Ministro Gurgel de Faria em 2015 e o RHC n° 48.172/PA, da 6ª Turma do Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 2015. A construção de precedentes, a mudança de interpretação jurisprudencial é um fenômeno jurídico que busca a efetividade da norma jurídica de acordo com os interesses da sociedade. A proteção ambiental é hoje um objetivo jurídico-social que necessita do legislador e da pressão popular para ser levado a efeito, pois a consciência ecológica encontra grandes óbices empresariais e capitalistas para ser considerada como tal. A proteção jurídica penal do meio ambiente é resultante de uma mudança de tratamento em que houve a consagração do bem jurídico ambiental ao nível de direito difuso, protegido constitucionalmente. Superou-se a lógica civilista, não sendo mais suficiente a proteção cível e administrativa de um bem que é hoje um escopo social do direito penal moderno. Mais do que apoiar a causa ambiental, é necessário punir aqueles que atentam contra ela, garantir a responsabilização de grandes empresas e também de pessoas físicas poderosas. O meio ambiente sadio e equilibrado é direito de todos, e também dever do Estado, de forma que a sociedade como coletividade deve perseguir este fim, se utilizando do direito para garantir a efetividade da norma. A DESNECESSIDADE DA TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO E A EFICÁCIA JURÍDICA 9 Superada a obrigatoriedade da dupla imputação, novos avanços em relação a eficácia jurídica constitucional foram levados a efeito com a responsabilização penal das empresas causadoras de danos. Pois a aceitabilidade da teoria da dupla imputação acarretou problemas no plano da efetividade jurídica, como a impossibilidade de prosseguir com a persecução penal nos casos de inviabilidade de identificação dos membros. Outrossim, outra questão a ser analisada versava sobre a punibilidade exacerbada de integrantes da pessoa jurídica, que apesar do cargo diretivo, ou até mesmo na ausência dele não tinham controle verdadeiro sobre as ações da empresa e eram punidos ainda assim, enquanto a impunidade das grandes empresas impulsionava a destruição ambiental. A responsabilidade criminal da pessoa jurídica tem respaldo na Teoria da Realidade, que defende a possibilidade de o ente coletivo cometer crimes de maneira autônoma e independente, como também de ser submetido ao juízo de culpabilidade além de sofrer sanções específicas e compatíveis com a sua natureza jurídica. Nesse aspecto, outro óbice causado pela teoria da dupla imputação consistia na dificuldade de imputar especificamente, na exordial acusatória o grau de envolvimento de cada membro participante do delito quando um colegiado de dirigentes conduzisse a ação criminosa. Assim, sendo a pessoa jurídica independente e autônoma perante suas ações, nada mais coerente que punir seus delitos sem a obrigatoriedade de buscar a individualização dos indivíduos, que de qualquer forma agiram em seu benefício ou em seu interesse. É importante destacar, que prevalece a necessidade de a conduta criminosa ser cometida em benefício ou interesse do ente moral, caso a conduta seja em interesse exclusivo de pessoa física, a personalidade jurídica é usada como instrumento, e logicamente não pode figurarcomo meio e autor do crime. Frente às discussões doutrinárias a respeito dos crimes cometidos por entes coletivos, Victor Augusto Estevam instituiu reformulações diante do conceito de crime aplicado às pessoas jurídicas criando uma definição própria de dolo e culpa aplicável a elas. Desconsiderando a dogmática jurídico-penal tradicional utilizada na responsabilidade das pessoas naturais. Em suma, a adoção da Teoria da Dupla Imputação diante do cometimento de condutas ilícitas por pessoas jurídicas em face do meio ambiente, é consequência de um sistema jurídico penal-processual que tem maior apego a conceitos e dogmas ontológicos, o que acaba por dificultar e obstar a prestação jurisdicional. Assim, a resistência em responsabilizar pessoas jurídicas criminalmente também contribuiu para o aumento de crimes ambientais praticados por entes coletivos com a certeza da impunidade. A proteção do meio ambiente é um escopo social e 10 uma finalidade constitucional do sistema jurídico pátrio moderno, que não admite que grandes corporações poderosas esgotem nossos recursos naturais e destruam nossa biodiversidade. A causa ecológica não é apenas uma bandeira levantada por militâncias, pois o meio ambiente equilibrado proporciona melhores condições climáticas e consequentemente mais tempo de vida saudável a toda humanidade. Se no direito penal os crimes contra a vida são tutelados com tamanha indignação, não nos parece exagero que os crimes ambientais sejam comparados a estes, haja vista que atentar contra esse bem jurídico coloca em risco nossa própria existência, que depende dos ecossistemas, das florestas, e lagos para sobreviver. Das muitas coisas inimagináveis que a evolução tecnológica pode fazer, recriar e reconstruir um meio ambiente é tarefa inalcançável para quem acredita que o dinheiro compra tudo. No entanto, o único sistema repressivo que funciona perante as grandes empresas, é a lógica capitalista do estigma social, das multas milionárias e da visibilidade negativa da conduta criminosa que causa prejuízo aos interesses econômicos. Por esse motivo a culpabilidade da pessoa jurídica funciona como um juízo de valor que visa a reprovabilidade social das ações delituosas, o que conduz a um ajustamento de conduta com base na apreensão do estigma social negativo e no medo do prejuízo econômico, pois quando o objetivo é o lucro, consciência ecológica só é utilizada como fachada visando aferimento de novos públicos. 11 CONCLUSÃO Em suma, conclui-se que a Teoria da Dupla Imputação nasceu em um período posterior a fase de ausência de punibilidade criminal específica das pessoas jurídicas, o que resultou em uma mudança de paradigma que continuou a ser motivo de divergência entre os doutrinadores brasileiros. Nesse contexto, a dupla imputação obrigatória consistia na exigibilidade de figurar no polo passivo da demanda em conjunto com a pessoa jurídica, pessoas naturais que assumissem cargo de direção e chefia perante a empresa. Assim, o litisconsorte passivo necessário passou a ser pressuposto para o alcance da prestação jurisdicional. De modo que, se na exordial acusatória não constasse o nome e qualificação dos membros diretivos da pessoa jurídica concomitantemente, a denúncia seria considerada inepta, ensejando o trancamento da ação, e consequentemente a frustração da persecução penal. Diante dos óbices causados pela adoção da dupla imputação, são reconhecidos outros problemas que atrapalham e impedem a eficácia plena da norma, como a dificuldade de identificação dos membros diretivos da pessoa jurídica que impedem a persecução penal. Como também a punibilidade exacerbada de funcionários, que ainda que figurasse em cargos de direção, ou ainda na ausência deles, eram punidos sem ter o real poder de controle sobre a empresa, o que deixava a pessoa jurídica impune e livre para a prática de novos crimes ambientais. No mais, exigia-se em casos de condutas lesivas praticadas por órgãos corporativos, a especificação acerca do grau de envolvimento de cada membro, o que frustrava completamente a denúncia do Ministério Público. Dessa forma, observados a falta de eficiência prática diante da aplicação da teoria, conclui-se que sua desnecessidade sinalizada pelos tribunais contribui com a proteção ao meio ambiente. Assim, a mudança de posicionamento do STF influenciou tribunais de segunda instância, e fez com que o STJ seguindo o precedente da Suprema Corte decidisse pela desnecessidade e assim rompesse com a hegemonia da teoria. A tendência jurisprudencial aponta para uma nova fase de responsabilização das pessoas jurídicas no cenário criminal, principalmente levando em consideração o estrago ambiental feito por grandes empresas que causaram devastação no país. O desastre em Mariana, Brumadinho, queimadas por todo país, demonstram a necessidade de tornar eficiente a prestação jurisdicional quando o bem jurídico violado é o meio ambiente. Portanto, a desnecessidade da dupla imputação figura como avanço perante a necessidade de proteger a biodiversidade, ao ponto que permite a responsabilização apenas da pessoa jurídica em casos de não identificação dos membros, que diante da aplicação da teoria da dupla imputação causaria o trancamento da ação e 12 logicamente a frustração da persecução penal. Assim, a facilitação da propositura da ação contribui com o mecanismo do estigma social, que por sua vez intimida as grandes empresas e as amedrontam, utilizando a lógica capitalista para inibir ações delituosas. 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LIMA, Renato Brasileiro de . Manual de processo penal: volume único/ Renato Brasileiro de Lima – 4. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. MARTINS, Silvia Portes Rocha. 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