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[EBOOK] Cem Flores - O governo Bolsonaro -Ofensiva burguesa e Resistência proletária

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O GOVERNO 
BOLSONARO 
 
Ofensiva burguesa e 
Resistência proletária 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
cemflores.org 
2019
 
Sumário 
 
 
Apresentação 4 
As eleições de 2018 e a necessidade de continuar e 
aprofundar a resistência das classes dominadas 
 
11 
A conjuntura econômica no começo do governo Bolsonaro: 
continuidade da crise do capital, estagnação e aumento do 
desemprego 19 
A reforma da previdência faz parte do programa de classe 
da burguesia, de opressão e exploração dos trabalhadores 
 
43 
Aumentar a informalidade para aumentar a exploração do 
trabalho: a reforma trabalhista e sindical de Bolsonaro 51 
O governo Bolsonaro e a ofensiva reacionária na educação 66 
Aumento da repressão à população pobre e trabalhadora 
como necessidade do capital em crise: programa do 
governo Bolsonaro 83 
O hipócrita patriotismo burguês de Bolsonaro e seus 
objetivos 104 
 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
4 
 
 
 
 
 
 
Apresentação 
 
 
 
 
 
Camaradas e leitores. 
 
 
Passados mais de sete meses das eleições presidenciais do ano passado e 
cinco meses da posse de Bolsonaro, já nos parece possível e necessário 
realizar uma análise mais abrangente e profunda das características 
principais desse governo. Esta é a proposta deste livro: apresentar, para 
o debate com camaradas e leitores, uma análise do governo Bolsonaro 
que busque partir de uma perspectiva marxista, proletária, ou seja, do 
ponto de vista da classe operária, dos trabalhadores, das classes 
dominadas. 
Os leitores não deverão esperar dos textos aqui reunidos nem uma proposta 
de “política econômica” para a crise em que vivemos, nem uma proposta de 
solução de “políticas públicas” para enfrentar o descalabro social no qual o 
Cem Flores (cemflores.org) 
5 
 
país está atolado, nem tampouco uma alternativa de “políticas de geração 
de emprego e renda” para iludir as dezenas de milhões de desempregados e 
subempregados que são vítimas da crise capitalista no Brasil. Não existe 
“solução" para o capitalismo, do ponto de vista dos trabalhadores, que 
não seja varrê-lo da face da Terra. Nossa “proposta” de “política 
pública” é a revolução proletária – possível, como mostraram as diversas 
experiências socialistas do século XX, através da luta dura e constante pela 
autonomia e independência política e teórica desta classe. 
Nos artigos que compõem este livro procuramos mostrar o caráter de 
classe burguês do governo Bolsonaro e (como já demonstramos em 
outros textos em nosso site) que se trata, portanto, de um governo que dá 
continuidade à dominação capitalista no Brasil, buscando adequá-la aos 
novos tempos de crise, necessariamente tempos de maior exploração e 
repressão. Ou seja, Bolsonaro é mais um coordenador da recente ofensiva 
burguesa vivenciada em nosso país. 
Mas queremos mostrar também que é possível, e necessário!, combatê-lo. 
Aliás, é o que as massas têm feito, nos quatro cantos do país: os 
trabalhadores que não aceitam ainda mais exploração; os estudantes e 
professores que reivindicam condições dignas de estudo e trabalho; as 
mulheres, os indígenas, os negros e os moradores das periferias, em defesa 
de suas vidas. Lutas nas quais nos somamos e às quais buscamos 
impulsionar e fazer avançar, inclusive com uma análise concreta de nosso 
inimigo e de nossas forças. 
Nossa análise marxista busca partir do fundamental, da luta de classes. 
Luta, concreta, entre classes antagônicas e inconciliáveis (burguesia x 
proletariado) que define essas próprias classes (e as demais) e o modo de 
produção capitalista. Essa análise toma, obviamente, o ponto de vista da 
classe revolucionária, do proletariado. Isso quer dizer que combatemos 
tanto a burguesia exploradora quanto os “vendedores de ilusões” 
reformistas, que pregam a contínua subordinação dos trabalhadores 
aos patrões, defendem os patrões na esperança de receber algumas 
migalhas e, com isso, minam a organização e a luta independente da classe 
operária e demais classes exploradas. 
Outro ponto relevante de nossa análise, um princípio para os que 
querem realizar uma análise marxista, é sobre o papel do Estado. No 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
6 
 
capitalismo (ou em qualquer sociedade de classes), o Estado é um 
instrumento de dominação e de repressão a serviço da classe 
dominante. Sua função principal é garantir a reprodução das relações de 
produção dominantes, função que é travestida de várias figuras ideológicas 
tais como a defesa do “desenvolvimento nacional”, do “crescimento 
econômico”, das “melhorias sociais" etc. Figuras ideológicas que sempre 
escondem que esse “desenvolvimento”, esse “crescimento”, essas 
“melhorias” são sempre para o próprio sistema capitalista, sistema baseado 
na exploração da força de trabalho dos trabalhadores e na opressão das 
grandes massas, no roubo da riqueza produzida pela classe operária e pelo 
povo, sistema capitalista regido pelas leis férreas da reprodução ampliada, 
com pouquíssima (quase nenhuma e cada vez menos) margem de manobra 
para os governos de plantão. Não é esse o crescimento ou o 
desenvolvimento que atende às necessidades das classes dominadas. 
Assim, uma análise concreta de um determinado governo de um país 
capitalista, deve sempre partir das determinações (em última instância, sem 
qualquer mecanicismo) da luta de classes econômica, política, ideológica; 
dos interesses das classes em disputa e da concorrência entre as frações de 
classe que estão no poder. A ausência desse, digamos, “cuidado básico” é 
uma das responsáveis pela enorme quantidade de sandices que lemos e 
ouvimos constantemente, principalmente da “esquerda acadêmica” no 
Brasil. Além do seu reformismo, é claro... 
Na análise do governo Bolsonaro duas características mais profundas são 
determinantes e devem ser consideradas: 
• a profunda crise pela qual passa o modo de produção capitalista, no 
Brasil e no mundo, há vários anos, e; 
• a profunda crise que atinge o marxismo, o movimento proletário, no 
Brasil e no mundo, também há vários anos. 
Essas duas características deixam seu selo, sua marca, nas formas concretas 
com que a luta de classes se apresenta hoje. 
É a profunda crise econômica que está na base da crise política 
estabelecida no Brasil. Crise política que tem nas manifestações de 2013 
um marco. A crise empurra, por um lado, a classe dominante a se lançar de 
forma mais ofensiva em sua luta, a aprofundar os mecanismos de 
exploração e dominação capitalista. Por outro, estimula objetivamente, a 
Cem Flores (cemflores.org) 
7 
 
resistência das classes dominadas, cada vez mais conscientes de que estão 
sendo “enroladas” por um ou outro gestor capitalista de plantão. Isso gera o 
aprofundamento da contradição principal do modo de produção capitalista, 
a contradição entre a burguesia (os detentores dos meios de produção) e a 
classe operária (os verdadeiros produtores de toda riqueza existente). 
Esse acirramento gera o aumento da repressão e da ideologia que a 
legitima. A cooptação e a “enrolação”, que caracterizaram o período 
petista no governo, servindo às classes dominantes, já não funcionam mais 
tão bem. O capital põe em campo suas armas e suas forças sempre 
presentes (legais ou não) treinadas, estimuladas e ampliadas nos governos 
anteriores, e avança no combate, desesperado para tentar retomar as taxas 
de lucro combalidas pela crise. 
Os trabalhadores, ainda pouco organizados, divididos pelo oportunismo e 
pelo reformismo, com quase a totalidade de suas entidades representativas 
na mão de pelegos, lutando muitas vezes (involuntariamente) com a 
posição do inimigo, sobrevivem e resistem como podem, e aprendem nesse 
processo que não devem depender de ninguém, a não ser de sua força e 
capacidade de luta e enfrentamento. 
Concomitante a essa ofensiva burguesa, a resistência proletáriase 
tornou visível em diversos eventos. Sua força se fez presente na luta nos 
grandes projetos como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, nas 
“greves selvagens” por fora do aparelho sindical pelego; nas jornadas de 
2013 e nas manifestações contra a Copa e as Olimpíadas; nas lutas por 
transporte, terra e moradia; nas ocupações de escolas por estudantes; na 
Greve Geral de abril de 2017; na greve dos caminhoneiros e nas outras 
milhares de greves, inclusive em setores e categorias mais precarizados... 
E, propriamente relacionadas a Bolsonaro e seu governo, tivemos, ainda em 
2018, a luta nacional das mulheres no #EleNão, contra a extrema-direita 
que o candidato e seus apoiadores representavam; as lutas contra os 
aumentos de tarifas de transporte público em alguns estados, que abriram o 
ano de 2019; os protestos contra a reforma da previdência já em março 
desse ano; além da atual e imensa luta contra o corte na educação, que tem 
tomado as ruas de todo o país. 
Muitos outros exemplos menores e mais cotidianos poderiam ser 
ressaltados. Exemplos que demonstram a necessidade e a disposição de luta 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
8 
 
do proletariado e das classes dominadas. São todas valiosas lições na luta 
da classe operária! Lições que devemos aprender e desenvolver, teórica e 
praticamente, para a reconstrução de uma alternativa proletária, 
revolucionária. 
Neste livro estão reunidos, além desta Apresentação, sete artigos 
publicados no site http://cemflores.org/. Com esses artigos buscamos 
englobar os principais aspectos do governo empossado em janeiro de 2019: 
seus aspectos econômicos (política econômica, reformas da previdência e 
trabalhista, desmonte do aparelho sindical), as mudanças propostas para o 
aparelho ideológico escolar, o reforço do aparelho repressivo, a ofensiva 
ideológica conservadora, além de uma análise do resultado das eleições. E, 
claro, as respectivas resistências. 
O primeiro artigo, As Eleições de 2018 e a Necessidade de Continuar e 
Aprofundar a Resistência das Classes Dominadas, publicado dois dias 
após o segundo turno, faz uma análise das eleições presidenciais, das lutas 
que ocorreram naquele período e aponta as tendências já visíveis do então 
novo governo eleito. 
No segundo, A Conjuntura Econômica no Começo do Governo 
Bolsonaro: continuidade da crise do capital, estagnação e aumento do 
desemprego, de 24 de maio, apresenta e analisa os principais dados da 
conjuntura econômica brasileira, demonstrando a continuidade da crise do 
capital no país e os sinais claros do seu agravamento neste começo de 
2019. 
O terceiro artigo do livro, A Reforma da Previdência Faz Parte do 
Programa de Classe da Burguesia, de Opressão e Exploração dos 
Trabalhadores, publicado em 20 de fevereiro, poucos dias após o governo 
encaminhar ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da 
previdência, apresenta os objetivos dessa reforma para o capital e o 
discurso ideológico burguês que busca justificá-la. 
No quarto artigo, Aumentar a Informalidade para Aumentar a 
Exploração do Trabalho: a reforma trabalhista e sindical de 
Bolsonaro, de 19 de abril, atualizamos a análise do cenário de avanço da 
burguesia contra os trabalhadores (continuando os governos petistas e de 
Temer) visando reformular o mercado de trabalho brasileiro para ampliar a 
exploração dos trabalhadores, tentando retomar as taxas de lucro e de 
Cem Flores (cemflores.org) 
9 
 
acumulação de capital em nosso país através da redução dos salários e o 
aumento da exploração capitalista. 
O quinto artigo, O Governo Bolsonaro e a Ofensiva Reacionária na 
Educação, publicado em 17 de março, detalha a ofensiva do governo 
contra o sistema educacional brasileiro, buscando reformá-lo de maneira 
reacionária, restringindo-o e adaptando-o às necessidades políticas e 
econômicas da conjuntura atual de ofensiva burguesa contra os 
trabalhadores. 
O sexto artigo do livro, Aumento da Opressão à População Pobre e 
Trabalhadora como Necessidade do Capital em Crise: programa do 
governo Bolsonaro, de 28 de abril, mostra o avanço neste governo das 
funções de violência/repressão, intrínsecas ao Estado, buscando manter as 
classes dominadas acuadas e amedrontadas em sua justa luta de resistência. 
O sétimo e último artigo deste livro, O Hipócrita Patriotismo Burguês de 
Bolsonaro e seus Objetivos, publicado em 8 de fevereiro, mostra, como o 
título indica, que o tal patriotismo de Bolsonaro é hipócrita, pois 
subserviente aos interesses dos EUA, e burguês, porque só considera os 
interesses das classes dominantes brasileiras. 
* * * 
Aos comunistas e revolucionários brasileiros uma questão é fundamental e 
incontornável: a classe operária e os trabalhadores precisam retomar 
sua luta de classes com sua posição de classe, própria e independente, 
eliminando (ou pelo menos reduzindo) a presença e a influência do inimigo 
de classe dentro de suas fileiras. É central eliminar a presença das posições 
dos inimigos dos trabalhadores que sempre apresentam soluções ilusórias 
que nos distanciam dos nossos objetivos e nos dificultam a capacidade de 
combater. 
Como já afirmamos em outros momentos, para nós, do Cem Flores, a 
primeira e principal razão do recuo das classes dominadas na luta de 
classes é a longa ausência de um partido revolucionário dotado de uma 
teoria revolucionária e presente na classe operária. Por isso reafirmamos 
sempre nossas tarefas, base de nossa constituição como coletivo: 
“Primeira, retomar o marxismo-leninismo no nível de 
desenvolvimento em que se encontra hoje. Segunda, 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
10 
 
reconstruir o partido revolucionário, unidade indissolúvel da 
teoria e da prática. Terceira, aprofundar nossas ligações com 
as massas dentro do princípio de que só as massas dirigidas 
pela classe operária e seu partido, armado da teoria 
revolucionária, podem fazer a revolução”. 
 
☭ 
Cem Flores 
31 de maio de 2019 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
11 
 
 
 
 
 
 
As eleições de 2018 e a necessidade de 
continuar e aprofundar a resistência das 
classes dominadas 
 
 
 
 
 
Como já era apontado pelas pesquisas de intenções de voto, o candidato 
fascista, de extrema-direita, será o novo presidente do Brasil a partir de 
janeiro de 2019. 
Contados os votos do segundo turno, novamente mais de um quarto do 
eleitorado brasileiro não compareceu à votação, votou em branco ou anulou 
o seu voto – por volta de 42,5 milhões de pessoas, número maior que o do 
primeiro turno. Dos 105 milhões que votaram em algum candidato, 
Bolsonaro (PSL) venceu, com 55%, e o candidato Haddad (PT) ficou com 
45%. 
A vitória da chapa dos militares reformados – o capitão Bolsonaro e o 
general Mourão – coroa a ascensão da extrema-direita no cenário político 
brasileiro, que vem sendo construída (pelo menos) desde 2014 e já foi vista 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
12 
 
nitidamente no primeiro turno e durante o violento processo eleitoral deste 
ano. Tal ascensão não se encerra em nossas fronteiras, pelo contrário, tem 
semelhanças com outros casos no cenário internacional. Afinal, não é 
apenas no Brasil que organizações e candidaturas de extrema-direita ou 
mesmo abertamente fascistas têm se consolidado enquanto alternativas 
políticas do imperialismo desde sua última, profunda e inacabada 
crise. Estamos a presenciar um importante, mas não único, momento 
desse processo global da nova rodada de agravamento da barbárie 
capitalista. 
Cabe aos que se entrincheiram do lado das classes exploradas fazer um 
balanço desse evento da luta de classes, que também inclui uma leva de 
candidatos a governador mais à direita ou abertamente reacionários eleitos 
nesse segundo turno, além do resultado das eleições parlamentares, com 
um Congresso Nacional mais fragmentadoe conservador. Essa análise é 
parte imprescindível da resistência que já se iniciou. Resistência que, no 
entanto, precisa ser aprofundada urgentemente. Com a análise justa da 
conjuntura aberta e a disposição ideológica de enfrentar o inimigo de classe 
é que conseguiremos dar passos mais seguros no combate ao “novo” 
governo burguês e à tendência de fascistização que este representa. 
 
Como chegamos até aqui? 
Karl Marx, em seu famoso O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, ao falar 
sobre o diferencial de sua análise sobre o golpe de Estado ocorrido na 
França em 1851, afirma: “eu demonstro como a luta de classes na França 
criou circunstâncias e condições que permitiram a um personagem 
medíocre e grotesco desempenhar o papel do herói”. Com as devidas 
ressalvas, e entendendo a luta de classes como um processo objetivo e 
constitutivo do modo de produção capitalista, podemos nos inspirar nas 
palavras de Marx para esta nossa análise. 
Ora, como a luta de classes no Brasil criou circunstâncias e condições que 
permitiram a um Bolsonaro medíocre e grotesco ser eleito Presidente da 
República? Como um abjeto e insignificante representante da última 
ditadura militar conseguiu despontar como a alternativa burguesa na atual 
conjuntura ―democrática‖ – sobrepujando o PT (Haddad), o PSDB 
Cem Flores (cemflores.org) 
13 
 
(Alckmin), o PDT (Ciro), o MDB (Meirelles), entre outros candidatos 
também burgueses? 
Para fazer essa análise concreta e responder às perguntas acima, é 
fundamental compreender que as eleições burguesas de 2018 
ocorreram em cenário de profundas e interligadas crises econômica e 
política. A crise econômica, efeito dos impactos da crise imperialista 
iniciada em 2007/2008, lança a burguesia em uma violenta ofensiva pela 
retomada da acumulação capitalista e da taxa de lucro, o que significa 
aumento da exploração do proletariado e demais trabalhadores. Assim, 
deteriorando profundamente as condições de vida, trabalho e luta das 
classes exploradas. Analisamos essa crise econômica neste livro, no 
capítulo A Conjuntura Econômica no Começo do Governo Bolsonaro: 
continuidade da crise do capital, estagnação e aumento do desemprego. 
Tal profunda e prolongada crise (ainda longe de encerrada) é o pano de 
fundo da crise política, que não só transformou os governos Dilma e Temer 
em sucessivos campeões de impopularidade, como também vem afetando a 
legitimidade do próprio sistema político burguês (crise da dominação 
burguesa no Brasil), que, por sua vez, vê-se afundado em agudos e 
instáveis “conflitos institucionais”, sobretudo desde o início da Lava-Jato. 
Ambas as crises, mesmo após as eleições, não possuem quaisquer indícios 
de que caminham para seu fim. Apenas tendem a mudar de patamar e 
forma. Nossa análise mais detida dessas crises se encontra em nosso 
primeiro documento sobre essas eleições, publicado em 11 de setembro no 
site do Cem Flores 
[1]
. 
Tais graves crises ocorrem sem uma posição proletária independente e 
organizada para construir uma alternativa revolucionária. Portanto, as 
“saídas” apresentadas até o momento se encerraram no campo das classes 
dominantes e na radicalização de sua ofensiva de classe. Estas classes e 
suas frações precisam driblar a crise política e de legitimidade, buscando 
representantes políticos minimamente aceitáveis para a população e 
sustentáveis diante da guerra de facções políticas em cenário de 
reorganização da representação burguesa. Ao mesmo tempo, precisam 
aplicar e aprofundar o seu programa de “reformas” para tentar sair da crise 
econômica – ou, em bom português, para estabelecer um novo patamar de 
exploração e de opressão da força de trabalho. 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
14 
 
Ao longo do processo eleitoral, de início aparentemente com poucos 
recursos e poucas condições de vitória em condições “normais”, Bolsonaro 
foi aos poucos se firmando enquanto a alternativa para a burguesia 
nesse quadro específico. 
De um lado, acenou às classes dominantes não ter nenhum desconforto – 
pelo contrário! – em continuar as reformas do capital emperradas no 
governo Temer, fazer uma nova e radical rodada de privatizações, ampliar 
a repressão e a disciplinarização às classes dominadas, inclusive com forte 
apoio das Forças Armadas. Assim, levou à euforia o “mercado” e foi 
trazendo para seu lado setores empresariais, seus assumidos “patrões”, 
além de alas inteiras da representação política burguesa. Sem contar que 
contou com a plena conivência do Judiciário (que, não esqueçamos, faz 
parte do aparelho repressivo do Estado capitalista, tal qual as Forças 
Armadas e as polícias – tema que é desenvolvido no capítulo Aumento da 
repressão à população pobre e trabalhadora como necessidade do capital 
em crise: programa do governo Bolsonaro deste livro), perceptível ao 
longo de toda a campanha. 
Sobre esse aspecto, a participação ativa do Judiciário na campanha eleitoral 
e na sanção de um novo regime político de maior repressão e censura às 
manifestações dos dominados, merece especial destaque as determinações 
judiciais para as ações de repressão policial mediante invasões de dezenas 
de universidades em campanha anti-fascista na última semana. O Judiciário 
só “restabeleceu a normalidade” depois que os objetivos desse estado de 
exceção já haviam sido alcançados e, principalmente, seu recado bem dado 
e compreendido. 
De outro, e com ajuda de grupos de direita há anos consolidados no país e 
com uma imensa presença nas redes sociais através de grandes fábricas 
de fake news, tanto uns quanto outros fortemente financiados pelo capital, 
cresceu e mobilizou a insatisfação popular contra o sistema político e a 
crise, explodida em um governo supostamente “de esquerda”. Ou seja, 
conseguiu firmar-se enquanto alternativa “radical” ao status quo, 
colocando-se como o único sujeito capaz de colocar ordem no caos social 
vivido no país de dezenas de milhões de desempregados e violência típica 
de guerra civil. Mais um (pseudo) outsider (pretenso) salvador da pátria 
(como Collor no Brasil em 1989 ou Trump nos EUA de 2016). Também 
não foi a primeira vez que a burguesia e as camadas médias recorrem à 
Cem Flores (cemflores.org) 
15 
 
figura das Forças Armadas e à ideologia militar como aqueles que 
socorrem a nação quando esta se encontra “em perigo”. 
O PT, ávido para se manter enquanto representante máximo da burguesia 
tupiniquim mais uma vez, buscou a estratégia de transferir os votos de Lula 
preso para Haddad. A grande rejeição ao PT, depois de décadas de 
oportunismo, que culminaram com os seus vários e apodrecidos governos 
abertamente burgueses, não permitiu que essa estratégia desse certo desta 
vez. 
A todo momento o PT, como partido burguês que é, empurrou para o 
ambiente institucional o “embate” com Bolsonaro, reforçando até o fim a 
ideologia jurídica burguesa e as ilusões reformistas com as eleições e a 
justiça eleitoral do Estado capitalista. Fez seu papel social-democrata de 
sempre: semeando ilusões, desarmando as massas. E agora, mais uma vez 
descartado pela burguesia, tende a voltar a ser oposição, volta e meia 
denunciando a falta de “lisura” nas eleições burguesas (sic!), indo 
cinicamente contra as medidas que eles mesmos aplicariam se tivessem 
sido eleitos ou mesmo aquelas que apenas são o reforço das medidas 
tomadas pelo PT quando governo. Aliás, é sintomático desse aspecto que 
Bolsonaro tenha falado recentemente, como uma de suas primeiras 
medidas, em qualificar ações do MST e do MTST como terrorismo, se 
fundamentando em uma lei que foi sancionada por Dilma, no apagar das 
luzes de seu governo (Lei 13.260, de 16 de março de 2016). 
 
O que esperar? 
O segundo turno reforçou as tendências já apontadas no primeiro: à 
fascistização e ao aumento da repressão. Tendências já presentes na 
conjuntura nacional há alguns anos, que deverão se aprofundar,não apenas 
como resultado direto das eleições, mas sim como consequência das graves 
crises nas quais estamos enfiados. 
Os contornos dessa violência de classe ainda estão em parte 
indefinidos, mas tendem a alcançar outro patamar, sobretudo quando 
se fortalecer uma resistência que apresente grave ameaça à aplicação 
do programa hegemônico da burguesia. O uso das Forças Armadas e 
mecanismos de Estado de Exceção contra as classes dominadas podem ser 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
16 
 
aprofundados, apesar do regime se manter com as vestes de “democracia” e 
das “instituições em pleno funcionamento” – para a burguesia, de fato! 
O apoio popular dado nessas eleições à extrema-direita dá também mais 
liberdade e estimula a atuação de agrupamentos fascistas e paramilitares, 
que agiram já no processo eleitoral, contra os identificados enquanto 
“esquerda” ou demais bodes expiatórios (LGBTs, negros, pobres etc.), em 
graus variados de violência, chegando ao assassinato. 
Essas ações de repressão e violência tendem a ser complementadas, em 
termos legais, por reformas a serem aprovadas pelo novo Congresso 
conservador. Estão em discussão tanto medidas como a mencionada 
qualificação de terroristas aos movimentos sociais e manifestações 
proletárias e populares, quanto retrocessos em relação ao aborto, direitos 
das minorias, laicidade do estado, educação pública, científica e plural. 
Por fim, a pauta das “reformas” para o capital prevê cortes adicionais e 
significativos nos orçamentos públicos (educação, saúde, transportes, etc.), 
ratificação e aprofundamento da nova legislação trabalhista aprovada por 
Temer (tema analisado no capítulo Aumentar a informalidade para 
aumentar a exploração do trabalho: a reforma trabalhista e sindical de 
Bolsonaro), privatizações, etc. 
 
Que fazer? 
O crescimento da alternativa Bolsonaro, no processo eleitoral, foi 
respondido por um significativo movimento de massas pelo país, 
liderado por mulheres e seus coletivos – movimento que ficou 
conhecido internacionalmente como #EleNão. Aliás, esse movimento 
traz similaridades às resistências à extrema-direita ocorridas em outros 
países – por exemplo, o movimento de mulheres contra Trump. Foram dias 
de importantes manifestações, em centenas de cidades, fora a constante 
mobilização e início de uma organização mais consolidada. As tentativas 
de aparelhar eleitoralmente esse movimento pelo reformismo e pelo 
oportunismo (PT e outros) foram um fato, assim como o abraço “crítico” à 
candidatura de Haddad por muitos do movimento. O que em nada reduz 
sua relevância e importância política para uma perspectiva concreta de 
Cem Flores (cemflores.org) 
17 
 
resistência ao governo Bolsonaro, nas ruas e nas massas, em outro campo 
em relação às disputas intra-burguesas e parlamentares. 
A capacidade de coletivos de gênero, raça etc. mobilizarem e terem apoio 
de massa não é um mero detalhe fortuito. É resultado de um trabalho 
constante com suas bases, relações de apoio e luta em pautas e 
problemas concretos. Trabalho cada vez mais fundamental e antes 
realizado por centros comunitários, sindicatos, associações e partidos que, 
em grande parte, e sobretudo desde o petismo, se afundaram na 
institucionalidade burguesa e nas tramas da “governabilidade” – e, como 
resultado, perderam o mínimo contato que ainda tinham com a classe. 
No entanto, a lição e as potencialidades trazidas por esse movimento não 
devem ser tomadas sem a avaliação dos limites em que estão enredados. A 
compreensão também dos limites ainda presentes desse movimento é 
fundamental para aprofundar e aprimorar a resistência que deverá ser bem 
mais dura e em contexto mais repressivo a partir de agora. Tais coletivos e 
movimentos não ficaram imunes, em parte, à ideologia burguesa: também 
alimentam forte crença nas instituições burguesas (crença nas “políticas 
públicas”, na representatividade etc.), e possuem dificuldade em enxergar 
que Bolsonaro não representa apenas mais discriminação e violência 
contra minorias, mas também mais exploração e opressão contra a 
maior parte do povo, a classe operária e as classes exploradas. Ou seja, 
um aprofundamento da repressão e exploração a que já estávamos 
submetidos. 
Por isso, faz-se necessário pensar e praticar articulações entre todos os 
setores das classes dominadas que já sofrem e irão sofrer com a repressão e 
as medidas do governo Bolsonaro. Mas ter clareza também que se trata 
de luta de classes: a mesma que fez Bolsonaro se erguer como 
alternativa burguesa. 
Ou seja, a fascistização não irá ser derrotada pelas instituições 
burguesas, pela oposição parlamentar ou pelo “amor” contra o ódio, a 
violência e a intolerância. 
A tendência ao fascismo, expressão política típica da etapa imperialista 
do capitalismo, só se rebate com o socialismo; com a reorganização do 
proletariado, hoje em parte aguardando que esse governo possa ser menos 
pior, mas que estará no centro de seus ataques e precisará reagir contra ele. 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
18 
 
 
[1]
 Sobre as eleições 2018. Análise da crise econômica e política no Brasil hoje. 
http://cemflores.org/index.php/2018/09/11/sobre-as-eleicoes-2018-analise-da-crise-
economica-e-politica-no-brasil-hoje/. 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
19 
 
 
 
 
 
 
A conjuntura econômica no começo do 
governo Bolsonaro: continuidade da crise 
do capital, estagnação e aumento do 
desemprego. 
 
 
 
 
 
Neste primeiro semestre de 2019, a dominação burguesa no Brasil 
permanece em crise, uma crise que se desdobra e se entrelaça nos seus 
aspectos de crise política e crise econômica desde, pelo menos, 2013. 
Dados os acontecimentos deste começo de ano e de governo, tanto no 
campo econômico quanto no político, não parece haver qualquer 
perspectiva de resolução dessa crise de dominação à vista. O governo 
Bolsonaro não é a solução burguesa para o final dessa crise. Pelo contrário, 
ele a agrava. Em relação a uma solução proletária, ela não está presente na 
conjuntura, considerando a ausência de uma linha marxista-leninista, 
revolucionária, com força de massas, no seio da classe operária e das 
demais classes dominadas no país. Criar as condições para essa solução 
proletária à crise de dominação burguesa no Brasil é a tarefa de todos 
os comunistas. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
20 
 
Por crise política, no contexto brasileiro atual, entendemos a situação na 
qual o domínio das classes dominantes e de suas frações sobre a 
superestrutura política e de Estado não é capaz de permitir que essas 
funcionem de maneira estável e eficiente, de forma a implementar o 
programa político-econômico dessas classes. Podemos adotar como 
marco (político) inicial da crise política o Junho de 2013, com as 
enormes manifestações de rua que marcaram aquele mês. 
 
Por um lado, a crise política ocasiona avanços, divisões, recuos e 
incertezas quanto à implementação efetiva do programa da burguesia, 
com óbvios impactos de agravamento da crise econômica. Veja-se, por 
exemplo, o caso da reforma da previdência, um dos principais itens do 
programa econômico burguês no Brasil de hoje. Em moldes similares ao 
atual, a burguesia tenta aprovar essa reforma desde o primeiro governo 
Dilma (fizemos uma análise da proposta de reforma da previdência de 
Bolsonaro/Guedes no próximo artigo deste livro). 
 
Por outro, a crise política se expressa na erosão da aceitação desses 
representantes das classes dominantes junto às camadas médias e 
classes dominadas, expressos, por exemplo, nos baixos níveis de 
popularidade de todos os políticos e partidos depois de Junho de 2013, 
assim como no decrescente grau de legitimidade conferida às diversas 
instituições burguesas (Judiciário, Congresso etc.). Bolsonaro iniciou seu 
governo com o maisbaixo nível de popularidade de qualquer presidente 
eleito em primeiro mandato desde Collor. Essa rejeição alimenta uma 
oposição/resistência ao governo de plantão e seu programa. 
 
Por fim, a resistência das classes dominadas e de setores das camadas 
médias também é relevante nesse contexto de crise política. Resistência 
impulsionada pela deterioração das condições de vida e de trabalho, 
agravadas pela crise econômica; pela rejeição aos representantes políticos 
das classes dominantes; e pela ofensiva burguesa que sofremos. Essa 
resistência se manifesta desde as formas mais latentes, como o difuso ódio 
ao Estado brasileiro e seus representantes, até as formas mais diretas e 
organizadas, como nas greves e paralisações, nas ocupações e 
manifestações de rua. Vimos um brilhante exemplo no último dia 15 de 
maio (Greve Nacional da Educação). Se essa resistência ainda é pequena e 
Cem Flores (cemflores.org) 
21 
 
fragmentada, tendo em vista o tamanho dos ataques da burguesia, tudo 
indica que ela tende a crescer e se fortalecer. Afinal, a ofensiva burguesa, 
apesar das dificuldades que tem sofrido no atual contexto de crise, continua 
e não deixa alternativas aos dominados. 
 
Por crise econômica tratamos especificamente do período inaugurado 
pela recessão (iniciada em 2014) e ainda não encerrado. Essa recessão 
histórica – de dimensões iguais ou maiores que a dos anos 1980 ou mesmo 
que aos efeitos no país da grande depressão mundial dos anos 1930 – durou 
de meados de 2014 ao final de 2016, de acordo com os economistas 
burgueses. O período de crise, no entanto, contempla também os dois anos 
e meio que se passaram a partir do final da recessão – ou seja, do começo 
de 2017 até hoje –, caracterizados pela dificuldade do capital em retomar 
sua acumulação, pela estagnação econômica e pela permanência do elevado 
desemprego. Isso indica que estamos na pior “recuperação” (sic!) 
econômica pós-recessão na história do país. Como sintetizou Cláudio 
Considera, economista com passagens pelo Ipea, pelo IBGE, pela UFF e 
atualmente na FGV: “Foi a pior recessão da história e está sendo a 
recuperação mais lenta da história”. Na verdade, como veremos mais 
adiante, a economia está estagnada, à beira de uma nova recessão, em 
cenário que já se aproxima de uma depressão. 
 
Sobre essa crise é importante retomar alguns pontos do nosso documento 
de abril de 2017, Teses Sobre a Crise do Capital e a Luta de Classes no 
Brasil 
[1]
: 
 
- A atual crise do capital no Brasil integra a crise do 
imperialismo inaugurada em 2008 e ainda não encerrada. Ou 
seja, a crise do imperialismo e os movimentos do capital que ela 
causa (buscando retomar a taxa de lucro, redefinindo a divisão 
internacional do trabalho, etc.) são importantes determinantes da 
crise no Brasil. Por exemplo, o fim do superciclo de commodities, 
atingindo diretamente a acumulação e lucratividade dos setores 
capitalistas mais dinâmicos do país, como o agronegócio e a 
indústria extrativa mineral, ambas para exportação. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
22 
 
- O agravamento das contradições da acumulação de capital no 
país após o miniciclo de expansão capitalista (2005-2010) e o 
esgotamento do dinamismo dessa acumulação são as causas 
diretas da atual crise do capital no Brasil. Um exemplo é o 
crescimento do crédito, que acabou por gerar “bolhas” de consumo 
via sobre-endividamento das empresas e das pessoas e que, não 
apenas contribuiu para o início e a magnitude da crise (pelo corte do 
crédito) como também tem dificultado a retomada (pelo elevado 
endividamento e a consequente “desalavancagem”). 
 
- As políticas econômicas adotadas desde 2015, já com a recessão 
instalada, têm o objetivo claro de agravar a recessão, para que 
essa possa cumprir seu papel de recolocar as condições de 
acumulação e a taxa de lucro, mediante o aumento significativo do 
desemprego e a precarização dos postos de trabalho restantes, a 
redução dos salários, o aumento da intensidade do trabalho etc. 
 
- A crise do capital deve ser entendida, portanto, como a 
tentativa forçada de recolocar as condições propícias para a 
acumulação e lucratividade do capital, com o aumento da 
exploração sobre o proletariado e demais classes dominadas. 
 
Neste texto pretendemos analisar e apresentar aos camaradas e leitores do 
Cem Flores a situação atual da economia brasileira nesses primeiros 
meses de 2019, que nos parece ser não apenas a continuidade da 
estagnação de 2017-2018, mas uma piora maior do que já estava ruim, 
com possível novo mergulho na recessão ou mesmo numa depressão. 
Sem essa análise, avaliamos não ser possível fazer a análise concreta da 
situação concreta da conjuntura econômica, política e social da luta de 
classes no país neste começo de governo Bolsonaro. 
 
 
Os dados da conjuntura econômica brasileira 
 
É imprescindível o acompanhamento dos fatos e dos dados da conjuntura 
para fazer a análise concreta da situação concreta da luta de classes no 
nosso país. Por isso, nos esforçamos para consolidar e quantificar, a seguir, 
Cem Flores (cemflores.org) 
23 
 
as informações empíricas da economia brasileira que avaliamos as mais 
relevantes para a análise do cenário atual. 
 
 A magnitude da recessão 
A recessão de 2014-2016 foi uma das maiores da história econômica do 
Brasil, quer consideremos o tamanho da redução do PIB que ela 
causou, quer o tempo em que a economia permaneceu em queda livre. 
Essa recessão de magnitude excepcional expressa, por um lado, o peso da 
crise do imperialismo em uma economia dominada tão integrada à 
economia mundial quanto a brasileira. Por outro, o nível a que chegou o 
agravamento das contradições do capitalismo no nosso país. Se a recessão 
já mostrou características excepcionais, a estagnação que se seguiu foi 
absolutamente única em sua incapacidade de retomar a acumulação 
capitalista. 
 
O gráfico abaixo, publicado pela Folha de São Paulo a partir de estudo do 
banco americano Goldman Sachs, mostra o crescimento médio do PIB per 
capita no Brasil por década desde o começo do século XX. A taxa média 
anual de “crescimento” de 2011 a 2018 foi negativa, igualando a chamada 
“década perdida” dos anos 1980, da hiperinflação e das sucessivas crises da 
dívida externa. Esse dado permite avaliar a magnitude da atual crise do 
capital na história do capitalismo brasileiro. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
24 
 
 
 
O gráfico seguinte mostra esse mesmo dado – crescimento médio do PIB 
per capita por década – em perspectiva internacional. O Instituto Brasileiro 
de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre) fez essa conta a 
partir da base de dados do FMI, desde 1980. Na década atual, 85% dos 
países do mundo deverão ter crescimento médio anual superior ao 
brasileiro. Isso mostra que, mesmo considerando os impactos da crise do 
imperialismo na economia mundial, a magnitude da crise do capital no 
Brasil se destaca. Esses elementos são indispensáveis para 
contextualizarmos a ofensiva (em todas as frentes) da burguesia na sua 
luta de classes contra o proletariado e demais classes dominadas, bem 
como sua agressividade (pensemos nas odiosas reformas, aprovadas ou 
planejadas, por exemplo). 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
25 
 
 
 
O mesmo FGV-Ibre calculou a redução do PIB e dos seus componentes na 
recessão. A queda do PIB foi de 8% nos dois anos e meio de recessão. A 
indústria caiu quase 14%, com a construção civil despencando 27%, 
também afetada pelo impacto da Lava-Jato em todas as maiores 
empreiteiras do país. As importações caíram 23%, mas o maior impacto 
ocorreu no investimento (Formação Bruta de Capital Fixo), cuja queda 
atingiu 30%. Esse efeito sobre o investimento constitui aspecto 
fundamental da crise: a crise provoca a redução da produção e da 
demanda e a ociosidadedos fatores de produção – máquinas e 
equipamentos sem uso, trabalhadores desempregados. A queda da 
utilização da capacidade instalada na indústria e em outros setores da 
produção provoca a desvalorização do capital, importante consequência da 
crise para a tentativa de retomada. Essa mesma capacidade ociosa também 
dificulta novos investimentos, contribuindo para o rebaixamento da 
produtividade da economia, logo, do crescimento da mais-valia relativa. 
Assim, cresce a importância, para a burguesia, do aumento da extração de 
mais-valia absoluta, o aumento da exploração mais direta e agressiva contra 
a classe operária e demais classes dominadas, como forma de buscar 
retomar suas taxas de lucro. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
26 
 
 
 
Essa mesma tabela também quantifica o que o país precisaria crescer para 
voltar ao patamar anterior ao início da crise (primeiro trimestre de 2014). 
Ou seja, apenas para voltar para os níveis de cinco anos atrás, o PIB precisa 
crescer 5%; a indústria, 14%; as importações, 18% e o investimento 35%! 
Com o ritmo de crescimento de 1% observado em 2017, 2018 e, ao que 
tudo indica, em 2019 (pode ser menos!), esses números só seriam 
alcançados no final de 2023... 
 
 A estagnação atual. Rumo a uma nova recessão ou a uma 
depressão? 
A estagnação da economia brasileira pode ser comprovada pelas pífias 
taxas de crescimento após o final da recessão. O PIB cresceu 1,1% tanto 
em 2017 quanto em 2018 e deve crescer por volta disso neste ano (ou ainda 
menos!), pois quanto mais o tempo passa, mais as projeções de crescimento 
para o ano são reduzidas. Medido pelo PIB per capita, o “crescimento” foi 
de apenas 0,3% em 2017 e 2018, devendo permanecer nesse ritmo 
estagnado. 
 
O gráfico abaixo compara a trajetória de recessão/recuperação nas oito 
recessões brasileiras dos últimos quarenta anos, medidas a partir da 
evolução do PIB per capita. A excepcionalidade dessa “recuperação”, na 
realidade estagnação, é patente. 
Tabela 1 – Variação acumulada da recessão aos dias atuais e a necessidade de
crescimento para retornar ao mesmo nível de 2014/I – PIB e componentes (%)
Completo Recessão Estagnação "Retomada"
De 2014/II a 
2018/IV
De 2014/II a 
2016/IV
De 2017/I a 
2018/IV
Crescimento para 
igualar 2014/I, a 
partir de 2018/IV
PIB -5,1 -8,2 3,4 5,3
Transformação -13,2 -16,7 4,2 15,2
Construção -30,5 -27,1 -4,7 43,8
Total da Indústria -12,1 -13,8 1,9 13,8
Comércio -11,1 -16,1 5,9 12,5
Formação Bruta de 
Capital Fixo
-25,9 -30,1 6,1 34,9
Importação -15,1 -23,2 10,6 17,8
PIB e Componentes
Variação acumulada no período, em termos reais - %
Cem Flores (cemflores.org) 
27 
 
 
 
 
 
Mas essa é apenas uma parte da história. Olhando mais de perto, a 
realidade está ficando pior. A economia desacelera desde o final do ano 
passado, quando o PIB cresceu apenas 0,1% no último trimestre. O 
primeiro trimestre deste ano deverá ser negativo, de acordo com as 
projeções do Bradesco e do Itaú. O gráfico abaixo mostra como têm 
evoluído as projeções para o crescimento deste ano. De 2,6% que chegaram 
a ser previstos no começo do ano passou-se a 1,45% e a projeção mais 
recente é de 1,24%, número que deve continuar diminuindo, pois o 
Bradesco já projeta 1,1% e o Itaú, 1%. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
28 
 
 
 
Com esses resultados, um novo mergulho na recessão está cada vez 
mais provável. Os próprios economistas e institutos burgueses já começam 
a falar em “cheiro de recessão”, “possível recessão técnica”, e “flerte com a 
recessão”. Só para lembrar, o mesmo Paulo Guedes que hoje diz que a 
economia está no “fundo do poço”, como forma de pressionar o Congresso 
a aprovar suas reformas, no final do ano passado falava em crescimento de 
3% a 3,5% neste ano... 
 
A confirmação desse ciclo recessão-estagnação-nova recessão pode 
caracterizar uma depressão na economia brasileira. Da mesma forma 
que a crise do imperialismo (recessão seguida de estagnação) e uma 
possível nova recessão nos países imperialistas (que já começou em alguns 
países europeus, como a Itália) leva analistas burgueses a falar em uma 
“estagnação secular” e marxistas como Michael Roberts a falar em uma 
longa depressão, situação similar pode estar ocorrendo no Brasil. Dentre os 
economistas burgueses, quem levantou essa hipótese foi ninguém menos 
que Afonso Celso Pastore, uma espécie de decano dos espadachins 
mercenários do capital no país. Em estudo “A Depressão Depois da 
Recessão”, conforme matéria da Folha de São Paulo, ele afirma que “o 
Brasil não apenas está vivendo a mais lenta retomada da história como 
caminha para a depressão. Com a renda per capita mantendo-se por três 
anos 8% abaixo do pico prévio, só nos resta definir a situação como 
característica de uma depressão. O país está parado. Depois da recessão, 
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/frustracao-precoce-com-gestao-bolsonaro-retarda-retomada-da-economia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/frustracao-precoce-com-gestao-bolsonaro-retarda-retomada-da-economia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/empresas-ja-projetam-que-retomada-da-economia-vira-apenas-em-2020.shtml
https://temas.folha.uol.com.br/e-agora-brasil-mercado-de-trabalho/introducao/retomada-lenta-expoe-marcas-da-crise-e-desafios-para-recuperacao-do-emprego.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2019/04/brasil-um-pais-1-emprego-e-impostos-indicam-que-economia-anda-no-ritmo-de-2017-e-2018.shtml
Cem Flores (cemflores.org) 
29 
 
ainda não tivemos recuperação. Se isso não é sinal de depressão, não sei o 
que é”. 
 
 Indústria: mais que recessão, uma verdadeira depressão 
O setor mais afetado pela crise do capital no Brasil – podemos mesmo 
afirmar que constitui o centro da crise – é a indústria, mais 
especificamente a indústria de transformação (ou seja, excluindo a 
indústria extrativa). Olhando em horizonte mais amplo, trata-se da 
continuidade do processo de desindustrialização do país, dada a 
inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho do imperialismo, 
com uma cada vez maior especialização na produção de commodities para 
exportação (já analisamos o fenômeno da desindustrialização em nosso site 
[2]
). 
 
Como vimos na tabela do FGV/Ibre, a queda da indústria de transformação 
foi o dobro da do PIB, e a do investimento, o dobro da queda da indústria. 
A magnitude dessas quedas passadas, somadas à total incapacidade de 
recuperação e às novas quedas deste ano, caracterizam uma real 
depressão industrial. O crescimento do PIB industrial em 2017 e 2018 foi 
praticamente nulo e, no primeiro trimestre deste ano, houve contração de 
2,2% na produção industrial. Essa retração da indústria também puxa para 
baixo os serviços, que tiveram queda de 1,7% no mesmo período. 
 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
30 
 
 
O gráfico acima, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial 
(IEDI), mostra uma queda de quase 20% na produção industrial do início 
da recessão até seu momento mais grave, no começo do último trimestre de 
2016, e também o impacto paralisante da greve dos caminhoneiros (que 
analisamos em nosso site) em maio de 2018. Para este texto, no entanto, 
importa destacar a sequência de quedas mês a mês que a produção 
industrial vem tendo desde então, caracterizando o agravamento da crise no 
setor industrial em recessão, e também já em depressão. O mesmo 
comportamento é encontrado no nível de utilização da capacidade instalada 
da indústria (estoque de máquinas e equipamentos prontos para o uso) que 
já se encontra no mesmo patamar do final de 2016 e da greve dos 
caminhoneiros (pelo indicador mais amplo, da Confederação Nacional da 
Indústria, CNI). 
 
Esses indicadores se traduzem em estagnação também nas taxas de 
crescimentoanual da produtividade. Em geral, com menor nível de 
investimento, menores serão os ganhos de produtividade. A produtividade é 
elemento fundamental para ampliar a escala de produção de mercadorias, 
possibilitar seu barateamento e ampliar as taxas de mais-valia e de lucros. 
Assim, capitais que geram menores ganhos de produtividade tornam-se, por 
um lado, mais frágeis na concorrência com outros capitais, tendendo a 
desaparecer, e, por outro, seu setor de atividade tende a receber menos 
capitais (investimentos), que são dirigidos aos setores mais produtivos e 
lucrativos dessa economia ou das demais economias concorrentes. 
 
Não é por outra razão que vemos um contínuo crescimento do agronegócio 
no Brasil nas últimas décadas, em fenômeno por vezes chamado de 
“reprimarização” (sobre o qual já nos posicionamos em nosso site 
[3]
). Uma 
medida agregada de produtividade do agronegócio pode ser obtida a partir 
da divisão da produção agrícola (quantidade produzida, em toneladas de 
grãos) pela dimensão da área plantada (em hectares). De 1990 a 2018, 
usando dados da Conab disponíveis no Ipeadata, enquanto a área plantada 
cresceu 58,5%, a produção de grãos aumentou 290,9%. Dividindo esses 
resultados, temos um aumento da produtividade de 146,5% no período, ou 
um crescimento médio anual de 3,28% por ano nas últimas quase três 
décadas. O maior dinamismo do agronegócio nas últimas décadas é 
Cem Flores (cemflores.org) 
31 
 
importante para explicar diversas mudanças na estrutura econômica 
do país, da composição das exportações (e também das importações) 
até uma nova geografia da produção e da renda, mais descentralizada, 
com o crescimento relativo de novos polos no interior do país. É 
também imprescindível para analisar o bloco de frações de classe 
dominante no poder e sua influência nas decisões de política econômica 
e na representação política, principalmente nos estados. 
 
Por fim, voltando à indústria, as informações mais recentes das pesquisas 
da FGV com os empresários industriais mostram uma queda da confiança e 
das perspectivas de produção para os próximos seis meses nos últimos 
dois/três meses. Ou seja, os empresários parecem dizer que aquele 
otimismo com a eleição de Bolsonaro e com o programa econômico de 
Guedes está se esvaindo dada a crise política que vem sendo um obstáculo 
à aprovação das “reformas” e os próprios números mais recentes da 
economia. 
 
 Crédito: depois da contração, estagnação 
Todos sabemos o papel que o capital de empréstimo, capital portador de 
juros, desempenha como alavanca da acumulação, ao possibilitar a cada 
burguês um potencial de ampliação de sua produção acima da capitalização 
de mais-valia obtida do seu próprio capital (constante mais variável). O 
contrário, no entanto, uma contração da oferta de crédito representa não 
apenas a inviabilização da continuidade desse ritmo de crescimento como 
também um peso sobre o ritmo de acumulação anterior (sem crédito), dado 
que um determinado montante da mais-valia obtida deverá, agora, ser 
repassado ao banqueiro na forma de juros. 
 
Esse processo de crescimento com “bolha” de crédito, seguido da recessão 
com excesso de endividamento, foi característico da última crise do 
imperialismo em praticamente todos os países e, também, no Brasil. Esse 
excesso de endividamento restringe a oferta de crédito novo pelos bancos e 
força uma “desalavancagem” por parte das empresas, que reduz sua 
produção (ou o crescimento da mesma) para quitar dívidas. 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
32 
 
Ou seja, o cenário mostrado pelo gráfico abaixo, retirado de publicação do 
IEDI, mostra a contribuição da restrição de crédito para a perda de 
dinamismo do capitalismo brasileiro, gerando um ciclo vicioso, no qual os 
bancos não ofertam crédito pelo excesso de endividamento das empresas e 
essas não demandam mais crédito, não apenas pelo endividamento, mas 
também pela estagnação econômica. Um ciclo similar de endividamento 
também afeta camadas médias e trabalhadores que agora, não apenas tem 
que pagar suas dívidas, como enfrentam dificuldades em manter sua 
própria renda, desempregados ou ameaçados de desemprego. A retração e 
a posterior estagnação do crédito são fatores importantes na 
recessão/estagnação da economia brasileira atual. 
 
 
 
 O mercado de trabalho continua piorando 
A classe operária e os demais trabalhadores do campo e da cidade têm 
sido os principais atingidos pela crise do capital no Brasil, seja de forma 
“direta”, com o aumento do desemprego e a piora das condições de 
trabalho e aumento da exploração dos que permanecem empregados, seja 
de maneira “indireta”, pelo efeito dos sucessivos “cortes de gastos” na 
qualidade dos serviços públicos de saúde e educação, na piora da 
“qualidade” de vida (mais exposição à violência, “tragédias” “naturais”...) 
etc. A lógica do capital na sua luta de classe para retomar sua taxa de 
lucro envolve, necessariamente, o aumento da exploração da força de 
trabalho e uma concomitante deterioração das condições de 
reprodução da mesma. 
Cem Flores (cemflores.org) 
33 
 
 
Na atual crise brasileira, essa deterioração do mercado de trabalho tem, ao 
menos, as seguintes características: aumento do desemprego, aumento da 
subutilização da força de trabalho, aumento da informalidade e da 
precarização (com novos limites legais, cada vez mais rebaixados), piora 
das condições de trabalho e dos salários e ataques da burguesia contra os 
sindicatos (nosso último texto sobre os efeitos da reforma trabalhista, ver o 
quarto artigo deste livro) e outras formas de organização e luta dos 
trabalhadores. 
 
Na recessão, a taxa de desemprego calculada pelo IBGE, que era de 7,2%, 
em março de 2014, quase dobrou para 13,7%, em março de 2017. Passados 
dois anos, a mesma permanece em 12,7%. Ou seja, em relação a 2014 são 
quase 6 milhões de desempregados a mais, em um número que já soma 
13,4 milhões de trabalhadores a procura do emprego para sustentar a si e 
sua família. 
 
Só que a piora do mercado de trabalho pode ser melhor analisada com a 
nova estatística do IBGE, uma espécie de conceito amplo de desemprego, 
na qual são acrescidas à taxa de desemprego a população subocupada 
(trabalho em tempo parcial) e a desalentada (que não foi procurar emprego 
pois sabia que não ia achar mesmo). Nesse conceito, o desemprego não 
parou de subir, mesmo já tendo se passados dois anos e meio do final 
da recessão! A chamada “taxa de subutilização da força de trabalho” bateu 
recorde em março de 2019, atingindo um quarto da população 
economicamente ativa do país. São 28,3 milhões de trabalhadores nessa 
condição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
34 
 
Taxa Composta de subutilização da força de trabalho – trimestres de 
janeiro a março – 2012/2019 - Brasil (%) 
 
 
Esse contingente desempregado/subutilizado exerce significativa 
pressão de redução sobre os salários e demais condições de trabalho 
dos que permanecem empregados, o que faz parte da ofensiva 
burguesa para reduzir os salários e aumentar seus lucros. Isso pode ser 
visto analisando as condições de trabalho do contingente dos trabalhadores 
empregados. Primeiramente, vamos focar nos empregados com carteira 
assinada, o mercado de trabalho formal. 2018 foi o primeiro ano desde 
2014 com mais contratações que demissões, segundo dados do Caged, do 
finado Ministério do Trabalho. Dessas contratações, 86% foram para 
empregos de até dois salários mínimos. As principais profissões 
contratadas no ano passado foram: vendedores e demonstradores (1,8 
milhão), auxiliares administrativos (1,1 milhão), síndicos, porteiros e 
zeladores (1 milhão) e serviços de hotelaria e administração (0,9 milhão). 
Ou seja, nenhuma na área de produção, comprovando a 
estagnação/depressão do setor, todasna área de comércio ou serviços, em 
geral, com menores qualificação, salários e condições de trabalho. 
 
Outra face da piora dos postos de trabalho é o aumento da 
informalidade. De acordo com dados compilados pelo site Nexo, de 2015 
a 2018, o número de trabalhadores por conta própria, nome “oficial” do 
IBGE para o emprego informal, aumentou em 2,1 milhões, enquanto os 
“empregados do setor privado” tiveram queda de 2,5 milhões de postos e o 
emprego doméstico aumentou em quase 300 mil. Houve, portanto, uma 
Cem Flores (cemflores.org) 
35 
 
“troca” perversa para o trabalhador: após a demissão, só se consegue 
arrumar empregos informais (aqueles que conseguem). Em relação à 
mulher trabalhadora, além da informalidade, voltou a crescer uma 
ocupação “típica”, a de prestar serviços domésticos nas casas da burguesia 
e da classe média brasileira. Outra face dessa “troca” é a redução de postos 
na indústria (menos 2,6 milhões) – em geral com maior percentual de 
trabalho formal – pelo setor de comércio e serviços (mais 2,4 milhões) – 
onde há proporção maior de trabalho informal. 
 
Nesse contexto, os rendimentos médios permanecem estagnados. De 
acordo com o IBGE, de 2014 a 2019 (dados para março), o “rendimento 
médio mensal real habitualmente recebido de todos os trabalhos” 
aumentou, em termos acumulado, pífios 0,75%... E essa média ainda pode 
dar uma falsa impressão da realidade. Vejamos a afirmação do coordenador 
do IBGE responsável por esses números: “O mercado jogou 1,2 milhão de 
pessoas na desocupação e a carteira de trabalho não teve recuperação. Os 
trabalhadores sem carteira que tinham sido contratados como temporários 
para vendas, como na Black Friday e no Natal, ou que trabalharam nas 
eleições, saíram do emprego no início do ano. Como esses postos de 
trabalho pagam menos, a média de rendimentos do setor aumentou sem 
que houvesse um ganho real nos rendimentos dos trabalhadores”. 
 
É importante ressaltar que essa deterioração do mercado de trabalho 
faz parte do programa econômico da burguesia na crise do capital 
para retomar suas taxas de lucro. E, inclusive por isso, tais medidas 
fazem parte do próprio programa político da burguesia na sua luta de 
classes contra o proletariado, visando limitar sua organização e 
capacidade de manifestação e resistência. E, não custa lembrar, se isso 
não for suficiente, a burguesia conta com o reforço dos aparelhos 
repressivo e ideológicos de estado (que analisaremos no quinto e no sexto 
artigos deste livro). 
 
 Desigualdade crescente 
Considerando todos os fatos e dados da realidade econômica brasileira já 
expostos neste texto, a conclusão sobre a desigualdade no Brasil não 
poderia ser outra senão a de um crescimento dessa medida já 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
36 
 
absurdamente alta na comparação internacional. Isso mesmo levando 
em consideração apenas os estudos provenientes das estatísticas oficiais de 
rendimentos (PNAD-IBGE) e renda/patrimônio (Imposto de Renda). Hoje 
sabemos que, ao contrário da propaganda dos governos petistas, a 
desigualdade se manteve estável ou com ligeiro crescimento naqueles anos. 
Sobre o período de 2006 a 2012, afirmam os autores desses estudos 
[4]
: 
 
“Entre 2006 e 2012 cresceu a participação dos rendimentos de 
capital no topo da distribuição de renda. Esses rendimentos são 
extremamente concentrados: três quartos dos lucros e dividendos, 
três quartos das rendas de aplicações financeiras e quatro quintos de 
todos os ganhos de capital dos 10% mais ricos são apropriados pelo 
1% mais rico. Essas frações expressam, aproximadamente, a 
concentração na população inteira. O comportamento da 
desigualdade de renda entre 2006 e 2012 decorre de um aumento 
das rendas de capital no topo da distribuição compensando uma 
desconcentração dos rendimentos do trabalho, o que em parte 
explica a divergência de comportamento da desigualdade em relação 
à estimada em pesquisas domiciliares”. 
 
Essa frase sintetiza à perfeição os governos petistas: a mais ampla liberdade 
para a acumulação de capital pela burguesia, enquanto se jogam os 
trabalhadores assalariados uns contra os outros, dividindo-os entre 
“privilegiados” e “pobres”. Não é à toa que vemos esse velho bordão 
repaginado para a defesa da reforma da previdência. 
 
Inegavelmente, as consequências da recessão/estagnação com a 
contração dos salários e o aumento do desemprego acarretam aumento 
da desigualdade. Ainda que não conheçamos estatísticas comparáveis de 
PNAD-Imposto de Renda para os anos mais recentes, a própria evolução 
do Índice de Gini (rendimentos apenas) atesta a crescente desigualdade. O 
gráfico abaixo, elaborado pela FGV-Ibre a partir dos dados do IBGE, 
mostra que esse indicador de desigualdade cresce a 17 trimestres 
consecutivos e está no maior nível em pelo menos sete anos. 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
37 
 
 
 
Da mesma forma que a desigualdade, a recessão/estagnação também 
aumentou a pobreza em mais 7,4 milhões de pessoas de 2014 a 2017, de 
acordo com estudo do Banco Mundial. A continuar a estagnação/depressão, 
outros 14 milhões podem ser adicionados ao contingente de pobres, 
segundo o mesmo estudo. 
 
Esses números, no entanto, são “apenas um pálido retrato da extrema 
‗desigualdade social‘ do país”, pois não dão conta da “própria produção 
da riqueza no capitalismo, que necessariamente, como nos mostra Marx, é 
desigual, posto que fundada na exploração do trabalho assalariado, isto é, 
na expropriação da mais-valia”, conforme afirmamos em texto de 2014 
sobre desigualdade social, a propaganda de sua diminuição e seus 
propósitos ideológicos 
[5]
. 
 
Afinal de contas, a tendência do capitalismo, sociedade de classes, é 
exatamente a de perpetuar, ampliar e aprofundar a desigualdade. Como 
concluímos naquele texto: 
 
“Marx nos diz também que o desenvolvimento histórico do modo de 
produção capitalista é regido pela „lei geral da acumulação 
capitalista‟, e que esse desenvolvimento „(…) ocasiona uma 
acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. A 
acumulação da riqueza num polo é, portanto, ao mesmo tempo, a 
acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, 
ignorância, brutalização e degradação moral no polo oposto.‘ (K. 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
38 
 
Marx, O Capital, Livro II, Capítulo XXIII, Abril Cultural, 1985, p. 
210)”. 
 
 O que sabemos sobre a tendência recente da taxa de lucro no 
Brasil? 
É fundamental para a análise econômica marxista da conjuntura e da 
luta de classes o estudo da evolução da taxa de lucro. No entanto, essa 
variável é complexa de ser calculada de acordo com as definições da teoria 
marxista, consideradas as insuficiências das estatísticas oficiais. No Brasil, 
os estudos de Miguel Bruno e Adalmir Marquetti têm buscado calcular 
empiricamente a taxa de lucro em termos marxistas. No entanto, os estudos 
mais recentes desses autores têm dados apenas até 2015. 
 
Bruno Theodosio, em recente trabalho acadêmico coorientado por 
Marquetti (Determinantes da acumulação de capital no Brasil entre 2000 e 
2016: lucratividade, distribuição, tecnologia e financeirização), atualiza 
esse cálculo até 2016, conforme gráfico abaixo. Vemos então claramente o 
aumento da taxa de lucro no período do mini-ciclo de expansão de 
2005-2010 e seu esgotamento/reversão a partir de 2011/2012, 
antecedendo o início da recessão, conforme esperado. A taxa de lucro 
continua em queda até o fim da série, em 2016, ano de encerramento 
da recessão. 
 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
39 
 
 
A questão mais relevante para a análise da situação atual é: e depois da 
recessão, o que aconteceu com a taxa de lucro? Não existem dados 
similares ao do gráfico acima, portanto devemos contar com aproximações 
empíricas e com a intuição teórica. 
 
Teoricamente,as consequências da recessão/estagnação que exploramos 
neste texto implicaram, para as classes dominadas, aumento do 
desemprego, piora nas condições de trabalho, redução dos salários e 
aumento da exploração. Todos esses fatores são contrarrestantes da 
tendência de queda da taxa de lucro. O próprio objetivo da crise 
econômica, de acordo com o marxismo, é a reposição das condições de 
acumulação para um novo ciclo expansivo, dentre elas o aumento das taxas 
de lucro. A intuição teórica nos diz, portanto, que as taxas de lucro 
devem ter aumentado a partir de 2017, ainda que de forma insuficiente 
para o aumento dos investimentos e retomada sustentada da 
acumulação capitalista no país. 
 
As informações de lucratividade empresarial para o período de 2017 a 2019 
(primeiro trimestre) resumem-se aos balanços das empresas. Ou são 
apurações dos lucros brutos ou de rentabilidade, dividindo os lucros pelos 
ativos ou pelo patrimônio líquido. Não são, portanto, equivalentes ao 
cálculo da taxa de lucro de acordo com a teoria marxista. 
 
A empresa Economática consolida sistematicamente os lucros de por volta 
de 300 empresas listadas na bolsa de valores. Em 2017, essas empresas 
aumentaram em 17,1% seus lucros. Em 2018, esse crescimento foi de 
41,8%. No primeiro trimestre de 2019, novo aumento, de 9,1%. Esses 
resultados incluem os bancos, mas a tendência de crescimento dos lucros se 
mantém se forem consideradas apenas as empresas não financeiras. 
 
O IEDI também realizou cálculos sobre lucratividade empresarial para 
2018. Considerando mais de 300 empresas não financeiras, sem Petrobrás, 
Vale e Eletrobrás (que distorcem o número dado seu tamanho), “a margem 
passou de 4,5% para 5,9%, retornando ao nível de 2014 (5,6%)”. Com 
essas três empresas atingiu 7,6% em 2018. Assim como a Economática, o 
IEDI destaca a concentração desses lucros em alguns setores, como 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
40 
 
comércio e serviços. Embora a lucratividade industrial tenha melhorado, o 
resultado de 2018, 4,6%, permaneceu abaixo do de 2014, 5,7%, e foi 
concentrado na indústria extrativa (mesmo excluindo Petrobrás e Vale) e 
em insumos básicos. 
 
Como podemos ver no gráfico abaixo, retirado do estudo do IEDI, a 
“margem líquida de lucro” começou a se recuperar a partir de 2016, 
enquanto a taxa de lucro calculada por Theodosio continuava em queda. 
Essa margem continuou aumentando em 2017 e 2018, resultado que parece 
consistente com nossa intuição teórica. 
 
 
 
Prováveis “cenários” 
Se esses resultados se confirmarem em termos de taxa de lucro, de acordo 
com a teoria marxista, teríamos então as seguintes possibilidades: 1) a 
contínua elevação da taxa de lucro estimularia os investimentos e a 
acumulação (portanto, a exploração), encerrando a estagnação, ou 2) o 
aumento da taxa de lucro se mostraria pequeno e insustentável, voltando a 
se reduzir e indicando uma nova recessão à vista. 
 
Considerados os elementos apresentados neste texto, que constituem a 
crise econômica e a crise política atuais, somados à desaceleração da 
Cem Flores (cemflores.org) 
41 
 
economia mundial como um todo, principalmente nos EUA e na China, 
a hipótese 2 – de continuidade da estagnação e/ou de uma nova 
recessão – nos parece ser a mais provável atualmente. 
 
Esse cenário tenderia a agravar as condições de dominação burguesa, 
acirrando a luta de classes em nosso território. A burguesia, vendo a 
necessidade de ainda mais arrocho, repressão e reformas em seu 
instrumento de dominação (Estado); o proletariado, empurrado a se 
organizar e resistir para manter suas (mínimas) condições de vida e 
trabalho. 
 
E, como dissemos no início do texto, para sair desse inferno sem fim que é 
o capitalismo, cabem à classe operária e aos comunistas construírem a 
única alternativa possível: a revolucionária. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
42 
 
 
[1]
 Teses Sobre a Crise do Capital e a Luta de Classes no Brasil. 
http://cemflores.org/index.php/2017/04/16/teses-sobre-a-crise-do-capital-e-a-luta-de-
classes-no-brasil/ 
[2] 
Brasil: Crise e Regressão (Parte 2). 
http://cemflores.org/index.php/2014/12/09/brasil-crise-e-regressao-parte-2/ 
[3]
 Brasil: Crise e Regressão (Parte 3). http://cemflores.org/index.php/2015/01/21/265/ 
[4]
 Marcelo Medeiros e Fábio Ávila de Castro. A composição da renda no topo da 
distribuição: evolução no Brasil entre 2006 e 2012, a partir de informações do 
Imposto de Renda. Economia e Sociedade, 2018. 
[5]
 A propaganda da diminuição da ―desigualdade social‖ no Brasil e seu propósito 
ideológico. http://cemflores.org/index.php/2014/12/17/a-propaganda-da-diminuicao-da-
desigualdade-social-no-brasil-e-seu-proposito-ideologico/ 
Cem Flores (cemflores.org) 
43 
 
 
 
 
 
 
A reforma da previdência faz parte do 
programa de classe da burguesia, de 
opressão e exploração dos trabalhadores 
 
 
 
 
 
Na quarta-feira, dia 20 de fevereiro, o circo (de horrores!) foi montado em 
Brasília. Sob o aplauso unânime e entusiástico da grande imprensa, 
da grande indústria, dos grandes bancos e do capital internacional, o 
governo entregou ao Congresso Nacional sua proposta de “reforma” (sic!) 
da previdência. O documento celebrado pelos funcionários do capital visa 
baratear o valor da força de trabalho no país, tornando-a mais lucrativa para 
os patrões; permitir a redução da carga tributária das empresas, também 
ampliando seus lucros; ao mesmo tempo em que prolonga o suplício do 
trabalho assalariado, piora as condições de vida dos trabalhadores da cidade 
e do campo e agrava a desigualdade, a exploração e a miséria na sociedade 
brasileira. 
Em primeiro lugar, vale lembrar que a “reforma da previdência”– sob 
o pretexto explícito de reduzir o déficit público via diminuição dos gastos 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
44 
 
do governo; e com os objetivos encobertos de ampliar o tempo útil da força 
de trabalho para o capital, aumentar a quantidade de trabalhadores 
disponíveis e, com isso, reduzir seu valor e ampliar a lucratividade – tem 
sido uma bandeira da burguesia, dos seus governos e dos seus 
economistas no mundo inteiro, especialmente após a grande crise do 
capital iniciada em 2007/08. Vários são os exemplos: França, Rússia, 
Espanha, Argentina... 
Em todos esses casos, como agora no Brasil, a capacidade dos 
operários, dos camponeses e dos demais trabalhadores assalariados 
para organizar protestos, manifestações e greves, em todo o país, foi (e 
continua sendo) decisiva para sua vitória contra mais essa ofensiva 
burguesa. 
No Brasil, o mantra da “reforma da previdência” ameaça os 
trabalhadores já faz mais de vinte anos. Pelo menos desde FHC, todos os 
governos burgueses (FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro) 
manobraram mundos e fundos para cumprir essa meta do programa 
acordado com seus patrões. Tal qual Bolsonaro nesta semana, Lula também 
foi pessoalmente ao Congresso em 2003 entregar a sua “reforma”, vista, na 
época, como um desdobramento necessário dos compromissos assumidos 
com a burguesia na sua “Carta aos Brasileiros”. Dilma buscou ir além: não 
apenas “reformou” a previdência em 2015 criando a regra de aposentadoria 
variando conforme a expectativa de vida– o famoso trabalhar até morrer – 
como insistiu até o final do seu mandato em fazer mais uma “reforma”, 
dessa vez, com foco na idade mínima, o mesmo da proposta atual. Esse 
mesmo item, por sinal, era um dos focos da proposta de “reforma da 
previdência” do PT na última campanha eleitoral, com Haddad. 
A “reforma da previdência” é tema comum do programa da burguesia 
brasileira há décadas, quer seja de sua ala direita (FHC, Temer), quer 
seja de sua ala “esquerda” (Lula, Dilma), e também,agora, de sua 
vertente de extrema-direita (Bolsonaro). Diante dessa constatação e do 
conteúdo das seguidas “reformas” propostas (aprovadas ou não), podemos 
concluir que as mesmas objetivam, em geral, a retomada das condições 
de acumulação do capital, via aumento da exploração da força de 
trabalho, redução dos salários e piora nas condições de vida e 
reprodução dos trabalhadores. 
Cem Flores (cemflores.org) 
45 
 
Os objetivos da “reforma da previdência” para o capital 
Especificamente em relação à proposta de “reforma da previdência” 
apresentada por Bolsonaro-Guedes, afirmamos que seus objetivos 
principais são: 
 
 Ampliar a disponibilidade de força de trabalho para o capital 
Para alcançar esse objetivo, a “reforma” propõe as seguintes regras gerais: 
1. eliminar a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição 
– e não devemos esquecer que, antes das “reformas” das duas 
últimas décadas, o conceito era aposentadoria por tempo de 
trabalho!; 
2. aumentar a idade mínima para 65 anos para homens e 62 anos para 
mulheres; 
3. revisar para cima essa idade mínima a cada quatro anos; 
4. ampliar a contribuição mínima de 15 para 20 anos, e 
5. elevar para 40 anos o tempo de contribuição mínimo para 
aposentadoria integral (servidores públicos) ou no teto do INSS 
(setor privado). 
Com isso, a proposta busca explicitamente incorporar na força de trabalho 
ativa, disponível à exploração do capital, um contingente de trabalhadores 
que poderia estar aposentado pelas regras atuais. 
Esse dispositivo da proposta tende a afetar diretamente a parcela dos 
operários e demais trabalhadores dos setores formalizados e/ou de maior 
tradição de representatividade sindical, como servidores públicos, 
metalúrgicos, bancários, petroleiros, etc. dentre os quais era mais comum a 
aposentadoria por tempo de contribuição. Também são atingidas 
diretamente categorias que tinham tempo menor para aposentadoria, como 
professores, com a fixação de idade mínima de 60 anos – independente de 
gênero –, com contribuição mínima de 30 anos. 
A mulher trabalhadora também é duramente atingida por essa proposta. 
Não apenas no caso das professoras, mas também no das trabalhadoras 
rurais, a idade para aposentadoria feminina foi, não apenas elevada (60 
anos nos dois casos), mas igualada à masculina, ignorando as diferenças 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
46 
 
concretas nas condições de vida e de trabalho entre homens e mulheres na 
nossa sociedade, capitalista e machista. 
Embora existam diferenças específicas e relevantes entre as diversas 
categorias de trabalhadores, o objetivo da “reforma” Bolsonaro-Guedes em 
relação aos trabalhadores assalariados é um só: ampliar a disponibilidade 
de força de trabalho para o capital. Dessa forma, a resposta da classe 
operária e do conjunto dos trabalhadores também deve ser única: 
derrotar nas ruas, nas lutas, nas manifestações e nas greves mais essa 
ofensiva da luta de classes burguesa. 
 
 Baratear o valor da força de trabalho para o capital 
A própria ampliação do tempo em que os trabalhadores assalariados 
deverão ficar à disposição do capital antes de poderem se aposentar, ao 
contribuir para o aumento do contingente de trabalhadores trabalhando ou 
em busca de emprego, contribui para o rebaixamento dos salários. 
Não contentes com esse mecanismo geral, a dupla Bolsonaro-Guedes ainda 
inclui requintes de crueldade na proposta, para demonstrar que a sede de 
lucro não tem limites e que, se o trabalhador não consegue contribuir para a 
geração desses lucros, então é inteiramente descartável. A “reforma” reduz 
as aposentadorias por invalidez (de 100% da base de cálculo do benefício 
para 60% até 20 anos de contribuição e mais 2% por ano adicional); 
permite pensão por morte abaixo de um salário mínimo; reduz o PIS/Pasep 
de 2 para 1 salário mínimo; e também reduz o benefício de prestação 
continuada, pago aos mais miseráveis dentre nós. De um salário mínimo, o 
idoso de 65 anos passa a receber R$400 até completar 70 anos. Morra!, diz 
o gerente do capital ao trabalhador inválido, deficiente ou idoso… 
Esse mecanismo de contenção salarial permite, de maneira direta, a 
ampliação dos lucros (que também é um dos objetivos/efeitos da reforma 
trabalhista de Temer, que Bolsonaro-Guedes querem ampliar, cada vez 
mais em direção à “formalidade informal”) e uma maior competitividade 
ao capital que acumula no país. 
 
 
Cem Flores (cemflores.org) 
47 
 
 Permitir a redução dos impostos sobre o capital 
Essa “reforma da previdência” também é o primeiro passo da “reforma 
tributária” tão desejada por Guedes e pelo conjunto da burguesia. De 
acordo com a propaganda do Ministério da Economia, o governo poderá 
chegar a economizar mais de R$1 trilhão em dez anos com a “reforma”. O 
que significa essa quantia astronômica? Tão somente que, ao impedir os 
trabalhadores assalariados de se aposentar pelas já duras regras atuais: i) o 
governo vai coletar impostos (contribuição previdenciária) desses 
trabalhadores durante muito mais tempo, logo aumentando a sua 
arrecadação, e ii) vai pagar aposentadorias e pensões, para quem conseguir 
chegar lá, de valor menor e por menos tempo, portanto reduzindo seus 
gastos. 
Dessa forma, ao longo do tempo a “reforma” tende a criar tendência 
crescente nas receitas previdenciárias e tendência decrescente nas despesas. 
O gasto público líquido se reduz fortemente (os citados R$1 trilhão). O 
próximo passo é reduzir a carga tributária para as empresas. Com isso, 
Bolsonaro-Guedes terão feito a “mágica” da “reforma tributária” do 
capital: reduzir os impostos sobre o capital, aumentando os impostos 
sobre o trabalho assalariado. 
 
 Aumento da massa de dinheiro à disposição do capital 
O aumento da receita previdenciária e a redução da despesa 
previdenciária permitem ampliar a massa de dinheiro arrecadado dos 
trabalhadores assalariados que o Estado burguês pode dirigir para a 
acumulação e o lucro dos capitalistas. Se isso parece esquisito, pensemos 
nos recursos do FGTS, arrecadados de cada trabalhador, reunidos no FAT e 
que são graciosamente colocados à disposição do BNDES para emprestar a 
juros baixos para os capitalistas… Embora por diferentes caminhos, via 
orçamento público e outros, o processo é o mesmo aqui. 
Mas a “reforma” Bolsonaro-Guedes quer ir ainda mais longe que esse 
caminho, digamos, tradicional. Ao propor para as futuras gerações de 
trabalhadores o regime de capitalização para aposentadoria, o mecanismo 
se torna mais simples e direto. Sem a intermediação do Estado, o “imposto” 
cobrado dos trabalhadores já vai direto para as mãos dos fundos de pensão 
O governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência proletária 
48 
 
e similares. Esses fazem uma parte do papel dos bancos: reúnem uma 
massa gigantesca de dinheiro e o transformam em capital ao emprestar para 
os capitalistas ampliarem sua acumulação e seus lucros, dos quais recebem 
uma generosa porção. 
 
O discurso ideológico de justificação da “reforma” 
Mas, obviamente, esses objetivos da “reforma da previdência” não são 
apresentados dessa maneira aos operários e à toda a população. Existe todo 
um discurso ideológico da “reforma da previdência” que vem se 
desenvolvendo nas últimas décadas e que culminou na patética afirmação 
de que o primeiro princípio dessa “reforma” é criar um ―sistema justo e 
igualitário (rico se aposentará na idade do pobre)‖. 
Não era de outra forma que Lula justificava sua “reforma” em 2003: “Nas 
justificativas que enviou com as propostas de mudanças constitucionais, o 
presidente Lula assinala que elas são fundamentais para tornar a 
Previdência mais justa”. 
Da semelhança entre as duas frases, podemos ver que está em curso 
operação ideológica semelhante à que caracterizou o lulismo: o 
discurso de redução das desigualdades. No caso do PT, a

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