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PROJETO MONOGRÁFICO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DEHIS
FÁBIO DE MELO DA SILVA
“O ESTADO SOU EU”!
As representações de Luís XIV e o absolutismo monárquico ocidental, nos manuais didáticos de História entre 2010 e 2018
SÃO LUÍS 
2018
TEMA-PROBLEMA
O trabalho que aqui pretendemos esboçar é fruto de curiosidades que há tempo veem incomodando pesquisadores que estudam os manuais didáticos: o papel do livro didático na escola, sua importância na sala de aula e sua relação com o ensino de História. 
A “natureza”, os conteúdos, as abordagens, usos e funções dos manuais didáticos, sua relação com políticas educacionais e com o mercado de produção e consumo, veem sendo analisados com afinco por vários estudiosos de vários campos educacionais, incluindo a historiografia. O objetivo dessas análises é, entre outras coisas, entender qual a importância desse objeto para a educação escolar, quais fenômenos ele tem desencadeado e quais os resultados disso para a formação dos estudantes e professores que entram em contato com este material.
Essas preocupações com os livros didáticos foram evidenciadas por autores como Kazumi Munakata, Júlia Silveira Matos, Circe Maria Fernandes Bittencourt, entre outros. Bittencourt, por exemplo, em seu artigo Produção didática de história: trajetórias de pesquisas (2011), mostra as pesquisas acerca do conteúdo do livro didático de história, tanto no âmbito internacional quanto no âmbito nacional, por instituições e por pesquisadores. Neste artigo, a autora relata que instituições internacionais passaram a se preocupar com os conteúdos dos manuais de História a partir do término da Segunda Guerra Mundial. Instituições internacionais, como a UNESCO, empenhavam-se com o objetivo de “[...] favorecer mudanças nas produções escolares de diferentes países, sobretudo daqueles que haviam participado do conflito internacional”[footnoteRef:1]. A pretensão dessas instituições, segundo a autora, era [1: BITTENCOURT, Maria Circe. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n.164, jan/jun. 2011, p. 489.] 
[...]auxiliar nas transformações das relações internacionais fundamentadas, até então, na concepção da guerra como motor da história, para uma tendência de promoção de paz, incentivando, nesta perspectiva, a divulgação de exemplos históricos de soluções dos conflitos por meio de acordos e negociações[footnoteRef:2]. [2: Ibidem, p. 489.] 
Para alcançar esses objetivos, essas instituições passaram a divulgar estudos críticos acerca dos conteúdos escolares nos quais, segundo a autora, “[...] eram visíveis preconceitos, visões estereotipadas de grupos e populações”[footnoteRef:3]. Os estudos, segundo ela, procuravam evitar que os manuais didáticos e seus conteúdos despertassem a hostilidade entre os povos[footnoteRef:4]. [3: Ibidem, p. 489.] [4: BITTENCOURT, Maria Circe. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n.164, jan/jun. 2011, p. 489.] 
O interesse pelo livro didático como objeto de pesquisa por parte de universidades e especialistas se darão por volta das décadas de 1970 e 1980. A partir das décadas seguintes, as análises sofrerão com mudanças de enfoque, o que possibilitará “[...] perceber divergências entre os pesquisadores quanto a responsabilidade em relação ao sucesso ou fracasso escolar”[footnoteRef:5], como mostrou Bittencourt. [5: Ibidem, p. 489-490.] 
 No Brasil houve um crescimento nas pesquisas acadêmicas sobre o livro didático em programas de pós-graduação na década de 1980. Esses programas produziam diversas análises desse material em diversas áreas e disciplinas. A autora supracitada destaca um catálogo analítico publicado pela Unicamp, intitulado O que sabemos sobre o livro didático, que trouxe referências acerca de teses e dissertações que abordavam o assunto, além de indicações sobre trabalhos publicados à época. Bittencourt afirmou que nesse catálogo estavam “[...] as primeiras referências de um conjunto de pesquisas sobre os livros didáticos de história (LDH), assim como as publicações e indicações das participações em eventos”[footnoteRef:6]. [6: Ibidem, p. 490.] 
Mesmo com esse crescimento, ainda eram poucas as publicações que tinham o livro didático como objeto. De acordo com Kazumi Munakata, até 1993, período em que Circe Bittencourt defendeu sua tese sobre o livro didático, Livro didático e conhecimento histórico: Uma história do saber escolar, as publicações que analisavam esse material não ultrapassavam cinco dezenas; e pequena também era a variedade de abordagens: “[...] os trabalhos acadêmicos brasileiros sobre o tema, publicados nos anos 1970 e 1980, não passavam de quase 50 títulos. Destes, uma parcela significativa destinava-se a condenar a ideologia (burguesa) subjacente aos livros utilizados na escola [...]”[footnoteRef:7]. [7: MUNAKATA, Kazumi. O livro didático: alguns temas de pesquisa. http://dx.doi.org. /10.4322/rbhe.2013.008, p. 181.] 
Essa pouca variedade nas abordagens é percebida, também, por Bittencourt. A autora afirma que, entre as décadas de 1980 e 1990, as pesquisas objetivam denunciar o caráter ideológico dos manuais didáticos:
Em uma pesquisa primeira análise, a tendência dos estudos pautava-se na concepção de ideologia em uma vertente que possibilitava a identificação de uma falsa ideologia – a burguesa – que se impunha nos meios de comunicação, das formas mais variadas, dentre eles a produção didática[footnoteRef:8]. [8: BITTENCOURT, Maria Circe. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n.164, jan/jun. 2011, p. 490.] 
A pesquisadora também chama atenção a estudos em outras áreas da educação com tendências semelhantes e inspiradas em Althusser e Establet, que dissertavam sobre o papel da escola no mundo capitalista. A esse respeito, Bittencourt mostra os contextos e as discussões que estavam em voga e que influenciaram essas tendências: 
Muitos dos que se dedicavam análises sobre materiais didáticos estavam preocupados com as reformas curriculares que se iniciavam junto às lutas no processo de democratização do país. [...] foram promovidos debates na academia e em associações docentes sobre as disciplinas escolares criadas a partir da Lei nº 5.692/1971 exigindo-se a exclusão delas na renovação das propostas curriculares iniciadas em meados dos anos de 1980[footnoteRef:9]. [9: Ibidem, p. 495-6.] 
Bittencourt diz que muitas das pesquisas desse contexto colocavam no centro as denúncias do perfil ideológico dos conteúdos das disciplinas escolares, apontando nos livros didáticos:
[...] uma conformação de valores desejáveis por setores do poder instalados nos aparelhos de Estado, como o caso das disciplinas Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) que concorriam e, por vezes, substituíam o ensino de História[footnoteRef:10]. [10: Ibidem, p. 496.] 
Circe Bittencourt apontou que as preocupações e indagações que giravam em torno do livro didático também se baseavam nas concepções formuladas pelo historiador francês Marc Ferro, que a partir de sua obra Commenton reconte L’histoireaux enfants à traversle monde entier (1981), traduzida para o português em 1983 com o título Manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação, “[...] apresenta um panorama amplo da difusão de uma memória histórica manipulada por setores do poder estatal por intermédio, sobretudo, dos livros escolares”[footnoteRef:11]. [11: Ibidem, p. 497.] 
A partir da década de 1990 houve um crescimento nas pesquisas relacionadas aos livros didáticos. De acordo com Munakata, após a defesa da tese de Bittencourt, em 1993, houve um aumento expressivo dos trabalhos sobre o tema, como mostra os dados levantados pelo autor:
Daquela época em diante, porém, o número das pesquisas sobre essa modalidade de material escolar não tem parado de crescer: 22 títulos em 1993 e 1995; 29 em 1996;26 em 1997; 63 em 1998; 79 em 1999; e 46 em 2000. O expressivo número referente a 199 pode ser atribuído à realização, naquele ano, na Universidade do Minho (Portugal), do I Encontro Internacional sobre Manuais Escolares [...][footnoteRef:12] [12: MUNAKATA, Kazumi. O livro didática: alguns temas de pesquisas. http://dx.doi.org. /10.4322/rbhe.2013.008, p.181. ] 
Munakata atribui esse aumento à organização de eventos específicos sobre o tema, às sessões sobre o tema em grandes eventos de outras áreas e, também, a “Centros, núcleos e projetos de pesquisa sobre o tema [que] também foram se constituindo nos programas de pós-graduação das diferentes áreas (educação, letras, história, matemática, etc)”[footnoteRef:13]. Para o autor, isso resultou em um aumento significativo no número de trabalhos produzidos nos anos seguintes, principalmente, no início do terceiro milênio: “o resultado disso é a surpreendente cifra de cerca de 800 trabalhos sobre o livro didático produzidos de 2001 a 2011”[footnoteRef:14]. [13: Ibidem, p. 181.] [14: Ibidem, p. 181.] 
O aumento na produção de trabalhos sobre o livro didático entre a última década do século XX e início do século XXI também é evidenciado por Bittencourt, que também expõem motivos semelhantes aos que Munakata enumerou:
O crescimento de pesquisas sobre o livro didático de História acentuou-se na última década, considerando-se dois aspectos. Um deles está associado à atuação de grupos organizados em projetos financiados, como o caso do Projeto Livres com participantes de várias instituições (USP, PUCSP, UFMG/Ceale, PUCMG, UFF, UFPB, Nudom do Colégio Pedro II) cabendo destacar, neste caso, que as pesquisas incluem a produção didática de outras disciplinas e o Projeto Culturas políticas e usos do passado - Memória, historiografia e ensino de História, do qual fazem parte grupos de diversas universidades do Rio de Janeiro que, dentre outros objetivos, têm promovido encontros e seminários com importantes contribuições sobre o atual estágio das investigações sobre o LDH. O levantamento das publicações mostra que parte significativa delas resulta de projetos, como o livro A escrita da história escolar - memória e historiografia cujos artigos são provenientes de seminários organizados no âmbito do referido Projeto Culturas políticas e usos do passado - Memória, historiografia e ensino de História, sediado no Rio de Janeiro. Um outro aspecto a ser considerado quanto ao crescimento das pesquisas pode ser explicado pela disseminação de cursos de pós-graduação em várias instituições do país, incluindo as particulares; percebe-se que, em tais instituições, o LDH torna-se objeto de estudos sob diversas perspectivas e abordagens[footnoteRef:15]. [15: BITTENCOURT, Maria Circe. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas. Revista de História, São Paulo, n.164, jan/jun. 2011, p. 494.] 
Voltando à questão da variedade de temas e abordagens sobre o livro didático, Munakata lembra que o trabalho de Circe Bittencourt, publicado em 1993, representou não só o primeiro impulso da grande produção que se seguiria, como também apresentou uma variedade de temas e abordagens que estavam além das denúncias ideológicas; ou seja, tal trabalho representou uma renovação temática sobre o objeto de análise supracitado[footnoteRef:16]. Para o autor, “essa renovação temática tinha como referência autores como Chervel, Goodson (1995), Choppin e Chartier, que efetivaram, desde os anos 1970, discussões sobre o currículo, as disciplinas escolares, a cultura escolar, a história cultural e a história do livro e da leitura”[footnoteRef:17]. Kazumi Munakata apontou que a partir das concepções de Chartier passou-se a recusar “um certo idealismo ingênuo que abordava o livro (didático) como um simples conjunto de ideias e valores que deveriam ser condenados (ou aprovados) segundo uma certa ortoxia”[footnoteRef:18]. [16: MUNAKATA, Kazumi. O livro didática: alguns temas de pesquisas. http://dx.doi.org. /10.4322/rbhe.2013.008, p. 183.] [17: Ibidem, p. 183.] [18: Ibidem, p. 183.] 
Sobre os temas ligados a análise do livro didático vários podem ser o objeto de pesquisa, desde aquelas funções que o livro exerce na escola, como aquelas ligadas “a cada momento do ciclo da produção, circulação, distribuição e consumo do livro didático, sempre levando em conta as especificidades que marcam essa mercadoria”[footnoteRef:19]. [19: Ibidem, p. 186.] 
Em seu artigo, O livro didático: alguns temas de pesquisas (2012), Kazumi Munakata aponta vários trabalhos que tinham como objeto de pesquisa as etapas do ciclo citado acima e, ainda, trabalhos que que analisaram um determinado conteúdo como, por exemplo, os trabalhos de Leonardo (2010), que mostrou que não eram homogêneas “[...] as abordagens que os livros didáticos de história faziam sobre o regime militar, durante a sua vigência”[footnoteRef:20]. [20: Ibidem, p.191.] 
É nesse tipo de abordagem, ou seja, na análise de um determinado conteúdo, que se insere este trabalho. As indagações que dão sentido a este projeto monográfico centram-se na forma como os livros didáticos de História dos últimos anos têm representado o absolutismo monárquico, sistema de governo que se formou a partir da consolidação dos Estados Modernos, e Luís XIV (1638-1715), rei francês do século XVII, considerado um dos reis que melhor sintetizam esse tipo de governo. 
 O problema que se quer analisar é a relação entre as representações feitas pelos livros didáticos a respeito do absolutismo monárquico e a figura de Luís XIV, como também o processo de construção de uma “cultura histórica” entre sujeitos que entram em contato com esses manuais didáticos, principalmente os discentes.
O conceito de “cultura histórica” aqui utilizado baseia-se na compreensão de John Rüsen, que, segundo Júlia Silveira Matos e Michele Borges Martins, no artigo Ensino de história Moderna no livro didático: representações dos gêneros, “[...] busca compreender ‘... o modo como a história, inscrita nas consciências e nas vidas dos indivíduos, é inscrita segundo procedimentos de controle crítico.’”[footnoteRef:21] Na reflexão das autoras, o conhecimento produzido pela historiografia acadêmica, fruto de práticas sistemáticas: teorias, métodos, argumentos, gerariam formas e imagens do passado em forma de culturas históricas, nada mais sendo do que construções de senso comum sobre a história, construída nos bancos escolares.[footnoteRef:22] [21: RÜSEN, 2012, p, 09, apud MARTINS E MATOS, Ensino de história Moderna no livro didático: representações de gênero. ANPUH. XXVII Simpósio Nacional de História: Conhecimento histórico e diálogo social. Natal- RN, 22 a 26 de julho de 2013, p.04.] [22: MARTINS E MATOS, Ensino de história Moderna no livro didático: representações de gênero. ANPUH. XXVII Simpósio Nacional de História: Conhecimento histórico e diálogo social. Natal- RN, 22 a 26 de julho de 2013, p. 04.] 
Ainda sobre esse conceito, temos a análise de Renata Figueiredo Moraes que chama atenção para o fato desse fenômeno contribuir para a construção de narrativas que atribuem significados positivos ou negativos a sujeitos, acontecimentos e períodos históricos:
O fenômeno da cultura histórica remete sempre, a uma narrativa do passado, capaz de atribuir significados positivos ou negativos a períodos, personagens, eventos. Trata-se de construir um modo de lidar com a temporalidade capaz de expressar o que Jaques LE Goff definiu como aquilo que uma dada sociedade pensa que é ou que gostaria que fosse.[footnoteRef:23] [23: Ibidem, p. 04.] 
A partir da análise de Renata Figueiredo, Martins e Matos afirmam que a positividade ou negatividade que se constrói nas narrativas se dão pela forma como estes saberes se apresentam na historiografia e nos livros didáticos, e na forma como “esses significados dialogariam com o que seria verossimilhante nos imaginários sociais, ou seja, o que seria aceitável dentro das aspirações por um passado que justifique o presente.”[footnoteRef:24] [24: Ibidem, p. 04.]Dessa forma, as nossas preocupações, nesse trabalho, é perceber se as representações feitas pelos livros didáticos sobre Luís XIV e o absolutismo monárquico têm contribuído para a formação de imagens distorcidas e estereotipadas sobre o assunto; se contribuem para construção de juízos de valores positivos ou negativos sobre o tema; perceber se tal fenômeno também é fruto de conceitos não trabalhados, e/ou gerados por concepções e argumentos anacrônicos ou equivocados.
JUSTIFICATIVA
Por que trabalhar com essa proposta? Os argumentos que justificam esse projeto giram em torno de três questões que estarão imbrincadas nesse trabalho: o papel do livro didático enquanto um dos grandes divulgadores de conhecimentos acadêmicos a quem tem acesso à educação escolar; as polêmicas que envolvem seu uso em sala de aula; o crescimento e diversidade das temáticas que trazem o livro didático como objeto de análise. 
Esta última questão tem um peso maior aqui, uma vez que a proposta temática deste trabalho é desconhecida dentre as abordagens já produzidas pelos estudiosos do tema. Assim, além de contribuir nas discussões que estão em torno do objeto de análise, no caso, o livro didático, este trabalho propõem enriquecer este campo de análise com uma proposta de abordagem “inédita”.
A primeira problemática apresentada acima pode ser vista em Ensino de História Moderna no Livro Didático: representações dos gêneros, onde Júlia Silveira Matos e Michele Borges Martins, num trabalho de reflexão sobre as formas de representação e construção de estereótipos no conteúdo estudado, trazem a reflexão de Guimarães Fonseca (2013) acerca do protagonismo do livro didático enquanto transmissor de conhecimentos acadêmicos entre os brasileiros que têm contato com a educação escolar: “o livro didático é, de fato, o principal veiculador de conhecimentos sistematizados, o produto cultural de maior divulgação entre os brasileiros que têm acesso à educação escolar”[footnoteRef:25]. [25: GUIMARÃES, 2013, apud MATOS, Júlia Silveira e MARTINS, Michele Borges. Ensino de História Moderna no Livro Didático: representações dos gêneros. ANPUH. XXVII Simpósio Nacional de História: Conhecimento histórico e diálogo social. Natal- RN, 22 a 26 de julho de 2013, p.1.] 
Em outro artigo (Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD) Júlia Silveira Matos mostra as problemáticas em torno do “papel central” que o livro didático tem assumido em sala de aula. Matos cita a afirmação de Heloísa Dupas Penteado, em que esta mostra que o livro didático é “[...] o material disponível, e de uso generalizado em nossas escolas, muitas vezes até por ser o único material impresso de que o aluno e até mesmo a escola e o professor dispõem”[footnoteRef:26]. Em concordância com essa ideia, Bittencourt deixa claro que os livros didáticos sãos “[...] os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da ‘tradição escolar’ de professores e alunos, fazem parte do ambiente escolar há pelo menos dois séculos”[footnoteRef:27]. [26: PENTEADO, 2010, apud MATOS, Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD. Historiæ, Rio Grande, 3 (3), 2012, p. 166.] [27: BITTENCURT, 2011, apud MATOS, Op. Cit. p. 166.] 
Em concordância com Penteado e Bittencourt, Matos chama atenção para duas questões geradas por essa posição de principal recurso em sala de aula. A primeira é o fato de o livro se tornar fundamental recurso para professores que não têm outros meios de acessar outros materiais pedagógicos, como bibliotecas estruturadas e internet. A outra questão é a sua estrutura ideológica, que se homogeneíza, quando torna-se o principal recurso didático usado pelo professor em sala de aula:
[...] quando o livro didático se torna o único ou o principal recurso; seja didático, ou de apoio pedagógico do professor, sua estrutura ideológica se torna homogênea dentro da sala de aula na qual é utilizado. Isso porque o livro didático como produto cultural transmite os posicionamentos de seus autores[footnoteRef:28]. [28: MATOS. Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD. Historiæ, Rio Grande, 3 (3), 2012.] 
A face ideológica dos livros didáticos é um dos fatores que contribui para as polêmicas em torno desse objeto. Sua imagem, que gira em torno do par binário, vilão e mocinho, é modelada a partir das discussões que estudiosos têm promovido a respeito das leituras e posicionamentos que os livros didáticos transmitem por meio de seu conteúdo.
Matos chama atenção a essa discussão, ao alertar para a necessidade de se aprofundar as discussões sobre o livro didático por ele ser “[...] um meio de veiculação ideológica, seja oficial ou ideológica” e, ainda, “[...] um produto da sociedade de consumo e não como um ‘inocente’ recurso didático simplesmente”[footnoteRef:29]. A autora enfatiza ainda mais esse ponto ao dizer que enquanto um suporte de escrita de história, os livros didáticos são dirigidos mais por problemas do presente do que do passado, e comprometidos mais com os interesses de quem está envolvido em sua produção do que com o conteúdo histórico em si: [29: Ibidem, p. 168.] 
Os livros didáticos de história, como qualquer suporte de escrita da história se configuram como leituras do passado, as quais [...] são sempre dirigidas em função de problemas impostos pelo presente do autor e de seus leitores. [...] o compromisso do livro didático de história com os conteúdos históricos está muito mais atrelado aos interesses e interlocutores do presente do que propriamente com o conhecimento do passado por ele mesmo.[footnoteRef:30] [30: MATOS. Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD. Historiæ, Rio Grande, 3 (3), 2012 p.168.] 
Essa problemática da ideologia imersa no conteúdo dos livros didáticos é bastante complexa. Não basta pensar somente nos interesses dos autores do objeto analisado para definir essa característica do livro didático. É preciso analisar também a interferência dos vários sujeitos na produção, circulação e consumo desse material pedagógico. Esse problema não passa desapercebido pelos autores que estudam o livro didático. Bittencourt, por exemplo, afirma que os livros didáticos são de difícil definição “[...] por ser obra bastante complexa, que se caracteriza pela interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e consumo”[footnoteRef:31]. [31: BITTENCURT, 2011, apud MATOS, Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD. Historiæ, Rio Grande, 3 (3), 2012 p. 167.] 
Complementando a afirmação de Bittencourt, Júlia Matos mostra que “[...] a imbricação de diversos sujeitos do processo de produção dos livros didáticos, [...] demonstram o quanto são materiais imersos em uma face ideológica que transcende a visão do autor, mas adentra os meandros das expectativas de mercado”[footnoteRef:32]. Esse mercado é representado pelas editoras, políticas curriculares do Estado e as escolas. [32: MATOS. Júlia Silveira. Os livros didáticos como produtos para o ensino de História: uma análise do plano nacional do livro didático – PNLD. Historiæ, Rio Grande, 3 (3), 2012, p.167.] 
Por último, esse trabalho se justifica por trazer uma temática ainda não pesquisada: as representações feitas pelos livros didáticos sobre os reis e estados absolutistas. O conteúdo referente à formação das monarquias europeias geralmente vem inserido, nos livros didáticos, dentro de unidades ou capítulos que analisam o período histórico tradicionalmente conhecido como período Moderno, delimitado entre 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos Otomanos, e 1789, com o início da Revolução Francesa. 
Estas monarquias centralizadas teriam se formado a partir do século XV, num processo longo,no qual os monarcas foram ganhando mais importância e poder, organizando em seu entorno um Estado unificado e centralizado sob suas mãos. Os fatores para este fenômeno são diversos, mas giram em torno de questões políticas, militares, econômicos e culturais que serão discutidas mais à frente. Basta dizer até aqui que Luís XIV, rei francês do século XVII, seria o principal representante desse tipo de Estado, e um dos mais controversos por isto.
Assim, é interessante, nesse trabalho, analisar como os livros didáticos têm abordado essa questão, e fazer um diálogo entre essas representações e as discussões que giram em torno de seu papel e importância em sala de aula.
OBJETIVOS
Geral:
· Entender como os manuais didáticos têm representado o processo de formação e consolidação das monarquias absolutistas e Luís XIV, enquanto representante do absolutismo monárquico europeu do século XVII. 
Específicos:
· Analisar que fatores são destacados pelas obras analisadas para consolidação dos Estados Absolutistas.
· Entender de que forma mostram a pessoa e o reinado de Luís XIV enquanto representante do absolutismo monárquico.
· Compreender como as ações e discursos de Luís XIV, enquanto rei, têm sido utilizados pelos livros didáticos para representá-lo. 
· Analisar como os manuais didáticos apresentam ideias, teorias e estratégias que legitimavam o poder de Luís XIV e contribuíam para sua imagem de rei absoluto.
DIÁLOGOS COM A HISTORIOGRAFIA
Quando se fala em Estados absolutistas vem à mente dos amantes da História as monarquias francesas, espanholas e inglesas dos séculos XV ao XVIII. Entre os monarcas deste período lembramos dos reis ingleses Henrique VIII (1509-1547), famoso por romper com a Igreja Católica e fundar a Igreja Anglicana, e Carlos I, que depois de tentar ampliar seus poderes acabou entrando em conflito com parte da nobreza e acabou sendo executado pelas forças de Oliver Cromwell, em 1642; entre os espanhóis lembramos de Carlos V e seu filho Felipe II, famosos por acentuar a centralização monárquica na Espanha e torná-la uma das maiores potências europeias do século XVI, graças às riquezas vindas das colônias americanas; os franceses tiveram os monarcas Henrique IV, famoso pela promulgação do Edito de Nantes, que permitia a liberdade de crenças ao seus súditos, mas, também, a centralização monárquica em torno de si, e Luís XIV, conhecido por levar essa centralização a um ponto culminante, ao dispensar a figura de um primeiro-ministro em seu reinado pessoal a partir de 1661. 
Luís XIV se destaca pela fama e pelo poder que acumulou durante seu reinado, sendo por isso considerado o principal representante deste tipo de governo. Quando trazemos à mente a imagem de Luís XIV, lembramos de sua célebre frase, “O Estado sou eu”, muitas vezes interpretada literalmente, e seu retrato pintando por Hyacinthe Rigaud (1701), onde vemos Luís XIV vestido com um manto real ornamentado com flores-de-lis e segurando um bastão, mostrando sua imponência e poder. Este retrato era um dos preferidos deste monarca. Segundo Peter Burke, por apreciar particularmente esta pintura de si mesmo, Luís XIV mandou encomendar várias cópias dele[footnoteRef:33]. Nos quatro livros didáticos analisados neste trabalho, três trazem esse retrato para analisar o reinado e a imagem deste monarca. A escolha de Luís XIV para falarmos sobre o absolutismo monárquico se deve, principalmente, pela forma como ele é representado: como principal ícone desse sistema de governo, principalmente na França. [33: BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – 2.ed – Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2009, p.44.] 
Nos livros didáticos que selecionamos para estudo fica evidenciado o protagonismo do “Rei Sol” (como era chamado), entre os reis que melhor desenvolveram o absolutismo enquanto forma de governo centralizada na pessoa do Monarca. De acordo com a obra Conexões com a História: das origens do homem à conquista do Novo Mundo, foi no reinado de Luís XIV que a França tornou-se uma das mais ricas e centralizadas monarquias europeias, e que “nenhum outro soberano da época encarnou como ele a figura do monarca absoluto”[footnoteRef:34]. Em outro livro didático, HISTÓRIA: das cavernas ao terceiro Milênio: vol. 1: das origens da humanidade à Reforma religiosa na Europa, é dito que “[...] A máxima expressão do governo absolutista ocorreu na França, durante o governo de Luís XIV, entre 1643 e 1715”[footnoteRef:35]. “Foi no reinado de Luís XIV (1643-1715) que o absolutismo francês assumiu sua forma máxima de expressão”[footnoteRef:36], afirma uma outra obra didática analisada aqui. Por último, em Por dentro da História, outra obra didática escolhida para análise, é dito que o apogeu do absolutismo na França se deu sob o reinado da dinastia Bourbon (no qual Luís XIV foi um dos representantes) entre os séculos XVI e XVII, e no qual, sob os governos de Luís XIII e Luís XIV, a França se torna a principal potência europeia[footnoteRef:37]. Adiante, a mesma obra firma que “Luís XIV é considerado o principal símbolo do absolutismo”[footnoteRef:38]. [34: ALVES, Alexandre e OLIVEIRA, Leticia Fagundes de. Conexões com a História: das origens do homem à conquista do Novo Mundo. – 1ª ed. São Paulo, ed. Moderna 2010, p. 283.] [35: BRAICK, Patrícia Ramos e MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro Milênio – Vol. 1: Das Origens da Humanidade à Reforma Religiosa na Europa. – 2º ed. – São Pulo: Moderna, 2010.] [36: AZEVEDO, Gislane Campos e SERIACOPI, Reinaldo. História em Movimento - Vol. 1: dos primeiros humanos ao Estado Moderno. – 2ª Ed. – São Paulo, 2013, p. 252.] [37: SANTIAGO, Pedro, CERQUEIRA, Célia e PONTES, Maria Aparecida. Por dentro da História. – 4ª ed. – São Paulo: Escala Educacional, 2016, p. 247.] [38: Ibidem, p. 248.] 
Esse primeiro retrato que os manuais didáticos nos mostram do Rei Sol não é muito distante daquilo que a historiografia pinta sobre ele e sua relação com o absolutismo monárquico ocidental. A Prof.ª Dr.ª Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira afirma que foi no reinado de Luís XIV que o absolutismo francês chegou ao ápice: “na segunda metade do século XVII, sobretudo no início do reinado pessoal de Luís XIV, em 1661, o Estado Absolutista francês chegou ao seu ponto culminante”[footnoteRef:39]. Perry Anderson dirá que foi durante o reinado pessoal de Luís XIV que “[...] todo o potencial político do absolutismo francês se realizou rapidamente”[footnoteRef:40]. Adiante, Anderson afirma que o reinado de Luís XIV foi tão grandioso que serviu de modelo para as monarquias europeias: [39: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p. 16.] [40: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 99.] 
O absolutismo francês consumou a sua apoteose institucional nas últimas décadas do século XVII. A estrutura do Estado e a correspondente cultura dominante aperfeiçoadas no reinado de Luís XIV viriam a torna-se modelo para o restante da nobreza europeia [...][footnoteRef:41]. [41: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 101.] 
Antes de mais nada, é interessante responder a algumas perguntas para que venhamos a prosseguir na análise da pessoa de Luís XIV, mesmo que tenhamos que retroceder no tempo. A primeira delas é: quando e por que surgem os estados europeus centralizados na figura de uma monarca? Que fatores históricos levaram a essa centralização? O que representava o rei nessas monarquias? O que legitima seu poder? Quais os limites dos poderes dos monarcas? E, enfim, por que Luís XIV é considerado seu principal representante?
De maneira geral, costuma-se chamar de monarquias clássicas os estados modernos europeus que passam a centralizar-se em torno de um monarca, por volta do século XV. Para autores que veemos processos históricos numa longa duração, como, por exemplo, Emmanuel Le Roy Ladurie, o conceito de monarquia clássica pode ser aplicado aos estados franceses entre os séculos XV e XVIII:
A noção de monarquia clássica comanda o devir político dos países franceses entre 1450 e 1789: ela que corresponde a um Antigo regime muito “alongado” que se escoa, e depois se esboroa, em paz ou furor, desde o fim das guerras dos Cem anos até o declínio do reinado de Luís XVI[footnoteRef:42]. [42: LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Estado Monárquico, França, 1460-1610. Tradução: Maria Lúcia Machado. – São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 09.] 
Para o mesmo autor, a noção geral de monarquia clássica poderia ilustrar outros sistemas: “Além da dinastia francesa dos últimos Valois e dos Bourbon, incluiriam, em um espírito comparativo, as realezas em nome das quais são governados diversos Estados da Alemanha e da Itália, a Espanha, a Inglaterra dos Stuart e dos primeiros hanovriano”[footnoteRef:43]. [43: LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Estado Monárquico, França, 1460-1610. Tradução: Maria Lúcia Machado. – São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 09.] 
No entanto, aquilo que se vai chamar de estados absolutistas, de fato, pelo menos, na França, são aqueles governos situados entre os séculos XVII e XVIII, que, na visão de Ladurie, é um termo dado de forma apressada uma vez que “uma real ‘busca do absoluto’ nem sempre [foi] (grifo nosso) coroada com êxito”[footnoteRef:44]. Para este autor, a partir da morte de Henrique IV, em 1610, e início da regência de Maria de Médici, mãe de Luís XIII, é que o absolutismo começar a se desenvolver plenamente”[footnoteRef:45]. [44: Ibidem, p. 08.] [45: Ibidem, p. 11.] 
O surgimento das monarquias centralizadas está num contexto de crise econômica e social que se abate no ocidente durante os séculos XIV e XV. Para alguns autores, como Perry Anderson, por exemplo, a crise do sistema feudal resultou no aparecimento desses Estados centralizados:
A longa crise da economia e da sociedade europeias [sic] durante os séculos XIV e XV marcou as dificuldades e os limites do modo de produção feudal no último período da Idade Média. Qual foi o resultado político final das convulsões continentais dessa época? No curso do século XVI, o Estado absolutista emergiu no Ocidente[footnoteRef:46]. [46: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 15.] 
Anderson continua, afirmando que as monarquias que centralizaram-se na França, Inglaterra e Espanha representavam uma fratura das formações sociais do medievo, de seus sistemas de soberania piramidal, propriedade e vassalagem[footnoteRef:47]. Essa fratura, segundo o autor, se deu devido à transformação das obrigações feudais em espécie para rendas monetárias e à paulatina substituição do trabalho servil pelo trabalho livre e o contrato salarial, levando a um arriscado desaparecimento da servidão, o que acarretaria uma perda do poder dos senhores feudais sobre o campesinato. O resultado disso foi o deslocamento da repressão do nível local para o nível central: o Estado monárquico: [47: Ibidem, p.15.] 
[...] Com a comutação generalizada das obrigações, transformadas em rendas monetárias, a unidade celular de opressão política e econômica do campesinato foi gravemente debilitada e ameaçada de dissociação (o final deste processo foi o “trabalho livre” e o “contrato salarial”). O poder de classe dos senhores feudais estava assim diretamente em risco com o desaparecimento gradual da servidão. O resultado disso foi um deslocamento da coerção político-legal no sentido ascendente, em direção a uma cúpula centralizada e militarizada – o Estado absolutista. Diluída no nível da aldeia ela tornou-se concentrada no nacional[footnoteRef:48]. [48: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 19.] 
Essa suposta “libertação” campesina de suas obrigações servis – muitas vezes manifestadas a partir de levantes – coincidiu com o desenvolvimento da burguesia nas cidades, graças aos avanços técnicos e as manufaturas. Essa ascensão burguesa levou ao surgimento de uma rivalidade entre os dois grupos sociais: nobreza e burguesia. E é justamente nesse contexto que, segundo Anderson, surgem as monarquias centralizadas na Europa Ocidental: “Foi precisamente nesta época que ocorreu uma súbita e simultânea restauração da autoridade e da unidade políticas [sic], num país após o outro”[footnoteRef:49]. Para o autor, esses dois fatores foram determinantes para a constituição dos Estados absolutistas ocidentais: [49: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 22.] 
Assim, quando os Estados absolutistas se constituíram se constituíram no Ocidente, a sua estrutura foi fundamentalmente determinada pelo reagrupamento feudal contra o campesinato, após a dissolução da servidão; mas ela foi secundariamente sobreterminda [sic] pela ascensão de uma burguesia urbana que, depois de uma série de avanços técnicos e comerciais, evoluía agora e direção às manufaturas pré-industriais numa escala considerável[footnoteRef:50]. [50: Ibidem, p. 22.] 
Nesse estudo comparado do desenvolvimento do Estado absolutista na Europa, “Linhagens do Estado Absolutista”, concebido, segundo ele, “como um estudo marxista do absolutismo”[footnoteRef:51], o autor defende a tese de que, diferentemente do que muitos historiadores afirmam, o Estado Absolutista nunca fora um instrumento de equilíbrio de classes ou mesmo um Estado de natureza burguesa, mas, sim, um suporte reforçado de proteção de uma nobreza atemorizada com as mudanças estruturais que ocorrera nessa época; um instrumento que servia aos interesses da aristocracia feudal: [51: Ibidem, p. 07 (Prefácio).] 
Essencialmente, o absolutismo era apenas isto: um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas à sua posição social tradicional – não obstante e contra os benefícios que elas tinham conquistado com a comutação generalizada de suas obrigações. Em outras palavras, o Estado absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia nascente contra a aristocracia: ela era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada[footnoteRef:52]. [52: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 18.] 
Como antecipou Perry Anderson, há uma grande parcela de historiadores que veem os Estado absolutistas como resultado de um equilíbrio de classe ou um Estado eminentemente burguês. Norbert Elias, um grande sociólogo do século XX, que também era conhecido pelo seu diálogo interdisciplinar, parece caminhar para a tese de que a existência do Estado absolutista se dava graças às tensões de classes, no qual deveria manter em equilíbrio se quisesse manter o poder “absoluto”. Em sua obra, O Processo Civilizador – vol. 2: Formação do estado e civilização, o autor afirma que os conflitos entre nobreza, clero e os príncipes pelo controle e produção da terra durante o medievo, aliado ao surgimento da burguesia como mais um participante desse conflito, entre os séculos XII e XIII, resultaram em um mesmo fenômeno estrutural: “[...] em todos os maiores países da Europa Continental, e ocasionalmente também na Inglaterra, os príncipes ou seus representantes terminam por acumular uma concentração de poder ao qual não se comparam os demais estados”[footnoteRef:53]. [53: ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – v. 2: A formação do estado e civilização. Tradução da versão inglesa, Ruy Jungmann; revisão, apresentação e notas, Renato Janine Ribeiro. – Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p. 15.] 
Elias descreve também alguns fatores que contribuíram para o fortalecimento da autoridade real como, por exemplo, o domínio de um certo território, a expansão da economia monetária, o crescimento da riqueza do soberano graças aos impostos,que também lhes permitiu supremacia militar. De acordo com este autor,
A medida que cresciam as oportunidades financeiras abertas à função central, o mesmo acontecia com seu potencial militar. O homem que tinha à sua disposição os impostos de todo o país estava em situação de contratar mais guerreiros do que qualquer outro [...][footnoteRef:54]. [54: Ibidem, p. 20.] 
Para Elias, é claro o processo de enfraquecimento da nobreza devido ao aumento de circulação de moedas que provocava um aumento dos preços em uma determinada região. Como os nobres viviam de rendas fixas (no caso a terra), esses sofriam desvantagens porque “[...] auferiam foros fixos por suas terras”[footnoteRef:55]. Como a nobreza feudal não participava do setor monetários da economia crescente, “dificilmente podia obter lucro direto com as novas oportunidades de renda que se ofereciam. Sentiam apenas a desvalorização, o aumento dos preços”[footnoteRef:56]. O resultado disso foi a expansão da riqueza dos burgueses e da autoridade central, enquanto uma boa parte da nobreza, tentando fugir da pobreza, restou entrar para o serviço dos monarcas para manter-se viva, como afirma Elias: [55: ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – v. 2: A formação do estado e civilização. Tradução da versão inglesa, Ruy Jungmann; revisão, apresentação e notas, Renato Janine Ribeiro. – Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p. 20.] [56: Ibidem, p. 21.] 
Enquanto crescia a circulação da moeda e se desenvolvia a atividade comercial, enquanto as classes burguesas e a receita da autoridade central se expandiam, caía a renda de toda a nobreza restante. Alguns cavaleiros viram-se reduzidos à pobreza, outros tomavam pelo roubo e a violência aquilo que não mais podiam obter por meio pacíficos, e outros ainda conseguiam livrar-se de apuros, por tanto tempo quanto possível, vendendo suas propriedades; e, finalmente, boa parte da nobreza, forçada pelas circunstâncias e atraídas pelas novas oportunidades, entrou para o serviço dos reis ou príncipes que podiam pagar[footnoteRef:57]. [57: ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – v. 2: A formação do estado e civilização. Tradução da versão inglesa, Ruy Jungmann; revisão, apresentação e notas, Renato Janine Ribeiro. – Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p 21.] 
Todavia, Elias prossegue sua análise dizendo que mesmo com a perda do poder social por parte da nobreza e o crescimento da burguesia não houve a supremacia de nenhuma delas nesse contexto. O que havia eram tensões e alianças entre ambos os grupos; predominância curta e alternadas delas. O que realmente manteve-se foi uma autoridade central que se mantinha alerta, equilibrando as forças antagônicas para se manter fortalecida, no caso, o monarca absoluto. Era desse equilíbrio, como já foi dito antes, que dependiam as monarquias centralizadas e da qual emergiram: 
Mas, como quer que que fosse, a ascensão e o poder absoluto da instituição central invariavelmente dependiam da existência contínua de tal tensão entre a nobreza e burguesia. Uma das precondições estruturais para a monarquia, ou principado o principado absoluto, era que nenhum dos estados ou grupos obtivesse a predominância. Os representantes da autoridade central absoluta, por isso mesmo, tinham que estar constantemente alerta para garantir esse equilíbrio instável no território[footnoteRef:58]. [58: ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – v. 2: A formação do estado e civilização. Tradução da versão inglesa, Ruy Jungmann; revisão, apresentação e notas, Renato Janine Ribeiro. – Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p. 22.] 
A ideia de uma monarquia absoluta como resultado de um equilíbrio de classes também fora defendida por um dos fundadores do materialismo histórico, Engels. Em uma citação de sua obra, feita por Perry Anderson, podemos verificar tal posicionamento: “[...] ‘a condição básica da velha monarquia’ era ‘um equilíbrio (gleichgewicht) entre a aristocracia fundiária e a burguesia’”[footnoteRef:59]. [59: ENGELS apud ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 16.] 
Marx, por exemplo, vai mais fundo, ao deslizar de uma noção equilibrista do Estado absolutista para um estado que fundamentalmente era burguês. De acordo com a leitura de Marx feita por Anderson: “[...] Max por seu lado, afirmou repentinamente que as estruturaras administrativas dos novos Estados absolutistas era um instrumento tipicamente burguês”[footnoteRef:60]. [60: MARX apud ANDERSON, Op. Cit., p. 16.] 
As estruturas citadas por Marx, segundo Perry Anderson, apenas tinham uma aparência capitalista por ser estabelecida ao mesmo tempo em que estava desaparecendo a servidão. Todavia, isso não significou o desaparecimento das relações feudais e da dominação dos senhores feudais:
As monarquias absolutistas introduziram os exércitos regulares, uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional, a codificação do direito e os primórdios de um mercado unificado. Todas essas características parecem ser eminentemente capitalistas. Uma vez que elas coincidem com o desaparecimento da servidão, uma instituição nuclear do modo de produção feudal na Europa, as descrições do absolutismo por Marx e Engels [...], sempre pareceram plausíveis. No entanto, um estudo mais detido das estruturas [...] invalidam inevitavelmente tais juízos. [...] o fim da servidão não significou aí o desaparecimento das relações feudais no campo. [...] Os senhores que permaneceram proprietários dos meios de produção fundamentais em qualquer sociedade pré-industrial eram certamente, os nobres terratenentes[footnoteRef:61]. [61: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 17-18.] 
Independentemente de sua natureza equilibrista, burguesa ou feudal, de maneira geral, boa parte dos estudiosos do absolutismo monárquico apontam que nesse longo processo de formação e consolidação, o monarca passou a ganhar força, centralizando o poder em suas mãos através de mecanismos que o possibilitaria ter controle sobre vastas regiões e populações. Esses mecanismos seriam a cobrança de impostos sobre a população sob seu controle, a criação de uma moeda nacional, o estabelecimento de uma burocracia de funcionários administrativos, responsáveis por fazer valer a vontade do soberano, e a formação de exércitos permanentes que fossem subordinados a autoridade real e compostos por soldados profissionais e as inovações técnicas do período. Além disso, enriqueciam e aumentavam seu poder através de uma política econômica pautada na acumulação de metais preciosos, protecionismo e monopólio econômico.
Todavia, além das bases políticas, sociais, militares, burocráticas, técnicas e tributária, as monarquias absolutistas se consolidaram pelo poder simbólico que exerciam em seu tempo sobre os súditos. De acordo com Oliveira, é evidente que as estruturas militares, burocráticas, tributárias e diplomática, citadas por Perry Anderson[footnoteRef:62], Marx e Elias, contribuíram para o desenvolvimento das monarquias absolutistas[footnoteRef:63]. Mas o poder simbólico e religioso que envolvia as monarquias, principalmente a francesa, foi fundamental para a consolidação dessas instituições: [62: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 23-41.] [63: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p.15.] 
No entanto, não foi somente por meio desses aparatos técnicos e burocráticos que a monarquia absolutista francesa conseguiu se consolidar. Devemos levar em consideração que as alterações nas atitudes dos súditos em relação ao poder político, ocorridas no final do século XV e início do XVI, foram de fundamental importância[footnoteRef:64]. [64: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p.15.] 
Na visão dessamesma autora, a obediência dos súditos ao monarca em fins do medievo se dava não mais por coerção militar e sim pela identificação que eles tinham com o monarca e da confiança que nutriam em sua capacidade de liderança[footnoteRef:65]. A autora chama atenção para o contexto de crise social e econômica da Europa entre os séculos XIV e XV, devastada por guerras, que teve como consequência o surgimento das monarquias centralizadas no século XVI, uma vez que a sociedade ansiava por um governante forte que promovesse a paz e estabelecesse a ordem: [65: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p.15.] 
No início, tais crises enfraqueciam o poder o monarca. Porém, ao final de cada uma delas as sociedades políticas se encontravam frágeis e inseguras, daí o seu anseio por um governante forte, com poderes centralizados em sua pessoa, para, assim, promover a paz e a ordem no reino. Dessa forma, o poder do monarca se fortaleceu progressivamente[footnoteRef:66]. [66: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p. 16.] 
Outro fator de caráter simbólico que influenciou nessa identificação dos súditos com o soberano foi a teoria do direito divino dos reis, a qual afirmava que o rei era o representante de Deus na Terra e por isso seu poder tinha origem divina. Para afirmar a importância do simbolismo religioso na consolidação da monarquia absolutista, 	Oliveira cita a seguinte passagem do historiador C. B. A. Behrens: 
Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a maior parte das grandes potências europeias e muitas das potências menores adotaram a forma de governo conhecida pelo nome de ‘absolutismo’ – isto é, uma forma de monarquia hereditária em que o monarca recebia o seu poder de Deus, era considerado representante de Deus na Terra e, sobretudo na França, no reinado de Luís XIV, com atributos semidivinos[footnoteRef:67]. [67: BEHRENS, 1971, apud OLIVEIRA op. Cit., p.17.] 
A teoria do direito divino dos reis teve sua origem por volta do século XIV, resultante das refutações de defensores da monarquia ante as pretensões do Papa de possuir poder universal[footnoteRef:68]. Segundo Oliveira, “[...] esta doutrina possibilitou a consolidação da monarquia absolutista, pois tornou possível a sua independência e supremacia em relação ao domínio eclesiástico”[footnoteRef:69]. Ela foi bastante defendida no século XVII – período do governo de Luís XIV – por uma grande parte dos gêneros literários, como mostra a autora: “neste período, quase todos os gêneros literários, fossem políticos ou não, versavam ou incluíam em seus discursos a exaltação das virtudes morais da realeza sagrada[footnoteRef:70]. [68: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p.18.] [69: Ibidem, p. 18.] [70: Ibidem, p. 17.] 
Um dos principais defensores dessa teoria e do absolutismo monárquico à época do reinado de Luís XIV na França foi Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704). Todavia, muitos interpretaram de maneira equivocada aquilo que Bossuet afirmava ser a natureza do absolutismo. Ao invés da ideia de “poder indivisível”, muitos interpretaram o termo no sentido de “poder ilimitado”, como mostra Oliveira: 
Há equivocadas interpretações a respeito de Bossuet e sua concepção de absolutismo. Alguns autores entendem que este teórico atribuía ao rei um poder absoluto, assim como entendemos o termo hoje. No entanto, nos próprios termos de Bossuet, ‘para tornar este termo odioso e insuportável, alguns fingem confundir o governo absoluto e o governo arbitrário. Mas não há nada mais diferente’[footnoteRef:71]. [71: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. A imagem do príncipe nas orações fúnebres de Bossuet. São Luís: Café & Lápis, EDUFMA, 2015, p. 20. ] 
Esse trecho do texto de Bossuet em defesa da sua ideia nos dá indícios de que a doutrina do direito divino dos reis defendida por ele era motivo de controvérsias. De acordo com Peter Burke, no século XVII havia duas concepções de monarquia: uma limitada e outra ilimitada: 
Na primeira concepção, o poder do rei de França era limitado pelas chamadas “leis fundamentais” do reino, cujo guardião era geralmente o Parlamento de Paris. Na segunda concepção, que prevalecia na corte, o rei tinha “poder absoluto” [pouvoir absolu]. A expressão era geralmente definida em termos negativos, como um poder sem limites [sanscontrôle, sansrestrictions, sansréserve][footnoteRef:72]. [72: BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – 2.ed – Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2009, p. 52.] 
Dialogando com este trecho de Burke, Maria Izabel Oliveira enfatiza que “esta concepção negativa de monarquia absolutista era definida pelo Parlamento durante a Fronda, 1648-1653, como também depois pelos oposicionistas do regime”[footnoteRef:73]. É de se imaginar, então, que após 1661, quando Luís XIV decide governar sem o auxílio de um primeiro-ministro, essas concepções negativas sobre a monarquia se multiplicassem. [73: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. O príncipe pacífico: Bossuet, Luís XIV e Antônio Vieira. – São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2013, p. 18.] 
Todavia, de maneira geral, conforme afirma Burke, nunca se pensou que Luís XIV pudesse estar acima das leis naturais, das leis divinas ou mesmo que exercesse um controle absoluto sobre a vida de seus súditos: 
Luís era considerado um monarca absoluto por estar acima das leis de seu reino, tendo o poder de impedir que elas se exercessem sobre certos indivíduos. Não se considerava, contudo, que estivesse acima da lei divina, da lei da natureza ou da lei das nações. Não se esperava que exercesse completo controle sobre a vida de seus súditos[footnoteRef:74]. [74: BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – 2.ed – Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2009, p. 52.] 
Na verdade, é impossível pensar em uma monarquia com poderes ilimitados, principalmente porque a doutrina do direito divino dos reis ao mesmo tempo que dava direitos ao monarca também cobrava deveres. Baseando-se em Behrens, Oliveira diz: 
Esta doutrina de um lado fortalecia o poder do monarca, ao defender que seu poder era delegado diretamente por Deus, e que por isso não podia ser contestado, e, de outro, o enfraquecia, ao mostra-lhe que era necessário cultuar um conjunto de virtudes que, uma vez cultivado, limitava seu poder de ação[footnoteRef:75] [75: OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. O príncipe pacífico: Bossuet, Luís XIV e Antônio Vieira. – São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2013, p. 18.] 
Além disso, como mostrou Perry Anderson a partir de sua interpretação da teoria política de Bodin, “nenhum Estado absolutista poderia jamais dispor livremente da liberdade ou da propriedade fundiária da nobreza, ou da burguesia, à maneira das tiranias asiáticas [...]”[footnoteRef:76]. Para o autor, a próprio termo, “absolutismo” seria uma denominação inadequada, pois, segundo ele, “nenhuma monarquia ocidental gozara jamais de um poder absoluto sobre seus súditos, no sentido de um despotismo sem entraves. Todas elas eram limitadas, mesmo no máximo de suas prerrogativas, pelo complexo de concepções denominado direito ‘divino’ ou ‘natural’”[footnoteRef:77]. [76: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista. Tradução: João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense 2004, p. 50.] [77: Ibidem, p. 49.] 
Como notamos nas análises de Oliveira, o problema não é o termo em si, que de acordo com Jacques Truchet, poder absoluto “não significa que o monarca tem todos os direitos; etimologicamente, absoluto quis dizer independente, antes que ilimitado”[footnoteRef:78]. [78: TRUCHET, 1966 APUD OLIVEIRA, Maria Izabel Barboza de Morais. O príncipe pacífico: Bossuet, Luís XIV e Antônio Vieira.– São Luís: Café & Lápis; EDUFMA, 2013, p. 16.] 
Dessa forma, seria fundamental para este trabalho entender como os livros didáticos têm analisado o processo de formação e consolidação das monarquias absolutistas, bem como os fatores que contribuíram para o fortalecimento do poder real; as concepções em torno dos limites do poder dos reis e a relação entre o próprio absolutismo monárquico e sua figura mais representativa: Luís XIV.
METODOLOGIA E FONTE
Este trabalho nasce de uma vontade que há tempo vem ganhando força: analisar os livros didáticos trabalhados nas escolas públicas de ensino básico. Durante 4 anos em que participei do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), entre 2013 e 2017, pude entrar e contato com várias obras didáticas que os professores usavam em sala de aula – muitas vezes, como principal e hegemônico instrumento de trabalho. Assim, no segundo semestre de 2017 surgiu a possibilidade de análise das abordagens que os livros didáticos faziam sobre o Absolutismo monárquico e seus monarcas, sob a orientação da prof.ª Dr.ª Maria Izabel Barboza de Morais Oliveira, que já era minha coordenadora do programa PIBID. Depois de algumas indecisões, resolvemos trabalhar com os livros didáticos usado pelo 1º ano do Ensino Médio do Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão – COLUN- escola na qual eu estava inserido como bolsista PIBID. 
O próximo passo foi fazer o recorte temporal de análise e os livros que iríamos trabalhar. Nesse processo de escolha contei com a ajuda fundamental do professor supervisor, Prof. Dr. Raimundo Inácio, professor que acompanhava os bolsistas do curso de história inseridos no COLUN. Depois de presenciar a escolha da coleção didática que será trabalhada este ano com os alunos do Ensino Médio, me veio a ideia de analisar os livros de história trabalhados no 1º ano do Ensino Médio, de 2012 em diante, incluindo o livro de 2018. Assim, nosso recorte temporal e espacial com relação a temática é o Período Moderno, do século XV ao XVII, na Europa, no qual há a formação e consolidação das monarquias absolutistas no Ocidente. E, com relação aos livros didáticos, o tempo é o da utilização deles no COLUN, entre 2012 até 2018. O COLUN é uma escola ligada a Universidade Federal do Maranhão, estando situada dentro do Campus universitário na cidade de São Luís. 
Os únicos critérios para se escolher os livros desta escola são: o fato de já estarmos inseridos na escola através do PIBID, o que facilitou o empréstimo dos livros para análise; o fato da escola ser considera uma das melhores escolas públicas de São Luís, principalmente por ser federal; e também por ela abrigar um alunato muito extenso – muitos destes alunos veem dos municípios que integram a região metropolitana de São Luís - MA. Assim, pressupomos que esses livros alcançaram um grande público.
As obras selecionadas fazem parte de coletâneas que foram endereçadas à escola para serem avaliadas pelo corpo docente. Depois de avaliadas foram utilizadas. O primeiro livro faz parte da coletânea Conexões com a História, volume 1: das origens do homem à conquista do Novo Mundo, lançado pela editora moderna em 2010, e sob autoria de Alexandre Alves e Letícia Fagundes de Oliveira. Este livro fez parte do ciclo de 2012 a 2014, período que foi utilizado em sala de aula. No mesmo ciclo, por conta do número insuficiente do primeiro livro para contemplar a demanda da escola, foi utilizado também o volume 1 da coletânea História: das cavernas ao terceiro Milênio: das origens da humanidade à Reforma Religiosa na Europa. Também da editora Moderna, este livro foi produzido em 2010, sendo esta a 2ª edição da coletânea. A obra está sob a autoria de Patrícia Ramos Braick e Myriam Becho Mota. A terceira coletânea que iremos analisar é História em Movimento: dos primeiros humanos ao Estado Moderno. Lançado pela editora Ática em 2015, a coletânea estava em sua 2ª edição. A autoria da obra ficou por conta de Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi. Esta obra esteve no ciclo 2015 a 2017. Por último, a coleção que será utilizada esse ano que faz parte da coletânea Por dentro da História, volume 1, lançado pela editora Escala Educacional e produzido em 2016. Esta é a 4ª edição desta obra que vem através da autoria de Pedro Santiago, Célia Cerqueira e Maria Aparecida Pontes. Todas as obras mencionadas são de editoras com sede em São Paulo.
Para análise vamos fazer uma comparação das formas de abordagens de cada livro, tentando perceber semelhanças e diferenças no modo de abordagem. Para isso, iremos dispor da análise crítica das representações feitas por estas obras, para tentar perceber como são pintados Luís XIV e o absolutismo monárquico, do qual é representante. 
CRONOGRAMA 
	2017-2018
	OUT
	NOV
	DEZ
	JAN
	FEV
	MAR
	ABR
	MAI
	Levantamento de documentação
	X
	X
	
	
	
	
	
	
	Banco de dados
	
	
	X
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	Análise 
	
	
	
	
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	X
	
	
	Redação
	
	
	
	
	
	
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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