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PEÇA 30-04

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA
ELIETE, já qualificada nos autos do Processo-crime nº que lhe move o Ministério Público do Estado de ..., neste ato representado por membro da Defensoria Pública do Estado de ... que esta subscreve, inconformado com a respeitável sentença que a condenou como incursa nas penas do art. 155, § 3º, II, do Código Penal, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal, interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no art. 593, I, do Código de Processo Penal.
Requer seja recebida e processada a presente apelação e encaminhada, com as inclusas razões ao Egrégio Tribunal de Justiça.
Nestes termos,
Pede deferimento.
____, 21 de fevereiro de 2011.
___________________
Advogado
OAB
RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO
APELANTE: Eliete
APELADO: Ministério Público do Estado de ...
PROCESSO Nº
Egrégio Tribunal de Justiça,
Em que pese o indiscutível saber jurídico de Vossa Excelência, impõe-se a reforma da respeitável sentença proferida contra a Apelante, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
DOS FATOS
A apelante Eliete foi denunciada por ter, supostamente, praticado o delito de furto qualificado por abuso de confiança (art. 155, § 3º, II, do CP) contra Cláudio. Segundo consta da denúncia, a denunciada teria se aproveitado da profissão de empregada doméstica da vítima para furtar a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais), condição pessoal esta que, conforme a acusação, implicaria a qualificação do delito por abuso de confiança.
O crime teria ocorrido em 20 de dezembro de 2006, sendo a denúncia oferecida em 10 de janeiro de 2007 e recebida em 12 de janeiro de 2007. Em 10 de dezembro de 2009 foi prolatada sentença para condenar a apelante à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em razão da prática do crime previsto no art. 155, § 2º, IV, do CP.
Da sentença foi interposto recurso de apelação exclusivo da defesa, pleiteando a anulação de toda a instrução criminal, visto houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma testemunha. O Tribunal de Justiça julgou procedente o recurso para anular a sentença.
Após a realização da instrução criminal, com a oitiva da referida testemunha e juntada de comprovação de rendimentos mensais da vítima, e apresentação de memoriais, foi proferida, em 09 de fevereiro de 2011, nova sentença penal condenando Eliete à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, convertida em restritivas de direitos, consubstanciada na prestação de 08 (oito) horas semanais de serviços comunitários, durante o período de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses em instituição a ser definida pelo juízo de execuções penais. De acordo com as razões de decidir, a pena-base foi exasperada do mínimo sob o fundamento do abuso de confiança configurar circunstância judicial desfavorável.
DO DIREITO
- Nulidade da sentença
Em um primeiro momento a ré fora condenada à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão. De tal decisão interpôs-se recurso de apelação, pleiteando a anulação da sentença, por cerceamento de defesa. Vale ressaltar que o MP não recorreu dessa sentença. Analisando o recurso exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça julgou-o totalmente procedente para anular a decisão de primeiro grau.
Após nova instrução, o juiz “a quo” prolatou nova decisão, condenando a ré à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Dessa decisão interpôs-se o presente recurso, também exclusivo da defesa.
Com isso observa-se um claro equívoco, uma vez que a segunda sentença majorou a pena em relação à sentença anterior. A pena foi alçada de 02 (dois) anos para 02 (anos) e 06 (seis) meses de reclusão. A técnica estaria correta se não fosse a ausência de recurso da acusação na primeira sentença. Vale lembrar que o juiz está atrelado ao recurso exclusivo da defesa, não sendo permitida a piora da situação do réu (art. 617 do CPP), sob pena de desestimular a interposição de recursos.
Deste modo, com apoio na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina, a sentença que majorar a pena em relação à sentença anteriormente anulada, por recurso de apelação exclusivo da defesa, implicará o fenômeno processual da “reformatio in pejus” indireta, cujo efeito também será a nulidade da decisão.
- Prescrição da pretensão punitiva retroativa
Com a nulidade da sentença, o magistrado estará limitado à fixação da pena definitiva em, no máximo, 02 (dois) anos de reclusão, lembrando ser esta a sanção aplicada na primeira sentença anulada. Tudo isso se justifica para evitar a reprovável “reformatio in pejus” indireta, consoante já afirmado no tópico anterior.
Com efeito, a prescrição retroativa (art. 110, §1º, do CP), que é contada do trânsito em julgado para a acusação caminhando em direção às causas interruptivas a ela anteriores (a exemplo da sentença e do recebimento da denúncia), será verificada com o transcurso de tempo superior a quatro anos, porquanto os dois anos de pena imposta prescrevem em quatro anos, nos termos do art. 109, V, do CP.
Como já transcorreram mais de quatro anos entre a primeira causa interruptiva da prescrição, o recebimento da denúncia (art. 117, I, do CP), datada de 12 de janeiro de 2007, e a presente data, vez que a sentença a ser anulada deixará de constituir marco interruptivo do lapso prescricional, resta a declaração da prescrição da pretensão punitiva retroativa, por ser o prazo superior a quatro anos. Ademais, mesmo se levando em consideração o prazo da sentença a ser anulada, 16 de fevereiro de 2011, verificar-se-á superado o lapso prescricional para a decretação da extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP).
- Atipicidade material
O crime supostamente praticado, furto qualificado (art. 155, § 3º, II, do CP), fere o bem jurídico patrimônio. O objeto do delito seria a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais), valor este de pequena monta quando comparado ao patrimônio da vítima, ocupante do cargo de presidente da maior empresa do Brasil no segmento de venda de alimentos no varejo. Para ir além do âmbito das presunções, juntou-se aos autos a comprovação dos rendimentos da vítima, que giram em torno de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais.
Sendo assim, a sentença deve ser reformada para absolver a apelante, com foco na ausência de justa causa em razão de atipicidade do fato (art. 386, III, do CPP), visto ser a conduta causadora de lesão insignificante, vendo comparação do valor do objeto (cinquenta reais) com os rendimentos mensais da vítima (cinquenta mil reais).
- Desclassificação da conduta para furto simples privilegiado (art. 155, caput e §2º, do CP)
A apelante, conforme já afirmado, foi condenada à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses pela prática de furto qualificado pelo abuso de confiança, cuja pena mínima é de 02 (dois) anos (art. 155, § 3º, II, do CP).
Para a qualificação do crime escorou-se no fato de a ré exercer a profissão de empregada doméstica na residência da vítima. Tal condição, nos termos da acusação, facilitaria o crime, sendo merecedora de maior reprimenda.
Todavia, o simples fato de a autora ser empregada doméstica e ter acesso à casa da vítima não importa na qualificadora de abuso de confiança, ainda mais quando a ré acaba de ser contratada. Eliete foi contratada por Cláudio havia uma semana e só tinha a obrigação de trabalhar às segundas, quartas e sextas-feiras, de modo que o suposto fato criminoso teria ocorrido no terceiro dia de trabalho.
Sobre isso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a simples condição de empregada doméstica não configura, por si só, a qualificadora de abuso de confiança, sendo necessária a análise do caso concreto. Nesses termos, pode-se extrair do julgado que o abuso de confiança da empregada doméstica será vislumbrado por meio do tempo de serviço prestado à vítima bem como pelo grau de intimidade e confiança depositado pelo patrão em seu empregado.
Em conclusão, o pouco tempo de serviço afasta a incidência da qualificadora, devendoser o delito desclassificado para furto simples – art. 383 do CPP), cuja pena mínima é de 01 (um) ano. Dessa forma, a apelante passa a ter direito subjetivo à suspensão condicional do processo, com previsão legal no art. 89 da Lei 9.099/95.
Ademais, a apelante preenche os requisitos para a causa de redução de pena em razão do pequeno valor da coisa furtada, podendo o juiz, neste caso, substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa (art. 155, § 2º, do CP).
- Punição excessiva da pena privativa de liberdade
Na primeira fase de dosimetria da pena, o juiz justificou a fixação da pena-base acima do mínimo sob o argumento de que a ré possuía circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez que se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em que se abusa da confiança.
Embora respeitável a argumentação jurídica, houve grave equívoco do juiz. Os Tribunais Superiores já assentaram em suas jurisprudências configurar a exasperação da pena-base sob a mesma fundamentação da qualificadora do crime. Não se admite a majoração da pena-base com fulcro em circunstância judicial desfavorável ao agente que também qualifica o crime, até porque a pena seria majorada duas vezes: uma pela qualificadora, que delimita os limites máximo e mínimo da pena nas duas primeiras fases de fixação da pena; e outra pela circunstância judicial desfavorável.
A pena-base deve ser fixada no mínimo legal como forma de se evitar a punição excessiva.
- Punição excessiva da pena restritiva de direitos
A sentença converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, impondo o cumprimento de prestação de serviços à comunidade à razão de 08 (oito) horas semanais. Ocorre que a fração de horas semanais contraria a disposição do art. 46, §3º, do CP, esta regra deixa clara que a fração máxima é de 01 (uma) hora por dia, portanto, 07 (sete) horas semanais. Assim, requer seja reformada a sentença para fixar a pena restritiva de direitos à razão de 07 (sete) horas semanais.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o presente recurso, para anular a sentença (art. 617 do CPP); em não se acolhendo o pleito, requer seja extinta a punibilidade do agente por força da prescrição (art. 107, IV, do CP); subsidiariamente requer a absolvição da apelante por atipicidade da conduta (art. 386, III, do CPP); caso nenhum dos pedidos antecedentes seja acolhido, requer a desclassificação do delito para o previsto no art. 155, “caput”, do Código Penal (art. 383 do CPP) com a causa de redução de pena inscrita no § 2º do mesmo artigo, bem como a concessão do benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95); ainda, no caso de negativa de todas as teses, requer a fixação da pena no mínimo legal; por fim, requer a reforma da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade para ser cumprida à razão de 07 (sete) horas semanais.
 21 de fevereiro de 2011.
________________________
ADVOGADO
OAB

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