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FACULDADE DE SANTO ANTÔNIO DA PLATINA CURSO DE DIREITO DIÉSSICA SCARLET DE ABREU DA SILVA A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA FORMA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SANTO ANTÔNIO DA PLATINA 2020 DIÉSSICA SCARLET DE ABREU DA SILVA A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA FORMA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil, como requisito parcial obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Christovam Castilho Júnior. SANTO ANTÔNIO DA PLATINA 2020 SILVA, Diéssica Scarlet de Abreu da. A exclusão social: uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana / Diéssica Scarlet de Abreu da Silva Santo Antônio da Platina – PR, 2020. 61 folhas, 29 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. Orientador: Prof. Me. Christovam Castilho Júnior. Inclui referências. 1. Direito Constitucional. 2. Direitos Humanos. 3. Exclusão Social. I. A exclusão social: uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. II. Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. CDU: 342 DIÉSSICA SCARLET DE ABREU DA SILVA A EXCLUSÃO SOCIAL: UMA FORMA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de Santo Antônio da Platina/Universidade Brasil, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, com nota final igual a __________ conferida pela Banca Avaliadora formada por: ________________________________________________ Prof. Me. Christovam Castilho Júnior Presidente e Orientador ________________________________________________ 1ª Examinador ________________________________________________ 2º Examinador Santo Antônio da Platina – PR, ______ de ______________ de 2020. Dedico este trabalho a Deus e as minhas filhas, Sofia e Gabriela, em especial à Sofia por ter suportado minha ausência durante esta caminhada. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus pela oportunidade, pois Dele emana toda a sabedoria. Agradeço por ter me guiado durante o curso, tendo me dado força, saúde, coragem, paciência, sabedoria e resiliência. Ainda, por ter me sustentado nos momentos mais difíceis, fazendo com que eu não desistisse da caminhada e chegasse até o fim. Agradeço à minha família, em especial a minha mãe, por ter me ensinado o real significado das palavras dignidade, perseverança e coragem, e, por me incentivar a nunca desistir do curso, tendo por vezes me lembrado de que cada etapa foi essencial até chegar a este tão almejado e festejado momento. De maneira especial, agradeço ao meu esposo, Sérgio, por ser um marido trabalhador e carinhoso, por ter me acompanhado nesta etapa e suportado minha ausência durante, bem como, por ser um pai maravilhoso para nossas filhas. Agradeço ao corpo docente da FANORPI, nas pessoas dos professores: Christovam Castilho Júnior, o qual, mais do que um mestre e orientador, foi um amigo no decorrer desta jornada, pois, sempre nos incentivou a nunca desistir de estudar, nos relembrando sempre de que às vitórias virão, contudo, às renúncias são indispensáveis durante o processo; Leonardo Goes de Almeida, coordenador do curso de Direito, pela dedicação devotada ao curso, sobretudo aos alunos; Mateus Faeda Pellizzari e Fernanda Maria Oliveira, pela dedicação devotada ao Núcleo de Práticas Jurídicas – NP; Nathan Barros Osipe, pelo carinho, respeito e dedicação aos alunos e Gislaine Fernandes de Oliveira Mascarenhas Aureliano e Pedro Gonzaga Alves, pelo carinho, respeito e dedicação aos alunos. Em resumo, agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para que eu concluísse o Curso de Direito. A todos(as), o meu muito obrigada! “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele, meu auxílio e Deus meu!” (Salmo 43:5) SILVA, Diéssica Scarlet de Abreu da. A exclusão social: uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. 2020. 61 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito). Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. Orientador: Prof. Me. Christovam Castilho Júnior. Santo Antônio da Platina, 2020. RESUMO O presente estudo tem o objetivo de apresentar de maneira contundente a violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como fator que impulsiona a exclusão social. E, deste modo, busca rememorar por meio de uma visão histórica, filosófica e jurídica de dignidade, bem como a apresentação da dignidade humana no estado democrático de direito na visão da evolução deste conceito. Assim, demostra o mencionado instituto da dignidade e a integração social no estado moderno e suas evoluções em relação à exclusão social, principalmente em relação à sociedade e a transição do segundo para o terceiro milênio. E, deste modo, a inclusão social e políticas públicas participativas desenvolvidas no âmbito da relação entre a violação e a exclusão social, e andamento na busca do desenvolvimento de uma metamorfose de todos aqueles complexos que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei e a moral de uma cultura política dentro de um Estado, impulsionando a inclusão e trazendo o propósito de uma democracia voltada aos direitos humanos e acelerando a fração da inclusão. Assim, o presente escrito utiliza-se do método dedutivo de pesquisa, compreendendo estudos bibliográficos, em doutrinas, teses, dissertações e artigos científicos, além de uma análise crítica à legislação vigente, comparando-a com aquelas que não mais vigem atualmente, com o intuito precípuo de aferir o desenvolvimento histórico que culminou na presente situação objeto de pesquisa, desde tempos históricos até a atualidade. Palavras-chave: Constituição Federal. Dignidade Humana. Direitos Humanos. Exclusão Social. Princípio Fundamental. SILVA, Diéssica Scarlet de Abreu da. Social exclusion: an affront to the principle of human dignity. 2020. 61 pages Course Conclusion Paper (Graduation in Law). Santo Antônio da Platina Faculty - University Brazil. Advisor: Prof. Me. Christovam Castilho Júnior. Santo Antônio da Platina, 2020. ABSTRACT The present study has the objective of presenting in a striking way the violation of the constitutional principle of the dignity of the human person as a factor that drives social exclusion. And, in this way, it seeks to recall through a historical, philosophical and legal view of dignity, as well as the presentation of human dignity in the democratic state of law in the view of the evolution of this concept. Thus, it demonstrates the aforementioned institute of dignity and social integration in the modern state and its evolution in relation to social exclusion, mainly in relation to society and the transition from the second to the third millennium. In this way, social inclusion and participatory public policies developed within the scope of the relationship between rape and social exclusion, and progress in the search for the development of a metamorphosis of all those complexes that includes knowledge, art, beliefs, law and the morals of a political culture within a state, drivinginclusion and bringing about the purpose of a democracy focused on human rights and accelerating the fraction of inclusion. Thus, this writing uses the deductive research method, comprising bibliographic studies, in doctrines, theses, dissertations and scientific articles, in addition to a critical analysis of current legislation, comparing it with those that are no longer in force, with the main intention of assessing the historical development that culminated in the present situation object of research, from historical times to the present. KEYWORDS: Federal Constitution. Human dignity. Human rights. Social exclusion. Fundamental Principle. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS..................................12 1.1 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................ ........13 1.2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS......................................15 1.3 VISÃO HISTÓRICA E FILOSÓFICA DOS DIREITOS HUMANOS......................17 1.4 DIREITOS HUMANOS X EXCLUSÃO SOCIAL...................................................19 1.5 A CONQUISTA DOS DIREITOS SOCIAIS NO DIREITO COMPARADO............22 1.5.1 Constituição Mexicana de 1917........................................................................22 1.5.2 Constituição Russa de 1918..............................................................................24 1.5.3 Constituição de Weimar de 1919......................................................................25 2 OS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..............29 2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988........................................................................32 2.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PARÂMETRO ÉTICO- JURÍDICO...................................................................................................................35 2.3 A DEFERÊNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO ÉTICO-JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS....................................................................................37 2.4 O FENÔMENO DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS.................39 3 A DIGNIDADE HUMANA E A INTEGRAÇÃO SOCIAL.........................................41 3.1 O ESTADO MODERNO E SUAS EVOLUÇÕES EM RELAÇÃO À EXCLUSÃO SOCIAL......................................................................................................................42 3.2 A SOCIEDADE E A TRANSIÇÃO PARA O TERCEIRO MILÊNIO .....................46 3.3 A INCLUSÃO SOCIAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARTICIPATIVAS...........48 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................54 REFERÊNCIAS..........................................................................................................57 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto o estudo da violação do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, fazendo uma abordagem técnica e analítica do mesmo, bem como trazendo uma visão histórica, filosófica e jurídica no bojo do Estado Democrático de Direito. Desta feita, abordará de que forma a violação do referido princípio favorece a exclusão social. Segundo se extrai da mais abalizada doutrina, e, consoante entendimento majoritário, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é tido como base de uma sociedade justa e democrática. Eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, serviram como mola propulsora para pesquisadores e estudiosos do assunto, os quais buscaram estabelecer alguns requisitos essenciais à vida humana de acordo com o grau evolutivo. A dignidade humana, no contexto contemporâneo, se coloca sempre no cerne de qualquer decisão, judicial ou não, servindo como base para todo o ordenamento jurídico. Ressalta-se o fato de que tal visão é aceita em diferentes partes do mundo como Brasil, Portugal, Alemanha, tendo por base o que dispõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Porém, lamentavelmente ainda encontra-se uma significante parte da sociedade privada desse direito extremamente essencial e indispensável à vida humana, desencadeando uma ruptura ao ser humano a ponto de o mesmo excluir se do meio social, imaginando ser indigno de tal direito e escondendo-se as margens da sociedade para não ser notado naquele corpo social. Destarte, a dignidade humana e a integração social, emergem com uma função de extrema importância no resgate desses indivíduos que hora foram excluídos da sociedade, oferecendo meios para colocá-los de forma igual a seus semelhantes observando suas individualidades e sua existência evolutiva do nascimento até a morte, atribuindo sentido a vida desses seres humanos por meio do trabalho, saúde, educação e convívio social. Onde este resgate se inicia com a restauração, assim, tanto o social como individual está intimamente ligada à dignidade humana, faz parte intrinsecamente com todo o ser, e esse resgate não se refere a uma visão diferenciada porque o indivíduo está em situação especial, mas sim em oportunidades e meios para seu desenvolvimento social assim como seus semelhantes. 11 E neste sentido, a Dignidade da Pessoa Humana encontra-se intrinsecamente relacionada com a exclusão social, pois, com a evolução da sociedade e a transformação do Estado moderno, perseveravam ideias liberais e que valorizavam o Estado mínimo e consequentemente o mesmo não interferiam na economia do país e concentrava sua atenção somente em direitos básicos da população. Assim os seres humanos eram atingidos diretamente pela exclusão social forçada pelo mercado e alavancado pelos meios de produção executados na época, até a marcante crise de 1929. Assim, em que surgem os primeiros debates e lutas voltadas exclusivamente para áreas sociais e dessa maneira surgem limites e conexões que envolvem o Estado, capital e trabalho, estimula a atenção para a sociedade em suas necessidades sociais intrínsecas, e assim resgata das profundezas a obrigação do ente estatal de mediador com forças políticas para resolver as relações de cunho social. Dessa maneira, emergem a inclusão social e políticas públicas participativas, com o intuito de alavancar a inclusão social. Sendo assim, a conquista da democracia que é elemento incontestável na busca de maior envolvimento a políticas públicas voltadas a áreas dos direitos humanos com alcance mundial, onde é possível um grande envolvimento em áreas fundamentais como desigualdades, desempregos, deficiências educacionais, hostilidade aos direitos humanos, saneamento básico, entre tantos outros essenciais que possa contribuir diretamente com o fim da exclusão social. 12 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS Os Direitos Humanos, por grande parte da população, erroneamente, chamado de “direito que protege bandidos”, não deve, sob qualquer hipótese, ter sua importância e sua nobreza minimizadas. Tamanha é a sua importância, que o mesmo está relacionado à dignidade da pessoa humana. Uma pessoa privada de sua liberdade, de maneira injusta, ou mesmo impedida de se alimentar ou de obter educação, moradia e saneamento, indubitavelmente tem sua dignidade ofendida. Esse seria um exemplo capaz de auxiliar na compreensão dos Direitos Humanos. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, assim aduz sobre o tema: O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteçãocontra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais (MORAES, 1998, p. 59). Percebe-se, desse modo, que os Direitos Humanos são direitos naturais, os quais sempre existiram, não tendo os mesmos sido criados pelo homem, tendo a sociedade, apenas, os reconhecido em seus ordenamentos jurídicos em dado momento da história. Na atualidade, inclusive, é possível se falar em direitos supranacionais, os quais ultrapassam as fronteiras dos países e superam a soberania de Estados. Tais direitos são constantemente violados em países mais pobres, em desenvolvimento ou em estado de guerra. Pois bem, estando vinculados à natureza humana, são forçosamente abstratos, são de seres humanos de qualquer raça, cor, convicção religiosa ou em qualquer continente do planeta. São irrevogáveis, não se perdem como o decurso do tempo, visto que estão presos à natureza imutável do ser humano. São particulares, pois cada ser humano é ente completo e perfeito, mesmo se isoladamente considerados, independentemente da comunidade (não é um ser social que só se completa na vida em sociedade). Entretanto, cumpre mencionar que, ultimamente, com a evolução das relações jurídicas, tem se reconhecido direitos humanos coletivos, como o Direito do 13 Consumidor ou o Direito Ambiental, que visa proteger o meio ambiente impondo regras contra a poluição. 1.1 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS De maneira geral, a doutrina concorda acerca da importância de se traçar um paralelo entre a origem do constitucionalismo e o surgimento dos Direitos Humanos. Posto que toda Constituição, além de a formação do Estado, por meio da criação órgãos estatais e da descrição de sua maneira de atuação; objetiva limitar o Poder Estatal. Desse modo, garante-se uma íntegra parcela de direitos individuais e/ou sociais, os quais não poderiam ser suprimidos, de maneira arbitrária, pelos agentes estatais. Tais Direitos Fundamentais, os quais podem ser individuais ou coletivos, estão expressos na Carta Magna de 1988, e são conhecidos, são os conhecidos Direitos Humanos e devem ser admitidos, independentemente de qualquer previsão legal ou constitucional. Cumpre destacar que, em geral, tais direitos são indisponíveis, e deveriam anteceder a qualquer outro direito do cidadão. Nesse sentido, Moraes (1998, p. 61), chega a afirmar que: Os direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Na mesma linha, Herkenhoff (1999, p. 33), aduz que os Direitos Humanos “são direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir”. Desse modo, evidencia-se que os direitos fundamentais assumem posição de definitivo destaque na sociedade. Sendo que se torna invertida a tradicional relação entre Estado e indivíduo, além de se reconhecer que o indivíduo possui, primeiro, direitos e, posteriormente, obrigações perante o Estado. Sendo que este tem, em relação ao indivíduo, primeiro os deveres e, após, os direitos. Além de o fato de que os Direitos Humanos são reconhecidos como a maneira de proteção que os cidadãos possuem contra atitudes abusivas, por parte do Estado ou de quem detenha poder para lhe representar. 14 Os Direitos Humanos, devido à sua importância, ultrapassam o poder judiciário, sendo que, não há como se falar em uma prestação jurisdicional deste, visto que é dever do Estado como um todo, tendo caráter mais abrangente que o jurídico, um caráter político. Importante, ainda, mencionar que, pela sua importância, os Direitos Humanos ultrapassam as três esferas do poder: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Destarte, além de o constitucionalismo, tem-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como documento que confirma o nascimento dos Direitos Fundamentais. Entretanto, a verdadeira preocupação da comunidade internacional na promoção de tais direitos, é verificada no pós-guerra em 1945, ocasião em que a violação de tais direitos ficou marcadas na história da humanidade. Como assevera Piovesan (2000, p. 87): […] Muitos dos direitos que hoje constam do “Direito Internacional dos Direitos Humanos” surgiram apenas em 1945, quando, com as implicações do holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo nazismo, as nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades fundamentais deve ser um dos principais propósitos da Organização das Nações Unidas. Importante ressaltar que, embora possuam previsão legal, os Direitos Humanos no Brasil, começaram a ser efetivados somente a partir de meados da década 1980, no século passado. Promulgada a atual Carta Constitucional, em 1988, houve um resgate da cidadania em um país que acabava de sair de um regime de mais de 20 anos de governos militares; sendo que, tal resgate ainda não foi concluído em sua totalidade, pois passa por obstáculos, como, por exemplo, a falta de informação e a baixa escolaridade da população; fatores que tal população desconheça seus direitos básicos. Assim, se a população desconhece seus direitos, não há como exigi-los. Desta forma, evidencia-se que, em geral, o cidadão não se enxerga como um sujeito de Direitos Humanos, os quais, culturalmente, são atribuídos a camadas especiais da população, como presidiários ou pessoas que sofrem violência ou abuso de agentes estatais, em geral policiais. 15 1.2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Para uma melhor compreensão acerca do presente trabalho, faz-se necessário estabelecer uma distinção entre as expressões “Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais”, as quais, frequentemente, são utilizadas como sinônimos. Importante mencionar que os Direitos Fundamentais, de certa maneira, são também Direitos Humanos, no sentido de que, seu titular, sempre será o ser humano, ainda que esteja representado por uma certa coletividade, como povo, nação, Estado. Cumpre destacar que os Direitos Fundamentais são o conjunto de direitos e liberdades do ser humano, institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do Direito Constitucional de determinado Estado. Ao mesmo tempo em que os Direitos Humanos estão englobados pelo Direito Internacional, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional, sendo universalmente válidos e possuindo caráter supranacional. Importa mencionar a contribuição de Celso Lafer (1988, p.22), ao afirmar que: “o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem”. Relevante considerar que, de toda a sorte, existe uma relação íntima entre os Direitos Humanos e os Direitos Fundamentai já que, muitas das Constituições originadas após a Segunda Guerra Mundial, possuem inspiração tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, quanto nos documentos internacionais e regionais que lhe sucederam. Expressivo, ainda, destacar que, nos últimos anos, tem-se observado um processo aproximativo e harmonizador entre o conteúdo das declarações internacionais e os textos constitucionais, fato que vem sendo denominado por Direito Constitucional Internacional. Em meio às diversas terminologias utilizadas, importa destacar o uso recente da expressão “Direitos Humanos Fundamentais”, por parte da doutrina. Todavia, a referida terminologia não alcança o conteúdo. E, o uso de uma nova nomenclatura só se justifica se ocorrer a associação de novos valores ao novo termo. Referida terminologia,embora não tenha o objetivo de afastar a pertinência da distinção traçada ente Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Todavia, revela uma clara vantagem de ressaltar, relativamente os Direitos Humanos de base internacional, visto que estes também dizem respeito ao reconhecimento e proteção 16 de certos valores e reinvindicações essenciais de todo ser humano. Nesse sentido, cumpre destacar a fundamentalidade em sentido material, a qual diferentemente da formal, é comum aos direitos humanos e aos direitos constitucionais. Percebe-se, deste modo, que a fundamentalidade formal é a observada no Brasil, uma vez que não existe uma efetiva aplicação dos Direitos Fundamentais previstos no ordenamento Jurídico do Estado. Importante se faz atentar ao fato de que não existe uma identidade necessária entre o elenco dos Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais reconhecido, muito menos entre o Direito Constitucional dos Estados e o Direito Internacional e, tampouco, entre as Constituições; pelo simples fato de que, em grande parte das vezes, o rol de Direitos Fundamentais Constitucionais está abaixo do catálogo dos Direitos Humanos constantes em documentos internacionais; à proporção que, outras vezes, está bem mais adiante, tal qual ocorre com a atual Carta Constitucional Brasileira. Segundo Doroteu (2012, on-line): É fundamental levar-se em conta a distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. Sendo que em relação aos primeiros, há, geralmente, melhores condições para se concretizarem efetivamente em face da existência de instâncias dotadas de poder para fazerem cumprir e respeitar esses direitos. Ressalta-se o fato de que a eficácia (jurídica e social) dos direitos humanos que não fazem parte do rol dos direitos fundamentais de determinado ordenamento depende da sua recepção na ordem jurídica interna e, ainda, do status jurídico que a mesma lhe atribui, vez que lhe falta cogência. Logo, a efetivação dos direitos humanos depende da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados, e da ação eficaz dos mecanismos jurídicos internacionais de controle. Infere-se assim que, o processo de positivação dos Direitos Humanos, transformando-os em Direitos Fundamentais, gera grande polêmica e debate acerca de sua natureza, bem como de seus significados, e de suas implicações políticas e jurídicas relevantes, sobretudo quando se destaca o fato de que, tais direitos, não se apresentam somente diante do Estado, entretanto, fundamentalmente, como oponíveis em relação aos demais cidadãos e nas suas interrelações cotidianas, surgindo a expressão “Direitos Públicos Subjetivos”. 17 1.3 VISÃO HISTÓRICA E FILOSÓFICA DOS DIREITOS HUMANOS A vida em sociedade trás muitos benefícios ao homem, mas, por outro lado, cria – se uma série de limitações que, chegam seriamente a afetar a Dignidade Humana. Muitos filósofos interpretaram a vida em sociedade de varias formas e maneiras para o melhor convívio em sociedade tendo como finalidade a dignidade humana. Segundo Kant (2004, p. 21), “reconhecer a dignidade da pessoa humana, significa reconhecer que a pessoa tem valor superior ao objeto, ou seja, a pessoa nunca poderá ser comparada a um simples objeto e merece um tratamento primordial”. A partir desse destaque a pessoa passou a ser vista de por outro ângulo. Do mesmo modo o filósofo demonstra que o homem jamais deve ser considerado como coisa material que pode ser percebida pelos sentidos, nem mesmo pelo próprio ser, onde fica evidenciado o fundamento basilar de sua dignidade em sua capacidade de governar-se pelos próprios meios e seus desejos, de estabelecer-se um fim e nunca um meio: O homem é, duma maneira geral, todo o ser racional, existente como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo com nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais. Apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em se mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (KANT, 2004, p. 25). Nesse momento é importante relembrar os fatos históricos que marcou o Brasil que ajudou a pensar e defender a dignidade da pessoa humana. Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 que surge uma pequena mudança, e com o fim da Abolição dos Escravos em 1888, fica claro e registrado uma nova visão de dignidade humana. Pois por 128 anos perdurou a abolição dos escravos no Brasil. 18 A Revolução Industrial no Brasil foi outro marco na década de 1930, com muitos pontos positivos e negativos, garantindo os Direitos dos Trabalhadores e proibindo o trabalho infantil no Governo de Getúlio Vargas. Em 1988 nasce a Constituição Federal do Brasil, garantindo os Direitos e Deveres dos cidadãos, conforme dispõe os artigos 5º e 6º da Carta Magna. Com todas essas mudanças e transformações, fundamentados de maneira precípua nos interesses, potencialidades e faculdades do ser humano, sublinhando sua capacidade para a criação e transformação da realidade natural e social, e seu livre-arbítrio diante de pretensos poderes transcendentes, ou de condicionamentos naturais e históricos, de maneira a ressaltar o humanismo, foi o impulso que incentivou e suscitou aqueles que aspiram para si ou para outrem, a materialização do princípio da Dignidade da pessoa humana. Conforme Gottens (2008, p. 55): Esta concepção, dotada de profundo humanismo, principalmente quando analisada em mundo concreto, onde, infelizmente, o homem ainda constitui um meio, não existindo as condições necessárias para que se torne um fim, inspirou os que desejam a efetiva concretização do princípio da dignidade da pessoa humana em nosso mundo. Todavia, com os grandes avanços da sociedade e das atrocidades contra a humanidade trazidas pela segunda guerra mundial se faz necessário estabelecer de forma permanente a dignidade como base do Estado Democrático de Direito. Ao identificar e distinguir aceitando como verdadeiros e indispensáveis ao ser humano os direitos como educação, habitação, saúde, liberdade, entre outros tantos necessários a caracterização de dignidade, o Estado assume uma responsabilidade infinita de garantir verdadeiramente de fato tais direitos elencados nos artigo 5º e 6° da constituição Federal do Brasil de 1988, bem como tantos outros imprescindíveis a uma vida com dignidade. Para tanto, não deve se criar obstáculos e limites para uma pessoa simplesmente por motivos de situação desfavorável em meio social, mas, deve respeitar e priorizar as peculiaridades de cada indivíduo, de maneira a atender seus valores e sua autonomia e oferecendo oportunidades de participação democrática nas decisões que envolvam seu meio social, de maneira a incentivar a dignidade no direito e na sociedade com intuito de obstar o incentivo a exclusão. 19 1.4 DIREITOS HUMANOS X EXLCUSÃO SOCIAL Os Direitos Humanos estão presentes na sociedade moderna, entretanto nem sempre estiveram, visto que as primeiras iniciativas de garantias, as quais podem ser compreendidas como início ou criação dos mesmos, são datadas do século XIV, e à medida que à proporção que o capitalismo avança na sociedade, os Direitos Humanos, recentemente discutidos e implementados,acabaram entrando em crise e vivenciando retrocessos, como se têm relatos em 1825, quando se instaurou na França, e a própria Igreja preservou, durante muito tempo, aversão às ideias de igualdade e direitos sociais para os trabalhadores, semelhante a Inglaterra, a qual, também teve seus atritos políticos. Todavia, de acordo com Trindade (2002, p. 81), “já em 1688 a Inglaterra havia acertado o passo com a burguesia que, com exceção dos servos, os demais homens livres do reino tinham várias liberdades e garantias através da Magna Charta Libertatum”. Desse modo, as mudanças na forma de produção não ocorreram em todos os países de forma gradativa, em algumas mais rapidamente. Contudo, cabe destacar que as referidas transformações econômicas ocorreram acompanhadas do desenvolvimento das nações jurídicas. Segundo Trindade (2002, p. 84): A figura dos sujeitos de direitos atualmente mais voltada a um sujeito de direitos virtuais, pois está basicamente em sua vontade, podendo escolher sobre a venda de sua força de trabalho a outro sujeito de direitos, sendo essa relação fundamental para o modo de produção capitalista. Por sua vez, Iamamoto (2009, p. 18), afirma que “[...] a pauperização e a exclusão social são a outra face do desenvolvimento das forcas produtivas do trabalho social, [...]”. Compreende-se, assim, que o referido modelo de produção acentuou as diferenças sociais por meio do desemprego e da alienação do trabalhador em relação ao seu produto, entretanto a população organizou-se e iniciou revoluções, revoltas e todo tipo de movimentos, com intuito de garantir direitos trabalhistas direcionados à redução da jornada de trabalho e ao trabalho menos exaustivo, condições dignas de trabalho, seguridade social e questões políticas, ocorrendo um significativo avanço no que tange à garantia de direitos. 20 De acordo com Bobbio (2004, p. 16-17): Os direitos humanos são coisas desejáveis, mas mesmo sendo desejados, não foram todos reconhecidos até o presente momento. Sendo que os direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, como saúde e alimentação normalmente garantidas pela legislação de cada país, sendo a alimentação prioridade absoluta, pois é a garantia à vida, preservada pela Organização Mundial da Saúde e outras Organizações Não Governamentais (ONGs) do mundo todo e, atualmente, o problema está em proteger os direitos adquiridos e não garantir novos. Pode-se dizer, então, que em relação aos Direitos Humanos, de modo geral, ocorreram avanços nas constituições de vários países, acordos e declarações em nível mundial para que os mesmos fossem respeitados e garantidos, diminuindo assim a prática de ações desumanas e exclusão social. Destarte, a exclusão social acompanha a história da humanidade, visto que, nos documentos e livros mais antigos, é possível encontrar registras desta, como na Bíblia, onde é possível encontrar diversas passagens sobre a exclusão dos pobres, prostitutas, leprosos, dentre outros. Focault, em sua obra “A história da loucura” (1972), discorre acerca da exclusão do louco na sociedade, esquecido em antigos leprosários ou em navios que nunca aportavam, com intuito de impedi-los de serem integrados à sociedade ou, simplesmente, presos em casas de misericórdia ou torres malcheirosas, sem condições de higiene e sem atendimento digno, menosprezados à condição semelhante a de animas, em muitos casos. Tal exclusão, mesmo com o avanço na garantia dos Direitos Humanos, os quais preveem a inserção e igualdade na sociedade, ainda hoje se faz presente como uma mácula cultural. Para Campos (2003, p. 27), “a exclusão é um todo que se constitui a partir de um amplo processo histórico determinado que acompanha, em maior ou menor grau, a evolução da humanidade” e, no ponto de vista do mesmo autor (p. 29), a exclusão social, possui “[...] características de natureza política e econômica fazendo com que alguns segmentos sociais sejam algo porque têm, enquanto outros não sejam porque não têm e possivelmente, jamais serão, pois nunca terão”. Vê-se assim, que quando se refere ao ter, o autor não se restringe ao ter econômico apenas, contudo também ao ter, por exemplo a saúde mental, para que esteja inserido na dinâmica sociofamiliar e também produtiva. 21 Martins, (1997, p. 14), salienta que: [...] não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Nesse sentido, as pessoas que possuem transtornos mentais acabam sendo vítimas de processos de estigmatização e cerceamento, consideradas inaptas para o exercício de funções de responsabilidade social ou trabalhista. Todavia, quando ao se pensar em processos de reinvindicação, as pessoas com transtornos mentais, acabam deixando com que suas pretensões se esvaziem, visto que não há credibilidade em condições de lucidez e competência para diferenciar processos vinculados ao cotidiano da vida econômica e social. Sassaki (1997, p. 03), traz a inclusão social como: Um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Importa mencionar que ao se pensar em inclusão social, Mittler (2003, p. 138), afirma que: “os objetivos da inclusão e da justiça social envolvem mudanças fundamentais na sociedade e nas nossas assunções sobre o potencial humano”. Vê- se, assim que é realmente necessário que realmente se mude a forma de encarar as pessoas e as relações que se estabelecem dentro do contexto sociofamiliar, para que se eduquem e desenvolvam-se valores como o cuidado da vida sob quaisquer circunstâncias, mesmo que seja o cuidado para a manutenção da vida social. Cumpre destacar que, sem a vida social, o sujeito perde sua identidade como membro integrante da sociedade e, em consequência, como um sujeito que possui o direito de estar em convívio com a sociedade e ser respeitado como ser humano acima de sua condição de saúde mental. Torna-se um sujeito que tem um sofrimento psíquico, porém continua sendo ser humano e manifestando desejos e anseios que devem ser levados em consideração. Por derradeiro, relevante destacar que, mesmo assim o sujeito precisará de acompanhamento e supervisão dos familiares e órgãos da sociedade civil, os quais 22 se constituíram com o objetivo de garantir direitos a todas as pessoas quer sejam cidadãos de direito efetivo ou em potencial. 1.5 A CONQUISTA DOS DIREITOS SOCIAIS NO DIREITO COMPARADO Até por volta do início do século XX, o status de cidadania era composto por direitos civis e políticos. Tais direitos, como salienta Marshall (1967) apud Fiorim (2006, on-line), “exerciam pouca influência direta sobre a desigualdade social inscrita no sistema de classes”. Destarte, os direitos civis, reconhecidos desde a revolução Francesa, eram indispensáveis para uma economia de mercado competitiva, na proporção em que conferiam igualdade de oportunidades e liberdades econômicas aos indivíduos. Destarte, os direitos políticos carregavam o poder de destruir a sociedade capitalista, entretanto a consciência potencial exigiria uma inversão de propósitos do movimento operário, fato que ocorreria nas primeiras décadas do século XX, época em que os ideais revolucionários seriam substituídos pela ênfase na participação política eleitoral. Foi nesse momento que ocorreu a incorporação dos direitos sociais ao status de cidadania, tencionando o reconhecimento do igualvalor social dos indivíduos, assim como a redução de classe e possibilitando igualdade de acesso a elementos essenciais do bem-estar social. Nos anos duríssimos que se seguiram aos escombros da maior guerra até então travada pelas nações (1914-1918), as esperanças pela universalização dos direitos humanos puderam ser alimentadas, pois foi nesse momento que os direitos sociais foram estabelecidos pela primeira vez em algumas cartas constitucionais nacionais (FIORIM, 2006, on-line). Cumpre destacar que, em relação à política, isso significa o abandono da doutrina liberal e a constituição de um Estado de caráter social, meramente intervencionista. 1.5.1 Constituição Mexicana de 1917 No México, no final de 1910, eclodiu a primeira revolução popular vitoriosa do século XX. A ditadura de Porfírio Díaz mantinha-se no poder desde 1876, ora pela 23 força, ora mediante eleições fraudulentas, e sustentava-se num bloco social integrado por latifundiários, grandes exportadores de minérios e de produtos agrícolas, uma Igreja Católica ferrenhamente antiliberal e antissocialista, e o capital estrangeiro instalado em vários setores da economia. Nesse mesmo ano, um setor das classes dominantes liderado por Francisco Madero tentou pôr em andamento um programa de tímidas reformas liberais, que foi derrotado em nova fraude eleitoral. Esse fato levou à insurreição armada desse grupo em aliança com os camponeses. Segundo Fiorim (2006, on-line): Várias guerrilhas camponesas brotaram, reivindicando reforma agrária, liberdades políticas e direitos sociais. Derrotaram militarmente a ditadura e estiveram prestes a tomar o poder – o que foi habilmente evitado por seus aliados liberais. A presença decisiva das classes populares na revolução mexicana impôs-lhe uma dinâmica que produziu, em 1917, uma constituição de vanguarda: além de estender os direitos civis e políticos a toda a população, pela primeira vez incorporava amplamente direitos econômicos e sociais – com o consequente estabelecimento de restrições à propriedade privada. Destarte, a constituição garantia acesso à educação, laica, gratuita, democrática e baseada nos resultados do progresso científico. Considerava a democracia não somente uma estrutura jurídica e um regime político, mas também um sistema de vida fundado na constante promoção econômica, social e cultural do povo (art. 3°). À semelhança dos franceses de 1789, salvaguardava a liberdade individual (art. 5°) e religiosa (art. 24). Previa ainda, a supramencionada Carta Constitucional, que “a propriedade das terras e das águas compreendidas dentro dos limites do território nacional pertence originariamente à Nação, a qual teve e tem o direito de transmitir seu domínio a particulares, constituindo a propriedade privada”. Assim, a nação podia impor “à propriedade privada as regras ditadas pelo interesse público e regular o aproveitamento dos elementos naturais suscetíveis de apropriação, com vistas à distribuição equitativa e à conservação da riqueza pública” (art. 27). Trindade (2002, p. 154), menciona que: Os artigos 34 e 35 estendiam a cidadania a todos os homens e mulheres de mais de dezoito anos, assegurando-lhes sufrágio e 24 elegibilidade universais. Por fim, no artigo 123, a constituição descrevia os direitos sociais dos trabalhadores: fixação da jornada de trabalho em oito horas; normalização do trabalho infantil e feminino; licença maternidade e intervalos para amamentação; repouso semanal remunerado; fixação de salário mínimo; isonomia salarial; remuneração adicional em horas extras; participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; encargo patronal pelo fornecimento de 20 habitação, escolas, enfermarias e outros serviços a seus empregados; responsabilidade patronal pela prevenção de acidentes de trabalho; liberdade sindical e direito de greve; indenização ao empregado por dispensa sem justa causa; previsão de leis instituindo seguros sociais. Por derradeiro, cumpre mencionar que, embora mantendo o capitalismo, essa foi a constituição socialmente mais avançada até então produzida pela humanidade. 1.5.2 Constituição Russa de 1918 Após a revolução socialista russa, os delegados populares reunidos na assembleia que, naquele momento, encarnou o novo poder revolucionário – o III Congresso Pan-Russo dos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses – proclamaram a “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”, que viria a ser conhecida como um contraponto proletário à Declaração burguesa de 1789. Essa Declaração inaugurou uma ótica completamente nova da abordagem tradicional dos direitos humanos. Em vez da perspectiva individualista, de um ser humano abstrato, contida na Declaração de 1789, a Declaração russa elege como ponto de partida o ser humano concretamente existente, que está na sociedade ocupando determinada posição social. Ela reconhece que a sociedade capitalista está cindida em classes sociais antagônicas e nega a noção de sociedade juridicamente igualitária e, portanto, uniforme. Assim, a Declaração toma partido dos explorados e procura suprimir toda exploração do homem pelo homem a partir da nacionalização dos meios de produção, dos bancos e da obrigatoriedade do trabalho (FIORIM 2006, on-line). Relevante mencionar que, a declaração acima mencionada, será incorporada à primeira Constituição da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, em julho de 1918. Essa Constituição manifesta o propósito de assegurar liberdade e igualdade reais aos que, até então, nunca as haviam tido: os trabalhadores das cidades e do campo. Ela assegura a separação entre Estado e Igreja, a liberdade de 25 expressão (art. 14), de reunião (art. 15) e de associação dos trabalhadores (art.16). Garante o acesso à educação (art. 17) e torna o trabalho um dever de todos (art. 18). No artigo 22 proclama a igualdade de direitos dos cidadãos independentemente de sua raça ou nacionalidade e repudia qualquer opressão das minorias nacionais ou limitação de sua igualdade jurídica. É importante notar que tanto a Declaração quanto a Constituição silenciaram sobre um ponto que, desde o século XVIII, tornara-se crucial no ocidente: as garantias dos direitos individuais. Considerando o caráter socialista da revolução 21 em curso, a ênfase necessária àquele momento acabou recaindo em medidas para a conquista da igualdade, pois se assim não fosse, a desigualdade social do capitalismo não seria quebrada (TRINDADE, 2002, p.157). Derradeiramente, cumpre destacar que, a omissão dos direitos individuais facilitou a imposição ditatorial do governo central, como demonstrou posteriormente a história. 1.5.3 Constituição de Weimar de 1919 Após a 1ª Guerra Mundial, a Alemanha, destroçada pelo conflito e pelos encargos e indenizações de guerra, foi sacudida por uma rebelião, que veio a se tornar uma verdadeira guerra civil, culminando na abdicação do Kaiser Guilherme II, na proclamação da república e na formação de um governo provisório de caráter marcadamente socialista, sob comando do Partido Social-democrata. A socialdemocracia alemã, embora de forte base operária, já havia abandonado a perspectiva de revolução social, estando mais preocupada em conciliar as contradições sociais nacionais. Estando a Alemanha imersa em grave crise econômica e social e ameaçada pelo “perigo vermelho” soviético, a socialdemocracia apoiou a elaboração de uma constituição de caráter social, que incorporasse todos os extratos sociais, a fim de controlar os movimentos sociais. Votada em julho de 1919, a Constituição de Weimar estabelece a igualdade jurídica dos indivíduos, os direitos civis e as liberdades individuais, seguindo a tradição liberal. Assegura a responsabilidade do Estado no amparo à maternidade, à saúde e ao desenvolvimento social dasfamílias (art.119); a assistência à juventude (art.12); os direitos de reunião (art.123); de associação (art.124) e de acesso ao 26 serviço público (art.128). Garante, ainda, a liberdade religiosa, artística, científica e de ensino e assegura a escolaridade obrigatória, pública e gratuita (art.145). No plano econômico, indica que a organização da economia deve assegurar a todos uma existência conforme a dignidade humana, ficando a liberdade econômica individual dentro desses limites (art.151). Garante a propriedade privada, desde que esta cumpra a sua função social (art. 154); prevê a instituição de um direito do trabalho uniforme (art.157) e de um sistema geral de previdência social e de proteção à saúde (art.161) e assegura a liberdade de associação (art.159). A constituição ainda conclama empregados e patrões a colaborarem na regulamentação das condições de salário e trabalho, assim como na evolução econômica geral das forças produtivas (art.165) (COMPARATO, 1999, p.187-188). A Constituição de Weimar, salienta Trindade (2002, p.162-163): Foi, do ponto de vista social, mais tímida do que as constituições mexicana e russa. Mas, exatamente por procurar um ponto de equilíbrio na luta de classes, preservando o capitalismo, inspirou a redação de algumas constituições que, nos entreguerras, buscavam exorcizar o fantasma da revolução mediante concessões aos trabalhadores. Essas constituições pareciam supor que a humanidade ingressava em uma era que a libertaria das guerras, da exploração do homem pelo homem e a resgataria de todas as formas de opressão individual, social, nacional, racial e de gênero, superando a intolerância, os preconceitos e as divisões artificiais entre os seres humanos. Os acontecimentos posteriores, porém, frustrariam esperanças tão otimistas. Apesar de não terem sido postas plenamente em prática, essas constituições sinalizam importante mudança na forma como até então a cidadania vinha sendo reconhecida, na medida em que incorporam uma categoria inteiramente nova de direitos humanos. Elas também significam um avanço na construção do Estado Social que será completamente instituído no pós-Segunda Guerra Mundial. Porém, antes disso, os direitos humanos passarão por um período de grave crise, diante dos governos de ultradireita europeus. A difícil recuperação europeia dos encargos da Primeira Guerra Mundial, associada à grande depressão econômica de 1929, pareciam indicar o desmoronamento completo do capitalismo. O desemprego castigava os trabalhadores num momento em que os sistemas de seguros inexistiam ou ainda eram insuficientes. Essa 27 situação de crise alimentou os movimentos trabalhistas em suas reivindicações por proteção contra as terríveis incertezas do desemprego, da doença e dos acidentes, bem como da certeza da velhice sem ganhos. Cabe dizer que inexistia qualquer solução para tamanha instabilidade no interior do esquema da velha economia liberal. Então, como a resolução desse quadro impôs a necessidade de ampla transformação do funcionamento da economia e do Estado-Nação, pode-se dizer que os reveses econômicos dos entreguerras acabaram por deslocar o liberalismo pelo menos até a segunda guerra mundial (FIORIM 2006, on-line). A reorganização econômica se deu por meio do fortalecimento do Estado Nacional nos planos econômico e social. Caberia ao governo erguer barreiras alfandegárias visando a proteção dos mercados nacionais, subsidiar as atividades produtivas estratégicas, promover o pleno emprego, a fim de diminuir o desemprego em massa e institucionalizar uma série de seguros sociais e econômicos para garantir que os indivíduos dispusessem de um mínimo bem-estar social. A depressão econômica não atingiu a URSS, que ostentava notável crescimento econômico graças aos planos quinquenais pelos quais orientava suas políticas econômicas. Não é à toa que a prática do planejamento será adotada também por países ocidentais, que em meio à crise econômica buscavam uma forma de pôr termo à instabilidade. Muito embora o Estado montado em parte dos países ocidentais nos entreguerras tenha caráter notadamente social, reconhecendo e efetivando direitos sociais aos cidadãos, os direitos humanos enfrentarão um período de violações sistemáticas com a constituição dos Estados nazifascistas na Itália e na Alemanha, que conduzirão o mundo à Segunda Guerra Mundial. Somente após esse conflito é que os direitos humanos recobrarão lugar de destaque e estarão de modo onipresente na agenda internacional. Antiliberal, antimarxista e antidemocrático, o nazifascismo irá se estruturar a partir das figuras pessoais de Hitler e Mussolini e orientará suas ações com vistas à expansão territorial, ao desenvolvimento industrial, principalmente bélico, e à perseguição aos judeus, sobretudo na Alemanha, e aos comunistas. O regime totalitário nazifascista significou a total negação dos direitos individuais, civis e políticos, freando o desenvolvimento e a expansão dos direitos humanos. Os campos de extermínio dos “imperfeitos” e das “raças impuras” foram o maior atentado aos direitos à vida, à igualdade e à liberdade. 28 O racismo deformou a concepção de que todo homem tem uma mesma natureza e instaurou e demarcou diferenças, o que inviabilizou o discurso e a própria ideia de direitos humanos que vinha evoluindo desde 1789. Sem dúvida alguma, foi um período de grave crise dos direitos, pois chegou-se a negar validade à sua titularidade para todos os seres humanos. Isso afastava tanto a noção de que todas as pessoas são naturalmente titulares de direitos (visão jusnaturalista) como as várias concepções, entre elas a marxista, que consideram essa titularidade como resultado do processo histórico de conquistas sociais. Negado isso, quaisquer atentados aos seres humanos podem ser perpetrados sem subterfúgios. Não há mais necessidade de justificar violações mediante recursos da racionalidade. Todos os que, real ou supostamente, se interpuserem ao objetivo eleito – salvação da raça, redenção da pátria – tornam-se simplesmente obstáculos a serem removidos. Não são humanos ou, se o forem, são de uma espécie inferior. Na hipótese mais benéfica, inassimiláveis. São, em todo o caso, pouco mais que animais – portanto, descartáveis, judeus, comunistas, socialdemocratas, sindicalistas, dissidentes católicos e protestantes, ciganos, deficientes mentais, eslavos, sérvios e gregos não colaboracionistas etc. (TRINDADE, 2002, p.184). Analisando esse momento do século XX, Trindade (2002, p. 183) conclui que: O nazismo e os demais fascismos legislaram e agiram contra a humanidade, praticaram políticas racistas, xenófobas e imperialistas, dividiram pessoas e populações entre as que deveriam viver e as que precisariam ser abolidas, tentaram o extermínio, por métodos industriais, de povos inteiros, e levaram 60 milhões de seres humanos a morrerem durante a guerra que deflagraram. Ante o exposto, vê-se que fora examinada a fase do direito denominada expressa, como concreta e limitada, visto que quando as declarações são incorporadas às constituições nacionais e medidas políticas são tomadas para sua consecução. Findadas as considerações acerca dos Direitos Humanos, bem como abordada a conquista dos Direitos Sociais sob a ótica do Direito Comparado, no próximo capítulo abordar-se-á a questão dos Direitos Humanos ante o Estado Democrático de Direito. 29 2 OS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Preliminarmente, importa destacar que a democracia consiste em um conjunto de valores alicerçados no conceito da pessoa humana – igualdade, liberdade e segurança jurídica -, compreendendo um ponto de vista mais abrangente da noção de Estado de Direito, o qual foi construído a partir de uma manifestação jurídica da democracia liberal. Desse modo,a hegemonia do liberalismo sucedeu um enfático debate entre o Estado de Direito e a sociedade democrática. Assim, as transformações históricas revelaram a sua existência insatisfatória, fato que ensejou na criação da ideia de Estado Social de Direito, por vezes, dotado de elementos democráticos. Alcança-se, agora, ao Estado Democrático de Direito, recepcionado pela Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu art. 1º, estabelecendo o regime adotado. O mesmo ocorre nas Constituições da República Portuguesa e do Reino da Espanha, respectivamente nos arts. 2º (Estado de Direito Democrático) e 10º (Estado Social e Democrático de Direito). Aduz Silva (2007, p. 112): O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. Referindo-se aos preceitos históricos, percebe-se que o Estado de Direito tem seus pilares no chamado Estado Liberal, ou melhor, Estado Liberal de Direito, cujos elementos essenciais são: dependência da lei, sendo que esta representava um ato advindo do Poder Legislativo, o qual se incumbia de desempenhar as atribuições em nome do povo-cidadão; separação dos poderes, que divide de modo independente e harmônico os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com o intuito de asseverar a criação de leis, a independência e imparcialidade deste último em razão dos demais e coerção dos que detém poder particular; exposição e segurança dos direitos individuais. Tais primados denotam os preceitos fundamentais do Estado de Direito, fundado na concepção liberal que apoia os direitos do homem, transformando os súditos em cidadãos desprendidos. 30 Contudo, características do Estado Liberal como neutralidade e individualismo causaram inúmeras injustiças, relevando aos movimentos pretéritos a insuficiência das liberdades burguesas e ressaltando, deste modo, a necessidade de se propor uma justiça social fundamentada no Direito. Assim, converte-se em Estado Social de Direito o qual apresenta um Estado despojado do individualismo liberal que observa os direitos sociais e as metas de justiça social. Tem-se o “Welfare State”, um Estado que visa ao capitalismo, como meio de obtenção de produção, e ao bem-estar social da coletividade (BESTER, 2005, p. 11). Destarte, os países ocidentais, como a Alemanha e a Espanha, aderiram esse conceito de Estado Social de Direito no momento que se reportam, em suas Constituições, às atividades sociais e econômicas. Não obstante as críticas encetadas a despeito do Estado de Direito e o Estado Social de Direito, vê-se que nem sempre houve a preocupação de se promover um Estado Democrático. Este, por sua vez, tem seus pilares concatenados no primado da soberania popular – evolução do Estado Democrático –, que, segundo Ferreira (2002, p. 75): Representa o poder do povo, expresso pelo eleitorado, de eleger seus principais representantes (a cidadania ativa) ou de ser eleito (cidadania passiva). Almeja atingir ao princípio democrático a fim de se impor a segurança geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Contudo, relevante mencionar que esse ideal de Estado Democrático somente pode ser compreendido a partir da noção de governo do povo, a qual se mostra inserida no próprio conceito do vocábulo democracia, sendo necessário ponderar de que maneira se atingiu a prevalência de um governo popular e quais são as instituições do Estado concebidas pela ratificação desse governo. Após, é imprescindível conhecer como o Estado, que foi sistematizado com preceitos democráticos, organizou suas teorias que vêm sendo compiladas nas Constituições no que diz respeito às formas de Estado e de governo. Infere-se, portanto, que a igualdade apregoada no Estado de Direito, no ideal clássico, caracteriza-se na lei (preceito formal e abstrato), não tendo fundamento material que se realize na vida concreta. Na experiência frustrada de se conquistar um Estado Social de Direito, não foi possível garantir a justiça social nem tão pouco 31 a participação democrática do povo. Já o Estado Democrático viabiliza meios de se prover uma justiça material em todos os seus âmbitos. A ideia de Estado Democrático de Direito não consiste apenas na reunião dos conceitos de Estado Democrático e de Estado de Direito. Na verdade, funda um conceito novo, atentando-se aos elementos componentes os quais se prevalecem na medida em que reúne um componente revolucionário de transformação da condição anterior. Dessa forma, é que se denota o impetuoso apreço do artigo 1º da Constituição da República do Brasil de 1988, no instante em que se ratifica como Estado Democrático de Direito. Tal conceito admite a democracia como sendo o resultado do convívio social numa sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º da CF), onde o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (artigo 1º, parágrafo único, CF); participativa, uma vez que o povo faz parte do processo decisório e da constituição dos atos do governo; pluralista, pois considera a universalidade de pluralismo de concepções, etnia e cultura; libertação da pessoa humana das formas de opressão. Segundo Díaz (2002) apud Silva (2007, p. 120): O Estado Democrático de Direito aparece como a fórmula institucional em que atualmente, e sobretudo para um futuro, pode vir a concretizar-se o processo de convergência em que podem ir concorrendo as concepções atuais da democracia e do socialismo. A passagem do neocapitalismo ao socialismo nos países de democracia liberal e, paralelamente, o crescente processo de despersonalização e institucionalização jurídica do poder nos países de democracia popular, constituem em síntese a dupla ação para esse processo de convergência em que aparece o Estado Democrático de Direito. Ainda o mesmo autor, sintetiza e conceitua-o como “a institucionalização do poder popular ou, como digo, a realização democrática do socialismo. Acaso esteja despontando-se uma nova definição para o estatismo, uma vez que o socialismo de Marx apresentava imperfeições no instante em que o Estado tem que administrar os bens de produção. Ainda, Barile (2000) apud Moraes (2004, p. 53) define: O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger- se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais. 32 Por derradeiro, cumpre destacar que, a Constituição Federal 1988, não acolhe inteiramente o socialismo ao declarar, em seu art. 1º, aderente do Estado Democrático de Direito, uma vez que somente permite precedentes de cunho social com respaldo na dignidade da pessoa humana. 2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Os princípios fundamentais constituem-se em diretrizes basilares que impulsionam decisões de cunho político indispensáveis ao estabelecimento do Estado Democrático de Direito, definindo lhe a forma de ser. Observa-se que o adjetivo fundamental denota a ideia de algo extremamente necessário, sem o qual não se permitiria a existência de qualquer alicerce, pelo que tal inserção na Carta Magna demonstra o intuito do nobre constituinte em elevar os princípios à função de normas que sustentam a ordem constitucional, sendo, deste modo, admitidos como fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito. Assim, estabelece-se no artigo 1° da Constituição Federal de 1988, o rol de princípios fundamentais, dos quais, está presente o princípio da dignidade da pessoa humana, in verbis: Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – A soberania; II – A cidadania; III – A dignidade da pessoa humana; IV – Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – O pluralismo político. Seguindo os passos de outros países, a Constituição Brasileira confere ao princípio da dignidade da pessoa humana caráter normativo amplo, visto que apresenta reflexo perante todo sistema político, social e jurídico. Além disso, expressa, de forma veemente, a importância que o Estado atribui à pessoa humana, uma vez que aquele existe em razão desta. Portanto, o ser humano representa a motivação de toda a atividade estatal. Nesse aspecto, Tepedino (2001, p. 500) destaca que: 33 A dignidade da pessoa humana torna-se o objetivo central da República, funcionalizando em sua direção a atividade econômica privada, a empresa, a propriedade, as relações de consumo. Trata- se não mais do individualismo do século XVIII, marcado pela supremacia da liberdade individual, mas de um solidarismo inteiramente diverso, em que a autonomia privada e o direito subjetivo são remodelados em função dos objetivos sociais definidos pela Constituição e que, em última análise, voltam-se para o desenvolvimento da personalidade e para a emancipação do homem. O lugar proeminente que ocupam os princípios traduz a marca do direito constitucional contemporâneo e é consequência do reconhecimento que se aplica aos mesmos de plena eficácia, sobrepondo-se, desta feita, ao antigo entendimento formalista ou puramente complementar das regras legais. Como salienta Sarmento (2004, p. 42), a ascensão dos princípios hoje vive “a sua idade de ouro”. Adiante, o autor acrescenta que: Simbolizam traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam. Revestem-se de um grau de generalidade e de abstração superior ao das regras, sendo, por consequência, menor a determinabilidade do seu raio de aplicação. Ademais, os princípios possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que o condensam. A superioridade dos princípios na Magna Carta é sustentada pelo autor Ivo Dantas (2002), o qual defende que a existência daqueles possibilitam a criação de um sistema interno de hierarquia na própria Constituição Federal, tendo em vista que estão em patamar acima das demais questões preconizadas no texto maior e sobre estas, desempenham uma força vinculante, no que tange à atividade interpretativa. Em contraposição a esta tese, há a teoria da unidade da Constituição, a qual vaticina que as normas constitucionais estão apresentadas e organizadas num mesmo plano, sem previsão de hierarquia. A ação imediata dos princípios, decorre do funcionamento de parâmetros interpretativos e integrativos, uma vez que apresentam suporte à ordem jurídica sob o aspecto de sistema. Nesse ínterim, as normas jurídicas, para grande parte dos juristas, delineiam duas estruturas: regras e princípios. Barroso (2003, p. 152) explica: 34 A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas- princípio e as normas-disposição. As normas–disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema. Por sua vez, Ávila (2004, p. 31) propõe um conceito que tem a finalidade de promover a diferenciação entre as regras e os princípios: As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Findando a análise das teorias que debatem sobre princípios e regras, cabe ressaltar que o constituinte brasileiro não enquadrou a dignidade da pessoa no elenco dos direitos e garantias fundamentais, pois preferiu enfatizá-la como princípio fundamental. Neste contexto, Sarlet (2002, p. 69-70) ensina que: O dispositivo que reconhece a dignidade como princípio fundamental encerra normas que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (não-violação da dignidade), mas que também impõem condutas positivas no sentido de proteger e promover a dignidade, tudo a demonstrar a multiplicidade de normas contidas num mesmo dispositivo. Deste modo, percebe-se que o constituinte de 1988 preocupou-se em colocar a dignidade da pessoa humana em ponto de destaque, isto é, como fundamento da República Federativa do Brasil, a partir da perspectiva de Estado Democrático de Direito, para demonstrar que o indivíduo é o alvo da moderna estrutura jurídica, bem como para esclarecer que qualquer prática que tende a reduzi-la à condição de coisa ou que intencione a privá-la dos meios necessários a sua manutenção, não será admitida. 35 Garcia (2004, p. 54), evidencia que: Na Constituição brasileira (...), a dignidade da pessoa humana figura entre os princípios fundamentais que estruturam o Estado como tal, portanto, inserindo-se entre os valores superiores que fundamentam o Estado, a dignidade da pessoa representará o crivo pelo qual serão interpretados não somente os direitos fundamentais mas, todo o ordenamento jurídico brasileiro nas suas variadas incidências e considerações. A seu turno, Bonavides (2004, p. 233), aduz que: Nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade humana. Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto, máxima e, se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana disponibiliza uma área de integridade moral a ser resguardada a toda e qualquer pessoa, simplesmente pelo fato de existir no mundo, fato este que permite inferir que é um valor que se confere elevada importância jurídica. 2.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PARÂMETRO ÉTICO-JURÍDICO Examinando este princípio à luz dos acontecimentos históricos, há que se realçar a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, como marco internacional do avanço da moral da humanidade, visto que, no artigo 1°, expressa o compromisso encetado com a dignidade da pessoa humana quando determina que “todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade". Certamente, este preceito foi inspirado através das experiências desastrosas das duas grandes guerras mundiais da primeira metade do século transcorrido, as quais contribuíram para reforçar o pensamento jusnaturalista acerca da concepção da dignidade da pessoa humana, bem como suportaram a inserção de conceitos racionais e laicizados, mantendo, porém, o entendimento de que todos os homens são iguais em dignidadee direitos. 36 Todavia, no entender de Sarlet (2002, p. 32): Kant é o filósofo que apresenta a dignidade como fator de autonomia sob o olhar ético do ser humano, visto que compreende que este é detentor de razão e pode, desta maneira, auto determinar-se e agir em conformidade com as exigências legais, colocando-se em posição de notável destaque. Posto isto, observa-se que o princípio em questão tem a finalidade de permitir um progresso ético que viabilizou a introdução do mesmo na ordem universal dos direitos fundamentais do homem. Nesta cadência, constata-se que os direitos fundamentais estão ligados ao conceito de dignidade de pessoa humana, ainda que apresentem conteúdo e forma de aplicações diversas, pois visam assegurar o desenvolvimento das pessoas. Ademais, este princípio funciona como elemento atrativo daqueles. Sobre o vínculo entre os direitos fundamentais e o princípio da dignidade pessoa humana, discorre Sarlet (2002, p. 84): Neste Contexto, verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre dignidade da pessoa e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá - apenas a partir deste dado - concluir que não se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Com efeito, sendo correta, a premissa de que os direitos fundamentais constituem - ainda que com intensidade variável, explicitações da dignidade da pessoa, por via de consequência e, ao menos em princípio (já que exceções são admissíveis, consoante já frisado), em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa humana. Tal princípio, portanto, apresenta-se como conteúdo indispensável para a existência dos direitos e garantias fundamentais do homem, bem como para permitir que se viabilize o desenvolvimento moral da humanidade. Contudo, há que se ressaltar que tem a possibilidade gerar implicação de caráter negativo, por via de restrições ao poder público e aos particulares, no que concerne às ações que intencionem prejudicar a dignidade pessoal, com o fito de transformar o homem em objeto, desprovido de autonomia e dignidade. Em oposição àquele, existem medidas positivas que tem a finalidade de tutelar 37 este princípio, através de mandamentos explícitos e implícitos (SARLET, 2002, p. 32). 2.3 A DEFERÊNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO ÉTICO-JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS A dignidade do indivíduo representa um adjetivo elementar e a origem de todos os valores, sobrepondo-se ao direito positivo, ainda que se admita que a expressão “dignidade da pessoa humana” é consequência da evolução de pensamento da humanidade. Nesse ínterim, a concepção ética faz-se presente em todas as épocas para colaborar na formação desse princípio. Deste modo, considerando que a ética apresenta intensa relevância no conteúdo dos direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana, importa destacar que as reformas das instituições devem ser verificadas a partir de uma análise progressista do agir ético do ser humano. As instituições políticas, como preconiza Montesquieu, são compostas por um espírito que é um agrupamento de valores e costumes vigorante no âmbito popular. A ordem jurídica, como elemento único, é insuficiente para transformar os costumes sociais, sendo, pois, necessária uma construção lógica e educacional das gerações no sentido de promover um respeito à dignidade humana de forma consciente (COMPARATO, 2006, p. 414). Nesse contexto, entendendo que o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem é indispensável para se compor um Estado Democrático de Direito, firma- se a problemática de que se deve repelir toda violação àquele. Em decorrência disso que tais direitos são positivados para ensejar e possibilitar que seja efetivamente observado pela humanidade. A força jurídica normativa dos princípios constitucionais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana é ressaltado por Sarlet (2002, p. 70), ao afirmar que: A qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1º, inciso III, da nossa Lei Fundamental, não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral mas, acima de tudo, constitui norma jurídico-positiva, dotada, em sua plenitude, de “status” constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente dotada de eficácia. 38 Sobre o princípio em tela, aponta Silva (2007, p. 94): Em conclusão, a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza. Infere-se, assim, que a dignidade constitui valor jurídico mais elevado no ordenamento constitucional, pois é um valor jurídico supremo. A denotação pré- positiva da dignidade da pessoa humana é invocada para caracterizar o “fim supremo de todo o Direito” ou para determinar a não violação a esse princípio, o qual é visto como respaldo jurídico de todo o arcabouço dos direitos fundamentais. A sociedade livre, justa e solidária concatenada na Constituição Federal de 1988, a qual é regida por preceitos democráticos, somente é oportunizada quando se elevou a dignidade da pessoa humana ao patamar de fundamento deste Estado, fato este que priorizou o avanço da personalidade das pessoas que compõem a sociedade. A teor dessa importância, vê-se que, ao longo do texto constitucional, está presente a dignidade da pessoa humana de diferentes formas, como estabelecer o escopo da ordem econômica no sentido de destacar a existência digna (artigo 170, caput); planejamento familiar calcado neste princípio (artigo 226, § 6º); a dignidade da criança e do adolescente (artigo 227, caput). Nesse sentido, Häberle (2005, p. 93-94), aduz que: Uma Constituição que parte da dignidade humana e de sua proteção deve preocupar-se com que essa dignidade (incluindo suas vinculações) seja vista com um objetivo pedagógico − desde as escolas até a regulamentação da atividade de radiodifusão −, mesmo onde a dignidade não esteja textualmente como constituindo objetivo pedagógico. Da previsão textual da dignidade deriva sua condição do objetivo pedagógico e educativo. A Constituição assume este compromisso perante si própria. Em igual sentido, manifesta-se Bonavides (2004, p. 240): Toda a problemática do poder, toda a porfia de legitimação da autoridade e do Estado no caminho da redenção social há de passar, de necessidade, pelo exame do papel normativo do princípio da 39 dignidade da pessoa humana. Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto, máxima e se houve reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia de normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados. Assim, verifica-se o reconhecimento jurídico e moral do princípio da dignidade da pessoa frente aos direitos fundamentais do homem. Porém, é sabido que estes, ante determinada situação em concreta, apresenta, entre si, conflito, o que deriva o chamado colisão de direitos fundamentais, permitindo a restrição de um para tutelar outro. 2.4 O FENÔMENO DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS Primeiramente, importa ressaltar que, a posição axiológica e normativa dos direitos fundamentais num Estado Democrático de Direito, a qual parte da premissa de que o homem deve ser respeitado
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