Buscar

História da Educação Infantil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ESCOLA INFANTIL : PRA QUE TE QUERO? 
 
UM POUCO DA HISTORIA... 
Durante muito tempo, a educação da criança foi considerada uma responsabilidade das famílias ou do grupo 
social ao qual ela pertencia. Era junto aos adultos e outras crianças com os quais convivia que a criança aprendia a 
se tornar membro deste grupo, a participar das tradições que eram importantes para ele e a dominar os 
conhecimentos que eram necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências da vida 
adulta. Por um bom período na história da humanidade, não houve nenhuma instituição responsável por 
compartilhar esta responsabilidade pela criança com seus pais e com a comunidade da qual estes faziam parte. Isso 
nos permite dizer que a educação infantil, como nós a conhecemos hoje, realizada de forma complementar à 
família, é um fato muito recente. Nem sempre ocorreu do mesmo modo, tem, portanto, uma história. 
Este percurso (esta história), por outro lado, só foi possível porque também se modificaram na sociedade as 
maneiras de se pensar o que é ser criança e a importância que foi dada ao momento específico da infância. Para en-
tendermos isso, basta perguntar aos nossos pais ou aos nossos avós como eram tratados em sua infância 
meninas/meninos, que tipo de educação eles/ elas receberam, quem era a/o responsável imediata/o pela sua 
educação. Suas respostas vão demonstrar, tenho quase certeza, como variam, de época para época, nossas 
maneiras de encarar os fenómenos sociais, como a educação, e os sujeitos sociais, como as crianças. Quero lembrar 
também que, pelo fato de mudarem, tanto a maneira de considerar os fenómenos (a educação, por exemplo) quanto 
os sujeitos (as crianças, neste caso), isto não quer dizer que tal mudança represente sempre progresso, melhoria, 
aperfeiçoamento, como fomos acostumados a pensar. 
O surgimento das instituições de educação infantil esteve de certa forma relacionado ao nascimento da escola 
e do pensamento pedagógico moderno, que pode ser localizado entre os séculos XVI e XVII. A escola, muito 
parecida com a que conhecemos hoje, organizou-se porque ocorreu um conjunto de possibilidades: a sociedade na 
Europa mudou muito com a descoberta;de novas terras, com o surgimento de novos mercados e com o 
desenvolvimento científico, mas também com a invenção da imprensa, que permitiu que muitos tivessem acesso à 
leitura (da Bíblia, principalmente). A Igreja teve um papel importante na alfabetização e, em virtude das 
disputas religiosas entre católicos e protestantes, os dois lados se esforçaram para garantir que os seus fiéis 
tivessem um mínimo de domínio da leitura e da escrita. É preciso lembrar que, com a implantação da sociedade 
industrial, também passaram a ser feitas novas exigências educativas para dar conta das novas ocupações no 
mundo do trabalho. 
Por outro lado, também foram importantes, para o nascimento da escola moderna, uma série de outras 
condições: uma nova forma de encarar a infância, que lhe dava um destaque que antes não tinha; a organização de 
espaços destinados especialmente para educar as crianças, as escolas; o surgimento de especialistas que falavam 
das características da infância, da importância deste momento na vida do sujeito e de como deveriam se organizar as 
aulas, os conteúdos de ensino, os horários, os alunos, distr ibuir recompensas e punições, enfim estabelecer o que 
e o como ensinar; e, também, uma desvalorização de outros modos de educação da criança antes existentes.
1
 
As creches e pré-escolas surgiram depois das escolas e o seu aparecimento tem sido muito associado com o 
trabalho materno fora do lar, a par t ir da revolução industr ial. Devemos lembrar, no entanto, que isto também 
esteve relacionado a uma nova estrutura familiar, a conjugal, na qual pai/mãe/seus filhos passaram a constituir 
uma nova norma, diferente daquelas famílias que se organizavam de forma ampliada, com vários adultos convivendo 
num mesmo espaço, possibilitando um cuidado que nem sempre estava centrado na figura materna. Outro fato 
que precisa ser lembrado é que muitas teorias nesta época também estavam interessadas em descrever as crianças, 
sua natureza moral, suas inclinações boas ou más. Defendiam ideias de que proporcionar educação era, em alguns 
casos, uma forma de proteger a criança das influências negativas do seu meio e preservar-lhe a inocência, em 
outros, era preciso afastar a criança da ameaça da exploração, em outros, ainda, a educação dada às crianças t inha 
por objetivo eliminar as suas inclinações para a preguiça, a vagabundagem, que eram consideradas "características" 
das crianças pobres. O que se pode perceber é que existiram para justificar o surgimento das escolas infantis uma 
série de ideias sobre o que constituía uma "natureza infantil" que, de certa forma, traçava o destino social das 
crianças (o que elas viriam a se tornar) e justificava a intervenção dos governos e da filantropia para transformar 
as crianças (especialmente as dos meios pobres) em sujeitos úteis, numa sociedade desejada, que era definida por 
poucos. De qualquer modo, no surgimento das creches e pré-escolas conviveram argumentos que davam 
importância a uma visão mais otimista da infância e de suas possibilidades, com outros objetivos do tipo corretivo, 
disciplinar, que viam principalmente nas crianças uma ameaça ao progresso e à ordem social. 
Todo este conjunto de ideias, com os conflitos que existem entre elas, vieram a influenciar as instituições 
que surgiam e marcaram de forma muito forte as propostas e a forma de atuação dos educadores, em cada creche e 
pré-escola. Outro dado que é preciso lembrar é que a expansão destas instituições, especialmente no final do século 
XIX na Europa e mais para a metade do século XX no Brasil, recebeu também grande influência das ideias dos 
médicos higienistas e dos psicólogos, que traçavam de forma bastante estrita o que constituía um desenvolvimento 
normal e quais as condutas das crianças e de suas famílias que deveriam ser consideradas normais ou patológicas. O 
que se poderá perceber, num retrospecto histórico, revendo como tais noções se disseminaram e marcaram gerações, 
é que este conjunto de ideias se baseou em concepções particulares, algumas marcadas de forma acentuada pêlos 
preconceitos. Estas ideias vieram a fazer com que muitas práticas discriminatórias fossem exercidas em nome do que 
era "certo", "normal", "adequado", em relação às condutas humanas, levando à exclusão daqueles que eram 
"diferentes", por uma mera impossibilidade de tolerar algo que fugisse a uma norma estabelecida de forma 
arbitrária e que acabava por se tornar não discutível (não podia ser posta em dúvida). Um exemplo disso é a 
discriminação sofrida pelas crianças denominadas de "excepcionais", consideradas por longo tempo incapazes de 
certas aprendizagens e de adaptação a grupos de crianças ditas "normais". 
O que se pode notar, do que foi dito até aqui, é que as creches e pré-escolas surgiram a partir de 
mudanças económicas, políticas e sociais que ocorreram na sociedade: pela incorporação das mulheres à força 
de trabalho assalariado, na organização das famílias, num novo papel da mulher, numa nova relação entre os 
sexos, para citar apenas as mais evidentes. Mas, também, por razões que se identificam com um conjunto de 
ideias novas sobre a infância, sobre o papel da criança na sociedade e de como torná-la, através da educação, um 
indivíduo produtivo e ajustado às exigências desse conjunto social. 
Discutidas as condições que possibilitaram a "invenção" das creches e pré-escolas, acho importante nos 
voltarmos para examinar a que objetivos elas se propõem e, a partir daí, verificar como elas se organizam para 
cumprir esta função. 
 
E, ENTÁO, PRA QUE? 
A educação da criança pequena envolve simultaneamente dois processos complementares e indissociáveis: 
educar e cuidar. As crianças desta faixa etária, como sabemos, têm necessidades de atenção, carinho, segurança, sem 
as quais elas dificilmentepoderiam sobreviver. Simultaneamente, nesta etapa, as crianças tomam contato com o 
mundo que as cerca, através das experiências dire-tas com as pessoas e as coisas deste mundo e com as formas de 
expressão que nele ocorrem. Esta inserção das crianças no mundo não seria possível sem que atividades voltadas 
simultaneamente para cuidar e educar estivessem presentes. O que se tem verificado, na prática, é que tanto os 
cuidados como a educação têm sido entendidos de forma muito estreita. 
Cuidar tem significado, na maioria das vezes, realizar as atividades voltadas para os cuidados primários: 
higiene, sono, alimentação. Quando uma sociedade faz exigências de trabalho às mães e aos pais de crianças 
pequenas (ou a outros adultos que sejam responsáveis por elas), tem a obrigação de prover ambientes acolhedores, 
seguros, alegres, instigadores, com adultos bem preparados, organizados para oferecer experiências desafiadoras e 
aprendizagens adequadas às crianças de cada idade. Assim, cuidar inclui preocupações que vão desde a 
organização dos horários de funcionamento da creche, compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis pela 
criança, passando pela organização do espaço, pela atenção aos materiais que são oferecidos como brinquedos, pelo 
respeito às manifestações da criança (de querer estar sozinha, de ter direito aos seus ritmos, ao seu "jeitão") até a 
consideração de que a creche não é um instrumento de controle da família, para dar apenas alguns exemplos. No 
meu entendimento, esses cuidados se organizam para que homens e mulheres que também são pais e mães possam 
exercer de forma mais ampla seus papéis como tal, mas também como cidadãos/ãs, trabalhadores/as. Ver os 
cuidados desta forma talvez nos ajude a perceber que eles são indissociáveis de um projeto educativo para a criança 
pequena. 
Por outro lado, a criança vive um momento fecundo, em que a interação com as pessoas e as coisas do mundo 
vai levando-a a atr ibuir significados àquilo que a cerca. Este processo que faz com que a criança passe a 
participar de uma experiência cultural que é própria de seu grupo social, é o que chamamos de educação. No 
entanto, esta participação na experiência cultural não ocorre isolada, fora de um ambiente de cuidados, de uma 
experiência de vida afetiva e de um contexto material que lhes dá suporte. 
A noção de experiência educativa que percorre as creches e pré-escolas tem variado bastante. Quando se trata 
de crianças das classes populares, muitas vezes a prática tem se voltado para as atividades que têm por objetivo 
educar para a submissão, o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma igualmente 
perversa, também ocorrem experiências voltadas para o que chamo de "escolarização precoce", igualmente 
disciplinadoras, no seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola, especialmente, o 
modelo da escola fundamental, as atividades com lápis e papel, os jogos ou atividades realizadas na mesa, a 
alfabetização ou a numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da distribuição das 
atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras. 
Assim, na prática, a dimensão educativa, como acabei de descrever, tem desconhecido um modo atual de ver 
as crianças: como sujeitos que vivem um momento em que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a 
brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo. A infância passa a ser nada mais do que um momento de 
passagem, que precisa ser apressado como, aliás, tudo em nossa vida. 
Ao considerarmos que a educação infantil envolve simultaneamente cuidar c educar, vamos perceber que esta 
forma de concebê-la vai ter consequências profundas na organização das experiências que ocorrem nas creches e 
pré-escolas, dando a elas características que vão marcar sua identidade como instituições que são diferentes da 
família, mas também da escola (aquela voltada para as crianças maiores de sete anos). Enquanto se mantiver a 
confusão de papéis que vê na família ou na escola os modelos a serem seguidos, quem perde é a criança. 
A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO UM PERCURSO OU CAMINHADA (OU ISTO, OU AQUILO...) 
Cada época tem a sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de caracterizar as mudanças que 
ocorrem com ela ao longo da infância. Nos últimos três ou quatro séculos, a criança passou a ter uma importância 
como nunca havia ocorrido antes e ela começou a ser descrita, estudada, a ter o seu desenvolvimento previsto, 
como se ele ocorresse sempre do mesmo jeito e na mesma sequência (de forma linear e progressiva). Uma série de 
transformações que estão ocorrendo hoje, nos modos de pensar a experiência humana, nos permite dizer que as 
descrições feitas pêlos psicólogos, por exemplo, de como se dá o desenvolvimento humano, nada mais são do que 
uma explicação entre muitas outras possíveis deste fenómeno. Portanto, a ideia de sujeito em formação e de como é 
vivida a experiência da infância podem variar de época para época (são históricas) e as escolhas que fazemos para 
dirigir este processo, também. Assim, aquilo que vou descrever como uma experiência possível e desejável de 
educação infantil e as teorias que vou escolher para justificar as minhas escolhas nada mais são do que escolhas 
arbitrárias, aquilo que acredito, hoje, como o mais adequado quando penso a educação da crian ca pequena.
2
 
Foi a pensadora alemã Hannah Arendt
3
 que afirmou: 
Com a concepção e o nascimento, os pais não deram somente a vida a seus filhos, eles, ao mesmo tempo, introduziram-nos em 
um mundo. Educando-os eles assumem a responsabilidade da vida e do desenvolvimento da criança mas também da continuidade do 
mundo. 
Quando escolhi esta a citação quis assinalar três coisas: 
• que a responsabilidade pela criança é cheia de conflitos, ela envolve protegê-la do mundo, cuidar para que 
ela não sucumba aos seus perigos, mas, também, garantir que as novas gerações preservem o mundo que 
receberam para assegurar que ele e a humanidade sobrevivam; 
• que as crianças chegam a um mundo que já está lá, pronto de um certo modo, um mundo que as faz 
"se tornarem gente": "Aí está o mundo!", que é o mundo da cultura (no qual já estão presentes formas de 
se expressar, tradições, costumes, histórias, objetos, modos de conviver...). Portanto, a experiência que elas 
vão viver não é uma experiência de descoberta, como querem alguns, mas de "recriação", a criança 
trabalha sobre elementos já presentes na cultura de seu grupo de origem (aqui está presente a ideia de 
que nada é absolutamente original. A criança não cria a partir do nada, mas de significados que fazem 
parte da linguagem e do património cultural do seu grupo. Portanto, estes significados, ao mesmo 
tempo em que são transmitidos e ativamente incorporados por ela, também a constituem e conformam 
de uma determinada maneira.) 
• que a responsabilidade pela entrada da criança no universo cultural que ela compartilha com seu grupo 
social tem, cada vez mais, envolvido outros sujeitos e instituições fora da família. E isso é fruto de algo 
a que me referi antes, das profundas transformações que ocorreram no campo social. Daí se considerar 
hoje que a experiência de educação das crianças deve ser compartilhada pelas famílias e pelas 
instituições educativas, mas também pela sociedade. 
Este processo de constituição dos sujeitos no mundo da cultura é o que chamamos de educação - o 
fenómeno pelo qual a criança (mas também os jovens e os adultos) passa não apenas a absorver a cultura do seu 
grupo mas também a produzi-la e a ativamente transformá-la. Isso ocorre porque o modo pelo qual compreendemos 
o mundo e atribuímos significado aos objetos que dele fazem parte é altamente dinâmico e se faz através de 
intensas trocas entre os sujeitos. Portanto, a educação não constitui um processo de transmissão cultural, mas de 
produção de sentidos e de criação de significados. A forma corno as instituições escolares, entre elas as crechese pré-
escolas, se organizam para produzir estes processos é o currículo. 
Quero destacar uma ideia de currículo que enfatiza seu aspecto produtivo e interativo. Isto é, o currículo não 
está constituído por informações, conceitos, princípios que s?o passados para os/as alunos/as (geralmente organi-
zados sob a forma de listas de "conteúdos" - aquilo que deve ser ensinado). O currículo é o que crianças e 
professoras/es produzem ao trabalhar com os mais variados materiais - os objetos de estudo que podem 
incluir os mais diversos elementos da vida das crianças e de seu grupo ou as experiências de outros grupos e de 
outras culturas que são trazidos para o interior da creche e da pré-escola. Portanto, não é o conhecimento 
preexistente que constitui o currículo mas o conhecimento que é produzido na interação educacional.4 
A ideia que hoje se faz do currículo é de uma caminhada, de uma trajetó-ria, da direção que toma o processo de 
produção de determinados saberes, do percurso empreendido pêlos alunos/as e professores/as em seus estudos. 
Esta ideia de produção do conhecimento, na experiência escolar, se aplica a todas as etapas do processo que se 
realiza nas instituições educativas, incluindo também aquelas dedicadas à educação infantil. Por essa razão, a 
experiência de educação das crianças já desde a creche implica a existência de um currículo. 
Até muito recentemente - mais ou menos até os anos 60 - as questões curriculares não constituíam motivo 
para grandes conflitos, apesar de discussões a respeito do que se deveria ensinar às crianças pequenas das 
classes populares terem já ocupado educadores do início do século XIX. O currículo escolar que determinava ou 
direcionava as trajetórias escolares das crianças e jovens (o que deveria ser ensinado e como ocorreria este 
processo) não era objeto de grande contestação. A ideia de que o currículo faz parte de uma tradição cultural - 
isto é, daquilo que um grupo construiu e valoriza - que é uma maneira de transmitirmos uma herança para as 
nossas crianças, que esta transmissão nunca é tranquila, que aquilo que passa entre as gerações vai sendo 
modificado para se ajustar aos novos tempos, às novas ideias, às novas descobertas tecnológicas, às influências de 
outras culturas, às crises que ocorrem no mundo, etc, todas essas ideias são relativamente recentes, muito pouco 
discutidas e dificilmente têm tido efeito nas novas propostas curriculares. 
O que quis mostrar até aqui é uma visão do currículo muito mais política, muito mais comprometida com a 
ideia de que a educação é o processo pelo qual nos tornamos o que somos, a educação constitui os indivíduos de 
uma determinada maneira, portanto, importa muito neste processo aquilo que é ensinado na escola infantil. 
O que o exame de muitas propostas curriculares tem mostrado é que os conhecimentos selecionados para 
fazerem parte da experiência curricular geralmente estão organizados em blocos que não se comunicam uns 
com os outros. Os conteúdos são organizados a partir de uma distribuição artificial -as disciplinas - e acabam 
sendo trabalhados com as crianças de forma fragmentada - aos pedaços - como se fossem farrapos. O que quero 
dizer com isto? Que esta é uma forma entre muitas de organizar o que se ensina, mas tem sido tomada como a 
única possível. Pergunto: será que em seu contato com as coisas do mundo as crianças pensam sobre elas apenas 
de um ponto de vista matemático ou linguístico ou como objetos do mundo social ou natural? Esta perspectiva 
disciplinar é uma das piores heranças que recebemos de nossa educação e ela tem impedido que formas mais 
criativas de organizar o conhecimento escolar possam substituí-la. 
 
Também os currículos têm a pretensão de ser neutros, isto é, servir igualmente a todos, sem considerar que o 
sujeito que aprende é menina ou menino, negro/branco/amarelo/mestiço, nasceu na zona rural ou urbana, vem de 
uma família de migrantes ou de outra que vive há muito tempo na comunidade... Enfim, que as crianças envolvidas 
pela experiência curricular são caracterizadas pelas diferenças. 
Penso que o nosso desafio está em conceber novas experiências no campo do currículo, incluindo as múltiplas 
manifestações culturais (da experiência política, dos modos de viver e de relacionar-se, do folclore, da literatura, 
da arte, da música, da TV, do cinema, das revistas e jornais...) que são expressão da riqueza do mundo humano. Não 
existe apenas um conhecimento, uma tradição que deve ser compartilhada por todos, na sociedade. Portanto, não 
existe apenas um currículo, válido para todos. Tomando como exemplo alguns fatos hoje correntes, tanto podem 
fazer parte da experiência curricular as eleições para escolha de um novo prefeito, governador ou presidente, um 
furacão no Caribe, a maneira como nascem os bebés, a construção de um teatro de bonecas ou marionetes, a 
organização de uma festa, quanto o programa favorito da TV os novos animais que nasceram num parque da 
cidade, a reorganização dos cantinhos da sala... O que temos que deixar de lado é uma visão "escolar" do 
currículo que toma como modelo as formas de trabalhar o conhecimento que herdamos do ensino fundamental. 
Quero ressaltar que da experiência curricular não resultam apenas o que temos considerado tradicionalmente 
como conhecimento: o domínio de informações e o desenvolvimento do raciocínio, de formas de pensar, que a 
gente quer cada vez mais complexas, aperfeiçoadas, abstraias. A experiência que a criança vive na escola infantil é 
muito mais completa e complexa. Nela a criança desenvolve modos de pensar, mas também se torna um ser que sente 
de uma determinada maneira. O desenvolvimento da sensibilidade, o fato de reagir de uma certa maneira frente 
aos outros e às experiências vividas, o gosto por determinadas manifestações culturais em vez de outras..., não 
são resultados que devem ser desprezados, quando pensamos no tempo e nas experiências que a criança vive ao 
longo da educação infantil. Também é preciso destacar que a criança neste período se torna cada vez mais capaz 
do domínio das operações com o próprio corpo, um sujeito que faz coisas, que desenvolve habilidades, 
destrezas, que se expressa de variadas formas, que se manifesta como um ser ativo e criativo. Todas as ações, 
formas de expressão, de manifestação do gosto, da sensibilidade infantil são marcadas pelo que é vivido e 
aprendido nas creches e pré-escolas (mas também fora delas). Tudo isso constitui conhecimento escolar, na 
educação infantil. Tudo isso faz parte da experiência curricular. 
 
ESCOLA INFANTIL, PRA QUE TE QUERO? 
A maneira como hoje vejo as crianças, como seres ativos, que podem se tornar cada vez mais competentes 
para lidar com as coisas do seu mundo, se tiverem oportunidades para isso, me faz defender algumas ideias que 
não são absolutamente minhas, nem totalmente originais. 
Ao considerarmos que vivemos em contextos culturais e históricos em permanente transformação, podemos 
incluir aí também a ideia de que as crianças participam igualmente desta transformação e, neste processo, acabam tam-
bém transformadas pelas experiências que vivem neste mundo extremamente dinâmico. Portanto, penso que é de 
extrema importância nos darmos conta de que as mudanças que ocorrem com a crianças, ao longo da infância, são 
muito importantes e que algumas delas jamais se repetirão. Em razão disso, considero da maior relevância defender 
o direito da criança à sua infância, o que tem sido negado a muitas delas. 
Continuo pensando que a criança nos desafia porque ela tem uma lógica que é toda sua, porque ela encontra 
maneiras peculiares e muito originais de se expressar, porque ela é capaz através do brinquedo, do sonho e da 
fantasia de viver num mundo que é apenas seu. Outro desafio que as crianças nos fazem enfrentar é o de 
perceber o quanto são diferentes e que esta diferença não deve ser desprezada nem levar-nos a tratá-las como 
desiguais. 
Tudo isso leva-me a pensar que a experiência da educação infantilprecisa ser muito mais qualificada. Ela deve 
incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto, para o desenvolvimento da sensibilidade; 
não pode deixar de lado o desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das 
modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio e a oportunidade para a 
investigação. 
Por tais razões, as instituições de educação infantil são hoje indispensáveis na sociedade. Elas tanto 
constituem o resultado de uma forma moderna de ver o sujeito infantil quanto solução para um problema de 
administração social, criado a partir de novas formas de organização da família e de participação das mulheres na 
sociedade e no mundo do trabalho. 
Para além disso, porém, penso que as creches e pré-escolas vão ainda, por muito tempo, constituir um 
importante espaço de "descoberta do mundo" para um sem-número de crianças. Ora, cumprir esta 
responsabilidade social de compartilhar com as crianças esta descoberta tão instigante não é pouca coisa. Ela 
nos desafia, nos compromete e nos convoca. Cabe a nós a opção. 
NOTAS 
1 Estas condições de aparecimento da escola nacional são desenvolvidas de forma bastante extensa por Varela e Alvarez-Uría, 1992. 
 
'Com relação a este argumento ver também o texto de Jane Felipe: "O desenvolvimento infantil na perspectiva sociointeracionista: 
Piaget, Vygotsky, Wallon", nesta coletânea. 
3
 Cf. Forquin, 1993, p. 13. 
4
 Esta concepção de currículo foi bastante desenvolvida no Parecer da Faculdade de Educação da Ufrgs, 1996. 
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
FELIPE, Jane. O desenvolvimento infantil na perspectiva sociointeraáoniíta: Piaget, Vygotsky, 
Wallon. Nesta coletânea. 
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. Parecer da FACED/UFRGS. Educação & Realidade, v. 
21, n. l, p. 229-241, jan./jun., 1996. VAREI.A, Júlia; AI.VAREZ - URIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria & educação, v. 6, 
p. 68-96, 1992. 
 
Capitulo retirado do Livro:Educação Infantil Para Que Te Quero? Organizado 
por Carmem Maria Craidy e Gladis Elise P. da Silva – Porto Alegre 
:Artmed,2001. Capitulo 1 páginas de 13 a 22.

Outros materiais