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MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. (Trad. Newton Ramos de Oliveira. Campinas, SP: Alínea, 2007. 204 p. Resenhado por DELEPRANI, Felício Oscar1 O livro de Manacorda está dividido em três partes, a primeira, procura fazer uma distinção entre “pedagogia marxista” e “pedagogia marxiana”; a primeira, o autor acusa de dogmática e ilegítima, procedente, principalmente, de críticos que pouco conhecem Marx e defendida por outros autores que, também, pouco o conhecem; a segunda, é a que o autor procura extrair dos escritos de Marx por meio de uma análise filológica das principais obras de Marx e Engels. A segunda parte da obra é dedicada a contrapor a suposta “pedagogia marxiana” a outro modelos pedagógicos, nessa parte é considerada, especialmente a obra de Gramsci. A terceira parte consiste em um diálogo entre o Marx e seus críticos, considerando, como assunto de fundo, a educação e, consequentemente, a questão norteadora do livro: há uma pedagogia em Marx? Na introdução e prefácio da obra, os conceitos principais são anunciados como sendo a educação, a sociedade capitalista moderna e a transição necessária para uma sociedade capitalista. É, exatamente nessa “transição” que a educação se coloca como elemento imprescindível, pois, é por meio dela que se torna possível orientar, essencialmente, a sociedade para “eliminar a propriedade privada”; bem como “ divisão do trabalho” o que resultaria na eliminação da “unilateralidade do trabalho” e da “expropriação”. Todos esses conceitos levam a outros mais específicos como o papel do “Estado” e do “governo”, tanto na sociedade capitalista como na socialista; o conceito de “trabalho” e como esse deve se relacionar com o “ensino”. O conceito de “Trabalho e Instrução” permeia toda a primeira parte da obra onde se procura delinear o esboço do que seria uma “pedagogia marxiana”. Cinco obras obras de Marx são analisadas com profundidade com essa finalidade: Manifesto do partido comunista (1848); o documento que origem ao Manifesto, chamado de Os Princípios do comunismo (1847); As instruções aos delegados, documento que Marx escreveu para instruir a comissão de delegados londrinos participantes do “I 1 1 Teólogo pela FADBA- Faculdade Adventista da Bahia; Liceciando em Letras pelo IFES- Instituto Federal do Espírito Santo; Mestrando em “Cognição e Linguagem” pela UENF- Universidade Estadual Norte-Fluminense. Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores em Genebra” ocorrido em setembro de 1866; O capital, principal obra de Marx com primeira publicação em 1867; e A crítica ao programa de Gotha (1871), uma obra que resulta das anotações marginais de Marx feitas ao programa do Partido Operário Alemão. portanto, é uma pesquisa que procura abranger Marx tanto cronologicamente, 1847- 1871, como na multiplicidade dos assuntos que sua obra aborda: política, filosofia, economia, sociologia etc. Dos Princípios, é possível constatar que a ideia de que o “ensino industrial” promove a “onilateralidade”, isto é, que o indivíduo é capaz de realizar seu trabalho conhecendo os fundamentos teóricos e científicos que o envolvem. No Manifesto, são destacadas as necessidades de um tipo de ensino que seja “público”, “gratuito” e unido ao “trabalho produtivo”; nas Instruções, aparece, dentre outras coisas, uma sugestão para o trabalho de menores que se daria na seguinte proporção: crianças entre 9 e 12 anos, 2 horas de trabalho por dia; aquelas entre 13 e 15 anos, 4 horas de trabalho por dia; e as que tivessem entre 16 e 17 anos, 6 horas de trabalho diário. Além de ser feita uma distinção entre “educação tecnológica” e “politécnica”, sendo este último termo preferível por incluir ensino tecnológico, teórico, físico e prático. Uma vez que a educação politécnica inclui, imprescindivelmente, o trabalho, o autor procura distinguir, em Marx, em que momento o sociólogo trata criticamente esse conceito, a partir da lógica do capitalismo, dos momentos em que o conceito é tratado como ideal, a partir da lógica socialista. Do ponto de vista do capitalismo, o trabalho é uma expressão negativa, pois é por meio dele e através da “propriedade privada”, que surge a unilateralidade do homem, uma vez que esse é retirado de sua condição de indivíduo e o torno “membro” de uma sociedade capitalista. Esse “membro”, é unilateral, pois é “treinado”, para uma função específica e não compreende o processo que produz aquilo que consome. Outro aspecto negativo, nesse sentido, é que a ciência é submetida à demanda da indústria. Do ponto de vista positivo, e segundo a lógica socialista, o trabalho se torna um conceito central da pedagogia “marxiana” que, essencialmente, procura eliminar o “trabalho alienado” substituindo-o pelo trabalho “produtivo”. A diferença é que, segundo a lógica socialista, o trabalho produtivo é “consciente e espontâneo”, permitindo ao indivíduo a consciência de sua existência social. Em outras palavras, no capitalismo o trabalho é “sobretrabalho”, pois o membro da sociedade capitalista produz sua vida material e, com a sobra do seu trabalho, a vida material do proprietário. No socialismo, ele produz a sua vida material e, de forma espontânea, pode produzir a riqueza comum da sociedade. Esse tipo de trabalho é essencial para se entender o que Marx tratou como onilateralidade. Pois, enquanto na sociedade capitalista, os operários trabalham com as mãos e os proprietários com o cérebro, na educação, proposta pela pedagogia marxiana, o operário passa a ter acesso à informação ampla, que abrange as duas coisas. Com isso, pretende-se fazer desaparecer as “classes sociais” e, por consequência, a “divisão do trabalho” em manual e intelectual. Esse tipo de sociedade, no pensamento de Marx, conforme explicado por Manacorda, só possível com a livre associação dos operários que produzirá, de uma lado, a “totalidade da produção” e, do outro a “totalidade do consumo”. Isto é, uma sociedade em que todos produzem e consomem, igualmente. Manacorda conclui a primeira parte do livro trazendo à discussão, a partir dos escritos de Marx a “escola e a sociedade” como “conteúdo de ensino. Mantendo sempre como eixo norteado o domínio, por parte dos operários, não só das técnicas, mas, também, das tecnologias por meio das quais produz suas vidas material e social. Esclarecendo a diferença sutil entre “pluriprofissionalismo” e “onilateralidade. No primeiro caso, há apenas o domínio de variadas formas de trabalho, no segundo, além das formas de trabalho, a ciência que as envolve. Isto é, o indivíduo “onilateral” passa pelas instituições do “ensino tecnológico”, “ensino intelectual” e “trabalho manual”, além, da “ginástica”. Essa diferença reside em dois outros conceitos: “O reino da necessidade” (lógica capitalista) e o “reino da liberdade” (lógica socialista). Em um, o homem trabalha compelido pelas suas necessidades materiais, no outro, o home trabalha para colaborar na construção de uma sociedade livre, que disponha de tempo para outras atividades que vão além da produção da vida material. Na segunda parte, o autor procura comparar a “pedagogia Marxiana” aos demais modelos de pedagogias modernas. Nesse sentido, é travado um profundo diálogo com o filósofo italiano Gramsci. Do diálogo entre Marx e Gramsci, resulta que a pedagogia moderna, em geral, é voltada para os “doutos”, nesse contexto é também “livresca”; quando voltado para os operários, é “técnica” e tende a preparar unilateralmente para o trabalho. Na sociedade socialista, conforme pensada por Marx, a educação “onilateral”, inclui o operário e tem “o germe da escola do futuro”, pois, propõe a reunificação da “ciência e do trabalho”; tem como matriz, a “a realidade da revolução industrial”; e capta o “momento histórico”. Assim, essa escola do futuro deixa de ser voltada apenas para a classe dominante e inclui,além da formação para a cultura, a formação para o trabalho, onilateralmente. Ou, de acordo com o pensamento de Gramsci, a escola deve “estar ligada à vida”. Na terceira e última parte, Manacorda coloca a obra de Marx, sobre a educação, especialmente, da perspectiva de leitores e críticos eruditos como Galvano della Volpe, Lamberto Borghi, Roberto Mazzett, e a concepção católica da pedagogia marxiana. Essa abordagem é feita no sentido de “corrigir” alguns erros de interpretação por parte dos leitores de Marx. Volpe, segundo demonstra Manacorda, teria , teoricamente, encontrado um paradoxo em Marx, a respeito do conceito de “trabalho”, ao questionar o porque de o trabalho, mesmo depois de “expurgado” de sua condição negativa do capitalismo, continua a situar-se no “reino das necessidades”, na sociedade socialista. A essa questão, respeitando a sinceridade e profundidade científica de Volpe, Manacorda propõe outro caminho, em Marx, em que o conceito de “liberdade” e “trabalho” possam coincidir em uma sociedade socialista. Em primeiro lugar, contextualiza que, em Marx, o “trabalho” como “necessidade imediata” é uma atribuição aos “animais”, pois o homem, racionalmente, pode estabelecer leis que regem sua relação com a natureza (trabalho) e produzir não só pela necessidade, mas por outros motivos, como pela “beleza”, do contrário, o que seria a “arte”? Além disto, acrescenta, ainda, que na sociedade capitalista, a “produção” é a finalidade do “homem”, na socialista, o “homem” é que será a finalidade da “produção”. E que a “liberdade” cresce na medida em que o “trabalho” será mais produtivo, por ser desenvolvido a partir da “universalidade” da produção. Por exemplo, o trabalho poderá ser, cada vez mais, relegado às máquinas. Em relação a Borghi, o assunto da “liberdade” e da “necessidade” é discutido de outra perspectiva. Esse teórico, que ao contrário de Volpe, não é marxista, questiona: “se a verdadeira condição humana é a liberdade, por qual virtude dialética pode ela surgir do seu oposto?” Em outras palavras, de que forma o indivíduo, condicionado ao reino das “necessidades” toma consciência do “reino da liberdade”? Manacorda contorna essa situação explicando que, em Marx, há um “devir” que transforma o “limitado” em “amplo e universal”, o “natural” em “histórico”, o “casual” em “voluntário”. E que, esse devir, é explicado a partir do conceito de “mais valia”. Ou seja, para que haja a “mais valia” é necessário, descontar da produção do trabalhado aquilo que é necessário para subsistência e reprodução (trabalho necessário). Ao mesmo tempo, para que essa “mais valia” seja cada vez maior, o capital reduz, cada vez mais, o trabalho necessário. E é, exatamente na redução do trabalho necessário que o devir se torna possível, pois o homem passa a obter alternativas para a produção de sua vida material e se liberta do trabalho alienante. Ainda de forma individual, Manacorda discute o ponto de vista de Roberto Mazzetti, a quem classifica como “apaixonado e sério” estudioso de Owen, um teórico inglês que formulou a distribuição de funções sociais de acordo com a faixa etária dos indivíduos. Para Mazzetti, a forma como Marx e Engels interpretaram e julgaram Owen estava errada e que, portanto, deveria ser revisada. Segundo Manacorda, Marx taxava a teoria de Owen de “utópica”. Mesmo que haja uma “proximidade” entre Marx e Owen, ambos condenam a divisão do trabalho e propõe um ensino integral. A diferença , no entanto, reside no fato de que, Owen condena, por exemplo, a tecnologia e pressupõe uma mudança de “fora para dentro”, Marx, por outro lado, supõe uma mudança dialética, surgida exatamente a partir do “tempo livre” que a tecnologia disponibiliza, portanto, “de fora para dentro”. Não escapa à crítica de Manacorda a perspectiva da formulação pedagógica em Marx conforme concebida pelos católicos. Para isso, considera a fundo a Questioni di Storia Della Pedagogia, obra publicada em 1963 que, dentre outras perspectivas, considerou se há em Marx um modelo pedagógico. De saída, Manacorda chama a atenção para o fato da brevidade com que o assunto fora tratado, na parte em que se procurou delinear o pensamento de Marx, concernente à educação. Em seguida, critica o esforço em situar Marx no “positivismo”. Dois teóricos, na Questioni, foram encarregados de discorrer sobre os pontos em que a obra de Marx tangencia assuntos pedagógicos: Fausto M. Bongioanni e Giuseppe Catalfamo. Os autores, como acusa Manacorda, empreendem uma leitura equivocada em Marx; confundem filologicamente alguns termos do sociólogo alemão; toma a sociedade soviética como exemplo de marxismo; situam Marx no positivismo científico; buscam definir, mais nos críticos do que no próprio Marx, o que é marxismo; e o que é pior, colocam figuras como Mussolini na conta do marxismo. Para finalizar a obra, Manacorda traz uma síntese de assuntos debatidos em uma revista especializada “Riforma dela scuota”, editada por ele mesmo, na década de 1960. Um dos autores, Armando Plebe, diz que não é possível a existência de uma pedagogia marxista, visto que, sequer, exista uma pedagogia como ciência. Plebe ancora-se no próprio Marx, para quem, um assunto que possa ser interpretado particularmente e de forma não universal, não pode ser ciência. E, se as formas como o conhecimento deve ser transmitido, é um assunto subjetivo e abstrato, então não é ciência e, portanto, não pode existir em Marx. Mas, na mesma revista, Rafaelle Laporta, enfrenta o argumento de Plebe. Para isso, ancora seus próprios argumentos na “interdisciplinaridade”, no sentido de que, a Pedagogia, tomando de outras ciências (biológicas, sociológicas, sociais e exatas) os seus pressupostos, constitui-se uma ciência positiva. Os demais autores que contribuíram para a revista se dividiram entre essas duas opiniões, ora aceitando-as de forma definitiva, ora divergindo pontualmente delas. Manacorda, parece concordar, mesmo que parcialmente, com a posição defendida por Laporta. Deste riquíssimo debate, da revista Riforma dela scuota emerge, de forma bela e clara, a possibilidade, finalmente, de uma pedagogia marxiana. Isto é, se de um lado, a pedagogia apenas como “filosofia da educação”, questiona “o como” e o “que” ser ensinado, ou, em outras palavras, como e o que deve ser transmitido às novas gerações para que tomem consciência de sua existência histórica, e este questionamento dá a pedagogia um caráter abstrato e não científico; por outro lado, se as bases da pedagogia forem assentadas sobre as demais ciências positivas e universais e, a partir destas bases, constituir seu objeto de pesquisa, então, e somente assim, poderá ser uma ciência e, como tal, é defendida implicitamente nas obras de Marx. A superação do atual estado das coisas, conforme posto pela sociedade capitalista, ou seja, As formas e os métodos do processo educativo hoje vigentes, [...] parecem incapazes dessa tarefa de formar o homem integral; a exigência de uma educação “massiva” está em contraste com a exigência de uma educação individualista; uma tende a criar homens padronizados, a outra a acentuar a divisão entre os homens. (p. 187). Carecem de uma abordagem interdisciplinar por meio da qual, “uma escola de informações rigorosas”, conforme pensava Marx possa desenvolver o homem onilateral, pleno e universal.
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