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PESQUISA JURIDICO CRIMINAL - ARTIGO DE LAURA FERNANDES

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295A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
MEDIDAS DE SEGURANÇA APLICADAS EM MULHERES: 
análise dos fundamentos para as práticas de 
internamento feminino no manicômio judiciário de 
Alagoas (1979-1983)
Laura Fernandes da Silva
Graduanda do curso de Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). 
Membro associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). 
Estagiária na Defensoria Pública da União em Alagoas. 
Contato: laura.silva@fda.ufal.br
Introdução
O interesse em estudar a aplicação de medidas de segurança a 
partir de um recorte de gênero, neste caso, com enfoque nas mulheres 
submetidas à referida medida, nasceu em 2015, através do projeto de 
extensão Reconstruindo Elos, da Faculdade de Direito da Universidade 
Federal de Alagoas. Nesse projeto, os estudantes desenvolviam 
atividades semanais no Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho 
Suruagy, única instituição no estado de Alagoas responsável pela tutela 
de inimputáveis em cumprimento de medida de segurança, nos termos 
do art. 26, do Código Penal, e de pessoas sobre quem sobreveio algum 
tipo de doença mental durante o cumprimento da pena, conforme o 
art. 41, também do Código Penal. A partir das atividades do referido 
projeto foi possível observar que as práticas institucionais naquele 
hospital estavam muito atreladas a um discurso de padronização que 
acabava por ignorar, dentre outras coisas, as especificidades de gênero. 
Se é fato que a população privada de liberdade sofre com a 
precariedade do sistema prisional e com os rituais de mortificação 
comuns a instituições totais (GOFFMAN, 2015), as mulheres submetidas 
a medidas de segurança compõem um grupo ainda mais negligenciado. 
Sofrem por estarem em número bem inferior aos homens na mesma 
situação, o que diminui consideravelmente as chances de serem ouvidas; 
sofrem por, sendo mulheres, terem cometido injusto penal, já que tais 
atos quando cometidos por pessoa do sexo feminino tendem a ser 
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mais reprováveis socialmente; e sofrem ainda por serem consideradas 
loucas, visto que as consequências deste diagnóstico vão além da 
medicalização. O peso desses estigmas repercute negativamente e em 
grande medida no tratamento e na vida das mulheres, especialmente 
quando se trata de casos de internação. 
Foi, então, através da observação do presente, que nasceu o 
interesse em analisar o passado. Com esse intuito, a partir do ingresso 
no Laboratório de Ciências Criminais - IBCCrim/CESMAC 2016, 
buscou-se compreender de que forma as práticas médico-jurídicas 
foram operacionalizadas para realizar o diagnóstico das mulheres 
que passaram pelo Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho 
Suruagy, doravante chamado de Manicômio Judiciário de Alagoas, 
determinando que algumas delas fossem consideradas como pessoas em 
sofrimento mental. O período escolhido foi de 1979, ano seguinte à sua 
inauguração, a 1983. O ano em que foi inaugurado o Manicômio, 1978, 
não foi objeto de análise nesta pesquisa, pois não foram encontrados 
laudos de mulheres que passaram pelo hospital no referido ano, o que 
inviabilizou a coleta de dados.
Este estudo foi realizado através de pesquisa empírica, 
especificamente de estudo de casos, tendo em vista que através deste 
método é possível acessar subjetividades. O método utilizado na 
análise documental foi o qualitativo, pois foram analisados discursos e 
práticas institucionais. A coleta de dados se deu no arquivo do próprio 
Manicômio Judiciário e o critério escolhido para a seleção documental 
foi, como já mencionado acima, o cronológico. 
Inicialmente, o objetivo era digitalizar e estudar tanto os laudos 
médicos e fichas de prescrição de tratamentos quanto os processos 
judiciais das pacientes. No entanto, estes últimos não foram localizados, 
apesar das buscas no arquivo da CEUP (Chefia Especial de Unidades 
Penitenciárias do Sistema Prisional de Alagoas), nos arquivos do 
Tribunal de Justiça de Alagoas e Arquivo Público de Alagoas. 
Sem êxito na procura pelos processos judiciais, o foco das análises 
passou a ser os laudos médicos e fichas de tratamento das pacientes. O 
interesse por estas últimas se justifica pela possibilidade de verificação 
dos tipos de tratamentos prescritos, a fim de perceber se eles eram 
condizentes com o movimento antimanicomial que, àquela época, já estava 
fomentando discussões acerca da eficiência do tratamento asilar da 
loucura. Este movimento, que será melhor explicado no primeiro 
capítulo deste trabalho, tinha como uma das principais reivindicações 
a humanização no tratamento das pessoas em sofrimento mental, 
realizando duras críticas, por exemplo, a tratamentos degradantes 
como o eletrochoque e ao processo de cronificação do quadro clínico 
de sofrimento mental - bastante comum a pacientes psiquiátricos - 
especialmente os que permaneciam internados por longos períodos 
(LÜCHMANN; RODRIGUES, 2006, p. 402).
O presente texto está estruturado em três capítulos. No primeiro 
será realizada uma abordagem acerca do contexto de criação e dos 
primeiros anos de funcionamento do Manicômio. O objetivo inicial 
era localizar a lei que o instituiu para investigar quais as discussões 
foram travadas ao redor da sua criação e quais os possíveis motivos 
determinaram o funcionamento tão tardio de um estabelecimento 
com esses fins no estado de Alagoas, visto que o primeiro Manicômio 
Judiciário no Brasil foi inaugurado em 1921, no Rio de Janeiro. No 
entanto, mais uma vez a dificuldade de se fazer pesquisa histórica se 
mostrou latente, tendo em vista que a referida lei não foi localizada 
nem mesmo com a atual direção do Manicômio. 
No segundo capítulo serão expostas breves considerações sobre 
a história das mulheres, notadamente aquelas em sofrimento mental, 
e como os saberes médico-jurídicos serviram ao seu silenciamento 
com base, via de regra, em pressupostos morais. Desse modo, lições 
da criminologia feminista foram utilizadas como norteadoras. A opção 
por essa corrente do pensamento criminológico se deu pelo fato de que 
ela viabiliza uma análise profunda acerca da atuação dos mecanismos 
de controle social sobre as mulheres, já que a criminologia, na lição de 
Soraia da Rosa Mendes (2014, p. 157),
nasceu como um discurso de homens, para homens, 
sobre as mulheres. E, ao longo dos tempos, se 
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transformou em um discurso de homens, para homens 
e sobre homens. Pois já não era mais necessário, 
para alguns, “estudar” as mulheres; ou, politicamente 
relevante, para outros, considerar as experiências destas 
enquanto categoria sociológica e filosófica, como 
ensina Lourdes Bandeira. De maneira que, no discurso 
criminológico competente atual, a mulher surge 
somente em alguns momentos. Mas, no máximo, como 
uma variável, jamais como um sujeito.
Até século XX, até mesmo no âmbito da história, as discussões sobre 
gênero, sendo este considerado como “elemento constitutivo de relações 
sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e como “uma 
forma primária de dar significado às relações de poder” (SOCTT, 1995, 
p. 86), não eram consideradas relevantes analiticamente, o que manteve 
em um campo obscuro, inacessível, as submissões e opressões sobre o 
gênero feminino. Assim, não obstante tenha havido o reconhecimento da 
existência da história das mulheres pelos historiadores, esta permanecia 
em segundo plano (SCOTT, 1995, p. 85). 
Nesse cenário, a criminologia feminista, enseja uma mudança de 
paradigmas que permite partir da realidade vivida pelas mulheres, de 
modo que: 
A assunção do paradigma feminista significa uma 
subversão da forma de produzir conhecimento, 
até então, dado sob parâmetros epistemológicos 
distanciados das experiências das mulheres, e dacompreensão do sistema sexo-gênero. 
Através desse novo paradigma, as experiências das mulheres 
deixam, então, de ser meros acessórios para um discurso criminológico 
que reforça os privilégios masculinos, fazendo com que as mulheres 
permaneçam na posição de sexo frágil, embora, muitas vezes disfarçado 
sob um verniz de equidade. Pelo contrário, o discurso da criminologia 
feminista possibilita um verdadeiro protagonismo das mulheres. 
No terceiro capítulo, serão apresentados os dados colhidos 
durante a pesquisa de campo, a partir da digitalização e análise dos laudos 
das pacientes que passaram pelo Manicômio Judiciário de Alagoas nos 
cinco anos seguintes ao de sua inauguração. Importa ressaltar que 
as críticas e considerações feitas a partir das informações coletadas 
nos documentos não têm o condão de desqualificar os diagnósticos 
médicos, nem tampouco de afirmar que tais ou quais pacientes não 
possuíam, à época da produção dos laudos, enfermidades mentais. O 
que se quer, na verdade, é entender se preceitos não médicos, preceitos 
morais vigentes à época, por exemplo, contribuíram para o diagnóstico, 
tendo o saber médico ou jurídico funcionado para legitimar exclusões 
e práticas misóginas. Os estudos de Foucault (2006; 2008) acerca das 
estruturas de poder que sustentam as instituições de saúde mental serão 
basilares para esta análise. 
Os tratamentos prescritos para as pacientes que, após examinadas, 
foram consideradas doentes mentais também foram objeto de minuciosa 
análise, cujos resultados serão demonstrados no último capítulo. Mais 
uma vez, não é o foco desta pesquisa adentrar à seara médica, mas, 
neste caso, verificar a compatibilidade dos tratamentos prescritos com 
as pautas do movimento antimanicomial em torno da humanização do 
tratamento psíquico. 
Ao todo, entre laudos médicos e fichas de prescrição de 
tratamento, foram analisados documentos de 84 mulheres, sendo 4 do 
ano de 1979, 21 de 1980, 27 referentes ao ano de 1981, 13 do ano de 
1982 e 19 que passaram pelo hospital em 1983. Por questões éticas, as 
identidades das mesmas foram preservadas, de modo que seus nomes 
foram substituídos por números, em razão da grande quantidade de 
documentos. 
Com base nessa estrutura, este trabalho pretende fornecer 
mais elementos para os debates sobre como as técnicas de poder 
são aplicadas concretamente dentro de uma instituição total, 
como o hospital de custódia, e, mais especificamente, como essas 
técnicas foram, com base em postulados de cientificidade discutível, 
utilizadas como instrumentos de segregação social de um público 
que historicamente experimenta a exclusão e a submissão. Além 
disso, pretende-se resgatar um pouco da história das pacientes cujos 
300 301A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
documentos foram estudados, de modo que seja possível, por meio 
da análise de seu passado, pensar melhor o presente. 
1. Aspectos da psiquiatrização da loucura 
1.1. O Contexto Europeu 
A segregação das pessoas consideradas loucas através da 
internação foi um movimento iniciado no século XVII, quando o 
louco “atravessa por conta própria as fronteiras da ordem burguesa, 
alienando-se fora dos limites sacros de sua ética” (FOUCAULT, 
2008, p. 78). Esta ética estava muito alicerçada no valor do trabalho, 
de modo que aqueles indivíduos que não servissem, por quaisquer 
motivos, às atividades laborais, deveriam ser afastados da sociedade. 
Nesse sentido, Foucault (2008, p. 73) mostra que a “a loucura 
é percebida através de uma condenação ética da ociosidade e numa 
imanência social garantida pela comunidade de trabalho”. É tanto que 
o internamento, naquele momento, além de ser realizado em diversas 
instituições, de casas de detenção a hospitais gerais, não atingia apenas os 
loucos, mas todos aqueles considerados inúteis, de acordo com a lógica 
burguesa de produção, os quais passaram a ocupar o lugar anteriormente 
reservado aos leprosos. Assim, para Foucault (2008, p. 63):
Se o louco aparecia de modo familiar na paisagem 
humana da Idade Média, era como que vindo de 
um outro mundo. Agora, ele vai destaca-se sobre 
um fundo formado por um problema de “polícia”, 
referente à ordem dos indivíduos na cidade. Outrora 
ele era acolhido porque vinha de outro lugar, agora, será 
excluído porque vem daqui mesmo, e porque seu lugar 
é entre os pobres, os miseráveis, os vagabundos.
A internação dos indivíduos indesejados, perturbadores da 
ordem social, justifica-se, portanto, por um ideal de higienização 
social. No final do século XVIII, no entanto, há uma mudança 
de paradigma: o cuidado com os doentes é delegado às famílias, 
que o realizará mediante auxílio de organizações filantrópicas, já a 
miséria passa a ser vista como um problema de ordem econômica 
a ser solucionado pela oferta de mão de obra (FOUCAULT, 
2008, p. 413). Assim, apenas a loucura permanece como alvo do 
internamento. 
No início do século XIX, como mostra Foucault (2006, p. 
10-11), outra mudança importante: uma ruptura no que concerne à 
ideia de loucura. Esta deixa de ser considerada no âmbito da vontade, 
e passa a ser entendida como força incontida, a qual se manifestava 
através da fúria, das paixões e da mania. Desse modo, a cura para tais 
manifestações da loucura passou a ter como foco a dominação dessa 
força. Nesse sentido, Foucault (2006, p. 12) mostra que houve, no 
século XIX, dois tipos de intervenção: 
Um, que é regular e continuamente desqualificado no 
primeiro terço do século XIX: a prática propriamente 
médica ou medicamentosa. Depois vocês vêem, 
ao contrário, desenvolver-se uma prática que se 
chama de “tratamento moral”, que foi inicialmente 
definida pelos ingleses, essencialmente por Haslam, e 
rapidamente adotada na França.
Um dos principais, expoentes na adoção do referido “tratamento 
moral”, na França, foi Philippe Pinel, que mudou a lógica vigente do 
internamento a partir de algumas reformas que tiveram como uma 
das medidas mais significativas o desacorrentamento dos internados, 
permitindo que, ao menos nos limites dos muros do hospital, pudessem 
gozar certa liberdade. Sobre as reformas, Cristiana Facchinetti (2008, 
p. 503) expõe:
As reformas pinelianas fundaram uma nova tradição 
para a investigação e prática psiquiátricas, marcada pela 
articulação entre o saber e a técnica. Em consonância 
com os tempos de utopia da virada do século, cujos 
ecos ressoavam nas Revoluções Francesa e Industrial, 
suas propostas aderiram ao ideário revolucionário, sendo 
representadas em termos de “liberdade” no hospício, 
“igualdade” entre sãos e doentes (já que a doença 
302 303A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
passa a uma questão quantitativa e não mais qualitativa 
em sua natureza) e fraternidade, como filantropia e 
esclarecimento.
Inspirado pelos ideais revolucionários, Pinel passou a implementar 
as ideais de um ambiente de internação que não servisse apenas 
para a segregação do louco da esfera social, mas que possibilitasse 
práticas terapêuticas, as quais possuíam caráter eminentemente 
moral, uma vez que para eles, “a loucura concerne fundamentalmente 
ao comportamento, hábitos, afetos, paixões” e estas, em especial, 
“quando levadas ao excesso e incontroladas” são responsáveis por 
transformarem o homem são em um “doente mental” (MACHADO, 
1978, p. 421- 422).
Assim, como já dito, o tratamento da loucura, teria como grande 
segredo a contenção da força que emergia dos internos. O próprio Pinel 
(2004, p. 124) descreve a importância dos mecanismos que servissem a 
esse controle quando afirma que 
o insano é, então, dotado de uma audácia intrépida que 
o leva a dar livre vazão a seus caprichos extravagantes, 
e no caso de repressão, a desencadear um combate ao 
zelador e ao pessoal de serviço, a menos que se lhe 
oponha força e que se reúna em grande número,ou 
seja, para contê-lo é preciso um aparato imponente que 
possa agir fortemente em sua imaginação e convencê-lo 
de que toda resistência será em vão.
Dessa forma, para Pinel, considerado pai da psiquiatria moderna, 
mas também para Esquirol, outro importante psiquiatra francês, a 
internação seria um meio eficaz e necessário para o tratamento e cura 
da loucura, visto que permite
isolar o louco da família a fim de romper os hábitos 
ligados à sua loucura, e no tocante ao tratamento, 
por possibilitar a intervenção terapêutica, dadas a sua 
posição geográfica nos limites da cidade, suas condições 
de ar puro, silêncio, tranquilidade (PORTOCARRERO, 
2002, p. 44)
Mas não só! Como a psiquiatria, naquele momento, precisa-
va se apresentar enquanto ciência, “o hospício procurava ser o es-
paço onde a teoria seria aplicada; além disso, apresentava-se como 
um rico material para a elaboração científica, suscitando questões 
de cunho teórico, de ordem conceitual e de cunho prático” (POR-
TOCARRERO, 2002, p. 45). Era, portanto, o ambiente oportuno 
para que o saber-poder psiquiátrico se consolidasse como área 
autônoma dentro das ciências médicas. 
Feitas essas breves considerações acerca de aspectos considerados 
importantes para a compreensão deste trabalho no que tange à 
apropriação da loucura pelo saber psiquiátrico no continente europeu, 
especialmente pelos seus reflexos na realidade brasileira, o próximo 
item será dedicado às reflexões sobre esta. 
1.2. A consolidação da psiquiatria no Brasil 
A psiquiatria no Brasil do século XIX também encontrou no 
controle da loucura, ou melhor, dos ditos loucos, a oportunidade 
de se estabelecer enquanto saber científico e instrumento para o 
exercício do controle social (MACHADO, 1978, p. 155) com base 
nas ideias da medicina social, que, com “o objetivo de gerir a 
vida dos indivíduos, num projeto de normalização e controle do 
corpo social” (NUNES, 1991, p. 50), passou a interferir em tudo 
o que pudesse comprometer a saúde da população. E dentro desse 
universo, claro, estava a loucura. 
Nesse sentido, um ponto relevante para a compreensão 
da interferência dessa nova medicina consiste no fato de que a 
intervenção psiquiátrica exercida sobre a pessoa em sofrimento 
mental, no contexto do século XIX estava muito vinculado à sua 
condição social. Tal controle, realizado majoritariamente pela polícia 
médica, era direcionado aos loucos pobres e que vagavam pelos 
espaços públicos, já que no caso daqueles mais abastados, a própria 
família cuidava de isolar e tratar na esfera privada. Nas palavras de 
Roberto Machado (1978, p. 377): 
304 305A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
Durante toda essa época o hospício, principal 
instrumento terapêutico da psiquiatria, aparece como 
exigência de uma crítica higiênica e disciplinar às 
instituições de enclausuramento e ao perigo presente 
em uma população que se começa a perceber como 
desviante, a partir dos critérios que a própria medicina 
social institui.
Este aspecto, como se verá adiante, também se mostrou presente, 
embora que em menor grau e de modo menos explícito, no século XX 
no âmbito do Manicômio Judiciário de Alagoas, objeto principal de 
análise neste trabalho. 
De acordo com Vera Portocarrero (2002, p. 42), os primeiros 
estudos acerca das alienações mentais que foram produzidos no 
país não passaram de uma cópia do que havia sido produzido por 
Esquirol e Pinel. Segundo a autora, as primeiras teses brasileiras na 
área, defendidas nas faculdades de medicina do Rio de Janeiro e na 
Bahia, classificaram os variados tipos de doença “segundo os mesmos 
princípios de classificação das ciências naturais”, enfatizando, no 
entanto, “o critério de caráter moral”, assim como faziam os referidos 
psiquiatras franceses.
No que tange à concepção de loucura, assim como aconteceu 
na Europa, no Brasil do século XIX também houve importante 
mudança: o delírio deixa de ser considerado como principal sinal 
de distúrbio mental e cede lugar à perversão da vontade, conceito 
muito mais amplo e localizado no âmbito da moral e não no âmbito 
da inteligência, como o primeiro (MACHADO, 1978, p. 388), o que 
repercutirá sobre os tipos de tratamento mais adequados. 
Até o ano de 1841, indivíduos considerados como em situação 
de sofrimento mental eram tutelados, no Rio de Janeiro, no âmbito 
da Santa Casa de Misericórdia. No entanto, por volta de 1830, os 
médicos da instituição começaram a pressionar o Império para que os 
loucos fossem realocados em uma instituição específica, direcionada 
ao seu tratamento. Segundo Machado (1978, p. 377) eles não estavam 
satisfeitos com a “a situação do louco nas ruas e no Hospital da Santa 
Casa, considerando-os tanto como perigosos quanto injustiçados, 
como criminosas em potencial e como vítimas indefesas” e não podiam 
receber tratamento adequado estando no mesmo ambiente com outros 
doentes, além de representarem risco à paz e segurança hospitalar. 
Cedendo às pressões, em 18 de julho de 1841, por meio do 
Decreto nº 82 de 18 de julho de 1841, foi criado o Hospício de 
Pedro II, que, para Roberto Machado (1978, p. 375), foi o marco 
institucional da psiquiatria em terras brasileiras. Para o autor, o 
referido fato “confere à psiquiatria um lugar entre os instrumentos 
utilizados pela medicina”. O hospital recém-criado, de acordo com 
Machado (1978, p. 429), foi não apenas “orgulho do Imperador, 
símbolo da civilização que se instala na capital, mas parte integrante 
do projeto normalizador da medicina”, que encontrara o ambiente 
propício para materializar as estratégias de aniquilamento da loucura. 
Até 1889, o Hospício Pedro II era administrado pela Santa Casa de 
Misericórdia e por freiras católicas. No entanto, com a Proclamação da 
República, passou a haver reivindicações da classe médica para laicizar 
o internamento dos alienados. Um dos motivos para esta reivindicação 
era a busca, por parte dos psiquiatras, da exclusividade no controle do 
hospital psiquiátrico, “tanto sobre os internos quanto sobre o pessoal 
administrativo”, como mostra Machado (1978, p. 458), já que detinham 
o saber científico. Em 1890, através do Decreto nº 142-A, de 11 de 
janeiro, o Hospital de Pedro II foi desanexado da Santa Casa e passou 
a ser chamado Hospital Nacional dos Alienados. 
No século XX, ao invés de ter havido um caminhar para a maior 
humanização no tratamento das pessoas em sofrimento mental, o que 
houve, na verdade, foi uma amplificação das internações como evidente 
estratégia de segregação e disciplinamento. Este fato se confirma por 
um evento marcante que ocorreu em 1903: a inauguração do Hospital 
Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. Daniela Arbex (2013) conta 
a história desse que foi o maior hospital psiquiátrico do Brasil, ao qual 
Franco Basaglia, quando visitou a instituição no ano de 1979, chamou 
de “campo de concentração nazista”, tendo em vista as gritantes 
violações de direitos humanos que presenciou naquele ambiente. 
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Além da precariedade, que, diga-se de passagem, era lucrativa, 
visto que, conforme registra Daniela Arbex (2013, p. 76), milhares de 
corpos de pacientes foram vendidos para faculdades de medicina, a 
autora denuncia que o ingresso da maioria das pessoas internadas teria 
sido equivocado, uma vez que eram indivíduos que não estavam em 
sofrimento mental, como se pode ver na passagem a seguir: 
Desde o início do século XX, a falta de critério médico 
para as internações era rotina no lugar onde se padronizava 
tudo, inclusive os diagnósticos. Maria de Jesus, brasileira 
de apenas 23 anos, teve o Colônia como destino, em 
1911, porque apresentava tristeza como sintoma. Assim 
como ela, a estimativa é de que70% dos atendidos não 
sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou 
ameaçavam aordem pública. Por isso, o Colônia tornou-
se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, 
mães solteiras, mendigos, negros, pobres, pessoas sem 
documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os 
chamados insanos (ARBEX, 2013, p. 26). 
O trecho acima não deixa dúvidas quanto aos fins higienistas que 
eram perseguidos na instituição que chegou a abrigar, em 1960, 5 mil 
pessoas, entre homens, mulheres e crianças, em um espaço projetado 
para 200 (ARBEX, 2013, p. 26). Outro dado relevante e que muito 
interessa a este trabalho foi exposição, pela autora, de algumas das 
causas que motivaram internamentos femininos no Colônia. Segundo 
Daniela Arbex (2013, p. 30), 
muitas ignoradas eram filhas de fazendeiros as quais ha-
viam perdido a virgindade ou adotavam comportamento 
considerado inadequado para um Brasil, à época, domi-
nado por coronéis e latifundiários. Esposas trocadas por 
amantes acabavam silenciadas pela internação no Colônia. 
Havia também prostitutas, a maioria vinda de são João del-
-Rei, enviadas para o pavilhão feminino Arthur Bernardes 
após cortarem com gilete os homens com quem haviam 
se deitado, mas que se recusavam a pagar pelo programa 
No terceiro capítulo deste texto serão apresentadas informações 
que mostram que a condenação de mulheres ao diagnóstico de 
loucura sem possuírem enfermidade mental, a exemplo dos casos 
mostrados na passagem acima, não foi um caso isolado do hospital de 
Barbacena, repetiu-se, também, no Manicômio Judiciário de Alagoas 
durante o período estudado, qual seja, o final da década de 70 e início 
da década de 80. 
A propósito, no estado de Alagoas a primeira instituição 
destinada a internação de pessoas em sofrimento mental foi o Asilo 
Santa Leopoldina, localizado em Maceió e inaugurado em 1891. 
Antes dele, havia o Asilo de Alienados, inaugurado em 1887, neste, 
no entanto, “não se tem registros de intervenção médica psiquiátrica, 
parecendo apenas ser um local em que os doentes eram cuidados de 
forma diferenciada, separados dos criminosos” (RIBEIRO, 2012, p. 61). 
O Asilo Santa Leopoldina, portanto, inaugurou, segundo a assistência 
psiquiátrica em Alagoas. 
No entanto, a primeira instituição hospitalar pública destinada 
ao tratamento de pacientes psiquiátricos do estado foi inaugurada 
apenas em 1956: o Hospital Colônia Portugal Ramalho, que, desde a 
abertura, já estava superlotado, abrigando 140 pacientes em um espaço 
projetado para 40 leitos (RIBEIRO, 2012, p. 62), visto que abrigou a 
população asilada no Santa Leopoldina. Além disso, até a inauguração 
do Manicômio Judiciário de Alagoas, que ocorreu em 1978 e será 
tratada mais adiante, os pacientes internados por força de medida de 
segurança também ficavam internados no Portugal Ramalho. 
Apresentados esses pontos acerca do tratamento das pessoas 
em sofrimento mental, pergunta-se: qual o lugar ocupado pelo louco 
criminoso? A seguir, serão apresentadas algumas considerações sobre 
o assunto. 
1.3. Considerações acerca da intervenção psiquiátrica 
 na esfera criminal
Foucault (2006) mostra que a intervenção psiquiátrica na seara 
penal ocorrera inicialmente no início do século XIX, dada a necessidade 
de solucionar aqueles casos de infração à norma penal de maneira 
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imotivada, para os quais não se encontrava explicação. O autor cita 
exemplos de casos ocorridos em países da Europa, como o homicídio 
praticado na Inglaterra por um filho adotivo contra a sua mãe sem 
motivo aparente tendo este demonstrado arrependimento e desespero 
imediatamente após o delito. 
No caso do Brasil, desde o Código Penal de 1830, os juízes 
estavam obrigados a produzirem suas sentenças tendo consultado 
previamente médico perito em processos criminais onde figurasse 
como réu pessoa com possível quadro de sofrimento mental. No 
entanto, os pareceres médicos só começaram a ser utilizados pelos 
juízes para auxiliar no processo decisório no final do século XIX, uma 
vez que a medicina legal era uma área desprestigiada, principalmente 
pela impossibilidade de realização de exames ante a insuficiência de 
aparato técnico. Além disso, outro fator que obstou a prática foi a tardia 
instituição da disciplina de Clínica Psiquiátrica e Moléstias Mentais, que 
só foi criada em 1881 (GONÇALVES, 2012, p. 577). 
A partir de então, as decisões dos juízes passaram a levar em 
consideração os pareceres dos psiquiatras, os quais vinham, desde 
meados do referido século, comungando fortemente das ideais 
positivistas de degenerescência e questionando o monopólio da 
monomania (CARRARA, 1998, p. 81). Com base nisso, as pessoas 
processadas criminalmente que fossem consideradas loucas, eram 
encaminhadas para hospitais psiquiátricos e normalmente ocupavam 
espaços separados dos outros doentes. No Hospital Nacional dos 
Alienados, no Rio de Janeiro, por exemplo, eles ocupavam as chamadas 
casas fortes, que eram espécies de celas dentro do hospício. 
A presença dos degenerados no mesmo ambiente dos doentes 
não criminosos foi motivo de críticas contundentes por parte de 
alguns psiquiatras, dentre eles, Teixeira Brandão, então administrados 
do Hospital Nacional, uma vez que comprometia a concretização dos 
ideais de humanização herdados, sobretudo, de Pinel, além de gerar a 
insatisfação das famílias dos doentes não criminosos, especialmente 
a dos pagantes, em verem seus parentes dividindo espaço com 
criminosos. Nesse contexto, urgente era, portanto, a abertura de 
espaços próprios para os degenerados: os manicômios judiciários, 
que abrigaria não só os loucos violentos e perigosos, mas também 
dos degenerados e criminosos natos (CARRARA, 1998, p. 153). 
Um personagem marcante cuja história intensificou os questio-
namentos acerca da manutenção dos “loucos perigosos” nas mesmas 
instituições dos demais insanos é Custódio Serrão. De maneira muitís-
simo breve, a síntese da sua trajetória é a seguinte: foi enviado ao Hos-
pital Nacional por ter cometido um homicídio sem motivo aparente, 
e, posteriormente, diagnosticado como sendo “um louco hereditário, 
sofrendo da mania dos perseguidos-perseguidores”, conforme mostra 
Carrara (1998, p. 140). Incomodado com a falta de perspectiva de saída 
daquele ambiente, pois, segundo Carrara (1998, p. 143), ele “era manti-
do no Hospício sob promessa de que ainda o iriam examinar para que 
pudesse voltar definitivamente para a detenção”, em 26 de maio de 
1896, Custódio foge do Hospital. 
Após a fuga de custódio, os críticos da atual administração do 
Hospício Nacional, inconformados com a laicização da instituição, 
já citada anteriormente, iniciaram uma série de ataques veiculados 
na imprensa ao então diretor, o médico Teixeira Brandão, e à sua 
administração. Como forma de reposta, o psiquiatra enviou um ofício 
Ministro da Justiça, no qual, dentre outras coisas, reivindica uma 
instituição exclusiva para os loucos-criminoso. Carrara (1998, p. 154) 
afirma que, 
para Brandão, degenerados delinqüentes, criminosos 
natos e loucos-criminosos encontrariam em um 
manicômio judiciário a morada ideal. Além disso, é 
impossível não perceber por detrás de suas palavras a 
preocupação em delimitar fronteiras frente à tendência 
à “naturalização” do crime que caracterizava o 
pensamento dos antropólogos criminais e de certos 
médicos que comungavam com as idéias da Escola 
Positiva de Direito Penal. 
A partir dessas ideias defendidas com veemência pelo referido 
psiquiatra, em 1903 houve a primeira mudança efetiva no modelo 
310 311A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
de tratamento e custódia dos ditos loucos criminosos, o Decreto nº 
1132, que no seu artigo 11, informava que enquanto os estados não 
possuíssem manicômios judiciários, os alienados condenados deveriam 
ser mantidos em asilos públicos, em alas separadasdos demais doentes. 
A partir disso é que foi criada a Seção Lombroso no Hospital Nacional 
dos Alienados. 
Em 1921, cujas principais motivações foram a morte de Clarice 
Índio Brasil, esposa de um senador brasileiro, por um taquígrafo do 
Senado tido como degenerado e uma rebelião na Seção Lombroso do 
Hospital Nacional, é inaugurado o Manicômio Judiciário do Rio de 
Janeiro, o primeiro do Brasil. Carrara (1998, p. 194), ao falar sobre este 
fato, afirmou:
Coroava-se então um processo muito mais amplo que, 
atingindo as práticas jurídico-penais como um todo, fez 
com que nossos tribunais, como bem apontou Foucault, 
passassem, a partir de finais do século XIX, a não julgar 
mais atos criminosos, mas a própria alma do criminoso
Em Alagoas, essa coroação se deu tardiamente em relação 
à inauguração Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro. O Centro 
Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy, aqui chamado 
Manicômio Judiciário de Alagoas, foi inaugurado apenas em 1978. 
Antes desse marco inicial, os pacientes submetidos à internação por 
força de decisão em processo criminal eram internados no Hospital 
Colônia Portugal Ramalho. 
Um dos objetivos iniciais da presente pesquisa era a localização da lei 
que instituiu o manicômio alagoano para que fosse possível compreender 
com profundidade os motivos que influenciaram na sua criação. 
Contudo, apesar de exaustivas tentativas em diversos órgãos públicos, 
inclusive junto à direção atual do hospital e também na internet, o texto 
da referida lei não foi encontrado. Além disso, não foram encontrados 
nos documentos analisados informações que demonstrassem qual era o 
contexto local e quais as discussões foram travadas no âmbito legislativo 
acerca do nascimento da instituição. 
No entanto, pelo cenário de superlotação do então Hospital 
Colônia Portugal Ramalho, acredita-se que, a exemplo do que ocorreu 
no Rio de Janeiro do século XIX antes da criação do Hospício de Pedro 
II, houve pressão política, especialmente por parte da classe médica, 
para a criação do Manicômio Judiciário, que foi construído e ainda se 
mantém dentro do sistema penitenciário alagoano. Há relatos de que o 
referido hospital foi considerado como um modelo que estava à frente 
do seu tempo, tendo seu projeto arquitetônico recebido, inclusive, 
sugestões de Nise da Silveira, psiquiatra alagoana que revolucionou o 
tratamento das pessoas em sofrimento mental, sendo a percussora da 
Terapia Ocupacional. 
Como reforço à ideia de que o Manicômio Judiciário de Alagoas 
possuía uma estrutura melhor do que o Portugal Ramalho foi o fato de 
terem sido encontrados laudos de muitas pacientes que não respondiam 
processos criminais, mas, não obstante, comparecem à instituição para 
a realização de exames e consultas. Inclusive, em um dos laudos, consta 
que uma das pacientes foi encaminhada para o Manicômio Judiciário por 
meio de um pedido que sua mãe fez ao juiz, visto que lá o tratamento era 
melhor do que no “H.P.R”, onde se encontrava. Pelo contexto, acredita-
se que a sigla H.P.R significa Hospital Portugal Ramalho. 
Sem desconsiderar o fato de que o referido manicômio muito 
provavelmente ter sido visto como uma instituição exemplar nos 
primeiros anos de funcionamento, mais à frente, será possível verificar 
muitas práticas que vão de encontro aos avanços na humanização do 
tratamento psiquiátrico propostos principalmente pelos movimentos 
de reforma psiquiátrica, o que leva a questionamentos sobre o que 
significava, à época, ser uma boa instituição de custódia e tratamento 
psiquiátrico. 
1.4. A Reforma Psiquiátrica e a sua repercussão no 
 tratamento da loucura no Brasil
As internações em instituições totais, incluindo-se nesse rol os 
hospitais psiquiátricos, são espaços em que o sujeito, ao ingressar, 
312 313A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
é obrigado a despir-se da sua autonomia, liberdade e, muitas vezes, 
a romper os vínculos sociais, especialmente os familiares. Como 
Goffman (2015, p. 31) afirma, ocorre um processo de “exposição 
contaminadora” desde a admissão, já que, completa o autor, antes do 
ingresso, 
o indivíduo pode manter objetos que se ligam aos seus 
sentimentos do eu - por exemplo, seu corpo, suas ações 
imediatas, seus pensamentos e alguns de seus bens - 
fora de contato com coisas estranhas e contaminadoras. 
No entanto, nas instituições totais esses territórios do 
eu são violados; a fronteira que o indivíduo estabelece 
entre seu eu e o ambiente é invadida e as encarnações 
do eu são profanadas” (GOFFMAN, 2015, p. 31)
De modo que o paciente passe a ser considerado, apenas como o 
conjunto de sintomas da doença. No entanto, ainda com base no que 
Goffman (2015, p. 113) ensina, o estudo das práticas de mortificação 
realizada nos ambientes direcionados ao tratamento psiquiátrico pode 
mostrar, como vem mostrando, “que a loucura ou o “comportamento 
doentio” atribuídos ao doente mental são, em grande parte, resultantes 
da distância social entre quem lhes atribui isso e a situação em que o 
paciente está colocado, e não são, fundamentalmente, um produto de 
doença mental”. 
Nesse sentido, o ambiente dos hospitais psiquiátricos tem se 
mostrado frustrado nos seus supostos objetivos terapêuticos que 
deveriam desembocar na “cura” do paciente, visto que a existência 
desse tipo de instituição, por si só, já é um óbice à reinserção sem 
traumas da pessoa em sofrimento mental no contexto em que vivia, 
uma vez que há grotescas rupturas que impedem tal processo. Nesse 
direção, Franco Basaglia (2001, p. 120) diz que “o doente mental é um 
excluído que, nos termos da sociedade atual, jamais poderá opor-se 
àqueles que o excluem, pois cada um de seus atos passa a ser limitado 
e definido pela doença”. 
Isso, ressalte-se, quando, de fato, há transtorno psíquico, haja 
vista, conforme demonstrado anteriormente e como ainda se verá ao 
longo deste trabalho, não foram raras as internações que ocorreram 
por motivos que nada tinham a ver com existência de doença. Nestes 
casos, a repercussão da internação e dos rituais de mortificação 
decorrentes dela passa a ser muito mais danosa para a vida do 
paciente e costumam fomentar atos de revolta que normalmente 
são veementemente reprimidos e, mais uma vez, considerados como 
sendo mais uma manifestação de agravamento da suposta doença 
(GOFFMAN, 2015, p. 248)
Com uma forma de rebeldia ao cenário de falência da psiquiatria 
clínica (BASAGLIA, 2001, p. 120) de flagrantes violações de direitos 
humanos dos quais ainda hoje as pessoas internadas em hospitais 
psiquiátricos são vítimas foi que nasceu o movimento de Reforma 
Psiquiátrica. Este movimento foi iniciado na Itália, a partir do ingresso 
do psiquiatra Franco Basaglia como diretor do Hospital de Gorizia, 
em 1961, onde, inconformado com a forma que psiquiatria vinha 
tratando os internos, passou a implementar mudanças no tratamento 
com vistas a resgatar a humanidade dos pacientes. Em 1973, a partir da 
influência de Basaglia, foi criada, na Itália, a Lei 180, ainda vigente, que 
determinou que fossem abolidos todos os hospitais psiquiátricos no 
país (ARBEX, 2013, p. 206). 
Basaglia, militava pelo que chamou de despsiquiatrização da sua 
profissão. De acordo com ele, tal expressão diz respeito à 
Tentativa de colocar entre parênteses todos os esque-
mas, para ter a possibilidade de agir em um território 
ainda não codificado ou definido. Para começar, tor-
na-se necessário negar tudo o que está a nossa volta: 
a doença, o nosso mandato social, a nossa função. 
Negamos, assim, tudo que possa dar um sentido pre-
definido à nossa conduta. Ao mesmo tempo em que 
negamos o nosso mandato social, negamos a rotulação 
do doente como “irrecuperável” e, ao mesmo tempo, 
nossa função de simples carcereiros, tutores da tranqui-
lidade da sociedade; negando a irrecuperabilidade do 
doente negamos sua conotação psiquiátrica; negando 
sua conotação psiquiátricanegamos sua doença como 
314 315A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
definição científica, despiquiatrizamos nosso trabalho, 
recomeçando-o em um território ainda virgem, por cul-
tivar (BASAGLIA, 2001, p. 29)
De início, as palavras do autor, podem soar contraditórias, e 
ensejar no equívoco de se considerar que ele negou a possibilidade de 
haver pessoas com transtornos mentais, colocando tais incidentes como 
uma mera criação da psiquiatria. Mas, na verdade, a despsiquiatrização 
não é a negação completa da doença, mas é que, segundo o Basaglia 
(2001, p. 28), faz-se necessário considerar o indivíduo independe dos 
rótulos que o definam, é por isso “que se torna necessário enfocar 
esse doente de um modo que coloque entre parênteses a sua doença” 
e completa afirmando que “o importante é tomar consciência daquilo 
que tal indivíduo representa para mim, de qual é a realidade social em 
que vive, qual o seu relacionamento com essa realidade”.
Ou seja, o psiquiatra deve olhar para o indivíduo em sofrimento 
mental de maneira contextualizada e prescindindo não da possibilidade 
de haver doença, mas dos estigmas que acompanham tal possibilidade. 
De acordo com Amarante (2009, p. 6), com a despsiquiatrização, “o 
sujeito da experiência da loucura, antes excluído do mundo da cidadania, 
antes incapaz de obra ou de voz, torna-se sujeito, e não objeto de 
saber”, tornado-se, então protagonista da própria história e não mero 
receptor de experiências psiquiátricas invasivas, que o silencia. 
No Brasil, através da atmosfera de mudança inspirada pela 
Reforma Psiquiátrica iniciada na Europa, nasceu o chamado Movimento 
Antimanicomial. Este movimento social teve como precursor o 
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental - MTSM, que, no 
contexto da Ditadura Militar, em meados da década de 70, iniciou suas 
reivindicações em busca de 
aumento salarial, redução de número excessivo 
de consultas por turno de trabalho, críticas à 
cronificação do manicômio e ao uso do eletrochoque, 
melhores condições de assistência à população e pela 
humanização dos serviços. Este movimento dá início 
a uma greve (durante oito meses no ano de 1978) 
que alcança importante repercussão na imprensa. 
(LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 402)
Diversos eventos importantes foram realizados e ajudaram a 
robustecer as discussões acerca da necessidade de mudança no tratamento 
da loucura no país. Dentre eles, merece destaque o I Congresso Brasileiro 
de Psicanálise de Grupos e Instituições no Rio de Janeiro, em 1979, do 
qual participaram Erving Goffman e Franco Basaglia. Na oportunidade, 
Basaglia visitou o Hospital Colônia de Barbacena. Segundo Daniela Arbex 
(2013, p. 210), o psiquiatra foi determinante para que fosse implantado o 
movimento antimanicomial mineiro.
Depois disso, muitos outros eventos foram realizados e o 
movimento antimanicomial brasileiro ganhava cada vez mais apoio 
(LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007). Mas em 1989, um outro marco 
nos avanços pela humanização da pessoa em sofrimento mental 
aconteceu: foi apresentado ao Congresso Nacional o Pojeto de Lei 
3.657 pelo então Deputado Federal Paulo Delgado que buscava, além 
da regulamentação dos direitos das pessoas em sofrimento mental, 
a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos do país (ARBEX, 
2013, p. 224). 
O projeto tramitou por 12 anos no Congresso Nacional e em 
2001 foi transformado na Lei 10.216 que dispõe sobre os direitos das 
pessoas com transtornos mentais e redireciona a assistência em saúde 
mental. Um dos principais avanços da referida lei, apesar de tardio, é a 
proibição da internação em instituições com características asilares e a 
preferência por tratamentos comunitários. 
2. Mulheres submetidas a medida de segurança no Brasil: 
 considerações históricas baseadas na criminologia 
 feminista 
Para entender a situação das mulheres que cumpriam medida de 
segurança no final da década de 70 e nos primeiros anos da década 
de 80, período no qual se concentra este trabalho, é interessante que 
316 317A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
se tenha em mente algumas premissas, mesmo que breves, acerca da 
trajetória da mulher na história, pois muitas foram as estratégias e 
práticas que contribuíram para o silenciamento feminino, cujos reflexos 
são potencializados no interior das instituições totais.
Alguns autores divergem quanto à existência de um período 
em que a mulher teria ocupado os espaços de poder em sociedades 
primitivas. A divergência consiste no fato de que uma parte desses 
autores, a exemplo de John Zerzan (2010, p. 2), entende que o que 
existiu foi “um longo período de tempo no qual a mulher não era, 
de modo geral, tão subordinada ao homem, antes que a cultura 
masculinamente definida se fixasse, ou se tornasse universal”. O autor 
nega, portanto, que as primeiras sociedades teriam sido lideradas por 
mulheres. De outro lado, outros estudiosos, como Gisele Fontenelle de 
Oliveira Castro (2012), no entanto, entendem que realmente houve, nas 
sociedades primitivas, a prevalência de culturas matriarcais. 
Sem desconsiderar a importância dessa divergência acerca da 
existência ou não de sociedades plenamente matrilineares, o fato é que, 
a partir do momento em que o ser humano passou a ter estabilidade 
territorial, deixando de ser nômade - já que não precisava mais de 
recorrer apenas à caça e coleta de alimentos para sobreviver, pois 
aprendeu a cultivá-los - foi exercido, além do domínio sobre a natureza, 
o domínio sobre a mulher, que passou a se ocupar majoritariamente dos 
cuidados com os filhos e com o lar, enquanto que o homem passou a 
exercer, predominantemente, atividades externas, ocupando a posição 
de provedor. Para Zerzan (2010, p. 8):
A agricultura é uma vitória que conclui aquilo que 
começou com a formação e desenvolvimento do 
sistema de gênero. Apesar da presença de figuras 
de deusas, devotadas à fertilidade, normalmente, a 
cultura neolítica estava muito mais preocupada com a 
virilidade. Da dimensão emocional desta masculinidade, 
como Cauvin percebeu, a domesticação animal deve 
ter sido, principalmente, uma iniciativa masculina. O 
distanciamento e ênfase no poder têm estado conosco 
desde então: expansão de fronteiras, por exemplo, a 
energia masculina subjugando a natureza feminina, 
vencendo uma fronteira após outra. 
O autor, na passagem acima, traz o que foi, senão o nascedouro, 
mas pelo menos o robustecimento de uma cultura predominantemente 
masculina, na qual a vida da mulher passa a ser limitada ao ambiente 
doméstico. O controle social informal sobre a figura feminina começa, 
então, a ser exercido por homens do próprio meio familiar, geralmente 
os pais ou maridos. 
O domínio iniciado nas primeiras sociedades não enfraqueceu, 
mas, ao contrário, só se solidificou e tem ultrapassado as barreiras do 
tempo. Ao tempo de Jesus, na Palestina, as meninas ainda crianças já 
eram transferidas do poder paterno para o poder marital. O controle 
domínio do homem pela mulher, portanto, é bem anterior à Idade Média 
(MENDES 2014, p. 27). Só que este período, especificamente a baixa 
Idade Média, é importante para a história das mulheres, uma vez que nele 
ocorreu não só a mera intensificação da sua reclusão ao espaço privado 
do lar, mas também foi um tempo de forte perseguição à figura feminina 
que se desviasse do perfil de uma mulher dedicada ao lar e à vida religiosa. 
Antes desse período, havia muitas mulheres que era estudiosas 
e conhecedoras das ciências, das artes e da religião (MENDES, 2014, 
p. 119), no entanto, o acesso a conhecimentos nessas diversas áreas, 
dados, na maioria das vezes pela própria Igreja Católica, passou a ser 
ameaçador. Na lição de Soraia da Rosa Mendes (2014,119): 
Considerando esse contexto, toda a escalada de 
perseguição e repressão às mulheres, que se desenvolveráespecialmente do século XIII em diante, explica-se pelo 
saber que detinham as mulheres do povo (consideradas 
bruxas) e por este ser ameaçador ao discurso médico 
que buscava se afirmar. Ou mesmo para o controle da 
fé que a Igreja almejava 
Nesta atmosfera, algumas mulheres que não se adequavam à vida 
doméstica e iam de encontro a ensinamentos da moral cristã passaram 
318 319A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
a compor um imaginário de terror, tendo sido, por esse motivo, 
veementemente castigadas, torturadas e, em muitos casos, mortas. 
Trechos retirados da obra O Martelo das Feiticeiras – que serviu como 
um manual de procedimentos para os inquisidores do Tribunal do 
Santo Ofício - escrito no ano de 1484, são bastante elucidativos sobre 
o perigo que as “mulheres perversas” representavam: 
Existem três coisas na natureza - as Línguas, os Eclesiásticos 
e as Mulheres - que, seja na bondade, seja no vício, não 
conhecem moderação; e quando ultrapassam os limites de 
sua condição atingem as maiores alturas na bondade e as 
mais fundas profundezas no vício. (2010, p. 113) 
(...)as mulheres são, por natureza, mais impressionáveis 
e mais propensas a receberem influência do espírito 
descorporificado; e quando se utilizam com 
correçãotornam-se virtuosíssimas, mas quando a 
utilizam para o mal tornam-se absolutamente malignas 
(2010, p. 115)
(...) Pois que, verdadeiramente, sem a perversidade das 
mulheres, para não falar da bruxaria, o mundo permaneceria 
à prova de inumeráveis perigos (2010, p. 119).
A figura feminina é colocada, então, como um mal necessário, 
um elemento de ameaça à paz. A mulher, se não fosse vigiada, poderia 
arruinar não só os lares, mas o mundo inteiro, como mostram os 
autores ao falarem de reinos que foram levados à ruína por condutas 
femininas (KRAMER e SPRENGER, 2010, p. 119). 
Durante a caça às bruxas, período que marcou pelas práticas 
misóginas e de perseguição feminina (MENDES, 2014, p. 28), muitas 
mulheres que apresentavam determinados tipos de perturbações 
mentais foram associadas a rituais de feitiçaria e pactos demoníacos. 
Helena Riter (2012), comentando o referido momento, escreve:
Na Idade Média, o papel da mulher não havia sofrido 
grandes alterações em sua essência e o caráter 
extremamente religioso da época contribuiu para 
que mulheres histéricas fossem consideradas bruxas, 
devido a manifestação de seus sintomas (...) Nesse 
momento da história da histeria é possível mais 
uma vez pensar sobre a mulher na sociedade. Pode-
se manter o mesmo raciocínio anterior em relação à 
supressão das emoções próprias em favor de deveres 
morais, visto que a figura feminina segue tendo as 
mesmas funções na sociedade, porém, a concepção 
que a Idade Média dá a histeria permite pensar na 
dificuldade que a própria sociedade tem para absorver 
o discurso histérico. 
Mas não só a histeria foi taxada como sinal de feitiçaria. Mulheres 
que sofriam com crises epilépticas também foram colocadas sob o 
estigma de bruxas. De acordo com Marleide da Mota Gomes (2006, 
p.162), no Martelo das Feiticeiras, “a presença de crises epilépticas (CE) 
era uma característica de feitiçaria. A orientação do mencionado tratado 
levou à perseguição, tortura e morte a mais de 100.000 mulheres”. 
Toda a conjuntura de terror sobre a figura da mulher na Idade 
Média, além de culminar na perseguição de muitas, também reforçou 
em grande medida o silenciamento. Tanto é assim que do final da Idade 
Média até o século XIX a criminologia negligenciou as discussões acerca 
das perseguições e repressões vivenciadas pelas mulheres (MENDES, 
2014, p.31. 
Seguindo adiante, também pode-se comentar sobre a continuida-
de histórica da submissão feminina. Nesse sentido, Foucault (2013, p. 
44) mostra que no século XVIII havia grande vigilância acerca das re-
lações matrimoniais, da forma como eram mantidas, sendo censuradas 
quaisquer manifestações que fossem de encontro às relações legítimas, 
sob o ponto de vista religioso, entre homem e mulher. Nessa perspecti-
va, o que se buscava da mulher era a adequação plena ao papel de espo-
sa disciplinada e solícita, resignada à atividades domésticas e cuidadosa 
com os filhos e esposo. 
Nem o iluminismo penal - cujo principal expoente é Beccaria, 
com sua obra Dos delitos e das Penas - que é vista como um avanço 
no que tange às garantias dos direitos individuais, trouxe visibilidade 
para as mulheres. Indica, também, que mesmo com a Revolução 
Francesa, a igualdade entre homens e mulheres não passou de mera 
320 321A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
formalidade. Segundo a autora, “a adesão das mulheres ao estatuto 
igualitário se dá como um ser relativo, existindo apenas como 
filha, esposa e mãe”. E completa dizendo que elas “continuaram 
dependentes dos homens e a ser consideradas inadequadas para a 
vida pública em razão de um déficit de racionalidade” (MENDES, 
2014, 32), seguindo uma lógica cartesiana com o objetivo de minar 
a participação da mulher na vida pública. 
Em A Sujeição das Mulheres, publicada em 1869, Stuart Mill (2006, 
p. 75), falando sobre a desigualdade entre homens e mulheres, declara:
Não há nenhuma dificuldade em convencer qualquer 
pessoa que tenha acompanhado o assunto de igualdade 
das mulheres na família. Acredito que a limitação delas em 
outras áreas é mantida a fim de preservar sua subordinação 
à vida doméstica porque a maioria dos homens ainda não 
consegue tolerar a ideia de viver em igualdade
Como mostra o autor, o silenciamento feminino é uma estratégia 
para a manutenção de relações de poder em que a mulher permanece 
na condição de parte subjugada. Nesse contexto, Foucault (2012, p. 
226) entende que as micro relações de poder é que dão sustentação 
para macro poderes. Para ele, “uma dominação de classe ou uma 
estrutura de Estado só podem bem funcionar se há, na base, essas 
pequenas relações de poder”, como a existente entre homem e mulher 
nos termos acima colocados, já que o poder deve ser “entendido como 
constelações dispersas de relações desiguais” (SCOTT, 1995, p. 86) que 
é exercido de maneira descentralizada e capilar, e não como um todo 
unitário e centralizado, exercido apenas pelo Estado. 
Na conjuntura do século XIX, Michele Perrot (2005, p. 11) 
demonstra que esse silenciamento se refletia, inclusive, nas estatísticas. 
Segundo esta autora, “mulheres de agricultores ou de artesãos, cujo 
papel econômico era considerável, não são recenseadas, e seu trabalho, 
confundido com as tarefas domésticas e auxiliares, torna-se assim 
invisível. Em suma, as mulheres não contam”. E se não contam, não 
existem (DINIZ, 2013, 13). 
Com o positivismo criminológico, as mulheres cujas práticas 
não se adequavam ao paradigma moral de mulher de família foram 
classificadas como delinquentes. Lombroso, principal expoente dessa 
corrente de pensamento criminológico que buscava no indivíduo, com 
base no determismo darwiniano, as causas para as práticas dos delitos, 
escreveu La Donna Delinquente, e resgatou muitas das ideias semeadas 
durante a Idade Média acerca da mulher, classificando-as como 
criminosas por serem moralmente inferiores aos homens e, portanto, 
mais suscetíveis à prostituição e ao crime (LOMBROSO; FERRERO, 
2009, p. 582).
Assim como fez com os homens, Lombroso (2009) dividiu as 
mulheres delinquentes em categorias, classificando-as em criminosas 
natas, criminosas ocasionais, ofensoras histéricas, criminosas de 
paixão, suicidas, mulheres lunáticas, epiléticas e moralmente insanas. 
Interessante notar como essa classificação está muito relacionada com 
práticas sexuais que não são aquelas tidas como saudáveis aos padrões 
morais da época. 
A partir daí, as mulheres com quadros de sofrimento psíquico 
passaram de bruxas a criminosas. A epilepsia, por exemplo, volta 
a ser citada, agora não maiscomo sinal de feitiçaria, mas de ligação 
com crimes, alimentando a estigmatização e, consequentemente, a 
segregação desse público com vistas à suposta segurança social. Mas 
a referida segregação não ocorre assumidamente, ela é exercida de 
maneira disfarçada sob o argumento de proteção, que está baseada 
justamente nas ideias positivistas sobre a mulher e seus papeis sociais. 
Michele Perrot, no entanto, desmistifica a suposta proteção 
quando afirma que a escassez de registros criminais sobre as mulheres 
se dá “não em virtude de sua natureza doce, pacífica e maternal, 
como pretende Lombroso, mas devido a uma série de práticas que as 
excluem do campo da vingança ou do afrontamento” (2005, p. 35), 
demonstrando, assim, o quão eficiente é o controle social exercido 
sobre a figura feminina. 
De acordo com Elena Larrauri (1994, p. 1), o controle exercido sobre 
as mulheres de maneira mais intensa é o controle social informal. Este 
322 323A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
conceito é aqui utilizado segundo a mesma autora (1994, p.1) e diz respeito 
a “todas aquellas respuestas negativas que sucitan determinados comportamientos que 
vulneran normas sociales”. Em vista disso, a disciplinarização das mulheres 
é feita com maior ênfase de maneira informal, sendo a família a primeira 
instituição responsável por moldar as suas ações e vontades. Instituições 
educacionais e religiosas também se ocupam dessa função, de modo 
que o controle sobre os corpos femininos só passa a ser feito através de 
mecanismos formais de controle, como instituições psiquiátricas e do 
sistema penal, em último caso. 
Nessa engrenagem, um fato bastante interessante sobre o 
qual pouco se menciona é que as mulheres, além de destinatárias do 
controle social, também são agentes do mesmo, e ajudam, muitas 
vezes a reforçar as desigualdades de gênero das quais são vítimas, dado 
que normalmente são responsáveis pela educação doméstica. Sendo 
assim, por normalmente se dedicarem às tarefas domésticas, pouco se 
expondo na cena urbana, há redução considerável nas possibilidades de 
praticarem delitos (LARRAURI, 1994, p. 2).
Decorrência desse sistema de controle é a disparidade histórica 
entre o número de mulheres e homens tutelados pelo sistema de justiça 
criminal. Há um abismo entre a quantidade de homens e a quantidade 
de mulheres cumprindo algum tipo de medida decorrente de injusto 
penal, especialmente a pena privativa de liberdade para os imputáveis 
e a internação, no caso de imposição de medida de segurança. A 
discrepância entre o número de homens e mulheres que passaram pelo 
Manicômio Judiciário de Alagoas no ano de 1979 ilustra bem este fato: 
foram encontrados, nos documentos do ano em questão, trinta e sete 
laudos médicos de pacientes do sexo masculino e apenas quatro do 
feminino. 
Por ser a figura feminina alvo do controle social com muito 
maior ênfase do que os homens, mulheres que têm comportamentos 
que fogem dos padrões morais estabelecidos sobre como deve ser 
o comportamento feminino, especialmente na seara da sexualidade, 
causam maior perplexidade do que os comportamentos desviantes 
masculinos. Isso ocorre tanto nas esferas em que é exercido o controle 
social informal, quanto nas instituições que exercem o controle 
formal. Até mesmo nas ciências, a mulher é vista predominantemente 
como um acessório, como já foi mostrado anteriormente quando se 
falou da forma como a criminologia tratou a mulher ao longo do 
tempo. Nanette Davis e Karlene Faith (1994, p. 111) lançam luz 
sobre essa realidade ao mostrarem que inclusive sociólogos, quando 
falam sobre os desvios femininos, referem-se às mulheres a partir 
de estereótipos e aspectos biológicos e psicológicos associados à 
feminilidade, além de lhes colocarem como seres conduzidos pela 
sexualidade e meros acessórios nas relações sociais em que homens 
também participam.
Assim, uma mulher que se manifesta fora dessa moldura de 
discrição sexual e restrição à vida doméstica tende a causar perplexidade 
e a ser estigmatizada e excluída. Nessa seara, a psiquiatria exerceu uma 
importante função como instrumento de controle. Sobre essa relação 
entre mulher e a referida área da medicina, no cenário do século XIX. 
Magali Engel explica qual a base da diferença entre os diagnósticos de 
homens e mulheres:
Vista como uma soma desarrazoada de atributos 
positivos e negativos, cujo resultado nem mesmo os 
recursos científicos cada vez mais sofisticados poderiam 
prever, a mulher transformava-se num ser moral e 
socialmente perigoso, devendo ser submetida a um 
conjunto de medidas normatizadoras extremamente 
rígidas que assegurassem o cumprimento do seu papel 
social de esposa e mãe; (...) Para muitos estudiosos o 
cerne dessa especificidade situa-se justamente no fato 
de que enquanto as situações que conduzem a mulher 
a ser diagnosticada como doente mental concentram-
se na esfera da sua natureza e, sobretudo, da sua 
sexualidade, o doente mental do sexo masculino é visto, 
essencialmente, como portador de desvios relativos aos 
papéis sociais atribuídos ao homem – tais como o de 
trabalhador, o de provedor etc. Assim, a predisposição 
masculina aos distúrbios mentais seria relacionada, 
sobretudo, às implicações decorrentes do desempenho 
324 325A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
desses papéis ou à recusa de incorporá-los. (...) Lugar 
de ambiguidades e espaço por excelência da loucura, 
o corpo e a sexualidade femininos inspirariam grande 
temor aos médicos e aos alienistas, constituindo-se em 
alvo prioritário das intervenções normalizadoras da 
medicina e da psiquiatria. Muitas crenças pertencentes a 
antigas tradições e no âmbito dos mais variados saberes 
– muitas das quais remontam à antiguidade clássica – 
seriam retomadas e redefinidas pelo alienismo do século 
XIX. (2012, p. 333)
No século XX, a história de exclusão com base num aparato 
moral em torno da sexualidade feminina continua. Magali Engel 
(2012, 324) expõe a história de Maria Tourinho, que, em julho de 1911, 
no Rio de Janeiro, matou o seu marido dentro de casa. O interessante 
neste caso é que o foco das investigações acerca do acontecido não 
foi o homicídio, em si, mas comportamentos não condizentes com a 
boa mãe e esposa que a paciente aparentava ser antes do acontecido. 
As visitas de Maria a um centro espírita que antecederam o acontecido 
e a devassidão que apresentava foram a base para o diagnóstico de 
histérica que lhe foi dado. Assim, diz Magali Engel (2012, 328) ao 
falar sobre a avaliação psiquiátrica de Maria: 
A perda do senso moral não colocaria em primeiro 
plano a questão ética de que nenhum ser humano tem 
o direito de tirar a vida de outro, mas sim de que uma 
mulher cujo comportamento revelasse uma sexualidade 
anormal e uma ausência ou insuficiência do amor 
materno seria histérica e, portanto, potencialmente 
criminosa.
O caso brevemente relatado nas linhas acima é uma amostra 
de como os paradigmas morais continuaram servindo a estratégias 
de apartação social feminina, que só começou a ser questionado com 
maior força a partir da década de 1980, por meio da criminologia 
crítica feminista. Consoante Ludmila Correia, Ana Valeska Malheiro 
e Olívia Almeida (2016, p. 306), esta corrente criminológica “passa 
a denunciar a violação dos direitos de mulheres encarceradas e a 
seletividade do sistema penal, que as esteriotipa e estigmatiza, numa 
relação que corresponde a um misto de severidade e benevolência 
protetora e paternalista”. Mais uma vez, vê-se a presença do argumento 
de proteção, sendo questionado, por, na verdade, servir para justificar 
violações a direitos das mulheres. 
Elza Ibrahim, em sua vasta experiência como psicóloga no 
Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, indica que não é apenas no 
momento da construção do diagnóstico que o gêneroé um elemento 
que conta em desfavor das mulheres. Ela mostra, através do que 
visualizou em tantos anos de exercício da profissão como os direitos 
das mulheres são, ainda no nosso século, infringidos. Segundo a autora 
(2014, p. 27):
O tratamento dispensado às pacientes femininas 
do Manicômio Judiciário é claramente diferenciado 
daquele oferecido aos pacientes masculinos. É 
possível constatar esta afirmação quando se caminha 
pela parte externa do hospital: os pacientes masculinos 
circulam à vontade pelo pátio e têm livre acesso aos 
setores técnicos, sendo-lhes possível manter contato 
direto com os profissionais. Já as mulheres passam 
o tempo todo em suas celas individuais ou apenas 
caminhando, de um lado para o outro, ao longo das 
galerias” 
Como se vê, a realidade de sufocamento das vozes femininas 
fora dos muros dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, 
reflexo de um processo histórico de rejeição à participação social 
feminina e submissão das mulheres, são potencializados dentro dessas 
instituições. E esse fenômeno, no caso específico do Brasil, não 
aconteceu de maneira isolada no Rio de Janeiro. Através das análises 
que serão apresentadas no próximo capítulo, ver-se-á que, no estado de 
Alagoas, entre os anos de 1979 e 1983 a realidade de silenciamento e 
de disciplinamento feminino através do saber psiquiátrico e jurídico se 
revelou muito semelhante.
326 327A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
3. Estudos de casos
Neste capítulo, como já sinalizado na introdução, serão expostas 
as análises feitas a partir dos dados colhidos nos laudos médicos das 
pacientes examinadas no Manicômio Judiciários de Alagoas (1979-
1983), exceto aqueles referentes a tratamentos considerados, na esteira 
do movimento antimanicomial, degradantes, que já foram objeto de 
observação anteriormente. 
Antes de iniciar os comentários, contudo, cumpre demonstrar 
como é, no geral, o formato desses laudos. Via de regra, nos exames 
mais completos, foi possível identificar os seguintes campos: a) 
identificação: onde são apresentados os dados pessoais das pacientes, 
como nome, filiação, data de nascimento, profissão, grau de instrução, 
estado civil e endereço; b) antecedentes criminais: onde são descritos 
os injustos cometidos, quando era o caso; c) queixas ou história da 
doença: campo em que são apresentados episódios que podem 
ser associados a manifestações patológicas, além do histórico de 
internações; d) entrevista com paciente ou relato pessoal: onde se 
buscam os antecedentes pessoais; e) antecedentes familiares: os quais, 
segundo Foucault (2006, p. 352), constituem “o primeiro aspecto do 
interrogatório médico”; d) testes psicológicos; e, por fim, f) síntese 
diagnóstica, também encontrada sob a nomenclatura de diagnóstico 
ou conclusão. 
Em alguns casos, além dos campos mostrados acima, há outros 
como os de “resposta aos quesitos formulados” e “informações 
complementares”. Em relação ao primeiro, tais quesitos eram 
normalmente formulados por representantes do Ministério Público para 
servir de substrato ao processo judicial, tanto na esfera cível - como nos 
casos de possibilidade de interdição – quanto na criminal - de modo a 
verificar a hipótese aplicação de medida de segurança. Já no segundo 
campo, foram acrescidas informações relacionadas diretamente ao 
paciente ou a trâmites administrativos, como respostas a ofícios. 
É importante ressaltar que não foram todas as 84 pacientes 
que realizaram o exame psiquiátrico por terem cometido injusto 
penal. No entanto, todas elas foram levadas ao Manicômio Judiciário 
por apresentarem comportamentos que foram interpretados como 
indicativos de doença mental. Eis o motivo pelo qual, nesta parte do 
trabalho, não serão importantes as distinções entre as pacientes que 
cometeram ou não injustos penais. O foco será na repercussão que teve 
o grau de educação formal das pacientes nos diagnósticos realizados, 
visto que através desses, verificou-se a necessidade de internação no 
hospital psiquiátrico, gerando, desse modo, a segregação da pessoa 
internada.
Além disso, cumpre expor que era comum a realização de exames 
em menores de idade no Manicômio Judiciário de Alagoas, apesar de 
esta ser destinada a pessoas adultas. Dentre os laudos analisados, havia 
12 menores com idades entre 7 e 17 anos. 
Demonstrados esses aspectos, que são importantes para a melhor 
compreensão do capítulo, passa-se às análises do conteúdo dos laudos 
médicos. Para facilitar o acompanhamento das informações, optou-se 
por classificá-las por similaridade de temas, de modo a agrupar em cada 
tópico os dados mais relevantes para os objetivos desta pesquisa
3.1. Seletividade na aplicação das medidas de segurança 
A partir da análise cuidadosa dos laudos psiquiátricos, uma 
informação merece destaque: o grau de instrução das pacientes 
examinadas. Do universo de 84 laudos, 44 mulheres eram analfabetas, 
em 6 laudos consta que as pacientes eram “alfabetizadas”, em 1 consta 
que a paciente era “semialfabetizada”, 7 possuíam o primeiro grau 
incompleto, 9 possuíam o primeiro grau, em 16 laudos não constava 
nível de escolaridade e apenas 1 paciente possuía o ensino superior 
incompleto. Com base nisso, pergunta-se: o que explica o fato de, em 
cinco anos, apenas uma mulher com ensino superior incompleto ter 
passado por exame psiquiátrico em um Manicômio Judiciário, ao passo 
que 44 mulheres analfabetas formaram mais da metade da população 
avaliada no mesmo período? Qual a relação entre o grau de instrução 
das pacientes e a existência de doença mental?
328 329A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
A resposta para esta pergunta não deveria ser buscada nas 
explicações médicas, mas sim através de um olhar criminológico, sem 
perder de vista as funções não declaradas (ANDRADE, 2003, p. 91) de 
uma instituição total conectada ao sistema penal. A partir disso, o que 
explica o fato de o público estudado ser majoritariamente composto 
por pessoas com baixo nível de educação formal e pertencente a 
classes sociais menos favorecidas é um aspecto que constitui marca 
incontestável do sistema de justiça criminal: a seletividade que, segundo 
Zaffaroni (2001, p. 27), “é a mais elementar demonstração da falsidade 
da legalidade processual proclamada pelo discurso jurídico penal”, 
já que os órgãos do sistema penal “operam quando e contra quem 
decidem”. A seletividade está na base das operações realizadas no 
âmbito do sistema penal, indo de encontro, além da legalidade, ao que 
prega o princípio da igualdade jurídica (ANDRADE, 2003, p. 90). 
Além do baixo nível educacional das mulheres, um outro fato 
interessante identificado durante o estudo dos documentos foi que 
a maioria das examinadas era composta por “trabalhadoras rurais” 
e “domésticas”, conforme campo do laudo destinado à anotação da 
profissão. Em alguns casos, não restou claro se a palavra doméstica 
estava ligada ao exercício de atividades do lar de modo remunerado 
ou se era no sentido de as pacientes se ocuparem antes do exame ou 
da internação apenas das atividades do próprio lar, não exercendo 
atividade laboral externa. Mas, de todo modo, ao menos nos casos 
em que foi colocada como sinônimo de atividade remunerada, a 
informação de “doméstica” indica que as mulheres examinadas não 
eram oriundas de estratos sociais elevados, no que diz respeito a 
recursos, privilégios e oportunidades. 
Assim, esses dados sobre escolaridade e profissão não significam 
que mulheres que integravam grupos mais abastados financeiramente 
não possuíam transtornos mentais e não cometeram injustos penais 
motivadas por eles. Se o raciocínio fosse esse, seria possível chegar à 
lógica falaciosa que afirma que pobreza gera criminalidade (SANTOS, 
2015, p. 63). Então, o que essa discrepância mostra é que o alcance 
do poder disciplinarexercido pelo Estado, por meio de instituições 
totais, está muito mais direcionado às camadas menos favorecidas da 
sociedade. 
Nesse sentido, Alessandro Baratta (2002, p. 175) lembra que 
o sistema penal, no qual também estão incluídos os manicômios 
judiciários, e o sistema escolar são homogêneos, uma vez que 
realizam, essencialmente, a mesma função de 
reprodução das relações sociais e de manutenção da 
estrutura vertical da sociedade, criando, em particular, 
eficazes contra-estímulos à integração dos setores mais 
baixos e marginalizados do proletariado, ou colocando 
diretamente em ação processos marginalizadores.
E a leitura das informações constantes nos laudos no que tange à 
escolaridade e profissão das pacientes só materializa o que o autor expôs 
na passagem, já que, em muitos exames, o nível intelectual das pacientes foi 
utilizado como reforço para um diagnóstico de doença mental. Abaixo serão 
expostos alguns dos exemplos que ilustram essa realidade. 
O primeiro é o exame da paciente 1, no qual se considerou que a 
examinada demonstrava “pobreza na expressão de sentimentos”. Neste 
caso, merece destaque o fato de a paciente, à época, ser analfabeta e 
estar sendo examinada para verificar sua aptidão apta para receber 
o livramento condicional, situação que pode ter influenciado na sua 
postura perante o profissional que a avaliou. Neste mesmo laudo, em 
um dos testes ao qual a examinada foi submetida, uma das conclusões 
foi a sua “má organização intelectual e moral”, o que demonstra que a 
preocupação não ficou restrita à análise da patologia em si, mas abarcou 
também julgamentos alheios à esfera de competência dos profissionais 
da saúde mental e das ciências jurídicas.
Já no caso da paciente 2, que possuía apenas o primeiro grau 
incompleto, o seu “baixo nível intelectual”, foi considerado como um 
dos aspectos que fizeram “supor a prevalência de sinais esquizofrênicos”, 
conforme declarado no laudo. 
No laudo 23, foi identificada “uma linguagem muito pobre com 
falta de coordenação das ideias”, ressalte-se que a paciente possuía 
330 331A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
apenas o 1º grau e que ela estava internada há seis anos no manicômio. 
Em outro caso, a paciente 52 possuía 16 anos à época do exame, era 
trabalhadora rural, analfabeta e chegou ao manicômio acusada de ter 
cometido infanticídio, o profissional que a examinou entendeu que ela 
possuía “inteligência rudimentar”. 
Continuando, no caso da paciente 76, afirmou-se que ela “revela 
pobreza acentuada na elaboração de conceitos” e que possui “nível 
intelectual acentuadamente pobre”. Vale considerar que a paciente 
era analfabeta e trabalhadora rural. Por fim, e não menos importante, 
o laudo referente à paciente 82, também analfabeta, indicou que ela 
possuía nível “intelectual paupérrimo”.
A partir dos exemplos expostos acima, fica evidente a utilização 
de filtros seletivos quando da realização dos exames, uma vez que 
não se deveria exigir, por exemplo, que alguém que não teve acesso 
sequer a educação formal apresente riqueza vocabular. Os aspectos dos 
diagnósticos apresentados neste tópico demonstram como são fluidos 
os conceitos de normalidade e anormalidade (THOMPSON, 2007, p. 
107) utilizados pela psiquiatria para determinar o destino daqueles que, 
por tantos motivos, não se adequam à ordem social vigente. 
3.2. Ambiente familiar e hereditariedade como argumentos 
 para o reforço do diagnóstico de enfermidade mental 
Através da pesquisa, verificou-se que informações sobre o 
ambiente familiar em que as pacientes viviam, quando estes não foram 
considerados pelo psiquiatra como saudável e adequado, poderiam ser 
determinantes para seu diagnóstico como pessoa em sofrimento mental. 
Em um dos casos, a leitura feita do ambiente doméstico e da infância de 
uma das periciadas foi a de que “trata-se de pessoa com fortes sinais de 
retraimento e autismo e deformação na estrutura da sua personalidade 
devido a sua infância sofrida em ambiente familiar péssimo”. 
Obviamente que não seria coerente afirmar que o meio em que se 
vive não deve ser considerado para fins de diagnóstico, uma vez que as 
relações sociais e eventos vividos podem, eventualmente, desencadear 
quadros de sofrimento mental. No entanto, não é razoável que essa 
influência ceda espaço a determinismos ou suposições como se, conforme 
o caso em tela, adversidades familiares culminem, necessariamente, 
em distúrbios ou disfunções de ordem psíquica, de modo a justificar a 
intervenção psiquiátrica (DAVIS; FAITH, 1994, p. 114). 
Ainda no que tange à influência de aspectos familiares nos 
exames psiquiátricos, outra nuance foi identificada: o histórico de 
doentes na família, de ordem psiquiátrica ou não, influenciaram na 
análise médica. Dados nesse sentido foram, via de regra, incluídos no 
campo “antecedentes familiares”. 
No laudo 1, o psiquiatra destacou a fala da paciente quando esta 
disse que o seu pai era “nervoso e azuado”, ou seja, provavelmente 
possuía algum problema psíquico. O laudo 13 também segue a mesma 
linha, já que consta que o “pai faleceu com perda de memória interno 
em hospital psiquiátrico” e que a mãe era diabética. No exame da 
paciente 21 consta que o genitor da examinada “é tabagista e afirma 
sofrer dos rins” e que possui duas irmãs com deficiência auditiva. Já no 
caso da paciente 23, consta que “teve um irmão alcoólatra que quebrava 
tudo em casa”. 
Nesse contexto, invocar a hereditariedade, para Foucault (2006, 
p. 352), 
é certa maneira de dar corpo à doença no momento mesmo 
em que não se pode situar essa doença no nível do corpo 
individual; então inventa-se, demarca-se uma espécie de 
grande corpo fantasmagórico que é o de uma família afetada 
por um grande número de doenças
Ou seja, a doença é individual porque também é coletiva, o fato 
de haver casos de doenças na família constitui forte indicativo de que a 
paciente está inclinada à doença. Desse modo, Elza Ibrahim (2014, p. 
108) mostra que 
Em pleno século XX a psiquiatria continuava a 
responder ao aparelho judiciário dentro das mesmas 
descrições ubuescas, onde se buscavam os aspectos da 
332 333A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I A PESQUISA JURÍDICO-CRIMINAL NO ESTADO DE ALAGOAS | Volume I
hereditariedade e da ascendência, tentando chegar 
à essência do indivíduo comprovando, assim, o seu 
caráter perigoso.
O diagnóstico da paciente 57 também merece atenção. Trata-
se de paciente que foi internada no Manicômio Judiciário por ter 
assassinado o marido que, segundo consta no laudo, a “surrava com 
frequência, utilizando chibata de açoitar cavalo” e por ter presenciado 
o mesmo foi “ter observado por diversas vezes seu marido tentando 
manter relações sexuais com seu filho mais novo, que na época tinha 05 
anos de idade”. No exame mental, consta que ela
não apresenta distúrbios da senso-percepção, nega 
alucinações, não tem ideias delirantes, curso e 
conteúdo do pensamento, memória antero-retrógrada 
sem comprometimento, atenção conservada, orientada 
auto, alo e cronopsiquicamente, lúcida, sem alterações 
da afetividade, atividade voluntária e linguagem, 
estabelece bom rapport.
Nada obstante o exame não ter detectado quaisquer elementos 
que sinalizem a existência de perturbação psíquica, a paciente foi 
diagnosticada como sendo esquizofrênica em grau simples e oligofrênica 
leve, mas que no momento encontrava-se assintomática e poderia voltar 
ao convívio social. Neste caso, o crime em si, reforçado pelo impacto 
de ter sido cometido contra o marido da autora, mas sem levar em 
conta as circunstâncias da relação marital, constituiu causa suficiente 
para que a mulher fosse considerada como uma pessoa em sofrimento 
mental, que teve como consequência a segregação da paciente através 
da internação, o que demonstra clara intervenção de cunho disciplinar 
da psiquiatria. 
As informações coletadas

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