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institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 2 institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 3 Sumário 1. INTRODUÇÃO......................................................................................6 2. O QUE É CRIMINOLOGIA? ..............................................................10 3. CONEXÃO DA CRIMINOLOGIA COM OUTRAS DISCIPLINAS.......11 4. POLÍTICA CRIMINAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS E AS FUNÇÕES DA CRIMINOLOGIA...........................................................................13 5. OBJETOS DA CRIMINOLOGIA.........................................................15 6. BREVE HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA............................................21 7. SELETIVIDADE CRIMINAL E CIFRAS OCULTAS DA CRIMINALIDADE...............................................................................24 8. MODELOS DE RESPOSTA AO PROBLEMA CRIMINAL E A JUSTIÇA RESTAURATIVA...............................................................26 9. PREVENÇÃO CRIMINAL E AS ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE...............................................................................27 10. TEORIAS CRIMINOLÓGICAS DO CRIME E CRIMINALIDADE......34 11. CRIME DE COLARINHO BRANCO..................................................52 12. CRIME ORGANIZADO......................................................................57 BIBLIOGRAFIA......................................................................................67 institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 4 OBJETIVO DO CURSO Sejam bem-vindos ao Curso de Extensão do Instituto de Estudos Jurídicos. Ao se considerar a construção de um plano pedagógico de curso a equipe docente se reúne e debate qual é a construção mais adequada a ser feita no contexto de nossos programas de extensão e aperfeiçoamento, no sentido de permitir aos nossos discentes a evolução em sua área de atuação e a ampliação de raciocínio jurídico que surge em decorrência da análise crítica proposta, Nesse sentido, neste curso o professor Waldek Fachinelli Cavalcante, desenvolve análises quanto à moderna Criminologia, sem perder de vista os objetivos traçados pela criminologia Clássica, em viés crítico e tendente a demonstrar os conceitos mais adequados aos tempos atuais. O estudo da Criminologia decorre da pós-graduação em Ciências Criminais do Iejur, a qual parte do estudo Ético e Filosófico, passando pela Criminologia, a fim de abranger temas complexos e contemporâneos em Direito Penal, partes geral e especial, Direito Processual Penal, além de relevantes Leis Penais Especiais. Em contexto de curso de extensão, o tema ganha alta relevância. Desejamos a todos bons estudos. 1. INTRODUÇÃO Desenvolver as sociedades, melhorar a qualidade de vida da população, iluminar o caminho do ser humano, fundamentar políticas públicas, informar a sociedade são nortes de toda ciência. Quando a busca é por soluções para o problema criminal, estamos diante de uma ciência específica. Bem-vindas e bem-vindos ao fascinante, instigante, mágico, apaixonante e imprescindível mundo criminológico. Seus objetos atraem a atenção social desde a constituição das sociedades organizadas, apesar de sua abordagem científica ser relativamente recente. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 5 A ciência tem se mostrado o melhor caminho para a humanidade evoluir. E assim deve ser na busca por alternativas para o controle do crime. A Criminologia, apesar de ser uma ciência nova, é a melhor ferramenta para a sociedade civil organizada conhecer e atuar sobre esse problema individual e social. Claro que uma apostila irá somente introduzir o tema e trazer tópicos criminológicos, pois a Criminologia abarca uma infinidade de pesquisas, objetos e objetivos a exigirem estudos específicos, havendo graduações, mestrados e doutorados abarcando a disciplina. Há estudos criminológicos alcançados pela biologia, sociologia, antropologia, história, psicologia, psiquiatria, economia, ciência política, estatística etc. A Criminologia é uma mescla de estudos científicos com objetos e funções próprios. É a ciência que bebe em diferentes fontes para procurar respostas a um dos problemas mais complexos que a humanidade enfrenta: o crime. O desafio da Criminologia é tão intrincado que começa pela própria definição de um de seus principais objetos, o crime. Se a Criminologia é uma ciência relativamente nova, no Brasil o seu desenvolvimento é bastante frágil, com pouco investimento em pesquisas empíricas, além de questões ideológicas atrapalharem o seu desenvolvimento. Acaba por ser vista, mesmo em ambientes mais esclarecidos, como um conjunto de conhecimentos teóricos sem relevância prática, com os manuais simplesmente reproduzindo conhecimentos desatualizados, repetindo informações sobre história da Criminologia, escolas penais e teorias criminológicas. Boa parte dessa superficialidade creditamos à raiz Europeia da Criminologia brasileira, onde uma luta entre o Direito e a Criminologia atrasou o conhecimento, ficando o estudo criminológico vinculado ao Direito que tem pouca familiaridade com pesquisas empíricas. A Criminologia Europeia com sua raiz afastada do campo empírico, sua subordinação ao Direito, seu vínculo ao marxismo acabou perdendo muito espaço e tempo. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 6 Melhor sucesso teve a Criminologia na América do Norte, onde nasceu vinculada às ciências sociais, apropriou-se de métodos empíricos e interdisciplinares, buscou desde o começo soluções para os problemas do cotidiano social. Assim, fixe-se que a Criminologia é uma ciência prática, pesquisando respostas para questões reais que afligem a vida em comunidade. Claro que há que se abordar a história da ciência e suas Escolas, mas essa é uma tarefa secundária. Há que se investir em pesquisas científicas e no estudo dos resultados criminológicos para responder diversas questões, tais como: Como melhor tomar decisões no âmbito de políticas públicas voltadas para o controle do crime? O que deve ser crime? O que não deve ser crime? Qual pena aplicar? O que é crime? Qual a melhor estratégia a ser adotada para controlar o crime? Como alocar os recursos do Estado para controlar o crime? Qual o papel das instâncias formais e informais de controle social do crime? É necessário pesquisas científicas para conhecer o problema criminal? Com qual método? Ampliar o Sistema de Justiça Criminal resolve o problema do crime? Como a sociedade seleciona o que será crime, o que será investigado, o que será julgado, o que será prevenido? Pobres cometem mais crimes que ricos? Características pessoais e sociais interferem na ação dos órgãos do Sistema de Justiça Criminal? institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 7 Afinal, como se dá a seletividade criminal? O crime é um problema individual (biológico), social ou psicológico? Temos conhecimento de todos os crimes que ocorrem? A realidade carcerária reflete a realidade do crime na sociedade? Há cifras ocultas da criminalidade? E o crime organizado, o que é? Ele existe? E a lavagem de dinheiro? E o crime de colarinho branco? E o terrorismo? É crime, luta pela liberdade ou estratégia de guerra? O que a globalização e o desenvolvimento tecnológico têm a ver com a criminalidade? O que distúrbios ambientais, tais como a poluição, seca, aquecimento global e outros tem a ver com a criminalidade? Como “tratar” os apenados? Como lidar com as redes criminosas e os mercados ilícitos (mercados negros) diante de uma demanda constante por bens ilícitos vinda da “sociedade legítima”?Como agir diante da criminalidade cibernética? Em uma sociedade de risco e em uma modernidade líquida é possível instituir uma política criminal baseada em evidências? Como a inteligência criminal e a análise criminal podem colaborar com o controle do crime? Como o gênero interfere na criminalidade? Afinal, o que é Criminologia? Com essas poucas perguntas já fica bem evidente o quanto a aprender, muito o que pesquisar, muita investigação empírica a ser realizar, o que extrapola, em muito, o fim destas poucas linhas. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 8 E lembremos que estamos a tratar de uma ciência não exata, estamos a lidar com o ser humano, a sociedade, e todas as suas complexidades. Então, não há respostas fáceis e simples de se obter. Razão pela qual o investimento em pesquisas é imprescindível, pois a realidades diferentes há que se levar atuações diferentes, em uma complexidade tão grande, muitas vezes a solução será buscada com a atuação de toda a sociedade global, muitas vezes será necessária uma transformação social, outras vezes há que se atuar sobre o indivíduo. 2. O QUE É CRIMINOLOGIA? Para muitos a Criminologia tem dificuldade em se estabelecer como uma ciência autônoma, ou como uma disciplina específica, pois os seus objetos podem ser estudados pela economia, ciência social, sociologia, ciência política, psicologia, história, direito etc. Então, todas essas ciências desenvolvem estudos que envolvem seus objetos e fins. Nessa perspectiva, Criminologia não encontraria uma definição, nem seria uma cadeira independente, mas uma reunião de conhecimentos produzidos por biólogos, sociólogos, juristas, historiadores, matemáticos, economistas, cientistas sociais, psicólogos, médicos e outros profissionais com um foco específico. Esse foco seria o estudo “do processo de produção das leis, do descumprimento das infrações penais e da reação social ao descumprimento dessas normas”, nas palavras de Edwin Sutherland. Assim, seria o estudo dos atos criminalizados, do que é tratado como crime e por que, do como as instâncias formais e informais de controle social reagem ao descumprimento das normas, como entendemos o desvio criminal, quem comete crime. Contudo, a Criminologia pode, sim, ser considerada uma ciência autônoma. É de se observar que a ciência em si tem definição muito questionada, então, não aprofundemos muito nessa temática, neste âmbito, institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 9 deixando claro que a Criminologia é considerada uma ciência, pois possui um objeto peculiar, um método e um conjunto de conhecimentos próprios. Didaticamente, a Criminologia é a ciência interdisciplinar, a qual investiga fatos e baseia-se na observação, sendo assim uma ciência empírica, fugindo de opiniões, de simples argumentos, analisando o mundo real. Possui como objetos o controle social da criminalidade, a vítima, o infrator e o crime, produzindo, dessa forma, conhecimento sistematizado e verificável (científico) sobre as melhores estratégias de atuação sobre o criminoso, a vítima, a prevenção do crime, a origem e o desenvolvimento da ação criminal, esta última abordada como uma questão tanto individual, como social. Importante destacar ser a criminologia uma ciência do ser, porém não é uma ciência exata. 3. CONEXÃO DA CRIMINOLOGIA COM OUTRAS DISCIPLINAS Como dito, inúmeras disciplinas se dedicam de algum modo ao estudo do controle do crime, da vítima, do infrator, do crime. Contudo, poucas se dedicarão prioritariamente ao fato criminal. A ciência criminológica é interdisciplinar, assim, terá contribuições da biologia criminal, da psicologia criminal, da antropologia criminal, da sociologia criminal, da economia, da psiquiatria e assim por diante. Porém, a Criminologia não será biologia, psicologia, psicologia, antropologia ou outras ciências. A Criminologia é essa ciência que com seu método e objetos próprios irá se dedicar exclusivamente ao delito, ao infrator, à vítima e ao controle social do crime, como uma ciência totalizadora do problema criminal. Com essa interdisciplinaridade e papel integrador, a Criminologia irá beber em diferentes fontes, utilizando-se de conhecimento de outras disciplinas e incorporando a suas investigações com seu método próprio, coordenando e integrando o saber sobre o fato criminal, sem ser parte de outras ciências. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 10 Interessante, neste momento, traçar a sua relação com dois campos do saber que causam muita confusão e conflitos. Trata-se do seu contato com as chamadas ciências criminais, a Política Criminal e o Direito Penal. Importante lembrar que parte do atraso da ciência criminológica deve à luta travada pelo domínio do saber criminal, a luta entre as instituições jurídicas e a nova ciência, a Criminologia, pelo domínio do conhecimento. Assim, criou-se uma dependência orgânica e institucional da Criminologia em relação às instituições do Direito, vencendo a força institucional do Direito, o que muito prejudicou o desenvolvimento científico. No modelo anglo-americano, em que a Criminologia teve autonomia investigativa desde o seu princípio, afastada das instituições jurídicas, com finalidade prática e aproximada dos métodos sociológicos, evoluiu muito rapidamente a pesquisa criminológica. É até mesmo questionável se o Direito é ciência, e a distância deste com o mundo real e a pesquisa empírica teve o potencial de prejudicar o desenvolvimento científico. Certo é que Direito Penal e Criminologia são campos do saber bastante distintos, sendo o Direito simples ferramenta da Política Criminal. O Direito Penal é um conhecimento normativo, cultural, jurídico, do dever ser, já a Criminologia é uma ciência empírica, do ser. O Direito Penal ocupa-se do crime como um conceito formal, delimitado pela norma jurídica, dedica-se à interpretação e análise da norma. Por outro lado, a Criminologia aborda o crime como um fato real, utilizando-se de métodos empíricos para estudá-lo. O objeto da Criminologia não está no mundo das ideias, do dever ser, o objeto da Criminologia são fenômenos concretos, palpáveis, expressos no seio da sociedade como uma realidade tangível, tanto que os critérios jurídicos não são capazes de delimitar o objeto da Criminologia. Em relação à Política Criminal, esta tem o papel de colher o conhecimento produzido empiricamente pela Criminologia sobre o contexto institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 11 criminal para elaborar estratégias, tomar decisões sobre as ações a serem adotadas em relação ao controle do crime. A Política Criminal irá utilizar o Direito Penal como uma das ferramentas de transformação do conhecimento criminológico em opções políticas de controle do crime, baseando-se em evidências científicas. O Direito Penal é apenas uma das inúmeras ferramentas à disposição da Política Criminal no seu âmbito de decisório. 4. POLÍTICA CRIMINAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS E AS FUNÇÕES DA CRIMINOLOGIA As alternativas para o controle do crime apresentadas pela Política Criminal, especialmente no Brasil, têm se mostrado equivocadas, pois não se baseiam majoritariamente em evidências científicas. As nossas políticas criminais acabam se baseando em ideologias, achismo, não em resultado de experiências que apontem as melhores práticas a serem adotadas para o enfrentamento do problema social que é a criminalidade. As políticas públicas voltadas para o crime refletem um certo autoritarismo, simples exercício de poder, de decisão, com o risco de não se controlar o crime e muitas vezes piorar o cenário criminal, desperdiçando recursos públicos. Como função primordial da Criminologia está aformação de um arcabouço básico de conhecimentos com validade científica, conhecimento seguro e contrastado sobre o controle social, o criminoso, o crime e a vítima. Provendo a sociedade e, em consequência, as instituições públicas, de informações que possibilitem entender de forma técnica a problemática criminal. Sinteticamente, pode-se definir a Política Criminal como a política pública que se destina ao planejamento, aplicação e avaliação dos aspectos preventivos e repressivos do enfrentamento à criminalidade. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 12 Assim, para se estabelecer uma Política Criminal baseada em evidências, como deve ser defendida, imprescindível a contribuição da Criminologia em sua função de construir um núcleo de saber científico sobre a realidade criminal. Uma política criminal baseada em evidências conta com estudos científicos e métodos rigorosos para chegar a uma conclusão sobre o que funciona ou não no controle do crime. O paradigma da base em evidências procura ampliar a influência da pesquisa na política, colocar as informações científicas no centro do processo político. Há uma base de conhecimento consolidada e institucionalizada que pode guiar uma política criminal baseada em evidências, inclusive defendida por instituições internacionais como a ONU, UE, OSCE, entre outras. Políticas criminais baseadas em evidências têm se desenvolvido em diversos países, sendo um movimento que veio para ficar, trazendo racionalidade às políticas públicas. O uso de opiniões, ao invés de fatos para se elaborar Política Criminal, pode causar danos, a implementação de programas inefetivos, provocar desperdício de recursos públicos e pode o desvio de atenção das necessidades mais urgentes. É necessário estar atento para a validade das evidências e os métodos usados para localizar, avaliar e sintetizar as evidências. Os efeitos dos programas devem ser avaliados em diferentes aspectos. A conexão entre pesquisa e política criminal não é clara. E esta não é uma realidade só da política criminal. O que se busca com o paradigma da base em evidências é aumentar a influência da pesquisa nas políticas públicas. Ao menos de quatro formas diferentes as pesquisas científicas podem influenciar as decisões políticas: 1) instrumental (provimento de direção das políticas públicas); 2) política (para legitimar a decisão política, apontam-se resultados científicos); 3) conceitual (a criação de um ambiente que vai institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 13 incorporando o conhecimento científico e enriquecendo o debate e influenciando as políticas públicas; 4) uso impositivo (a exigência que os programas governamentais sejam baseados em evidências para receberem fundos, geralmente acompanhada de uma lista de melhores práticas). Há ao menos quatro obstáculos a separar conhecimento científico da política: a) modelos prevalentes; b) ideologia prevalente; c) considerações políticas de curto prazo; d) inércia e considerações burocráticas de curto prazo. 5. OBJETOS DA CRIMINOLOGIA 5.1. CRIME Objeto da Criminologia de definição mais complexa, o delito, crime ou conduta desviada, continua carente de uma definição precisa, pois não basta à Criminologia uma definição jurídico-formal do delito. Há inúmeras acepções de crime e a problemática de se procurar uma definição criminológica para o delito como objeto da Criminologia foi maior no nascedouro da Criminologia, pois não se aceitava bem a ideia de uma ciência empírica ter o mesmo objeto que uma ciência normativa. Assim, a Criminologia corria o risco de mitigar sua autonomia por ter um objeto definido pelo Direito, ou afastar o necessário componente normativo da definição de crime, importante ponto de partida para pesquisar o fenômeno empírico. A dificuldade com essa questão, da definição de crime para a ciência Criminologia, ainda é latente, contudo, muito amainada, pois, além da Criminologia ter expandido seus objetos, a disciplina atuar com um marco normativo não é algo contraditório para uma ciência empírica. Além disso, várias outras particularidades do problema do delito passaram a ser mais relevantes que trabalhar sobre uma delimitação formal do conceito de crime, tais como os processos de criminalização e descriminalização, a criminalidade nos diversos estratos sociais etc. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 14 Ressalte-se que, para a Criminologia, não é relevante somente os fatos estritamente considerados infração penal, até porque a Criminologia se ocupa com fatos sem relevância penal, como fatos prévios ao crime, as incivilidades, condutas atípicas de interesse criminológico, as cifras negras ou ocultas da criminalidade, questões transnacionais, ambiente social em que o crime ocorre etc. Logo, apesar de o conceito jurídico de crime ser uma orientação relevante, a Criminologia e o Direito trabalham com concepções diversas. Da mesma forma a ideia de delito natural da filosofia, assim como a formulação sociológica da conduta desviada não são suficientes. Dessa forma, o conceito de crime é bastante relativo e problemático em vários âmbitos, constituindo-se, para a ciência em estudo, como um problema social, passando por vários filtros das instâncias sociais para se estabelecer o que é crime. O conceito de crime e o estabelecimento de quais condutas levarão essa marca variam conforme as mudanças sociais, a cultura, o desenvolvimento social, o tempo, o espaço, as circunstâncias. Há um conceito universal? As condutas consideradas crime têm um padrão universal, os mesmos fatos são criminalizados em todos os países? O estabelecimento do que é crime ou não sofre influência histórica e cultural? Há um processo de criminalização de parte do grupo social? As respostas são simples e esclarecem a profundidade do tema. 5.2. O CRIMINOSO O delinquente foi o protagonista dos estudos criminológicos clássicos, os quais o consideravam uma pessoa diferenciada das demais, uma vida biopsicopatológica. A Criminologia contemporânea deixou o criminoso em segundo plano, mudando seu foco para o controle social, a vítima e o crime, sem deixar de lado a pessoa delinquente. A criminologia moderna aborda a pessoa infratora em sua realidade biopsicossocial, em sua interação social. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 15 O ser humano infrator já foi considerado um pecador que poderia ter obedecido as leis e não o fez, o crime seria consequência do seu livre arbítrio, sem sofrer influências do meio ambiente, seria uma escolha, consequência da liberdade. Também já foi considerado um ser doente, detentor de uma patologia, um determinismo biológico que o levaria inexoravelmente a ser um criminoso. Por outro lado, há abordagens que tem o delinquente como um ser incapaz, frágil, fraco e indefeso, precisando, em consequência, da tutela do Estado. Abordagem muito próxima do pensamento marxista que atribui à estrutura econômica e à sociedade a conduta criminal, sendo o criminoso vítima de uma sociedade falha. A evolução dos estudos criminológicos faz com que hoje o criminoso seja visto de uma forma muito mais complexa e rica. Contemporaneamente o delinquente é majoritariamente entendido como um ser “normal”. Claro que há pessoas com patologias que cometem crimes, porém essa não é a regra, basta se atentar para os autores de crimes econômicos, crimes de colarinho branco, crimes contra a administração pública e vários outros para se perceber que o criminoso é uma pessoa, em regra, “normal”. Como reflexão, pode-se questionar, conhece alguém que já cometeu um crime? Dirigiu após consumir álcool, fez download de algo pelo qual deveria pagar, comprou produtos piratas,injuriou ou difamou alguém, caluniou um político, usou drogas de difusão ilícita, conhece alguém que já cometeu aborto, furtou algo, fez afirmações falsas em um documento etc? 5.3. A VÍTIMA A vítima que por longo período foi esquecida pelos estudos criminológicos, pela Política Criminal e pelo Sistema de Justiça Criminal, que dedicavam sua atenção quase que exclusivamente ao delinquente, agora ressurge vigorosamente no campo científico e político. Muito esforço tem sido dedicado para compreender como pessoas se convertem em vítimas, as relações das vítimas com os criminosos, os reflexos institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 16 do crime sobre a vítima e como repará-los, estabelecimento de programas de prevenção voltadas para certos tipos de vítimas, a atuação social no processo de vitimização, a disposição da vítima em colaborar com o controle social. Nessa seara, há polêmica sobre a conceito de vítima, sobre a vítima pessoa jurídica, a necessidade de se proteger organizações, os crimes aparentemente “sem vítima”, como nos crimes de colarinho branco, financeiros, contra o consumidor, nos quais há uma “despersonalização” da vítima. Recentemente, vindo a vítima a tomar posição central nos estudos criminológicos, acentuam-se as pesquisas em seis focos de interesse, resumidamente: 1) o processo de escolha da vítima e seu processo de interação com o delinquente; 2) a prevenção criminal com foco na vítima; 3) a criminalidade oculta e a colaboração da vítima na busca por informações sobre a criminalidade; 4) o sentimento de insegurança e o medo do crime; 5) programas sociais de amparo à vítima; 6) o relacionamento da vítima com o Sistema de Justiça Criminal. 5.4. CONTROLE SOCIAL DO CRIME A sociedade, em busca de estabilidade social, coesão, conformidade e integração, possui um controle social composto por instituições, estratagemas e sanções. O controle social conta com diversos ordenamentos normativos, constituindo-se de sistemas religiosos, éticos, costumeiros, jurídicos etc. Abarca diversas instâncias a colaborar com um conjunto de processos sociais com a finalidade de impor disciplina social, tais como a família, a igreja, associações, instituições de ensino, o Sistema de Justiça Criminal etc. O controle social dispõe de estratégias de prevenção, repressão, socialização entre outras para responder ao problema do crime, assim como conta com diferentes modalidades de sanções e destinatários do controle social. Assim, para a defesa dos valores e normas sociais, em busca da conformidade, para o controle do crime, essas diferentes instâncias, compostas por agências estatais e não estatais agem de forma proativa e reativa. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 17 Dessa forma, o controle social, esse conjunto de instituições, estratégias e sanções, compõe-se de instâncias formais e informais de controle social do crime. Nessa linha, objetivando a disciplina social, agem as instâncias informais de controle social do crime, como a família, escola, o âmbito profissional, os meios de comunicação social, comunidade e outras. Da mesma forma as instâncias formais de controle social do crime, compostas principalmente pela Polícia, órgãos judiciários e o sistema penitenciário. Então, o controle do crime é exercido por inúmeras instituições, sendo talvez de menor importância o papel das instâncias formais, apesar de chamarem maior atenção social, uma vez que instituições como a família, igreja, escola e comunidade tem uma capilaridade e potencial incalculável de prevenção criminal. Para a Criminologia, tanto as instâncias formais como as informais são objeto de estudo, para buscar prover a sociedade de informação qualificada para melhor tratar o problema criminal. Desse modo, a efetividade dos controles sociais do crime sofre acentuada atenção da Criminologia, sendo o Sistema de Justiça Criminal alvo de severas críticas. 5.5. O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL Possuindo uma estrutura semelhante nos países ocidentais, o Sistema de Justiça Criminal é composto no Brasil por órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O Sistema de Justiça Criminal possui atribuições que abarcam desde a prevenção ao crime stricto senso, até a execução imposta aos condenados por sentença criminal. É integrado por órgãos especificamente voltados para atuar sobre o fenômeno criminal e que devem agir em harmonia, propiciando o cumprimento de seu fim. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 18 Em geral, o Sistema de Justiça Criminal é dividido em três subsistemas: subsistema policial (ou de segurança pública), subsistema de justiça criminal (ou judicial) e subsistema de execução penal. Suas funções são exercidas majoritariamente pelos Poderes Públicos estaduais, sendo de menor amplitude a participação dos órgãos federais e municipais. O denominado subsistema de justiça criminal policial é composto pelas Polícias Civis, Polícias Militares, Guardas Municipais, Polícia Federal, Polícias Rodoviária e Ferroviária, Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). O subsistema judicial é composto por juízes de direito, Tribunais de Justiça, Ministério Público estadual, Defensoria Pública estadual, juízes federais, Tribunais Regionais Federais, Ministério Público Federal, órgão judiciários eleitorais e militares. Além desses, alguns tribunais superiores também têm atribuições criminais. O subsistema de execução penal é integrado sobretudo pelos departamentos penitenciários, integrando-o também órgãos da Defensoria Pública, Ministério Público, Judiciário, seja no domínio estadual ou federal. Ainda o compõem o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e os Conselhos Locais. Esta composição pode ser alargada dependendo da interpretação que se der para a atuação de determinados órgãos e entidades, como é o caso da própria advocacia privada. Abaixo, quadro com os principais órgãos componentes do Sistema de Justiça Criminal brasileiro. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 19 O Sistema de Justiça Criminal, como instância formal de controle social da criminalidade, recebe grande atenção social e da Criminologia, passando a ser foco de atenção científica, em uma virada temática, perquirindo- se como a sociedade reage formalmente ao crime. Entre as maiores críticas dirigidas às instâncias formais de controle do crime, está o seu processo de seleção da delinquência, a seletividade criminal, gerando inclusive cifras negras ou cifras ocultas da criminalidade, predominando como sua clientela representantes das classes mais pobres da sociedade, mesmo sabendo-se que o crime está fortemente presente em todos os estratos sociais. 6. BREVE HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA O crime, o infrator e o problema criminal não são fatos recentes na história humana, haja vista que sempre houve quem rompesse a ordem social, o comportamento esperado. Logo, a preocupação com o desvio criminal não é recente, contudo, a sua abordagem científica e a instituição da Criminologia são realidades novas historicamente. Respostas científicas de maior valor para o controle do crime e incorporadas à Política Criminal, algo mais moderno ainda. Subsistema Policial •Polícias civis •Polícias militares •Guardas Municipais •Órgãos de trânsito •Polícia Federal •Polícia Rodoviária Federal •SENASP •Secretarias de Segurança Pública •Etc Subsistema Judicial •Órgãos do Judiciário em diversas instâncias da União e Estados •Defensoria Pública •Ministério Público Subsistema penitenciário ou de execução penal •Órgãosdo Judiciário •Conselho Penintenciário •Defensoria Pública •Ministério Público •Departamentos Penitenciários institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 20 Como estudo científico, considera-se o seu nascimento com o positivismo criminológico, ou Escola Positiva italiana, generalizando o método empírico-indutivo na busca de esclarecer o problema criminal, tendo como principais representantes Lombroso, Garófalo e Ferri. Anteriormente a essa inauguração da ciência criminológica, foram apresentadas diversas conclusões de estudos sobre a criminalidade, em uma fase que pode ser chamada de pré-científica. Nessa etapa, por um lado temos a chamada Criminologia Clássica, esteada nas ideias do Iluminismo. Por outro, um enfoque empírico, desenvolvido por estudiosos de diversas áreas, mas ainda de forma dispersa. Tendo ambas a serventia substituir a especulação e o sobrenatural pela observação e análise. A Criminologia Clássica tem base liberal, racionalista, considerando o crime mero fato individual, um descumprimento da lei, não analisando a pessoa delinquente, nem a realidade social ao seu redor. Apesar dos avanços concebidos pela Criminologia Clássica, tem o crime como uma simples escolha racional, não apresentando uma estratégia para a construção de uma Política Criminal. O representante mais consagrado dessa fase é Beccaria. Nessa fase pré-científica, destacam-se ainda as pesquisas desenvolvidas por Bentham e Howard, analisando a realidade penitenciária e defendendo sua reforma e a relevância do emprego de estatísticas. São encontradas ainda relevantes pesquisas no domínio da Fisionomia, Frenologia, Psiquiatria, Antropologia, inclusive com a contribuição de Darwin. A denominada Escola Cartográfica ou Estatística Moral, considerada uma ponte entre a Criminologia Clássica e a Criminologia Positiva, nasce com as bruscas mudanças sociais promovidas pela Revolução industrial, a qual trouxe desorganização social e o crescimento da criminalidade. Um choque com o ideal Iluminista. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 21 À denominada Escola Cartográfica incumbiu o papel de estudar o crime como uma questão de massa, social, como fato social, algo mensurável. Aplicando, assim, métodos estatísticos, quantitativos, para entender a dinâmica da criminalidade, não do criminoso. Passando ao positivismo criminológico ou Escola Positiva, o que mais fortemente a caracteriza é a sua metodologia empírica, experimental, casando- se com o modelo causal-explicativo defendido pelo positivismo para a ciência. Enquanto para a Criminologia Clássica o crime era algo abstrato, para a Escola Positiva o crime é algo concreto, natural, empírico, real. Para entender o crime e a criminalidade, a Escola Positiva defende ser imprescindível conhecer suas causas, para atingir sua raiz com programas de prevenção. Representante sempre citado desse período de desenvolvimento da ciência criminológica, Lombroso deve ser lembrado não pela sua tipologia de criminosos, pelo seu criminoso nato, mas sim pelo emprego do método empírico, superando o mágico, o teológico, o abstrato, o metafísico no conhecimento da realidade criminal. Outro pesquisador de absoluto relevo para o positivismo criminológico foi Ferri, considerado o pai da Sociologia Criminal. Ferri defendia ser o crime produto da ação de uma gama de elementos, entre eles aspectos sociais, físicos e individuais, não seria, dessa forma, fruto de uma patologia do ser. A Escola Positiva provocou uma série de polêmicas entre correntes de pensamento clássicas e positivistas, assim como divergências entre positivistas sobre a relevância do meio social e de fatores socioeconômicos na criminalidade. Como consequência, despontaram as lutas entre escolas de pensamento e a formação das denominadas escolas ecléticas, buscando um equilíbrio entre os divergentes. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 22 Nesse contexto surgem a Escola de Lyon, a Escola da Defesa Social, a Escola Sociológica Alemã, a Terza Scuola, o pensamento psicossociológico de Tarde entre outras a traçar os rumos da moderna Criminologia. A Escola Francesa de Lyon defende a importância extraordinária do ambiente social na origem da criminalidade, sendo fundamentais os estudos de Lacassagne e Tarde. Tarde, que foi diretor de Estatística Criminal do Ministério de Justiça francês, desenvolveu estudos qualificados como psicossociológicos. Elaborou estudos sobre o processo de aprendizagem criminal, dando muito relevo a esse processo, dando ênfase que a sociedade com seus valores e ideais influi decisivamente no processo de construção da criminalidade. Tarde foi precursor de inúmeros estudos modernos, como as subculturas criminais, o desenvolvimento tecnológico e sua relação com o crime, queda dos valores sociais e familiares como criminógenos, o êxodo rural na sua relação com a criminalidade. A Terza Scuola, a Escola Sociológica Alemã, a Escola da Defesa Social tiveram a grande virtude de consolidar a ciência criminológica, provocando a ponderação sobre as questões mais relevantes para a nova ciência. Nessa linha, enriquecem o debate sobre o a influência da Sociologia, Antropologia, Estatística e Psicologia no Direito. A necessidade de se tratar do problema criminal de forma científica, fugindo de sua abordagem filosófica ou jurídica. A defesa da sociedade com o trabalho organizado da Criminologia e outras ciências. Dessa maneira, chegamos à contemporânea Criminologia, em busca de entender como traços individuais interagem com fatores sociais, procurando caminhos para enfrentar o desafio da criminalidade moderna. 7. SELETIVIDADE CRIMINAL E CIFRAS OCULTAS DA CRIMINALIDADE O poder de definição do que será perseguido, investigado, denunciado, julgado e punido faz parte do estabelecimento do que será crime, institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 23 formando-se uma instância de imputação do que será delito ou não (o que será tratado como crime no interior do Sistema de Justiça Criminal). A seleção da delinquência é legítima quando estabelecida pelo poder legislativo, em bases proporcionais, assentada em evidências científicas e obedecendo a preceitos democráticos e constitucionais, para se definir o que será crime ou não, ou qual pena aplicar. Ocorre que, no seio das instâncias formais de controle do crime também há um processo silencioso de seleção, refletindo, por exemplo, no predomínio de pessoas de estrato social menos privilegiado economicamente nos presídios. As ações do Sistema de Justiça Criminal são mal distribuídas e há discricionariedade em suas ações ao escolher sobre o que atuar, e sobre quem atuar, operando sobre uma clientela específica. Esse processo de seleção sobre onde agir pode obedecer a diferentes mecanismos, como o poder dos possíveis alvos de atuação do processo, com status econômico e político, limitando de diferentes formas a capacidade e vontade do Sistema de Justiça Criminal de contra eles abrir processos formais, ou se estes são instalados, não tenham um fim adequado com a consequente punição. Outro mecanismo de seleção da criminalidade é o estereótipo, tendo a clientela do Sistema de Justiça Criminal preferencialmente certos sinais exteriores que se imputam a um delinquente, tais como o vestuário, cor da pele, origem, local em que se encontra e outros estigmas que retroalimentam esse processo de seleção criminal. Pois as estatísticas vão mostrar que os portadores de tais características são maioria entre os escolhidos pelo Sistema de Justiça Criminal. Esse processo de seleção da criminalidade é responsável, também, pela criação das chamadas cifras ocultas ou cifras negras da criminalidade.Cifra oculta, ou criminalidade oculta, ou cifra negra, é fenômeno caracterizado pelo elevado número de condutas criminosas que não são computadas nas estatísticas oficiais. A quantidade de criminalidade oculta não é conhecida, mas se acredita que seja maior que o volume apresentado pelas estatísticas oficiais. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 24 Como dito, cifra oculta é a criminalidade não levada às instâncias formais de controle ou não registrada por elas. Por outro lado, denomina-se mortalidade de casos criminais às mortes dos processos formais dentro do Sistema de Justiça Criminal. Isso pois nem todo crime notificado será esclarecido, nem todo crime esclarecido será denunciado, nem todos os denunciados serão condenados, nem todos os condenados cumprirão pena, não conseguindo sobreviver muitos casos na passagem de uma instância para outra do Sistema de Justiça Criminal. São apontadas como razões para a existência da criminalidade oculta: a não visibilidade do crime; razões ligadas à vitima que por diversos motivos não reporta o fato (a vítima é uma instância não formal de seleção determinante); a tolerância diante de certos tipos de crime; a utilização de formas não formais de atuar sobre a criminalidade; a discricionariedade de órgãos do Sistema de Justiça Criminal que selecionam quais crimes irão receber e processar. A criminalidade oculta é um grande entrave para as pesquisas criminológicas, pois conhecer-se a verdadeira realidade da criminalidade é essencial para poder melhor lidar com o problema delitivo. Para superar essa dificuldade em se perceber a criminalidade real, tem sido usadas técnicas de pesquisa, tais como os inquéritos de autodenúncia e os inquéritos de vitimização, com o fim de se conhecer o verdadeiro volume de crimes e sua distinção dos relatórios oficiais. 8. MODELOS DE RESPOSTA AO PROBLEMA CRIMINAL E A JUSTIÇA RESTAURATIVA Cabe à contemporânea Criminologia, como um de seus principais objetivos, examinar a qualidade das soluções e respostas dadas pela sociedade ao problema criminal. Três modelos de resposta social ao delito são geralmente apresentados com paradigmáticos: o modelo dissuasório clássico, o modelo ressocializador e o modelo integrador. Para o paradigma dissuasório, a intervenção sobre a criminalidade se reduz à busca da punição, à aplicação de pena ao infrator, à existência de um institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 25 ordenamento jurídico amplo, à certeza de uma punição rápida, o que provocaria um benéfico efeito dissuasório e a preventivo do crime diante da sociedade. O crime para o esquema dissuasório se resume a um enfrentamento entre o Estado e o delinquente. O modelo dissuasório trabalha com uma visão limitada de prevenção criminal, supervaloriza o pode intimidatório da pena, esquece-se da vítima e da comunidade, não resolve conflitos. Por outro lado, o modelo ressocializador possui como objetivo primário a reintegração do infrator à sociedade, muda o foco da intervenção, procurando intervir na pessoa do criminoso. A ideologia ressocializadora sofre duas principais críticas, primeiro o fato de que nem todos os infratores precisam, são capazes ou desejam passar por um processo de renovação. Segundo a falta de legitimidade do Estado para promover essa requalificação do infrator. O modelo integrador, a seu turno, quer desenvolver o sistema de resposta ao problema criminal trazendo novas demandas, procurando que a intervenção seja mais ampla. O modelo integrador cria uma visão revolucionária de reação ao delito, enfatizando a necessidade de compensar e recompor os danos do crime, pacificar conflitos que desaguaram na conduta ilícita, reparação e participação da vítima e da comunidade na pacificação das relações sociais envolvidas. Esse modelo apresentado como Justiça Restaurativa faz duras críticas ao paradigma vigente, pois esquece da vítima e da comunidade na resposta ao conflito e que estes devem ter papel central na solução da contenda. É um modelo não punitivo, uma alternativa ao paradigma retributivo dominante, certo da incapacidade e ineficácia do atual Sistema de Justiça Criminal para solucionar o problema do crime, procura reconstruir profundamente o esquema operante. Para a Justiça Restaurativa, deve-se romper com o modelo punitivo- retributivo, o qual só mira em retribuir o malfeito, tendo o crime como relação institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 26 entre o Estado e o criminoso, a fim de centrar as atenções na reparação à vítima, à sociedade e até mesmo ao ofensor, solucionando conflitos, trazendo as partes (vítima, comunidade, criminoso) ao centro do processo. A Justiça Restaurativa concebe o crime como desavença entre pessoas, um conflito a ser solucionado por essas, em conjunto com a comunidade, aplicando técnicas diversas, como a mediação. O crime não é considerado como um fato jurídico isolado, mas consequência de uma multiplicidade de fatores. 9. PREVENÇÃO CRIMINAL E AS ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE 9.1. CONCEITO DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE Há antecedentes históricos longínquos que indicam a preocupação com a prevenção da criminalidade, como a própria arquitetura das pirâmides egípcias, pensada para evitar ataques. Contudo, o interesse maior pelo tema surge com a expansão dos índices de criminalidade e do sentimento de insegurança provocada por transformações sociais, culturais e econômicas. Globalização, exclusão social, diluição dos mecanismos informais de controle, sociedades multiétnicas, multiplicação dos espaços de anonimato, adensamento das áreas urbanas, entre outros, são mudanças contemporâneas que explicam o aumento da criminalidade. A Resolução 2002/13, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 24 de julho de 2002, e o seu anexo Guidelines for the Prevention of Crime, reconhece que: 1. As causas do crime são múltiplas; 2. A prevenção da criminalidade deve assentar em políticas, estratégias e planos de ação (ou programas) multisetoriais, multidisciplinares, concebidos e implementados com a participação da sociedade civil. Sendo o próprio conceito de crime e, em consequência, sua prevenção, objeto de acalorados debates científicos, surgem inúmeras e respeitáveis propostas de conceitos. Assim, devido ao curto espaço desta apostila, apresentam-se os conceitos formulados pela ONU e pela União Europeia. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 27 Conforme a Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade, a prevenção da criminalidade “abrange todas as medidas destinadas a reduzir ou a contribuir para a redução da criminalidade e do sentimento de insegurança dos cidadãos, tanto quantitativa como qualitativamente, quer através de medidas de dissuasão de atividades criminosas, quer através de políticas e ações destinadas a reduzir os fatores potencializadores das causas de criminalidade. A prevenção da criminalidade inclui o contributo dos governos, das autoridades competentes, dos serviços de justiça criminal, das autoridades locais e das associações especializadas que tiverem criado na Europa, dos setores privados e do voluntariado, bem como dos investigadores e do público, com o apoio dos meios de comunicação social.” Já as Nações Unidas definem a prevenção da criminalidade como “compreendendo as estratégias e as medidas que visam reduzir o risco de ocorrência de crimes, e os seus potenciais efeitos danosos nos indivíduos e na sociedade, incluindo o medo do crime, pela intervenção para influenciar as suas múltiplas causas. O cumprimento das leis, penas e condenações, embora também desempenhe funções preventivas, encontra-se fora do escopo das linhas de orientação, considerandoa extensa cobertura do assunto em outros instrumentos das Nações Unidas”. Logo, tanto o controle social informal, como o controle social formal (Sistema de Justiça Criminal) devem agir de forma complementar na busca de conter os índices criminais. Até recentemente, a preocupação das políticas criminais era focada na reação a infrações penais, contudo, essa postura de ação retardada ao evento criminal vem sofrendo redirecionamentos, buscando-se, então, desenvolver-se estratégias para diminuírem-se os fatores de risco a que o crime venha a ocorrer e procurando aumentar a resistência individual ao cometimento do crime. 9.2. TIPOLOGIAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE Em última instância, o que toda sociedade deseja é que o crime e seus danos não venham a ocorrer, pois é melhor prevenir que remediar, como diz a máxima. Essa tarefa de evitar que desvios criminais venham a se concretizar deve ser enfrentada pelos controles sociais formais e informais. Os institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 28 formais são os órgãos do Sistema de Justiça Criminal, os informais promovidos por setores outros como a escola, a comunidade, a igreja, o trabalho, a família etc. Todos esses âmbitos de atuação, agindo conjuntamente, podem trazer um impacto muito positivo ao controle do crime. As ações de prevenção possuem naturezas diversas, daí se constatar a existência de diferentes tipologias abordadas pelos teóricos, das quais podem- se citar algumas: a) Prevenção corretiva, a qual é dirigida às causas do crime, em contraposição à prevenção punitiva, que busca retirar o criminoso do meio em que está, evitando que continue a delinquir, utilizando-se para isso do Sistema de Justiça Criminal; b) Prevenção geral e prevenção especial, a primeira dirigida a toda a sociedade, com o fim de desmotivar potenciais criminosos, evitando que saiam da cogitação e passem à execução do crime, por meio da ameaça da pena e sua aplicação; a prevenção especial age sobre aqueles que já cometeram o crime, diante da falha da prevenção geral, impõe-se ao criminoso a pena para que não venha a reincidir, ou neutralizando suas ações com a retirada do meio social; c) Prevenção primária, aborda o meio social e físico com o fim de diminuir as oportunidades para a prática do crime, procurando o desenvolvimento social. Há proatividade na implementação de atividades voltadas ao público em geral. Envolve ações para implementar bem-estar social com o fornecimento de serviços de saúde, educação, restauração do ambiente urbano, emprego etc.; d) Prevenção secundária, que é dirigida àqueles que estão em risco de delinquir. Concentra-se principalmente sobre crianças e jovens em situação risco de se tornarem infratores, além da implementação de programas comunitários para controlar atividades criminais; e) Prevenção terciária, que se refere à intervenção principalmente do Sistema de Justiça Criminal. Busca prevenir a reincidência, dirige seus esforços àqueles sentenciados por terem cometido infrações penais, desenvolvendo programas de reinserção social; institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 29 f) Prevenção situacional, a qual se funda na premissa de que, entre a cogitação e a execução crime, age não só a motivação do criminoso, mas também as oportunidades que o ambiente propicia, assim, alguns tipos de crimes ou as ditas incivilidades poderiam ser impedidas, criando mecanismos que aumentem os riscos para os autores dos fatos ilícitos, minimizando seus benefícios e diminuindo as oportunidades; g) Prevenção social, que tem como alvo o ser humano e é centrada em políticas públicas que reduzam os fatores de risco, mirando particularmente crianças, jovens e grupos de risco, investindo em educação, saúde, emprego etc. h) Prevenção no âmbito da formação da personalidade do indivíduo, a qual é voltada para a formação psíquica da pessoa. Pode abranger tanto ações voltadas para grupos de risco, como para a sociedade em geral; i) Prevenção no âmbito da constituição das situações pre-criminais, que visa anular ou restringir conjunturas aptas a permitir a preparação ou execução do crime. j) Prevenção no âmbito do desenvolvimento dos processos de passagem ao ato, que mira a criação de riscos para potenciais criminosos, de forma que impeça a execução de atos ilícitos; l) Prevenção desenvolvimental, advoga que a tendência ao cometimento de crimes é influenciada por padrões de comportamento aprendidos durante o processo de desenvolvimento da pessoa ao longo da vida. Os primeiros anos da vida seriam muito relevantes para definir todo o curso da existência, razão pela qual medidas de longo prazo voltadas à infância, adolescência, à família tem maior efetividade na prevenção do crime; m) prevenção comunitária, é uma espécie de combinação de prevenção desenvolvimental e situacional, com uma conjunção de esforços para diminuir os fatores de risco ao longo da vida das pessoas e reduzir as oportunidades do crime. Entende que as comunidades residenciais têm uma grande contribuição a dar para a prevenção criminal, mobilizando a população local para atuar e proteger seu meio social. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 30 Percebe-se, desse modo, a atenção dos estudos da prevenção em três terrenos: individual, situacional e estrutura social. Todos são complementares e o papel da Criminologia é essencial na implementação e avaliação desses programas. 9.3. O SENTIMENTO DE INSEGURANÇA E O MEDO DO CRIME Apesar de comumente o sentimento de insegurança e o medo do crime serem tratados como um mesmo fenômeno, mormente nos discursos políticos e na abordagem da mídia, eles possuem abrangência distinta, sendo o medo do crime acontecimento mais restrito. O medo do crime é somente mais um dos fatores que levam ao sentimento de insegurança. A abordagem desses acontecimentos sociais é necessária, pois a qualidade de vida do ser humano é diretamente afetada por tais representações, tendo as instâncias formais de controle do crime, principalmente as polícias, grande responsabilidade diante dessas percepções, haja vista que o seu papel é promover a dignidade humana, devendo tomar cautelas para que os riscos objetivos não sejam super ou subdimensionados. Qualquer um dos dois fatores pode trazer efeitos sociais deletérios, com as pessoas se colocando em situação de risco quando não percebem o tamanho das ameaças ou perdendo a qualidade de vida quando a percepção de risco é exagerada. Entre os agentes que podem levar ao sentimento de insegurança, podemos citar crise econômica, mudanças climáticas, proliferação de doenças, o medo do crime, entre outros, devendo os órgãos de segurança tomar muito cuidado, principalmente no tratamento com a mídia, para não fomentar inadequadamente essas sensações. Assim, o sentimento de insegurança pode ser definido como uma imagem do ambiente social em que está inserido o indivíduo, através da interpretação de vários sinais que surgem a sua volta, internalizando sensação de caos e de falta de controle do Estado sobre o meio social. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 31 É um ciclo de angústia provocado pela interpretação de vários elementos do meio em que se está inserido, vinculado às informações disponíveis sobre a realidade, seja em decorrência de experiências pessoais ou informações agregadas sobre o universo que nos circunda. Já o medo do crime, de menor extensão, pode ser abordado sobre um ponto de vista construtivista ou securitarista. Sob o primeiro ângulo, o medo do crime retrata uma realidade social produzida pelos meios de comunicação social e pelo discurso político, já sob o segundo, há direta relação entre o medo do crime e crimes ocorridos.O medo do crime é a inquietude derivada do evento criminal. É uma resposta que pode ser produzida tanto por um acontecimento real, como pode ser fruto de uma falsa percepção da realidade. Tarefa social é fazer com que a percepção dos riscos esteja compatível com os riscos objetivos, tanto para que não seja criado um ambiente de desequilíbrio social, decorrência de uma interpretação errônea do que está acontecendo de fato, como para que uma baixa percepção do risco não leve as pessoas a se exporem demasiadamente a ameaças. 9.4. TRANSFERÊNCIA DA CRIMINALIDADE A questão da transferência da criminalidade está diretamente relacionada com programas de prevenção que têm como objetivo atuar sobre determinado tipo de crime ou determinado ambiente onde este ocorre. Geralmente vinculada a estratégias de prevenção situacional, ela ocorre quando, ao remover oportunidades para a execução de determinados tipos de crimes ou a ação em determinado ambiente, há como efeito a adaptação dos criminosos ao novo cenário, deslocando-se para outro local ou para outros tipos de crimes. A transferência da criminalidade é uma reação do mundo criminal às estratégias de prevenção empregadas, haja vista que não se atuou sobre as motivações para a prática do crime. Isto ocorre, pois aqueles que estão dispostos institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 32 a praticar a infração penal são capazes de buscar alternativas, pois sempre poderá haver novos alvos. Os estudiosos apontam cinco formas de transferência: geográfica, temporal, alvo, modus operandi, tipo de crime. O evento transferência da criminalidade não necessariamente irá ocorrer, contudo, no planejamento das ações preventivas, deve-se dar especial atenção para a possibilidade de sua ocorrência, implementando ações estratégicas para que as estratégias de prevenção não permitam que simplesmente o crime migre para outro lugar, momento, ramo de atuação. Para que isso não ocorra, deve-se traçar cenários de possível reação da criminalidade, e implementar intervenções para conter o fenômeno, como o compartilhamento de dados com outras instâncias, para que possam agir diante de uma possível migração de grupos criminosos, ou o diálogo com outros setores possivelmente afetados pela transferência. A transferência da criminalidade é, por exemplo, fator de preocupação diante de uma possível descriminalização do uso e tráfico de drogas, pois os traficantes possivelmente irão dedicar-se a outros mercados ilícitos. Contudo, diante da complexidade que é a passagem da cogitação ao cometimento de um crime, a transferência não é um fenômeno inevitável, sendo que medidas de prevenção e repressão de determinado tipo de criminalidade podem até levar à difusão de benefícios no âmbito da segurança pública a áreas não necessariamente miradas inicialmente. 10. TEORIAS CRIMINOLÓGICAS DO CRIME E CRIMINALIDADE 10.1. INTRODUÇÃO institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 33 Fatores que influenciam os riscos do crime e da violência1 A Criminologia possui um vasto campo de atuação, tendo interesse sobre essa área do conhecimento profissionais das mais variadas origens, de matemáticos a sociólogos, de arquitetos a médicos. Isso não é por acaso, procurar entender o comportamento humano e o porquê ele chega a cometer ações criminais provoca a imaginação e afeta acadêmicos e não acadêmicos de todos os estratos sociais. A ciência nos tira do senso comum, de visões estereotipadas, do preconceito, nos ajuda a compreender e melhor exercer a tarefa de contribuir com a sociedade nessa demanda tão complexa. 1 ONU. Manual de diretrizes de prevenção à criminalidade. Nova York, 2010. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 34 Seria muito relevante neste momento abordarmos o método científico e as técnicas de investigação científica, por um lado para compreender- se como são construídas as teorias e os modelos de resposta ao problema criminal, por outro lado para ajudar o profissional a melhor desenvolver suas atividades cotidianas com técnicas como as estatísticas, as pesquisas sociais, a exploração, a entrevista, o questionário, a observação, a discussão em grupo, o experimento, os testes psicológicos, os estudos de seguimento, entre outros. Contudo, nestas linhas não o cabe, aqui deixamos a provocação para ir se conhecer o método criminológico e o uso de bases de dados e o acesso à vítima, ao criminoso e ao sistema de justiça criminal para desenvolver-se conhecimento válido sobre o fenômeno criminal. Relevante lembrar-se que a Criminologia não é uma ciência dura/exata, apesar de ser empírica e interdisciplinar. Logo, lidando com o comportamento humano, lidaremos com probabilidades, não com soluções imutáveis e irrepreensíveis. E a Criminologia, como já dito, não irá esquadrinhar somente as ações do criminoso e os porquês de ter cometido o crime, mas também o meio ambiente criminal, os órgãos de controle do crime, a vítima e mesmo o estabelecimento do que é crime e como se define o será tipificado como crime ou não. Neste capítulo aborda-se exclusivamente as denominadas teorias criminológicas. Teorias são ferramentas úteis para entender e explicar o mundo a nossa volta. Na Criminologia, nos ajuda a compreender o Sistema de Justiça Criminal, o criminoso a vítima e o evento crime. As teorias sugerem o como as coisas são, não como deveriam ser, diferentemente da ideologia. As teorias criminológicas podem explicar o crime no nível macro ou micro, sendo que para sua máxima eficácia devem ter consistência lógica, explicar a maior quantidade de comportamentos possíveis e ser concisa. O Brasil tem pouca tradição no desenvolvimento de pesquisas criminológicas, apesar dos altos índices de criminalidade, e as publicações, em geral, tem pouco cunho prático. Por ser uma área de conhecimento vasta, multidisciplinar, às vezes com aparência de caótica, os manuais de Criminologia costumam, para fins institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 35 didáticos, organizar o seu conteúdo em Escolas de Pensamento, fazendo um apanhado histórico das teorias construídas ao longo do tempo. Apesar da vantagem didática, muitas análises científicas que só parecem similares são colocadas juntas, empobrecendo o conhecimento científico e não deixando claro em que ponto está o entendimento sobre o crime. O conhecimento criminológico não é estático e não fica preso a Escolas de Pensamento, muito do que se encontra nos manuais são descobertas ultrapassadas. Modernamente, as inúmeras pesquisas e teorias criminológicas concentram-se em quatro grandes temas: a) Pesquisas voltadas para o exame da relevância dos traços individuais, dos fatores de risco individuais a fazer o crime um resultado provável. Afinal, contribuir para um crime é resultado da posição social do indivíduo ou de traços individuais? As modernas pesquisas, usando novas tecnologias, deixam claro que as pessoas nascem diferentes, os traços individuas são muito relevantes, a grande questão é saber como fatores sociais interagem com traços individuais; b) Pesquisas a explorar o contexto criminal que dispara o evento desviante, no micro e macro nível. O debate gira em torno de fatores estruturais que motivariam o crime (pobreza, desigualdade, desemprego, fatores econômicos) e fatores que tem o efeito de o desmotivar, como laços sociais, compromisso comunitário, rede de contatos. O contexto estudado vai do ambiente familiar e relações de amizade à estrutura comunitária, assim como a relevância de fatores culturais no fomento e contenção do crime; c) Linhas de pesquisas que envolvem o evento criminal, analisando o que faz com que no tempo eno espaço tenha-se maior motivação para a execução do crime, quais seriam as contingências situacionais que favoreceriam ou incentivariam a saída da cogitação para a execução do crime. Essa mesma linha de pesquisa tem teorizado as oportunidades para o cometimento, procurando as razões da concentração de atividades ilícitas em certas áreas, em certos tipos de vítimas, porque certa criminalidade é persistente e como se reduzir essas oportunidades, manipulando o ambiente criminal; d) Outro agrupamento de pesquisas criminológicas se dedica a investigar se as ações adotadas para controlar o crime são eficazes e legítimas. Traz um olhar crítico sobre as políticas criminais, os atos tipificados criminalmente, os efeitos institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 36 do encarceramento e se há resultados positivos sobre a segurança pública. Analisa também a seletividade do sistema de justiça criminal etc. Abaixo iremos abordar algumas das teorias mais difundidas sobre o crime. 10.2. O PROBLEMA DA EXPLICAÇÃO DO DELITO (OU TEORIA GERAL SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO?) A Criminologia, como já exposto, tendo como fim prover aos órgãos do Estado e à coletividade informações sobre o crime, o criminoso, as vítimas e o controle social formal e informal do crime, municiando-os com dados científicos sobre a questão criminal, permite, de forma mais segura, reprimir/prevenir o crime e agir sobre o ser humano criminoso. No conceito de Lola Aniyar de Castro, a Criminologia pesquisa o processo de criação de normas sociais e de normas penais relacionadas ao comportamento desviante, estuda o desvio ou a infração destas normas, a reação social formal ou informal que elas podem provocar e os seus efeitos. O objeto da Criminologia vai além do que está vinculado ao direito criminal e ao relacionado com as instâncias formais de controle social. Abarca também o controle informal da infração ou desvio, estudando um amplo contexto, explorando a família, escola, igreja, comunidade e outras instâncias informais de controle. Inicialmente surgida com fim etiológico, buscando a causa do crime, no seu desenvolvimento a ciência Criminológica deixou de se preocupar somente com o aspecto individual, ou seja, por que alguém comete crimes, passando a abordar uma perspectiva mais crítica, estudando a ordem social, levando seu alcance para o problema criminal como resultado também da estrutura social. Certo é que a ciência ainda não alcançou um nível de desenvolvimento aceitável para explicar o crime, suas “causas” e estabelecer uma teoria definitiva. As próprias limitações das ciências sociais e a complexidade que é o comportamento humano, atendendo a fatores sociológicos e individuais, não permitem, ainda, visualizar uma perspectiva de eliminação deste distúrbio social. Contudo, está a fornecer elementos institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 37 importantes para tratá-lo, na busca de levar os índices criminais a um grau tolerável. Há, além disso, correntes na Criminologia que vão atacar o próprio sistema de definição do crime. Deixa-se de questionar as causas que levam alguém a cometer crimes, para se questionar por que alguém é etiquetado como criminoso, inquirindo a legitimidade dessa imputação. Para fins didáticos, vamos citar as teorias criminológicas e tratá-las sucintamente, conforme guia da Oxford University Press, posteriormente expor as teorias criminológicas no caminho costumeiro das correntes sociológicas, biológicas e psicológicas. As biológicas procuram no corpo humano e no funcionamento de seus diversos órgãos a explicação para a execução do delito, tentam detectar uma anomalia que elucide a conduta criminal. Os estudos de orientação psicológica expõem as razões do comportamento ilícito como decorrência de processos mentais normais ou patológicos, enquanto os modelos sociológicos enfrentam o crime como um fenômeno social ligado a estruturas, processos e conflitos sociais. Importante deixar claro que neste curto espaço não é possível abordar todas as modernas teorias criminológicas, nem com a devida profundidade. A seguir, quadro composto por essas teorias “explicativas” do crime na sugestão de caminho de estudo proposto por Figueiredo Dias. Bioantropológicas Psicodinâmicas Criminologia Psicanalítica Teoria do Condicionamento institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 38 Containment Theory Teoria do vínculo social O homem delinquente (teorias de nível individual) Psico- sociológicas Frustração- agressão Teorias etiológico- explicativas Crime por sentimento de injustiça Técnicas de Neutralização Ecológicas Etiológicas Subcultura delinquente A sociedade criminógena (teorias de nível sociológico) Anomia Interacionistas (não etiológicas) 10.3. TEORIAS CRIMINOLÓGICAS a) Teoria da escolha racional e da dissuasão: ligadas à visão clássica do controle do crime, declaram que, se a punição é certa, severa e célere, as pessoas evitarão cometer crimes. Elas operam na perspectiva do crime ser uma escolha, os indivíduos escolhem cometer o crime a partir de uma ponderação de perda e ganho, uma escolha entre violar ou não a lei. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 39 Assim, o criminoso pratica os atos ilícitos a partir de uma escolha racional. Não há que se falar em causas do crime, pois parte-se do princípio do livre arbítrio diante da utilidade e oportunidade para se cometer o ato. O Sistema de Justiça Criminal procede com base nessa doutrina clássica, contudo esquece-se do fato de que a maioria das pessoas não irão cometer crimes em virtude de ser proibido por lei, ou por medo de uma pena, mas em virtude de suas convicções íntimas. Da mesma forma o criminoso não deixa de cometer crimes ponderando as consequências de suas ações. b) Teoria biológica e biossocial: as teorias biológicas tradicionais afirmavam que a pessoa comete atos ilícitos em virtude de defeitos biológicos ou genéticos. O crime seria resultado dessas anormalidades e não uma ação estudada pela pessoa em desvio. Dessa forma, para conter o crime seria necessário eliminar, isolar ou tratar a pessoa. As modernas teorias biossociais declaram que mesmo as pessoas com traços genéticos que levam à predisposição para o crime, essas características não são suficientes para levá-las à criminalidade. Com os avanços da ciência na área genética, neurológica, bioquímica e outras, é possível afirmar que as características individuais são relevantes para o contexto criminal, contudo não são determinantes. Havendo a necessidade de se aprofundar a relação entre traços individuais e o ambiente social a disparar a conduta ilícita. c) Teorias psicológicas: para essas teorias o crime não é uma escolha ou um defeito biológico, mas um problema na mente da pessoa. Vicissitudes no desenvolvimento infantil ou problemas na personalidade do ofensor são gatilhos para o comportamento delituoso. O crime seria só mais um sintoma de questões mentais subjacentes. Essas teorias defendem que o comportamento criminal pode ser evitado por meio de tratamentos a atuarem sobre distúrbios mentais ou traços de personalidade impróprios. d) Teoria da aprendizagem social: os cientistas formuladores dessas teorias defendem que o crime é aprendido pela interação com outras pessoas no meio social, como outros comportamentos. Os pesquisadores procuram saber como institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 40 o processo de aprendizagem criminal se aprimora para poderem conceber estratégias para conter essa atividade cognitiva e a execução de atos criminais.Negando que o crime seja resultado de disposições biológicas, psicológicas ou uma escolha, tenta explicar como se dá o processo de aquisição e passagem de técnicas, valores e ideias criminais. Da mesma forma que atitudes positivas reforçam atitudes positivas, atitudes desviantes reforçariam atitudes desviantes, sendo necessário elaborar estratégias para modificar os comportamentos desviantes, modificando o proceder delitivo, retirando a gratificação dessa conduta. e) Teoria do laço social ou do controle: o cerne dessas teorias não é o porquê alguém comete um crime, mas sim o porquê há pessoas que não são criminosas. Em vez de perquirir as razões que levam ao cometimento do crime, perquire-se a motivação das pessoas seguidoras das normas. Deixando de lado o processo de aprendizado criminal, o corpo humano, a mente ou o sistema de escolha, os teorizadores do controle procuram saber como as pessoas são controladas pela sociedade eficazmente. Essas teorias indicam que uma pessoa irá cometer um crime quando seus laços sociais são frágeis ou se romperam, sendo que quando seus laços sociais são fortes irá evitar comportamentos delitivos. Por consequência, são relevantes para o controle social do crime instâncias como a família, a igreja, a escola, a comunidade. f) Teoria do etiquetamento (labeling): os pesquisadores procuram compreender qual é resultado da rotulação imposta pela sociedade e pelos órgãos do sistema de justiça criminal a uma pessoa após ser surpreendida cometendo um crime. Qual a consequência de ser tachado como criminoso? A estigmatização faria com que a pessoa se visse como criminoso nato e impediria sua reintegração? Como a sociedade e o sistema de justiça criminal interagem com pessoas que já cometeram crimes? Respostas a essas questões são de extrema relevância para os teóricos na busca de se evitar a reincidência. Nessa seara, exploram-se respostas ao institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 41 problema criminal por meio de estratégias como a justiça restaurativa, se busca proteger adolescentes infratores da rotulação criminal, implementam-se ações de reintegração, evitando-se o desvio secundário, após o desvio primário. g) Teoria da desorganização social: concentra-se no desarranjo dos controles sociais tradicionais e das estruturas sociais. É uma teoria com olhar para aspectos macros a promover o fenômeno criminal. A desorganização de instâncias de controle social como a vizinhança, a comunidade, a família levam a atividades criminais, referindo-se, por isso, à criminalidade urbana. Acredita-se que locais marcados por mudanças constantes e deteriorados são mais propensos a terem altas taxas de criminalidade, pois são menos propensos a controlar o comportamento de seus residentes. Nessa mesma linha de pensamento, defende-se que fatores como índice de desemprego, bem-estar social, engajamento comunitário, trabalho voluntário, atividades cívicas são relevantes para a higidez social e o controle do crime. h) Teoria da anomia: a anomia pode ocorrer, conforme alguns teóricos, quando não há meios legítimos para se alcançar os objetivos sociais de sucesso, sucederia quando a sociedade está em um estado de desorganização, sem estabilidade e integração que permitiriam a todos buscarem os objetivos culturais impostos pela sociedade. Não havendo meios legítimos para alcançar esses objetivos e eles permanecendo desejados, a anomia pode se estabelecer, pressionando para que aqueles que não tem iguais oportunidades para alcançar o êxito social busquem alternativas. Essa falta de oportunidades, aliada à pressão pelo triunfo social, pode conduzir à busca por meios ilegítimos para a ascensão social, podendo levar à atividade criminal na busca do sucesso. i) Teoria do conflito: propõe que a lei e o sistema de justiça criminal incorporam os interesses e as normas dos mais poderosos grupos da sociedade, ao invés de representar a sociedade como um todo. institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 42 O ponto de vista da teoria do conflito expõe o sistema legal como uma ferramenta para atender os interesses e necessidades dos poderosos, a lei e o sistema de justiça criminal sendo usados para manter os poderosos no poder. Dessa forma, aqueles que cometem crimes estão simplesmente agindo conforme suas próprias normas e valores, como uma cultura dos menos favorecidos, numa luta contra a alta sociedade. j) Teorias marxistas: para as teorias marxistas o capitalismo é a causa do crime. A lei e os sistema de justiça criminal são instrumentos para proteger a elite capitalista. Em uma sociedade capitalista, os meios de produção estão em posse de uma reduzida elite e são usados para dominar a classe de trabalhadores. Os crimes cometidos pela burguesia são crimes de dominação e repressão, enquanto os executados pelo proletariado são desvios de acomodação ou resistência à burguesia. k) Teorias críticas e radicais: são uma crítica ao modo como que o desvio é entendido e estudado. Sendo similares às teorias marxistas que acreditam que o crime é definido por aqueles que detém o poder social, recomendam que se abandone o método tradicional de pesquisa e se sonde como os atores sociais influenciam e entendem o crime. A teoria crítica não se interessa necessariamente pela explicação do delito, nem fornece uma teoria da criminalidade, mas muito se preocupa com o processo de seleção do que será crime e como as instâncias formais de controle selecionam quem será criminalizado, buscando políticas criminais alternativas. Possui uma perspectiva abolicionista, defendendo a descriminalização e a reforma social que promoverá a superação das deficiências socioeconômicas que propiciam comportamentos sociais negativos. 10.4. A CONDUTA CRIMINAL À LUZ DA PSICOLOGIA, PSIQUIATRIA E PSICANÁLISE Em síntese, psiquiatria é o ramo da medicina que cuida das doenças mentais; a psicologia é o ramo da ciência que pesquisa a mente e os processos mentais, mormente o comportamento humano; já a psicanálise é o grupo de institucional@iejur.com.br /iejur @iejur (61) 3032-6143 43 processos que têm como fim analisar experiências emocionais pretéritas, determinando suas consequências na vida mental presente do paciente. A psicanálise estuda o crime como expressão de um largo conflito psíquico passado, retrato de personalidade em desequilíbrio, só podendo ser esclarecido com a pesquisa do inconsciente. Uma das vertentes da psicanálise observa a personalidade como uma organização composta por três domínios: Id, Superego e Ego. O Id é a instância impulsiva e irracional da personalidade; o Superego é a parte que age como órgão de controle dos instintos do Id, é o âmbito de inibição dos impulsos, de repressão; o Ego é a esfera mediadora dos caminhos opostos do Id e do Superego, corresponde ao consciente, é onde está a nossa capacidade de raciocínio. A Criminologia psicanalítica não aceita a ideia de criminoso nato. Para esclarecer o crime, parte de três pilares: o ser humano é antissocial por essência; o crime tem explicação social, como decorrência do processo civilizatório sem sucesso sobre alguns; na infância se constrói a personalidade, dando ensejo à formação de distúrbios que levarão à conduta criminal. Os desvios seriam, então, decorrência da falta de controle do Superego sobre o Ego, o crime uma decorrência da obediência às demandas do Id, dando vazão ao criminoso existente em todos nós. As correntes psicanalíticas mais recentes têm dado também atenção a comportamentos coletivos, além de deixar de explicar o crime como fruto de desarmonia psíquica para apontar a deficiência na absorção de normas sociais como sua causa, apontando aspectos sociais que levariam a isso. Por outro lado, tratando-se do tema
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