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Faculdade de Ipatinga - FADIPA DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I PROFESSORA: Claudiane Aparecida de Sousa 1. A DISCIPLINA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - disciplina autônoma das demais, por desempenhar função exclusiva. - caráter: disciplina propedêutica, de base, introdutória do estudante no curso de Direito. - função/objetivo principal: definir o objeto de estudo; apresentar as noções e princípios jurídicos fundamentais da ciência, bem como as noções sociológicas, históricas, filosóficas necessárias à compreensão do Direito (Ciência do Direito sentido amplo) em todos os seus aspectos. - Para Nader, são três os objetos da I.E.D.: 1) conceitos gerais do Direito (ex.: Direito; fato jurídico; relação jurídica, justiça); 2) visão de conjunto do Direito; 3) lineamentos da técnica jurídica. * Obs.: Ciência do Direito (num sentido amplo): é um setor do conhecimento humano que investiga e sistematiza os conhecimentos jurídicos. Noutras palavras, é a ciência voltada aos estudos jurídicos. 2. ETIMOLOGIA DA PALAVRA DIREITO - Etimologia significa o estudo da origem de uma palavra, a sua genealogia. - Etimologia da palavra Direito: Direito é oriunda do adjetivo latino directus (qualidade do que está conforme a reta, o que não se desvia), que provém do particípio passado do verbo dirigo, dirigere (guiar, conduzir). Essa palavra surgiu apenas na Idade Média, século IV. Em Roma, não se usava esse termo; havia a palavra jus para expressar o que era lícito. - Não há uma única definição para Direito. Não há um consenso a esse respeito. Isso decorre do fato de o Direito ser uma ciência de múltiplas faces, acepções, de modo que uma definição pode abranger um determinado aspecto, mas ser omissa sobre outro, ou outros aspectos, também formadores do que seja o Direito. - Acepções da palavra Direito: 2.1) DIREITO NATURAL: são aspirações jurídicas de determinada época que surgem da natureza social do homem e que se revelam pela conjugação da experiência e da razão. É um conjunto de princípios universais. Não é algo escrito, mas deverá ser consagrado pelo direito positivo, a fim de se ter um ordenamento jurídico (conjunto de normas jurídicas; conduta exigida ou o modelo imposto de organização social) realmente justo. Para alguns autores, o Direito Natural não é mutável, o que muda é a forma como a sociedade o encara. Para outros, ele muda, vai evoluindo com a sociedade e sendo acrescentado por novos ideais, novas aspirações. Exemplos de direitos naturais: o direito à vida, o direito à liberdade. Numa evolução histórica do Direito Natural, temos: 1) Na Idade Média, o Direito Natural vinha de Deus e era ditado pelos religiosos (representantes de Deus na Terra); 2) No século XVII, Hugo Grócio (jurisconsulto holandês), considerado o pai do Direito Natural, afirma que este surge da natureza humana e da natureza das coisas (é uma noção de Direito Natural filosófica). 3) No século XVIII, Kant (filósofo) dirá que o Direito Natural é um conjunto de normas superiores apreendidas da razão, da consciência humana. 4) Direito Natural advém da sociedade; é ela que pré-determina, de acordo com suas necessidades, com sua realidade, o que é Direito Natural, quais são as suas aspirações. 2.2) DIREITO POSITIVO: é o Direito criado ou reconhecido pelo Estado; é a ordem jurídica obrigatória num determinado tempo e lugar, independentemente de ser escrito ou não, pois outras formas de expressão jurídica constituem, também, Direito Positivo (ex.: os costumes, jurisprudência). O que é essencial saber é que o Direito Positivo é o Direito institucionalizado pelo Estado. * Obs.:Direito Natural e Direito Positivo são distintos, mas se interligam, convergem-se reciprocamente, pois, como vimos nos conceitos acima, o Direito Natural depende de uma consagração do Direito Positivo, de um respaldo pelo Estado, para que exista um ordenamento ou ordem jurídica justa. De outro lado, o Direito Positivo também deve atentar, observar, as aspirações, os ideais, da sociedade, no tempo e no espaço, para que a ordem jurídica seja respeitada e não algo arbitrário. 2.3) DIREITO OBJETIVO: é o Direito vigente (direito positivo) tomado pelo seu aspecto objetivo, ou seja, é a norma de conduta e organização social (por muito tempo conhecido como norma agendi). É algo teórico, uma previsão. 2.4) DIREITO SUBJETIVO: é o Direito vigente (direito positivo) tomado pelo seu aspecto subjetivo. São as possibilidades ou poderes de agir que uma ordem jurídica ou um contrato garante a alguém de exigir de outra pessoa uma conduta ou uma omissão (por muito tempo, facultas agendi). É o direito personalizado, é a norma (direito objetivo) perdendo o seu caráter teórico e se projetando numa relação jurídica concreta, numa situação que ocorreu. Ex.: Fulano tem direito à hora-extra porque trabalhou depois de seu horário normal. Beltrano tem direito à indenização porque foi publicada, num jornal de grande circulação, uma notícia falsa a seu respeito. O Direito subjetivo pode ser: 1) patrimonial (direitos reais e obrigacionais) ou não patrimonial. - O direito patrimonial é alienável e transferível para outra pessoa (pode ser dado, vendido, trocado); exemplo o direito de propriedade. - O direito não patrimonial não é alienável, não é transferível; exemplo: direito à vida; direito ao nome (o artigo 16 do Código Civil prevê: “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”). 2) privado ou público. • O antigo ensinamento norma agendi/facultas agendi não é mais aceito porque apresenta o Direito Objetivo e o Subjetivo de maneira distinta, como se não pudesse pensar um com o outro. • TEORIAS SOBRE A NATUREZA DO DIREITO SUBJETIVO, O QUE É AFINAL O DIREITO SUBJETIVO: 1. Teoria Subjetiva: Windscheid (jurista alemão pandectista): “direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida”. Problemas detectados: há casos que o direito subjetivo existe a despeito da vontade do titular (ex. o credor não exerce seu direito de cobrar o crédito); há casos que o direito subjetivo existe mesmo contra a vontade do titular (ex.: o direito às férias permanece mesmo se o trabalhador não quiser “sair” de férias); há casos que o direito subjetivo existe mesmo sem a pessoa ter vontade (ex.: os incapazes têm direitos, mas não conseguem exprimir sua vontade); e, finalmente, há casos que o direito subjetivo existe, mas seu titular desconhece (ex.: a morte do pai de Fulano num lugar desconhecido não retira o direito do filho à herança). Diante dessas críticas, Windscheid se manifesta, afirmando que a vontade, não é uma vontade psíquica, mas “o poder jurídico de querer”. Não explicou o que quis dizer com isso. 2. Teoria Objetiva: Ihering (jurista alemão): “direito subjetivo é o interesse – qualquer que seja – juridicamente protegido”. Para ele, a norma jurídica é a capa que reveste o interesse (interesse = direito subjetivo). Problemas detectados: a amplitude do que é interesse; muitas vezes o que interessa não é juridicamente protegido; há situações em que a pessoa não tem nenhum interesse em ser titular de um direito (desinteresse). 3. Teoria Eclética: Georg Jellinek: não é só o interesse, nem só a vontade que representa o direito subjetivo, mas a conjugação desses dois elementos. “Direito subjetivo é o interesse protegido enquanto atribui a alguém um poder de querer”. Problemas detectados: não supera as críticas feitas às outras teorias. 4. Hans Kelsen: direito subjetivo é a expressão do dever jurídico; reflete o que é devido por alguém em virtude de uma regra de direito. É um modo de ser da norma jurídica 5. Léon Duguit (publicista francês): direito subjetivo não existe. O que existem são situações de fato de natureza subjetiva, ou seja, são situações fáticas juridicamente garantidas. 6. Del Vecchio: vai declarar elididas as críticas feitas à teoria originária de Windscheid,ao situar o direito subjetivo como a “possibilidade de querer”. DIREITO SUBJETIVO, ENTÃO, PODE SER DEFINIDO COMO A “POSSIBILIDADE DE UMA PRETENSÃO, UNIDA À EXIGIBILIDADE DE UMA PRESTAÇÃO OU DE UM ATO DE OUTREM” (Reale). Não é apenas uma faculdade como, num primeiro momento, definimos em sala de aula, a título de primeiro contato, primeiro esclarecimento sobre o que é direito subjetivo, mas possibilidade ou poder de agir dado a alguém, pela lei ou pelo contrato, de exigir de outra uma conduta ou uma omissão. * Obs.: Direito Objetivo e Direito Subjetivo não são duas realidades distintas, mas dois lados de um mesmo objeto. Representam duas formas de se “olhar” o Direito vigente (= Direito Positivo): uma objetiva, abstrata, genérica, disposta indistintamente; outra, subjetiva, da pessoa que, numa situação concreta, poderá ter uma conduta ou estabelecer as consequências jurídicas. DIREITO NATURAL (aspirações ou ideais sociais) ↓ DIREITO POSITIVO (Direito vigente institucionalizado pelo Estado) ↓ DIREITO OBJETIVO (plano teórico; abstrato) ↓ DIREITO SUBJETIVO (caso concreto) 3. DIREITO COMO CIÊNCIA - uma linguagem própria. - um método (= caminho a ser percorrido para se chegar à verdade ou a um resultado exato, rigorosamente verificado) próprio. Segundo Reale, há uma pluralidade metodológica no Direito (método indutivo, dedutivo, uso da analogia). - romanos: os primeiros a descobrir que, em determinadas circunstâncias, pode ser previsto um tipo de comportamento humano, pois tal comportamento obedece a certas condições fáticas ou finalidades valorativas (=axiológicas). Além disso, perceberam que a vida em sociedade, mesmo em constante mudança, apresenta relações estáveis e regulares, permitindo uma representação antecipada do que vai ocorrer. - Ciência do Direito (sentido estrito, restrito): é o estudo de um conjunto de normas de um determinado sistema jurídico. É também chamada de Dogmática Jurídica, Jurisprudência Técnica, Ciência Dogmática do Direito. As normas jurídicas são para o jurista dogmas, não podem ser contestadas na sua existência, se formalmente válidas. Além disso, ninguém pode se eximir de cumprir a regra jurídica alegando ignorar a lei ou porque não lhe parece adequada aos seus propósitos pessoais. Isso, contudo, não impede que a norma seja interpretada para que sua aplicação se dê de forma a satisfazer às exigências sociais da melhor forma possível. - funções do Direito: imediata (a solução do conflito de interesses, ou seja, da lide, do litígio); mediata (a paz social). • Obs.: Estado brasileiro, Estado inglês, etc., para se referir a um país (sempre com letra maiúscula). “Estado é a organização jurídica do poder, em determinado território, com o objetivo de proporcionar ordem, segurança e desenvolvimento do povo nele fixado.” (Paulo Dourado de Gusmão). Para que esse poder consiga alcançar esse objetivo, da melhor forma possível, é que o Estado brasileiro se dividiu em entes (os chamados entes da federação): União (funções executadas pelo governo federal); os Estados-membros (funções executadas pelo governo estadual - Minas Gerais, por exemplo); o Distrito Federal; os Municípios (funções executadas pelo governo municipal - Contagem, por exemplo). O artigo 18 da Constituição de 1988 é que estabeleceu essa forma de organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. • O poder que nós falamos acima é divido em três funções: Poder Legislativo (criador das normas e fiscalizador do Executivo); Poder Executivo (executa as leis e, supletivamente, pode editar normas, como as Medidas Provisórias); Poder Judiciário (julga os conflitos sociais, individuais, coletivos, de acordo com as normas previamente criadas). O artigo 2º da Constituição de 1988 é que definiu essa divisão de poderes, mas um não é superior ao outro; um “acompanha” o outro. • No âmbito federal, há um Legislativo, um Executivo, um Judiciário. No âmbito estadual, há um Legislativo, um Executivo, um Judiciário. No âmbito municipal, há um Legislativo e um Executivo; não existe um Judiciário. Esses conceitos serão detalhados nos próximos períodos, principalmente sobre a situação peculiar do Distrito Federal, o porquê de o Município não ter um Poder Judiciário. O que deve ficar claro, nesse momento, é que as leis são normas jurídicas advindas do Poder Legislativo (federal, estadual, municipal). 4. ZETÉTICA E DOGMÁTICA 4.1 Disciplina Zetética (zetein) Zetética significa problematizar, questionar. Disciplinas zetéticas são, portanto, aquelas que acentuam a pergunta (perguntam o que é alguma coisa), de modo que os dogmas, as evidências, sobre determinado tema são apenas pontos de partida, permitindo uma aprendizagem mais profunda. A função especulativa é a principal tônica. Os questionamentos são infinitos, mutáveis; opiniões formadas são colocadas em dúvida, o que auxilia, sobremaneira, no aprimoramento da Ciência do Direito, pois permite o raciocínio, uma visão crítica sobre o problema que é posto à solução. Além disso, elevam a interdisciplinariedade do Direito com outras áreas, o que, aliás, é de todo oportuno, já que, como vimos em aula, o Direito está ligado à sociedade, impõe limites para permitir o convívio social, mas precisa acompanhar as mudanças sociais, as transformações dos próprios anseios, das próprias necessidades sociais. Isso, sem dúvida, é favorecido pela ajuda de outras Ciências. Exemplos de disciplinas zetéticas indispensáveis na formação de bons operadores do Direito, comprometidos com uma aplicação da lei mais efetiva, mais próxima de efeitos duradouros, aceitáveis pelos envolvidos num determinado caso concreto: Filosofia do Direito; Sociologia do Direito. Notem: as disciplinas zetéticas na Ciência do Direito são, sozinhas, ciências autônomas. Temos a Filosofia, a Sociologia. Mas quando focam como objeto de estudo temas do Direito, o fenômeno jurídico, assumem uma adjetivação para indicar esse compromisso. Daí Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, Psiquiatria Forense, etc. 4.2 Disciplina Dogmática (dokein) Dogmática significa doutrinar, ensinar algo. Disciplinas dogmáticas acentuam, portanto, a resposta; perguntam o que deve ser alguma coisa. Por conta disso, parte de pressupostos, premissas inatacáveis, que não podem ser questionadas (dogmas). Enquanto as disciplinas zetéticas acentuam a dúvida, as dogmáticas evidenciam a opinião, o ato de opinar sobre algo. Daí Ferraz Júnior falar que essas disciplinas possuem uma função diretiva, ou seja, de direção, de condução. Nelas, há questionamentos, mas são finitos. Exemplos de disciplinas dogmáticas no Direito: direito constitucional, direito civil, direito penal, direito do trabalho, direito processual, direito tributário, etc. Notem: as disciplinas dogmáticas estão estritamente ligadas com o que chamamos de direito positivo, ou seja, com as normas de conduta e de organização social criadas pelo Estado. Interessante a crítica feita por Juscelino Vieira Mendes aos cursos de Direito (e mesmo aos operadores do Direito) que ainda se prendem, unicamente, à Dogmática, às disciplinas ocupadas com a legislação: “A zetética analítica possibilitará uma aprendizagem mais profunda e comprometida, por tomar os dogmas como meros pontos de partida. Pressupõe o ensino competente de Filosofia do Direito, Lógica, Metodologia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Hermenêutica, Teoria da Argumentação, Semiótica... Enquanto esta postura diferenciada não é oferecida ao futuro operador do Direito, o resultado que se tem é total desconexão dos parcos conhecimentos introjetados, com a repetição de conceitos prontos, ditados pelos professores, isolados em cada disciplina, e que não conseguem articulação em uma visão conjunta e coerente do fenômeno jurídico. Há, por outro lado, uma hipertrofia do conhecimento teórico, em detrimento da prática,que impede ao aluno inferir, estabelecer relações e concluir de sua aplicabilidade na vida. Ainda mais porque tais abstrações não são bem claras, ficando ao aluno a sensação de que pode "misturar" um pouquinho de cada teoria, formando uma posição eclética, muito ao gosto do "jeitinho" brasileiro. Assim, sempre é frágil este saber, não aprofundado, pouco sério (do tipo diz-que-diz-que: o professor diz que o doutrinador diz que Kelsen diz...). A insegurança profissional do operador é sua decorrência natural. Além disso, acresça-se ainda a defasagem de duzentos anos do conhecimento teórico ministrado no país. Aqui, a "Ciência" do Direito evolui lentamente e sem muita vontade. Conforma-se a modelos estrangeiros importados acriticamente, e, por comodismo, mantido o repertório de dogmas, dos lugares comuns, dos nossos mitos. No caso dos operadores do Direito que pretendem ser juízes, a defasagem entre o ensino oferecido e o necessário se revela mais dramática. Sua tarefa primordial será julgar, tarefa mental superior, não-inata. É necessário aprender a pensar e a desenvolver todas as capacidades e a usar a inteligência como poder. Pensar é uma forma de aprender, básica para qualquer atividade futura que exija reflexão, conclusão, julgamento, avaliação. Apesar de compreender o emprego de um conjunto de potencialidades inatas, a tarefa de pensar não vem pronta para ser realizada, como outras para as quais o homem já nasce biologicamente preparado (por exemplo, respirar). Pensar é um processo mental superior, que requer aperfeiçoamento. É preciso que o ser humano tenha consciência das operações de pensamento, e que se empenhe para realizá-las com competência. As principais são: comparação, resumo, observação, suposição, imaginação, crítica, decisão, interpretação, aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento, projetos e pesquisas. Pensar é julgar, concluir, decidir; aceitar como opinião estabelecida, acreditar. É refletir; raciocinar; intencionar; planejar. Para Hannah Arendt pensar, querer e julgar são as três atividades mentais básicas, cuja análise permitirá compreender a existência racional. Maio/2003. Fontes de estudo: FERRAZ JR., Tércio Sampaio. "Introdução ao Estudo do Direito" - Editora Atlas, quarta edição - 2003; FLORES CUNHA, Regina Maria E. "Crítica ao modelo de ensino jurídico comum a todos os operadores do Direito"; LARENZ, Karl. "Metodologia da Ciência do Direito", Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edição. Tradução de José Lamego. Mendes, Juscelino V. – Zetética e Dogmática. Página de Juscelino Vieira Mendes, seção "Pedagogia". Disponível em: http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/ 4.3 Direito Público/ Direito Privado/ Direito Misto As disciplinas dogmáticas apresentam-se subdivididas, para facilitar o estudo, de acordo com as três grandes áreas do Direito, a saber: - Direito Público: é o ramo do Direito que tem por objeto o Estado e o interesse público. Suas principais características são: a irrenunciabilidade, a irrelevância da vontade das partes e o fato de ser um direito de subordinação (prepondera os interesse público sobre o interesse particular). Subdivide-se, por sua vez, em Direito Público interno e externo, como vocês terão oportunidade de ver no próximo semestre. De modo geral, citemos como exemplos de disciplinas de Direito Público: Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Penal. - Direito Privado: é o ramo do Direito que tem como objeto os particulares. São suas características: a possibilidade de renúncia; a relevância da vontade das partes; é direito de coordenação (coordena os interesses das partes). Exemplos: Direito Civil, Direito Comercial. - Direito Misto: é o ramo do Direito que cuida dos interesses públicos e privados ao mesmo tempo. Exemplos: Direito de Família; Direito do Trabalho; Direito Econômico. Observação: atentem para o fato de que essa subdivisão do Direito em três grandes ramos, presta-se, apenas, para facilitar o estudo do Direito, pois, como já acentuamos noutro momento, o Direito é uma única ciência. 5. O DIREITO COMO OBJETO DE CONHECIMENTO: PERFIL HISTÓRICO • Finalidade do resgate histórico: identificar o papel desempenhado pela dogmática jurídica na vida social, bem como o modo de desenvolvimento do pensamento dogmático até a sua afirmação e justificação. 5.1 Jurisprudência Romana: - O Direito como diretivo, guia, para a ação humana, sem distinção entre coisas divinas e coisas humanas (“tudo se misturava”). - O Direito era visto como norma de vida e instrumento de organização social que teria surgido com a fundação de Roma (fundação essa explicada pelos mitos romanos) e se transmitido, de geração em geração, pela tradição. Isso, inclusive, permitiu a expansão romana, como império. Nesse contexto, o Direito era forma cultural sagrada; exercício de uma atividade ética (a prudência). Daí a expressão Jurisprudentia (Jurisprudência). • Jurisprudência romana (definição): é o exercício de uma atividade ética (a prudência), consubstanciada no equilíbrio e na ponderação nos atos de julgar. - Momentos históricos de manifestação da Jurisprudência em Roma: 1º momento: a legislação era restrita à regulação de matérias muito especiais, ficando o Direito pretoriano (dos pretores, dos juízes da época) como supletivo, como complemento, dessa legislação. Para os julgadores, era, então, difícil suprir as faltas da legislação, na prática, já que as leis, como dissemos, existiam apenas para regular questões muito específicas. Apesar de constatado esse problema, a tarefa de preencher as faltas não foi possível, nesse 1º momento, pois a Jurisprudência era exercida por jurados, em geral, leigos, sem capacidade para construir um conjunto teórico que conseguisse preencher os vazios legislativos e que resolvesse, da forma mais justa, o caso concreto. 2º momento: no período da história romana conhecido por Concilium Imperial, os juízes assumem um papel profissional e recebem o nome de jurisconsultos. Representavam a mais alta instância judicante, judicial, do Império Romano. Os jurisconsultos influenciam a Jurisprudência com o responsas (informação sobre determinadas questões jurídicas levadas aos jurisconsultos, por uma das partes, quando do conflito de interesses. A própria solução desse conflito pode ser entendida como responsas também). É o início de uma teoria jurídica entre os romanos. Mas ainda havia pouca argumentação e as decisões se pautavam no fato de as questões jurídicas, levadas ao conhecimento dos jurisconsultos, serem afirmadas por personalidades com reconhecimento na sociedade. Noutras palavras, não se ouvia as razões de uma parte e as razões da outra para se chegar à solução do conflito. Simplesmente se resolvia o problema nas justificativas apresentadas pela parte que tivesse maior reconhecimento, destaque, na sociedade romana. • Responsas era oral, no momento que surge. Algum tempo depois assume a forma escrita. 3º momento: com a acumulação de responsas, surge a possibilidade de entrelaçamento das decisões; a escolha de premissas (de uma ou de outra parte); e também se fortalecem as opiniões por meio de justificações. Para tanto, os romanos resgatam alguns instrumentos técnicos gregos, como a retórica, a dialética (confronto de idéias; a arte das contradições), a gramática, a filosofia, etc. Nesse momento, há uma condução dos romanos a um saber prático (produziram definições duradouras e critérios distintivos para as diferentes situações conflituosas que pudessem aparecer na prática). Desenvolve-se o poder de argumentar e provar, que, em nossos dias, é tão importante no processo, figurando, inclusive, como um princípio de direito processual. Por sua vez, o juiz é tido como aquele que decide e responde por sua decisão enquanto juiz. 4º momento: o Direito pouco a pouco alcança um nível de abstração maior, tornando-seuma regulação abstrata. Assume a forma de poder decisório que formulava as condições para a decisão correta. É o surgimento do pensamento prudencial, com suas regras, princípios, meios interpretativos, etc. O papel de mediador é acentuado para se referir ao julgador. 5.2 O Direito na Idade Média - O Direito é considerado um dogma. * Dogma: algo indiscutível. - O advento do Cristianismo levou a essa nova concepção de Direito. É o Cristianismo que faz a diferença entre política e religião, ainda que sutil. O grande marco foi uma resenha crítica dos digestos justinianeus (textos jurídicos romanos), em Bolonha, no século XI. - Permanece o caráter sagrado do Direito, mas no sentido de algo transcendente à vida humana na Terra. Para os romanos, ao contrário, o caráter sagrado do Direito era algo imanente, explicado com o mito da fundação de Roma. - A grande preocupação era a adequação à ordem natural, a relação do homem com o meio. - Essa época representa um novo saber prudencial que não abandona totalmente o pensamento prudencial romano, mas apresenta outra finalidade: conhecer e interpretar a lei e a ordem, distinguindo as coisas divinas das coisas humanas. Representa o surgimento da dogmaticidade do pensamento jurídico (textos de Justiniano, fontes eclesiásticas, como base indiscutível do Direito – dogmas –, e que eram submetidos a técnicas explicativas, a exemplo da gramática, da retórica, pelos chamados glosadores) e, também, da teoria jurídica como disciplina universitária. Eram os glosadores (nome dado aos juristas da época) que faziam a harmonização dos diversos textos jurídicos, sempre tomando uma interpretação conforme o ensinamento da Igreja. • A Igreja limitava o poder político do rei. Resgata o Direito Romano apenas para permitir a centralização política na figura do rei, mas deixando a figura de Deus como o grande detentor de poder. Aliás, o uso de dogmas tinha o intuito de justificar a autoridade de Cristo como transcendente ao mundo político. • Os canonistas (religiosos) ditam o que seria dogma (daí se falar em Direito Canônico) e os juristas interpretavam esse dogma, sempre fazendo uma leitura conforme o pensamento da Igreja. • Há a construção de uma teoria jurídica para servir ao domínio político do rei, como instrumento de seu poder, o que auxilia na formação do Estado moderno. Contudo, não se pode perder de vista que a Igreja é que limitava o poder político do rei, como já dissemos acima. 5.3 Jusnaturalismo na Era Moderna (= Jusracionalismo) - Direito como ordenação racional. * Jusnaturalismo na Era Moderna ou Jusracionalismo é uma das vertentes da Escola de Pensamento Jurídico chamada de Escola de Direito Natural. Segundo essa vertente, o Direito vem da razão. Outra vertente da Escola de Direito Natural é o Jusnaturalismo, para o qual o Direito vem da natureza das coisas. O que deve ficar claro é que tanto uma, como outra vertente, preocupa-se em considerar o Direito como Direito Natural, apenas. Para alguns, o Direito Natural é algo mutável; outros já o consideram mutável, variável no tempo. - Marco: Renascimento. - Dessacralização aos poucos. O Direito vai se afastando da Religião com a tecnização do saber jurídico. Isso leva, também, à perda do caráter ético do Direito. - Surgimento da noção de sistema (conjunto coordenado de várias normas jurídicas num todo, numa estrutura organizada). - O grande problema é: Como dominar, tecnicamente, a natureza que tanto ameaça a vida humana? - Quebra do elo jurisprudência e procedimento dogmático pautado na autoridade de textos romanos, mas tenta aperfeiçoar o caráter dogmático, como algo construído a partir de premissas validadas (comprovadas) pela razão. O dogma passa a ser, então, aquilo que pode ser validado pela razão, e não algo advindo de uma autoridade, como se via na Idade Média. • Razão: é pela razão que as regras de convivência são reconstruídas. O Direito se assume como regulador racional, acima do Estado, capaz de atuar, apesar das divergências nacionais e religiosas, em toda circunstância. 5.4 Positivismo (Séc. XIX) - Direito como norma posta. O Direito se limita àquilo que é ditado e reconhecido pelo Estado como norma jurídica. Limita-se ao Direito Positivo. Daí se falar em Positivismo jurídico. • Positivismo jurídico é uma Escola de Pensamento Jurídico iniciada com Comte. Os seguidores dessa Escola preocupam-se com a aplicação, a estrutura da norma jurídica e não com o que reflete a norma. Hans Kelsen é um desses seguidores. - Preocupação em dar segurança jurídica à sociedade, com maior estabilidade do ordenamento jurídico, através de normas escritas, postas pelo Estado. - Não conseguiu explicar a mutabilidade do Direito. Perceberam que o Direito muda no tempo, mas não conseguiram explicar o porquê disso. Foi nesse contexto que apareceu outra Escola de Pensamento Jurídico, a Escola do Historicismo Jurídico. Para ela, o Direito se forma, modifica-se espontaneamente e é manifestação do espírito popular, de forma que o Direito de cada lugar é determinado pelo seu povo. Explica, assim, a mutabilidade do Direito, mas seus seguidores limitavam o Direito como um todo, sem avançar em suas explicações, considerações (afinal, o que seria o Direito?). 5.5 Direito na Atualidade - Direito como instrumento decisório dos conflitos de interesses, que surgem na vida social. OBSERVAÇÃO: ESTE É APENAS UM ROTEIRO DE ESTUDO E, POR ISSO, NÃO ESGOTA O TEMA. PARA MAIORES ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PERFIL HISTÓRICO DO DIREITO COMO OBJETO DO CONHECIMENTO PODEM SER CONSULTADOS OS LIVROS DE TÉRCIO FERRAZ JÚNIOR: “INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO” E “A CIÊNCIA DO DIREITO”. Referência bibliográfica Básica: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10.ed. Brasília: UnB, [1997]. 184p. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 589p. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003. 370p. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000. MATA-MACHADO, Edgar de Godoi da. Elementos de teoria geral do direito: introdução ao Direito. 4. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1995. 408p. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 499p. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 6.ed. 2.tiragem. São Paulo: Saraiva, 2006. 391p. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1999. Complementar: ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. São Paulo: Ícone, 1989. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. São Paulo: Edipro, 2001. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo:Martins Fontes, 1996. DWORKIN, Ronald M. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568p. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1980. GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 232p. GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito: Kant e Kelsen. 2a. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. MÁYNEZ, Eduardo García. Introducción al estudio del derecho. Argentina: Editorial Porrua, 1978. MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. VON IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. Tradução de João Vasconcelos. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 88p.
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