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Universidade do Sul de Santa Catarina Palhoça UnisulVirtual 2008 História da Filosofi a I Disciplina na modalidade a distância Apresentação Este livro didático corresponde à disciplina História da Filosofi a I. O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado contextualizado e efi caz. Lembre que sua caminhada nesta disciplina será acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual. Assim, a designação “a distância” caracteriza tão-somente a modalidade de ensino por que você optou para a sua formação, pois, na relação de aprendizagem, professores e instituição vão estar em conexão com você continuamente. Então, sempre que sentir necessidade, entre em contato conosco; você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como o telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem, este o canal mais recomendado, pois tudo que for enviado e recebido, fi ca registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em atendê-lo(a): sua aprendizagem é o nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual Sérgio Sell Palhoça UnisulVirtual 2008 Design instrucional Leandro Kingeski Pacheco História da Filosofi a I Disciplina na modalidade a distância 109 S46 Sell, Sérgio História da fi losofi a I : livro didático / Sérgio Sell ; design instrucional Leandro Kingeski Pacheco. – Palhoça : UnisulVirtual, 2008. 218 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografi a. 1. Filosofi a - História. I. Pacheco, Leandro Kingeski. II. Título. Ficha catalográfi ca elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul Copyright © UnisulVirtual 2008 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Edição – Livro Didático Professor Conteúdista Sérgio Sell Design Instrucional Leandro Kingeski Pacheco Projeto Gráfi co e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramação Pedro Teixeira Revisão B2B Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 UNIDADE 1 – A origem da fi losofi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 UNIDADE 2 – A fi losofi a pré-socrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 UNIDADE 3 – Os sofi stas e Sócrates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 UNIDADE 4 – Platão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 UNIDADE 5 – Aristóteles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 UNIDADE 6 – O período helenístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 Sobre o professor conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 Comentários e respostas das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . 209 Sumário Palavras do professor Caro(a) estudante, Você está iniciando o estudo da história da Filosofi a Antiga. Ao conhecer os fatores que possibilitaram o surgimento e o desenvolvimento da Filosofi a no mundo helênico, você estará formando a base conceitual que lhe permitirá realizar uma refl exão mais crítica, rigorosa e bem fundamentada da sua própria visão de mundo e de certos modelos interpretativos que nossa cultura nos oferece ou mesmo tenta nos impor. Ao estudar a origem da Filosofi a, você verá como ela está marcada por uma tentativa de explicar, de forma puramente racional, tudo que está à nossa volta, promovendo um “desencantamento” do mundo e uma ruptura com a mentalidade religiosa. Não que a Filosofi a tenha algo contra a religião. A história está recheada de exemplos tanto de fi lósofos ateus quanto de fi lósofos crentes. A fi losofi a, no entanto, não é nem contra nem a favor da religião. Mas faz questão de ser diferente dela. Nesta disciplina, você verá como os primeiros fi lósofos realizaram esse processo de separação do pensamento racional em relação aos conhecimentos fundamentados na fé e na autoridade eclesiástica. Você poderá acompanhar as principais difi culdades enfrentadas nessa transformação de mentalidade. Ao estudar a fi losofi a clássica, você terá a oportunidade de perceber a complexidade dos grandes sistemas de conhecimento construídos no auge da cultura grega. Sócrates, Platão e Aristóteles foram gênios que dedicaram suas vidas a formular sistemas teóricos consistentes e bem fundamentados, para orientar as escolhas humanas. Você também verá como a decadência de Atenas levou ao surgimento das fi losofi as helenísticas. A complexidade do assunto não permitirá que nos aprofundemos em nenhum tópico específi co, mas construir uma base sólida para a compreensão das outras disciplinas do curso já é uma meta satisfatória. Espero que este livro seja útil para o seu amadurecimento intelectual. Bom estudo! Professor Sérgio Sell Plano de estudo O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no desenvolvimento da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudarão a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/mediação. São elementos desse processo: o livro didático; o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem - EVA; as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de auto-avaliação); o Sistema Tutorial. Ementa História da Filosofi a Antiga. A tradição Mítica: Homero e Hesíodo. A Pólis Grega. O nascimento da Filosofi a. Os pensadores pré-socráticos. O período clássico. O período helenístico. 12 Objetivos da disciplina Geral Identifi car um panorama dos principais períodos, escolas, fi lósofos e conceitos que marcaram os primeiros dez séculos da história da Filosofi a, com destaque especial para a fi losofi a clássica e seus principais representantes: Sócrates, Platão e Aristóteles. Específi cos Identificar geográfica, histórica e culturalmente o nascimento e desenvolvimento inicial da Filosofia. Identificar as noções fundamentais da mentalidade filosófica. Compreender os avanços e limites de cada nova teoria proposta pelos filósofos antigos em suas tentativas de superar seus antecessores. Desenvolver a formação de um vocabulário técnico de Filosofia. Refletir sobre as origens do pensamento filosófico, observando a lenta, porém irreversível, superação da mentalidade mítica e a consolidação da mentalidade ocidental. Carga horária A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula. 13 História da Filosofi a I Conteúdo programático/Objetivos Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta disciplina e os seus respectivos objetivos. Estesse referem aos resultados que você deverá alcançar ao fi nal de uma etapa de estudo. Os objetivos de cada unidade defi nem o conjunto de conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias à sua formação. Unidades de estudo: 6 Unidade 1 – A origem da Filosofi a O estudo desta unidade possibilita identifi car os principais fatores históricos que permitiram o surgimento da Filosofi a e a superação da mentalidade mítica pela mentalidade racional Unidade 2 – A fi losofi a pré-socrática Nesta unidade, você conhecerá as principais etapas do desenvolvimento da fi losofi a pré-socrática e compreenderá os fatores históricos e políticos que condicionaram o desenvolvimento inicial da Filosofi a. Unidade 3 – Os sofi stas e Sócrates Aqui você estudará os acontecimentos que fi zeram de Atenas o maior centro da cultura grega antiga. Você poderá acompanhar o surgimento de uma nova classe intelectual, os sofi stas, bem como o surgimento da fi losofi a clássica com Sócrates. Unidade 4 – Platão Esta unidade lhe permitirá conhecer vários aspectos do pensamento de Platão, um dos fi lósofos mais infl uentes em toda a história da Filosofi a. Unidade 5 – Aristóteles Nesta unidade, você encontrará os principais elementos teóricos que compõem o sistema aristotélico, o qual representa o auge da fi losofi a clássica grega. Unidade 6 – O período helenístico Finalizando nossos estudos, você encontrará nesta unidade um resumo das principais idéias defendidas pelos fi lósofos do helenismo. Aqui você poderá identifi car os fatores da decadência de Atenas e acompanhar o surgimento e desenvolvimento das escolas cínica, cética, epicurista e estóica. Agenda de atividades/ cronograma Verifi que com atenção o EVA e organize-se para acessar periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus colegas e tutor. Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA. Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da disciplina. Atividades obrigatórias Demais atividades (registro pessoal) UNIDADE 1 A origem da fi losofi a Objetivos de aprendizagem Identifi car os principais fatores históricos que permitiram o surgimento da fi losofi a. Comparar as narrativas de Homero e Hesíodo com o nascente discurso fi losófi co-racional. Compreender as principais diferenças entre o pensamento mítico e o pensamento fi losófi co. Compreender as noções de physis, causalidade, arqué, cosmo, lógos e crítica. Seções de estudo Seção 1 O mito como forma de conhecimento Seção 2 Apogeu e declínio da mitologia grega Seção 3 A origem histórica da fi losofi a Seção 4 Noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca 1 18 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Pensar é uma atividade que faz parte do ser humano. Tentar compreender nós mesmos e a realidade que nos cerca faz parte da nossa natureza. A necessidade de saber quem somos, de onde viemos, para onde vamos, buscar uma explicação para os acontecimentos e compreender o sentido da vida – tudo isso está presente em todas as civilizações, de forma às vezes mais, às vezes menos elaborada. Mas os gregos antigos inventaram uma forma original de lidar com essas questões. Nesta unidade de estudo, você vai poder identifi car quais foram as peculiaridades desse jeito grego de pensar: o jeito fi losófi co- científi co-racional. A partir de agora, você é o nosso convidado nessa jornada às origens da fi losofi a. SEÇÃO 1 - O mito como forma de conhecimento Historicamente, cada civilização construiu suas próprias formas de compreender e explicar a realidade. Nos primórdios do processo civilizatório, a carência de informações sistematizadas, de métodos de investigação e de instrumentos de pesquisa faz com que a explicação dos fenômenos naturais seja simplista (às vezes, simplória), parcial e com uma forte tendência ao subjetivismo. A vida em sociedade exige que se estabeleça um conjunto de verdades aceitas coletivamente. Sem essa base compartilhada de crenças, a convivência em grupo não seria viável. Mas como fazer com que todos os indivíduos de uma sociedade aceitem as mesmas explicações como sendo as verdadeiras? Uma saída simples e efi caz para esse problema é o mito. 19 História da Filosofi a I Unidade 1 O mito consiste numa narrativa passada de geração a geração, contendo, geralmente, elementos que podem ser utilizados na explicação de fenômenos naturais ou na prescrição de condutas morais. O mito não é apresentado como verdade absoluta, e sim como um conhecimento elaborado por antigos ancestrais ou indivíduos extraordinários que, por sua grande sabedoria ou até mesmo por poderes sobrenaturais, teriam compreendido a realidade de uma forma mais profunda. Em cada cultura, os mitos mais fundamentais são os chamados “mitos de origem”, aqueles que narram a forma como o mundo foi criado e, mais especifi camente, como o ser humano e o próprio grupo social foram criados. Esse tipo de mito tem sido encontrado nas raízes de todas as culturas que conhecemos atualmente. Um bom exemplo de um mito de origem é a narrativa que encontramos no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia Sagrada. Nessa narrativa, temos uma descrição da origem do mundo a partir da vontade de Deus. Segundo o Gênesis, o Deus único produz o universo a partir do nada e gera também um ser especial, o ser humano, para reinar sobre os outros seres. Essa narrativa descreve também a origem do bem (a vontade de Deus) e do mal (desobediência humana) e estabelece as bases da ação moral. Além disso, ela descreve o surgimento de diferentes povos e culturas e estabelece a idéia de “povo escolhido”. O mito de origem serve para dar uma resposta àqueles questionamentos mais fundamentais que nos afl igem quando buscamos encontrar um sentido para a nossa própria existência: a origem do mundo e do ser humano, a vida e a morte, o bem e o mal, a saúde e a doença, a guerra e a paz, etc. É uma explicação que serve de fundamento para todas as outras explicações. Além dos mitos de origem, há também mitos mais específi cos, que servem para explicar fenômenos particulares, como os ventos, por exemplo, ou mesmo um acontecimento particular, como por exemplo, a guerra de Tróia. Em todas as suas variedades, 20 Universidade do Sul de Santa Catarina o conhecimento mítico é uma resposta para tudo aquilo que é inexplicável, quando se utilizam apenas as experiências já acumuladas. O conhecimento mítico possui algumas características e limitações que o diferenciam de outros tipos de conhecimento mais elaborados, disponíveis atualmente. Vejamos essas características: o mito é uma representação alegórica da realidade, uma fantasia. Enquanto conhecimento da realidade, o mito não possui a intenção de ser uma explicação exata. Ao contrário, ele possui apenas uma signifi cação simbólica. Desta forma, o mito é uma fi cção que serve de analogia para que se possa compreender a realidade; o mito utiliza elementos sobrenaturais para explicar os fenômenos naturais. Ele se torna útil justamente quando não conseguimos dar uma explicação racional para os fatos do cotidiano. Quando temos necessidade de superar um problema cognitivo, o mito surge como uma estratégia efi caz, que consiste em empurrar o problema para fora do alcance das nossas angústias mais ordinárias. Querer saber por que está ventando é uma pretensão cognitiva legítima. Mas, se não houver nenhuma resposta convincente para essa questão, uma boa saída é afi rmar simplesmente queo deus do vento está fazendo ventar. Por outro lado, querer saber por que o deus do vento está fazendo ventar já extrapola os limites das nossas pretensões cognitivas legítimas. O recurso ao sobrenatural é a saída mais fácil e efi caz sempre que se esgotam as possibilidades da explicação racional; o mito é maleável. Embora tenha uma estrutura que se mantém mais ou menos inalterada, certos detalhes podem ser deixados de lado ou suprimidos, ou, ao contrário, podem ser supervalorizados, dependendo de cada situação ou da intenção de quem faz a narrativa. Além disso, como vai passando de geração a geração, o mito vai-se modifi cando ao longo do tempo e adaptando- se a novas situações; 21 História da Filosofi a I Unidade 1 o mito envolve uma carga muito grande de subjetividade. Já na sua origem, o mito é uma representação subjetiva e arbitrária, dado que ele precisa ser criado por alguém. Todo mito tem um autor, alguém que contou a estória pela primeira vez. É claro que, ao ser contada novamente por outra pessoa, essa estória vai ganhar novas nuanças. Cada novo narrador torna-se co- autor do mito. Cada um dá a sua contribuição subjetiva à narração; embora envolva uma grande dose de subjetividade, o mito é sempre um fenômeno cultural. Trata-se de uma narrativa de domínio público e funciona como uma representação da verdade que é aceita, de forma implícita, por cada um dos membros da coletividade. O próprio fato da aceitação de um mito por um determinado indivíduo pode ser tomado como critério para a sua inclusão, ou não, em um determinado grupo social. A aceitação geral do mito, sem questionamentos, serve como um elemento que reforça a unidade de um povo. Para que o mito possa alcançar plenamente a sua fi nalidade, é comum o encontrarmos, no processo civilizatório, associado a mecanismos de imposição social. Cada indivíduo, como membro de um grupo marcado por uma identidade cultural, deve aceitar como adequadas as explicações dadas pela tradição, sem questioná-las. Além disso, o mito possui vários mecanismos de convencimento. O principal é a educação. Para garantir que os mitos não se percam com o passar do tempo, eles são incorporados na formação das novas gerações. Assim, as crianças precisam conviver, desde pequenas, com as narrativas míticas. O conhecimento dos mitos e a capacidade de narrá-los de forma completa e detalhada passam a constituir um dos sinais de refi namento cultural. Mas só a educação não é sufi ciente para garantir a aceitação universal do mito. Por isso um segundo mecanismo de sua imposição social é a religião. É comum encontrarmos nas sociedades mais antigas a função de explicação dos fenômenos da realidade associada à função religiosa. Isso faz sentido na medida 22 Universidade do Sul de Santa Catarina em que ambas fazem referência a elementos sobrenaturais. Assim, traçar os limites entre mitologia e religião pode ser uma tarefa difícil ou mesmo impossível. Um terceiro mecanismo de imposição do mito é o poder político. Na maioria das civilizações o poder político surge e se desenvolve intimamente associado ao poder religioso. Dessa forma, a aceitação geral e incondicional de certos mitos interessa ao Estado. Neste sentido, o poder político se encarrega de estabelecer normas que obriguem a aceitação de certas versões de um mito em detrimento de outras versões e de outros mitos. Atenção! Como você pode ver, o mito tem um papel fundamental no fl orescimento de uma cultura. Mas o conhecimento mítico tem muitas limitações também. Entre as limitações do conhecimento mítico, podemos destacar duas fundamentais: sua reduzida capacidade explicativa e sua restrita abrangência populacional. A primeira grande limitação do mito é a falta de uma base concreta que sustente suas explicações. Como vimos, o conhecimento mítico é elaborado para suprir as carências do conhecimento empírico; trata-se de uma explicação alegórica para aquilo que é inexplicável a partir dos dados da experiência. O mito é uma explicação forjada, sem compromisso com a verdade. A outra grande limitação tem uma feição política. Todo mito é sempre fruto de uma cultura. E toda cultura tem seus mitos. Isso faz com que toda vez que ocorra um contato entre duas ou mais culturas, surja um confl ito entre mitos. Quando o mito determina a compreensão da própria existência de um grupo social e da realidade que o cerca, um confronto entre mitos implica um confl ito existencial para toda uma população. O choque entre mitos concorrentes coloca em risco a própria identidade cultural de um povo. Isso faz com que o diálogo intercultural torne-se algo indesejável nas sociedades que se fundamentam sobre mitos, levando-as ao fundamentalismo e à intolerância. 23 História da Filosofi a I Unidade 1 Atenção! Como você pode ver, o mito possui qualidades e vantagens que seduzem o ser humano. Mas também apresenta desvantagens e riscos que não podem deixar de ser levados em consideração. Na Antigüidade mais remota, todas as grandes civilizações cresceram sustentadas pelos mitos. Entretanto, por volta do séc. VI a.C., uma civilização emergente, que até então se desenvolvera alicerçada nos mitos, vislumbrou um caminho diferente. Era a civilização grega que, devido a uma confl uência de fatores históricos, geográfi cos e culturais, tornou-se o berço da democracia, da fi losofi a e da ciência. Eles não sabiam, mas esse novo caminho mudaria a história da humanidade. É essa nova proposta civilizatória que nós veremos a partir da próxima seção. SEÇÃO 2 - Apogeu e declínio da mitologia grega A mitologia grega formou-se a partir da tradição oral popular. Para facilitar a memorização, as narrativas mitológicas eram transformadas em poemas, que se decoravam e eram costumeiramente recitados como entretenimento. Com o passar do tempo, surge na Grécia uma classe artística composta de aedos (poetas que recitavam suas próprias composições) e rapsodos (artistas que recitavam poemas de outros autores ou mesmo poemas de domínio público). As comemorações religiosas e cívicas costumavam ser abrilhantadas pela participação de aedos e rapsodos, alguns dos quais se tornaram personalidades ilustres da história grega. Homero O mais famoso poeta grego foi Homero (séc. IX a.C.). Costuma- se atribuir a ele a autoria de dois poemas épicos: a Ilíada e a Odisséia. Homero era cego e, talvez por isso, tenha desenvolvido a habilidade de memorização de forma tão extraordinária: a Ilíada é formada por 15.693 versos e a Odisséia, por 12.110. As 24 Universidade do Sul de Santa Catarina apresentações de Homero consistiam em espetáculos que duravam vários dias e atraíam multidões. Homero tornou-se um grande ídolo. Muitos poetas tentavam imitá-lo. O público se esforçava em decorar pelo menos algumas dezenas de versos, para conferir se o poeta era capaz de repetir exatamente os mesmos versos em uma outra apresentação. O sucesso de Homero ajudou a difundir o dialeto que ele usava nos poemas, e isto foi decisivo para conferir certa unidade lingüística à cultura grega. As histórias de deuses e heróis passaram a fazer parte do imaginário coletivo. A memorização dos versos mais famosos e a incorporação dos ideais neles contidos tornaram-se a base da educação grega. Mas qual era a concepção de mundo dos poemas de Homero? Os poemas de Homero relatam os feitos dos grandes heróis, seres extraordinários, de sangue nobre, notáveis por sua virtude (areté) e que deveriam ser vistos como modelo para a ação humana. As virtudes desse herói são a coragem, a força física, a habilidade no uso de armas, o poder de persuasão através do discurso e, principalmente, a lealdade. Para o herói das epopéias homéricas, a honra vale mais que a própria vida. E, em busca dessahonra, o herói deve esforçar-se para se sobressair e para que seu nome seja lembrado por incontáveis gerações. O herói homérico é aquele que luta continuamente para superar em qualidades todos que o cercam e também para superar a si mesmo. A ação do herói, no entanto, é limitada pelo destino e sofre constantemente a interferência dos deuses. O destino, uma vez traçado, não pode mais ser alterado. Além disso, o herói precisa compreender que, sem a ajuda dos deuses, ele se torna incapaz de alcançar seus objetivos. A pior desgraça na vida humana, mesmo para um herói, é o ódio dos deuses. Portanto o complemento necessário das virtudes do herói é a piedade (a devoção e o respeito aos deuses). Figura 1.1 – O poeta Homero. Fonte: <http://monomito.fi les. wordpress.com/2006/12/homero. jpg>. 25 História da Filosofi a I Unidade 1 Hesíodo Outro poeta fundamental para o desenvolvimento da mitologia grega foi Hesíodo (séc. VIII a.C.). Como aedo, Hesíodo tornou-se famoso e reverenciado por toda a cultura grega. Em sua obra Teogonia (do grego theos: deus, e gonia: origem), Hesíodo faz uma compilação bastante completa da origem e genealogia dos deuses. Hesíodo sistematizou os antigos mitos da criação e organizou as relações entre deuses e heróis numa seqüência lógica. A genealogia é composta por três gerações: a de Urano (céu), a de Cronos (tempo) e a de Zeus. Numa outra obra, Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo situa a origem da humanidade em uma etapa da sucessão de raças em decadência: à raça de ouro seguem-se as raças de prata, de bronze, a dos heróis e, por fi m, a raça de ferro, à qual nós próprios pertencemos. Assim, Hesíodo desqualifi ca a origem nobre como elemento fundamental da virtude. Se todos nós somos descendentes decaídos de raças mais elevadas, não é a origem familiar que nos torna melhores, ou piores. Dessa forma, Hesíodo nivela todos os seres humanos. Para ele, o que realmente nos diferencia é o esforço individual na busca da excelência. Em Hesíodo, a interferência dos deuses sobre a ação humana é minimizada. Embora os deuses tenham interferido nas ações das outras raças, inclusive nas ações dos heróis, nossa raça tornou- se insignifi cante para eles e fi cou entregue a si mesma. A busca da excelência (areté) através do esforço pessoal é a única forma de que o ser humano agora dispõe para fugir dos infortúnios da vida. Os deuses, embora existam e tenham poder para interferir na vida humana, se distanciam e passam a se preocupar consigo mesmos. Essas duas inovações de Hesíodo, o nivelamento da espécie humana e o distanciamento dos deuses, formaram as bases ideológicas para o aparecimento da democracia e para a laicização da cultura grega. Figura 1.2 – O poeta Hesíodo. Fonte: <www.ufmg.br/online/ arquivos/Hesiodo-thumb.gif>. Laicização: processo de tornar laico ou de desvincular de conotações religiosas. 26 Universidade do Sul de Santa Catarina SEÇÃO 3 - A origem histórica da fi losofi a A temática sobre as origens da fi losofi a é tão antiga como sua consolidação em forma de pensamento (tipo de conhecimento). Já, na Antigüidade, há o debate entre a tese orientalista e a ocidentalista. A primeira defende que os gregos nada fi zeram além de aperfeiçoar elementos do pensamento oriental. A segunda defende a tese do milagre grego, tomando a fi losofi a como uma criação puramente grega. Este debate perdurou até o fi nal do século XIX, mudando com as novas descobertas arqueológicas do fi nal do século XIX e início do século XX, com a confl uência de novas pesquisas da lingüística e da antropologia, particularmente quanto ao estudo da mentalidade primitiva ou arcaica. Passa-se, então, a procurar entender de que modo, num dado ambiente e em certas condições históricas, a mentalidade mítica foi dando lugar à mentalidade fi losófi co-científi ca. Não se trata mais de pensar a fi losofi a como um milagre, no sentido religioso; tampouco pensá-la como mero legado do Oriente. Certamente os gregos antigos desenvolveram o legado oriental e são devedores deste: a matemática e a astronomia constituem bons exemplos disto. Contudo muitos historiadores contemporâneos defendem que a fi losofi a, enquanto uma forma de pensamento, uma teorização, é uma invenção grega. Jean-Paul Vernant, um helenista, defende ter sido uma série de condições sociopolíticas que levaram a esta mudança de mentalidade. Marilena Chaui (2000a, p. 31-32), em parte, fundamentando-se neste helenista, resume essas condições: Helenista: estudioso que se dedica a investigar a história e a cultura da Grécia antiga. 27 História da Filosofi a I Unidade 1 as viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a desmistifi cação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer; a invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível; a invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização; o surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofi a poderia surgir; a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas -- como por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -- , supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve; a invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofi a: 28 Universidade do Sul de Santa Catarina a idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela defi nirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade - da pólis - servirá de modelo para a Filosofi a propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional; o surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses a que eles deveriam obedecer. Agora, com a pólis, isto é, a cidade política [cidade-estado],surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra fi losófi ca; a política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos. A idéia de um pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofi a. [Uma versão deste texto está disponível no endereço eletrônico: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/convite.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2008.] 1. 2. 3. 29 História da Filosofi a I Unidade 1 Esta passagem de uma narrativa mítica (caracterizada por um discurso sacralizante, que busca dar conta das origens, não como produto de um ser humano transformador, mas de uma divindade [ou divindades], que traça [ou traçam] o destino dos seres humanos) para uma narrativa centrada na racionalidade – o lógos – não se deu repentinamente, e muitos elementos que encontramos nos primeiros fi lósofos – os pré-socráticos – ainda carregam aspectos míticos. SEÇÃO 4 - Noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca De acordo com Danilo Marcondes (2001, p. 22-27), algumas noções são fundamentais para entendermos a diferenciação entre o pensamento mítico e o fi losófi co-científi co. São elas: a physis, a causalidade, a arqué (ou arkhé), o cosmo, o lógos e o caráter crítico. Veja-as em detalhes, na seqüência. 1 - A physis Esta palavra grega pode ser traduzida por natureza, entendendo esta em, pelo menos, três sentidos, conforme Chaui (2000b, p. 257): 1) processo de nascimento, surgimento, crescimento (sentido derivado do verbo phýomai); 2) disposição espontânea e natureza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser; aquilo que constitui a natureza de um ser; 3) força originária criadora de todos os seres, responsável pelo surgimento, transformação e perecimento deles. Physis é o fundo inesgotável de onde vem o Kósmos; e é fundo perene para onde regressão todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas. Assim, a physis é o mundo natural, a totalidade dos entes, a totalidade daquilo que é. 30 Universidade do Sul de Santa Catarina 2 - A causalidade Esta totalidade, reforça Marcondes (2001, p. 24-25), é engendrada (produzida) por uma relação de causa e efeito. A característica central da explicação da natureza pelos primeiros fi lósofos é, portanto, o apelo à noção de causalidade, interpretada em termos puramente naturais. O estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenômenos naturais constitui assim a forma básica da explicação científi ca e é, em grande parte, por esse motivo que consideramos as primeiras tentativas de elaboração de teorias sobre o real como o início do pensamento científi co. Explicar é relacionar um efeito a uma causa que o antecede e determina. Explicar é, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza, é tomar um fenômeno como efeito de uma causa. É a existência desse nexo que torna a realidade inteligível e nos permite considerá-la como tal. É importante, entretanto, que o nexo causal se dê entre fenômenos naturais. Isto porque podemos considerar que o pensamento mítico também estabelece explicações causais. Assim, na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, vemos os deuses tomar o partido dos gregos e dos troianos e infl uenciar os acontecimentos em favor destes ou daqueles, portanto, fenômenos humanos e naturais têm nesse caso causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. É por isso que o que distingue a explicação fi losófi co-cientí fi ca da mítica é a referência apenas a causas naturais. A explicação causal possui, entretanto, um caráter regressivo. Ou seja, explicamos sempre uma coisa por outra e há assim a possibilidade de se ir buscando uma causa anterior, mais básica, até o infi nito. Cada fenômeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que por sua vez seria efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, em um processo sem fi m. Isso, contudo, invalidaria o próprio sentido da explicação, pois, mais uma vez a explicação levaria ao inexplicável, a um misté- rio, portanto, tal como no pensamento mítico. Para evitar que isso aconteça, surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um primeiro princípio, ou 31 História da Filosofi a I Unidade 1 No geral, para os gregos antigos, certos conceitos têm concomitantemente um sentido estético, ético, utilitário e ontológico. Mesmo assim, cabe salientar que, nos pensadores originários – os pré-socráticos -, a relação entre ética e estética ainda não está totalmente consolidada. É a partir de Sócrates, particularmente como a noção de kalokagathia – ser belo e bom – que isto se consolidará. Contudo este aspecto em particular será tema de outra disciplina: a Estética. conjunto de princípios, que sirva de ponto de partida para todo o processo racional. É aí que encontramos a noção de arqué. 3 - Arqué (ou arkhé) A arqué é o princípio originário. Tem também o sentido de comando e, como aponta Marcondes (2001, p. 25-26), serve para resolver o problema da causalidade ao infi nito. A importância da noção de arqué está exatamente na tentativa por parte desses fi lósofos de apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico que permeie toda a rea1idade, que de certa forma a unifi que, e que ao mesmo tempo seja um elemento natural. Ta1 princípio daria precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação, permitindo considerá-la como inaugurando a ciência. Mais à frente você verá como a arkhé foi tratada por cada um dos fi lósofos originários – os pré-socráticos. 4 - O cosmo Em grego, cosmo signifi ca ordenado, ornado. Tendo presente estas acepções, podemos entender o cosmo como belo – logo, um princípio, também, estético –, pois o que é bem ordenado, harmônico, é belo e justo. Neste sentido, diz Marcondes (2001, p. 26) que O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço celeste, enquanto rea1idade ordenada de acordo com certos princípios racionais. A idéia básica de cosmo é, portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem hierárquica, em que certos elementos são mais básicos, e que se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como 1ei principal. O cosmo, entendido assim como ordem, opõe-se ao caos ( , que seria precisamente a falta de ordem, o estado da matéria anterior à sua organização. É importante notar que a ordem do cosmo é uma ordem racional, “razão” signifi cando aí exatamente a existência de princípios e leis que regem, organizam essa rea1idade. É a racionalidade deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao 32 Universidade do Sul de Santa Catarina entendimento humano. É porque há na concepção grega o pressuposto de uma correspon¬dência entre a razão humana e a racionalidade do real – o cosmo – que este real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto é, pode-se tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmo1ogia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoriageral sobre a natureza e fundamento do universo. 5 - O lógos Lógos, a principal noção fi losófi ca, pode ser traduzida por palavra, discurso, “razão”. É a narrativa explicativa, a qual supõe encadeamento de juízos de forma coerente e o estabelecimento das relações de causa e efeito racionalmente. Neste sentido, difere-se de mythos – o discurso mítico, dos poetas, pois, neste, certos princípios lógicos não são necessários. Para reforçar tudo isto, tomemos Marcondes (2001, p. 26-27) novamente: O lógos é fundamentalmente uma explicação, em que razões são dadas. É nesse sentido que o discurso dos primeiros fi lósofos, que explica o real por meio de causas naturais, é um lógos. Essas razões são fruto não de uma inspiração ou de uma reve1ação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao entendimento da natureza. O lógos. É, portanto, o discurso racional, argumentativo, em que as explicações são justifi cadas e estão sujeitas à crítica e à discussão (ver tópico seguinte). Daí deriva, por exemplo, o nosso termo “lógica”. Porém, o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma racionalidade (ver o conceito de cosmo acima) que seria captada pela razão humana. Portanto um dos pressupostos básicos da visão dos primeiros fi lósofos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real, o que tomaria possível um discurso racional sobre o real. 6 - O caráter crítico Essa é a verdadeira essência da atitude fi losófi ca. Diferente das noções anteriores, que são teóricas, esta é uma noção prática, relacionada à atitude necessária para que se possa pensar fi losofi camente. Baseado em Popper, Marcondes (2001, p. 27) descreve assim esta noção: 33 História da Filosofi a I Unidade 1 Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constitui nessas primeiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é, as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas e defi nitivas, mas como passíveis de serem discutidas, de susci tarem divergências e discordâncias, de permitirem formulações e propostas alterna tivas. Como se trata de construções do pensamento humano, de idéias de um fi lósofo – e não de verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural –, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções. O que pode ser ilustrado pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento pri mordial, postulando outros elementos, respectivamente o ar e o apeiron, como tendo esta função. Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola fi losófi ca o debate, a divergência e a formulação de novas hipóteses eram estimulados. A única exigência era que as propostas divergentes pudessem ser justifi cadas, explicadas e fundamen tadas por seus autores, e que pudessem, por sua vez, ser submetidas à crítica. Síntese Entre os séculos X e VI a.C., os gregos antigos inventaram uma forma original de explicar a realidade. Essa nova forma de pensar se caracteriza por uma valorização do ser humano enquanto parâmetro para compreender o universo, e se opõe às explicações baseadas em decisões divinas e em forças sobrenaturais. Uma série de condições sociopolíticas contribuíram para o desenvolvimento dessa nova mentalidade. Entre elas, podemos destacar as viagens marítimas, o surgimento da vida urbana e a invenção do calendário, da moeda, da escrita alfabética e da política. Esta passagem de uma mentalidade mítica para uma mentalidade centrada na racionalidade ocorreu de forma lenta e gradual. Mas, a partir do séc. VI a.C., já é possível identifi car algumas noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca: a physis, a causalidade, a arqué, o cosmo, o lógos e o caráter crítico. 34 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de auto-avaliação Ao fi nal de cada unidade, você realizará atividades de auto-avaliação. O gabarito está disponível no fi nal do livro-didático. Mas se esforce para resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará promovendo (estimulando) a sua aprendizagem. 1. Em relação às condições sociopolíticas que levaram ao declínio da mentalidade mítica e ao surgimento da mentalidade fi losófi ca, numere a 2a coluna de acordo com a 1a (alguns números se repetem): 1) Viagens marítimas a) ( ) produz uma capacidade de abstração nova, tornando a percepção do tempo como algo natural, e não como um poder divino. 2) Invenção do calendário b) ( ) estimula uma nova formulação das explicações, que seja acessível à compreensão de todos, e não mais apenas de uma minoria de iniciados. 3) Invenção da moeda c) ( ) produz o desencantamento e a desmistifi cação do mundo. 4) Surgimento da vida urbana d) ( ) faz aparecer um novo tipo de discurso, fundado no diálogo, na discussão e na persuasão, diferente daquele que era proferido pelo mito e que pretendia ter sua origem em uma revelação sobrenatural. 5) Invenção da escrita alfabética e) ( ) produz mudanças econômicas e sociais como a valorização do comércio e do artesanato e a diminuição do prestígio da aristocracia proprietária de terras, para quem os mitos foram criados. 6) Invenção da política f) ( ) revela uma nova capacidade de abstração e de generalização, que permite comparar coisas totalmente diferentes. g) ( ) introduz a idéia de lei como expressão da vontade humana. h) ( ) revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que permite representar idéias abstratas. 35 História da Filosofi a I Unidade 1 2. A invenção da fi losofi a na Grécia antiga representou o surgimento de uma nova forma de pensar. Isto não signifi ca que as outras formas desapareceram totalmente. Ao contrário, até hoje encontramos formas de compreender e explicar a realidade que são amplamente difundidas e que não se enquadram nas exigências que caracterizam a fi losofi a. Um bom exemplo disto é a religião. O Livro Gênesis (1º livro da Bíblia), por exemplo, narra a origem do mundo e da humanidade, e o faz de uma forma totalmente diferente da forma fi losófi ca. Propomos, então, que você identifi que essa diferença, seguindo este roteiro: a) identifi que as noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca; b) leia a parte inicial do Gênesis (Basta ler o capítulo 1. Caso você não tenha uma Bíblia, consulte o e-book respectivo, disponível na Internet, e acessível por seu buscador e navegador preferido); c) verifi que, uma a uma, se as noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca estão contempladas no texto bíblico. Que resultado você encontrou? 36 Universidade do Sul de Santa Catarina 3. Vamos aprender grego? Escreva a palavra grega que corresponde a cada um dos vocábulos abaixo: a) origem; elemento primordial: b) natureza: _______________ c) razão: d) cidade-Estado: e) virtude/excelência: f) ordenado [aquilo que está em ordem]: g) desordenado: Saiba Mais Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade, consultando as seguintes referências: MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da fi losofi a: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CHAUI, Marilena. Convite à fi losofi a. São Paulo: Ática, 2000a. CHAUI, Marilena. Introdução à história da fi losofi a. São Paulo: Companhia das Letras, 2000b. UNIDADE 2 A fi losofi a pré-socrática Objetivos de aprendizagem Identifi car as principais etapas de desenvolvimento da fi losofi a pré-socrática. Diferenciar as principais escolas pré-socráticas. Identifi car os principais representantes de cadaescola e seus principais conceitos. Compreender avanços e limites de cada teoria. Identifi car e compreender fatores históricos e políticos que condicionaram o desenvolvimento inicial da Filosofi a. Habituar-se ao vocabulário da fi losofi a grega. Seções de estudo Seção 1 Contexto histórico e localização geográfi ca Seção 2 A escola jônica Seção 3 A escola pitagórica Seção 4 Xenófanes e a escola eleática Seção 5 Os fi lósofos pluralistas Seção 6 A escola atomista Seção 7 O sentido geral da fi losofi a pré-socrática 2 38 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo A partir do séc. VI a.C. ocorre na Grécia uma gradativa laicização da cultura. Os poemas de Homero e Hesíodo, outrora considerados fonte de conhecimento da realidade, perdem a sua relevância explicativa pouco a pouco e vão passando à categoria de “cultura supérfl ua” e, sobre certas questões, até mesmo “danosa”. A necessidade de compreender a natureza de forma racional implica, então, buscar novas formas de explicar o que e como as coisas são e por que são como são. Nessa busca, os primeiros fi lósofos vão esbarrar em diversas difi culdades, mas também vão alcançando algumas vitórias e vencendo etapas importantes. É essa jornada que vamos acompanhar a partir de agora. SEÇÃO 1 - Contexto histórico e localização geográfi ca Antes de falar dos primeiros fi lósofos, é necessário fazer mais alguns esclarecimentos sobre o contexto em que surgiu a Filosofi a. A Grécia antiga, o berço da Filosofi a, não era um país. Era, de fato, um conjunto de dezenas de pequenos países, ou cidades- Estado (pólis). O que ligava esses países era a sua cultura. O idioma grego, com pequenas variações, era falado em todas as poleis. Poetas e rapsodos iam de cidade em cidade, apresentando- se em festivais e datas comemorativas, e disseminavam os mitos de Homero, Hesíodo e de outros autores. Essa unidade cultural teve origem em questões históricas (como a formação do próprio povo heleno através de uma sucessão de invasões do território grego por povos indo-europeus – Jônios, Eólios, Aqueus e Dórios), características geográfi cas (relevo acidentado, solo pouco fértil, proximidade do mar, grande número de ilhas, etc.) e militares (as cidades-Estado eram incapazes de enfrentar sozinhas as nações mais poderosas, mas, quando unidas, eram consideradas invencíveis). Poleis é o plural de pólis. 39 História da Filosofi a I Unidade 2 Os gregos se autodenominavam helenos, e a Grécia, que não era um país, e sim um conjunto de cidades- Estado, era chamada de Hélade. A principal atividade econômica dos gregos era o comércio marítimo. Para garantir seus interesses, os gregos fundaram diversas colônias encravadas em territórios de outros países, algumas delas implantadas através de guerras e invasões, outras estabelecidas através de acordos pacífi cos com grandes reinos. É nessas colônias que a Filosofi a surge e se desenvolve ao longo de quase dois séculos, antes de chegar à pólis de Atenas, onde encontra o seu apogeu na cultura helênica. Veja na fi gura 2.1 uma representação dos domínios helênicos. Figura 2.1 - O mundo grego nos séculos V e IV a.C. Fonte: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/cienciagrega.htm>. Hoje, os fi lósofos dessa fase inicial da história da Filosofi a costumam ser chamados de pré-socráticos. Os pré-socráticos são os “criadores” da Filosofi a. Infelizmente, todas as obras escritas por esses pensadores acabaram perdendo-se ao longo dos milênios que historicamente nos separam deles. O pouco que nós conhecemos da fi losofi a dos pré-socráticos nos chegou, principalmente, a partir de textos de autores clássicos os quais citam trechos das obras que se perderam ou fazem alguma referência clara ao conteúdo de tais obras. Atualmente, temos dois tipos de fonte em que podemos nos basear para reconstruirmos como foi o pensamento dos primeiros fi lósofos: os fragmentos e a doxografi a. 40 Universidade do Sul de Santa Catarina Fragmento é uma parte de um texto que foi preservada, apesar de a obra completa ter-se perdido. Muitas vezes são frases transcritas em obras de outros autores antigos. Doxografi a são comentários, avaliações e explicações que outros autores antigos fi zeram sobre as idéias defendidas por esses fi lósofos cujos textos se perderam. Às vezes são resumos que fi lósofos ou historiadores antigos fi zeram das idéias defendidas por algum outro pensador. Os pré-socráticos podem ser classifi cados em cinco grupos: os jônios, os pitagóricos, os eleatas, os pluralistas e os atomistas. Para ampliar seus conhecimentos sobre a fi losofi a pré-socrática, acompanhe explicações sobre cada um destes grupos. SEÇÃO 2 - A Escola Jônica A partir do séc. XII a.C., os gregos estabeleceram diversas colônias nas ilhas do Mar Egeu e na costa oeste da Ásia Menor (território que hoje faz parte da Turquia). Nos séculos VII e VI a.C., essa região, na época chamada de Jônia, passa a ser o principal pólo de desenvolvimento econômico da Grécia devido à sua posição estratégica para o controle do comércio no Mediterrâneo. Na mais importante dessas colônias, a pólis de Mileto, nasceu a Filosofi a. Mileto foi o primeiro centro intelectual da Filosofi a. Sua infl uência durou até a destruição total da cidade pelos persas, no ano de 494 a.C. Além de Mileto, a pólis de Éfeso também se destacou como um centro de discussão fi losófi ca na Jônia. Numa tradição que remonta a Aristóteles, costuma-se considerar Tales de Mileto (640 -- 562 a.C.) como sendo o primeiro fi lósofo, seguido de Anaximandro (610 -- 547 a.C.) e de Anaxímenes (585 -- 528 a.C.), ambos também de Mileto, e de Heráclito de Éfeso (540 -- 470 a.C.). 41 História da Filosofi a I Unidade 2 Por que Tales é considerado o primeiro fi lósofo? O que ele fez de diferente? Caracteriza o trabalho de Tales e dos outros pensadores jônios a tentativa de compreender a realidade sem fazer referência a elementos sobrenaturais. O que eles procuram são explicações para os fenômenos naturais, baseadas exclusivamente na observação atenta e no raciocínio cuidadoso. A Filosofi a nasce como uma tentativa de elaborar uma teoria sobre a natureza (physis), que explique os seus fenômenos sem falar em deuses, em magia ou em forças ocultas. Mas surge aqui um primeiro problema conceitual: O que é a natureza? Como diferenciar o natural do sobrenatural? Em Grego, em Latim e também em Português, a palavra natureza é formada a partir de um radical que indica nascimento. Natureza é o conjunto de tudo aquilo que é natu (nascido). Na realidade concreta, no entanto, às vezes é difícil determinar quando ocorre o nascimento de algumas coisas. E, mais ainda: às vezes a morte de uma coisa é o nascimento de outra. Assim, a natureza passa a ser pensada como uma sucessão de transformações, como devir. Não é difícil perceber que essas transformações não são totalmente aleatórias; ao contrário, elas parecem seguir certa ordem (cosmos). Os seres concretos, os objetos, não surgem do nada, nem por acaso. Também não podem ser totalmente destruídos. O processo de geração e corrupção (produção e destruição) dos seres envolve a combinação ou separação de elementos materiais, que não são criados nem desaparecem totalmente nessa transformação. 42 Universidade do Sul de Santa Catarina Uma semente, ao germinar, passa a absorver água, elementos do solo e do ar. Toda essa matéria é absorvida, transformada e reorganizada, vai ganhando aos poucos a forma de uma planta que cresce, vive durante certo tempo e morre, se decompõe e vira matéria-prima para o surgimento de novos seres. Toda a matéria que compõe a árvore foi retirada do solo e voltará a ser solo. A matéria-prima já existia e continuará existindo mesmo após a destruiçãototal da árvore. Essa é uma forma nova de compreender a realidade. Veja que, aqui, não se fala em quem criou a árvore. Essa nova forma de compreender a realidade esbarra em um problema: Qual é a matéria-prima elementar de que é feita a natureza? Qual seria esse elemento primordial (arkhé), capaz de se transformar em barro, em madeira, em carne, em pedra ou em qualquer outra matéria? Esse é o problema que marca o início da Filosofi a. É também o primeiro ponto de discordância entre os fi lósofos jônios. Para compreendermos as contribuições da chamada escola jônica, precisamos dividi-la em duas fases. A primeira está centrada na pólis de Mileto; a segunda na pólis de Éfeso. A Física Milésia Da contribuição original dos fi lósofos de Mileto, não restou nenhum documento escrito. Tudo o que conhecemos de Tales, Anaximandro e Anaxímenes nos chegou através de comentários (doxografi a) feitos por fi lósofos e historiadores antigos, ou através de pequenos trechos (fragmentos) citados por autores antigos que, presumivelmente, tiveram acesso às obras originais. Uma das principais fontes de acesso às elaborações intelectuais dos pensadores milésios são as obras de Aristóteles. Em sua obra Metafísica, Aristóteles refere-se a esses primeiros fi lósofos como fi siólogos (estudiosos da physis). 43 História da Filosofi a I Unidade 2 Tales de Mileto (fi m do séc. VI a.C.) De Tales, o primeiro fi lósofo, sabemos hoje muito pouco. Além de não dispormos sequer de fragmentos de suas obras, até mesmo os testemunhos que nos chegam dele são precários. Mesmo assim, ele é a mais antiga referência histórica que temos de alguém que buscou unir, difundir e estimular duas tradições: a tentativa de determinar com precisão qual seria a matéria elementar de que é feita a natureza e a tentativa de aprimorar continuamente o conhecimento da natureza através da crítica racional das teorias já disponíveis. Sabia mais sobre Tales de Mileto! Além de fi lósofo, Tales se destacou na astronomia e na matemática e foi considerado um dos sete sábios da Grécia Antiga. A partir de suas pesquisas, Tales identifi cou a água como sendo a arkhé, a substância primordial de que são feitas todas as outras substâncias. Para ele: tudo é água; todas as substâncias materiais são obtidas ou por condensação ou por evaporação da água; a Terra é um disco (achatado e circular) feito de água transformada em outros tipos de matéria; esse disco fl utua no universo, que é todo feito de água. Se levarmos essas idéias de Tales ao pé da letra, elas podem parecer tolices. Mas, na verdade, a contribuição de Tales foi revolucionária. Contando principalmente com a sua própria observação e com uma linguagem ainda não desenvolvida para a elaboração de teorias científi cas, Tales precisou ainda utilizar- se de metáforas para dar início à construção de uma descrição racional do cosmos. Ao dizer que tudo é água, ele não está falando especifi camente de H2O, mas sim da umidade. Talvez fosse mais exato traduzir a frase de Tales como: “Tudo vem do úmido”. Figura 2.2 – Tales de Mileto. Fonte: <www.moderna.com.br/.../ imagem/talesdemileto.jpg>. 44 Universidade do Sul de Santa Catarina Após ter identifi cado a forma como a água se transforma em todas as coisas (através da condensação e da evaporação), Tales precisava explicar por que ocorrem essas transformações. Mais uma vez, ele é obrigado a recorrer a uma metáfora: Tudo é cheio de deuses. Atenção! Certamente, o pai da Filosofi a não estava usando a palavra “deuses” num sentido religioso. Tales se referia a certos fenômenos naturais observáveis, como a atração entre o ferro e o imã, ou como a gota de orvalho, que parece segurar-se a uma folha de árvore instantes antes de cair. A matéria, mesmo os minerais, parece ser dotada de uma força intrínseca, capaz de interferir naquilo que está à sua volta. De acordo com o grau de condensação ou evaporação da matéria e, principalmente, em função das combinações de porções de matérias diferentes, essa força pode variar em intensidade e manifestar-se de formas variadas. Por isso o grão de areia é inerte, o fogo é inquieto, o ar é inconstante; por isso é que vemos as diferenças entre os minerais, os vegetais, os animais e os humanos. Mas tudo na natureza pode ser explicado a partir da própria natureza. Anaximandro de Mileto (fi m do séc. VI a.C.) Anaximandro foi discípulo e continuador do trabalho de Tales. Assim como o seu mestre, foi reconhecido como importante astrônomo e matemático. Foi geógrafo e político. Atribui-se a ele a confecção de um mapa-múndi, a introdução na Grécia do uso do Gnômon (relógio solar), a medição das distâncias entre as estrelas e a descoberta da obliqüidade do zodíaco. Mas, assim como Tales, sua principal contribuição está na tentativa de identifi car com precisão o elemento primordial do cosmos e as causas dos fenômenos naturais (astronômicos, meteorológicos, físicos, biológicos, etc.). No entanto, diferente de Tales, Anaximandro não identifi ca a arkhé a nenhuma substância conhecida. Para ele, a substância Figura 2.3 – Anaximandro de Mileto. Fonte: <www.mgrande.com/.../ anaximandro.jpg>. 45 História da Filosofi a I Unidade 2 primordial não poderia ser nada que fosse específi co, nada que tivesse propriedades determinadas. Caso contrário, não seria possível explicar racionalmente o surgimento das propriedades contrárias. Se a arkhé fosse úmida, ela não poderia ser a origem do seco; se fosse clara, não seria possível a ela gerar o escuro, etc. Deveria haver, portanto, uma substância primordial indefi nida, eterna e indestrutível, da qual todos os elementos materiais se formavam e para a qual todos voltavam. A essa substância, ele deu o nome de ápeiron (ilimitado ou infi nito). Anaximandro também propõe uma mudança na forma de se explicar a origem e as transformações das coisas materiais. Na busca de uma teoria cada vez mais racional, Anaximandro evita o termo “deuses”, utilizado por seu antecessor, e propõe dois novos princípios explicativos para o devir: o movimento eterno e a diké (justiça). De acordo com a teoria de Anaximandro, o ápeiron, por sua própria natureza, está em eterno movimento, em constante transformação. Essa transformação contínua não teve começo e nunca terá fi m. É esse movimento implacável, em forma de turbilhão, que faz surgir o universo das coisas materiais. Ou melhor, é através desse fl uxo ininterrupto que surgem vários universos. Cada um desses universos passa por incontáveis transformações e, mais cedo ou mais tarde, todos voltam a desaparecer no ápeiron. Dessa forma, a matéria que hoje compõe o nosso mundo, pode já ter feito parte de um outro universo, e poderá vir a formar diversos outros. No entanto esse movimento não é totalmente caótico. Ele segue um princípio geral inevitável: a diké (justiça). A justiça funciona como um princípio de compensação obrigatória que é arbitrada por um juiz: o tempo. O ápeiron tende a permanecer sempre indeterminado. Cada vez que o seu movimento intrínseco gera algo determinado, gera, como conseqüência, também o seu contrário. Ou seja, o surgimento da luz precisa ser compensado com um período de escuridão; o aparecimento de matéria seca terá como conseqüência a geração de matéria umidade. 46 Universidade do Sul de Santa Catarina Assim, conforme Anaximandro, toda existência de algo materialmente determinado tem que ser compensada pela existência do seu contrário. Dessa forma, embora seja possível para nós identifi car, em partes diferentes do mundo a nossa volta, o frio e o calor, o duro e o intangível, o leve e o pesado, a soma geral de tudo o que existe, já existiu ou virá a existir é sempre neutra, é indiferenciada, pois, ao se juntarem os contrários,eles anulam mutuamente suas diferenças, voltando a ser ápeiron. Acompanhe um fragmento atribuído a Anaximandro de Mileto: Entre os que admitem um só princípio móvel e infi nito, Anaximandro de Mileto, fi lho de Praxíades, sucessor e discípulo de Tales, disse que o princípio e elemento das coisas que existem era o ápeiron (indefi nido), tendo sido ele o primeiro a introduzir este nome do princípio material. Diz ele que tal princípio não é nem a água nem qualquer outro dos chamados elementos, mas uma outra natureza indefi nida, de que provêm todos os céus e os mundos neles contidos. E a fonte da geração das coisas que existem é aquela em que se verifi ca também a sua destruição segundo a necessidade; pois pagam castigo e retribuição umas às outras, pela sua injustiça, de acordo com o decreto do tempo. (Simplício, Física, 24, 13 apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 106-107). Anaxímenes de Mileto (?585 a.C. – 529 a.C.) Com Anaxímenes, a fi losofi a milésia chega ao seu ápice. Seguidor de Tales e de Anaximandro, seu esforço estava voltado para a elaboração de uma teoria sobre a natureza cada vez mais abrangente e racionalizada. Anaxímenes aperfeiçoa a tese de Tales do elemento primordial único, ao mesmo tempo que incorpora algumas inovações propostas por Anaximandro. Por outro lado, ele também propõe novas soluções teóricas que tornam a sua fi losofi a mais simples e consistente que a de seus antecessores. Figura 2.4 – Anaxímenes de Mileto. Fonte: <www.pensament.com/.../ anaximenes.jpg>. 47 História da Filosofi a I Unidade 2 Discordando de Tales, Anaxímenes defende a idéia de que tudo é feito de ar. No entanto, se o ar se transforma em água (liquefação) e a água pode transformar-se em ar (evaporação) – como já vimos ao falar de Tales – a grande diferença entre esses dois fi lósofos está na representação do universo feita por Anaxímenes: para ele a Terra é um disco que fl utua no ar. Aqui também é preciso deixar claro que “ar” não corresponde exatamente ao que chamamos contemporaneamente de ar. Refere-se mais propriamente a vapor. Diferente de Anaximandro, Anaxímenes não propõe que a arkhé seja um elemento diferente daqueles que já conhecemos. Mas, se por um lado ele rejeita a solução de seu antecessor, não pode deixar de buscar uma solução para as difi culdades levantadas por Anaximandro contra a aceitação de que a substância fundamental do universo pudesse ser algum elemento com características determinadas. A matéria primordial precisa, de fato, ser qualitativamente indefi nida para ser capaz de originar os contrários. Mas o ar, segundo Anaxímenes, é capaz de atender a essa necessidade: ele pode tanto ser quente quanto pode ser frio; pode ser úmido, ou seco. O ar não tem uma forma defi nida. Ele está em toda parte e nele nada é determinado. Ou seja, o ar se parece muito com o ápeiron, mas com uma vantagem em termos de consistência teórica: embora possamos ter motivos racionais para crer que o ápeiron exista, não é possível confi rmar empiricamente essa existência. Já o ar pode ser sentido e percebido através da experiência, e ninguém que estiver sendo razoável irá questionar a sua existência. Assim, a escolha de Anaxímenes tem a seu favor, em primeiro lugar, um grau maior de simplicidade em relação aos princípios fundamentais sobre os quais se apóia. Essa nova forma de conceber a arkhé exige menos da boa vontade daqueles que estiverem dispostos a avaliar a razoabilidade de uma explicação desmitifi cada da natureza. 48 Universidade do Sul de Santa Catarina Como surgem todos os demais elementos materiais? Mais uma vez, Anaxímenes é minimalista: toda distinção é sempre quantitativa. A diferença entre uma pedra e a pluma é a quantidade de ar que cada uma contém. A diferença entre o calor e o frio também é explicada pela maior ou menor quantidade de ar. E o modo pelo qual o ar assume as mais diferentes formas materiais é a condensação e a rarefação. Mas a maior contribuição da fi losofi a de Anaxímenes foi ter proposto uma explicação para a origem da vida de uma forma totalmente desmistifi cada. Embora Tales já tivesse considerado que as leis que regem a natureza são as mesmas que regem os seres vivos (ao afi rmar que “tudo está cheio de deuses”), Anaxímenes esmera-se em formular essa mesma idéia sem recorrer a uma linguagem que contivesse referências, ainda que metafóricas, a elementos sobrenaturais. “O mundo respira” − essa é a solução encontrada por Anaxímenes. Se tudo é feito de ar, é natural que, em maior ou menor velocidade e intensidade, tudo esteja, continuamente, ou absorvendo ou exalando ar. Tudo respira. Nos animais isso é facilmente perceptível. E, mesmo em certos fenômenos da natureza mineral, essa respiração é detectável. O fogo, por exemplo, necessita de ar para manter-se aceso, ao mesmo tempo que libera um outro tipo de ar, misturado com cinza, que é chamado de fumaça. Seguindo essa analogia, a evaporação da água e a chuva, o verão e o inverno, o nascer do sol e o ocaso, a vida e a morte nada mais são do que aspectos observáveis da respiração disseminada por todas as partes do universo; nada mais são do que fases do complexo e intrincado ciclo de compressões e descompressões de ar. 49 História da Filosofi a I Unidade 2 Tudo é, no fundo, a manifestação de um único princípio fundamental: o ar em movimento. Embora abstratamente possamos decompor este princípio único em dois - o ar e o movimento - , na realidade não há essa dualidade: tudo o que existe é ar, e o ar possui como característica essencial uma motilidade a qual, algumas vezes, o torna mais rarefeito, e, outras vezes, mais comprimido. Acompanhe alguns fragmentos atribuídos a Anaxímenes de Mileto. Anaxímenes de Mileto, fi lho de Eurístrato, que foi companheiro de Anaximandro, diz também que a natureza subjacente é una e infi nita, porém não indefi nida, como afi rmou Anaximandro, mas defi nida, pois a identifi ca com o ar; e que ela difere, na sua natureza substancial, pelo grau de rarefação e de densidade. Ao tornar-se mais sutil, transforma-se em fogo; ao tornar-se mais densa, transforma-se em vento, depois em nuvem, depois (quando ainda mais densa) em água, depois em terra, depois em pedra. E tudo o mais provém dessas substâncias. Ele admite também o movimento perpétuo através do qual ocorre a mudança. (Simplício, Física, 24, 26 apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 147). A matéria que é comprimida e condensada é fria, e a que é rarefeita e ‘frouxa’ é quente. (Plutarco, De Prim. Fig., 7, 947 F apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 151). Como a nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, assim também a respiração e o ar mantêm todo o cosmo. (Aécio, I, 3. 4. Apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 161). 50 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais sobre o sentido geral da fi losofi a milésia! Será que a natureza foi criada? Será que um deus a criou? Tais questionamentos não interessam aos primeiros fi lósofos, pois qualquer explicação criacionista extrapolaria os limites da observação e do raciocínio, adentrando no campo da fé. Essa é, de fato, a originalidade dos pensadores de Mileto que, ao invés de uma teogonia -- uma explicação da criação do mundo - , buscam uma cosmologia - uma explicação racional e científi ca dos fenômenos da natureza. Heráclito de Éfeso (540 -- 470 a.C.) Nos séculos VII e VI a.C. a pólis de Mileto havia sido o principal centro econômico da Grécia. Mileto era aliada do poderoso reino da Lídia, em cujo território estava encravada. Quando a Lídia foi atacada pelos persas, Mileto se opôs à invasão. Após ter vencido os lídios, os persas destruíram Mileto completamente. Uma outra pólis grega, no entanto, foi poupada e recompensada. Era Éfeso, que durante o confl ito tornara-se aliadados persas. Éfeso assume, a partir de então, um papel de destaque no comércio marítimo e se torna a principal pólis grega da primeira parte do séc. V a.C. Foi justamente nesse período de rápidas mudanças no cenário político e cultural da Jônia, e também de esplendor econômico de Éfeso, que viveu um fi lósofo chamado Heráclito. Legítimo representante da família real, Heráclito abdicou do seu direito ao título de rei em favor de seu irmão. A partir de então, Heráclito se tornou o principal representante da segunda fase do pensamento jônico. Conhecido por sua misantropia e pelo caráter enigmático da sua obra, foi chamado na Antigüidade de “o obscuro” e de “o fazedor de enigmas”. Ele desprezava praticamente tudo o que era enaltecido em sua época: os poetas épicos (Homero e Hesíodo), a política grega como um todo e, em particular, a democracia, e desprezava também os fi lósofos Figura 2.5 – Heráclito de Éfeso. Fonte: <upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/...>. Misantropia é aversão ao convívio social, desprezo pelos outros. 51 História da Filosofi a I Unidade 2 que o antecederam. Depois disso tudo, não é de estranhar que ele também desprezasse a plebe. Por outro lado, Heráclito desenvolveu uma nova forma de pensar que marcou profundamente todo o pensamento fi losófi co posterior. Os pontos principais da fi losofi a de Heráclito são os seguintes: a realidade deve ser buscada para além das aparências; o verdadeiro conhecimento provém da razão, e não da experiência; o princípio fundamental do cosmos é a “luta dos contrários”; tudo está em constante transformação, tudo é devir, tudo fl ui (panta rei); a substância primordial da natureza é o fogo (a arkhé da physis é pyr); o tempo é cíclico. Heráclito foi um crítico severo em relação às teorias cosmológicas dos fi lósofos milésios. Para ele, os fi siólogos de Mileto davam muita atenção para a experiência e usavam pouco a razão como possibilidade de ir além das aparências. Mais importante do que ver é compreender o que se está vendo. “Os olhos e ouvidos são más testemunhas para os homens, se as almas destes não compreendem a linguagem daqueles.” (fragmento 107 apud SOUZA, 2000, p. 99). O real, para Heráclito, não é aquilo que é concreto, aquilo que pode ser visto e tocado, pois nada se conserva eternamente. “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, diz ele. (fr. 91 apud SOUZA, 2000, p. 97). Mais cedo ou mais tarde, tudo o que existe concretamente deixará de existir. Só o devir (a transformação) é que sempre permanece. Por isso, o fogo é a melhor imagem que podemos fazer da matéria da qual o universo é composto. Embora possamos vê-lo e senti-lo, ele não é uma “coisa”, ele é um “fl uxo”. Tudo vem do fogo e pelo fogo tudo é consumido. 52 Universidade do Sul de Santa Catarina Como em Anaxímenes, esse processo ocorre através de condensação e rarefação. Ao se condensar, o fogo se umidifi ca e se torna matéria; ao se tornar mais rarefeita, a matéria se torna incandescente. Mas, por que acontece a condensação e a rarefação? Porque a essência do cosmos é o confl ito (pólemos), a luta dos contrários. Veja um exemplo. Para se desenvolver adequadamente, a planta precisa da luz do dia e da escuridão da noite, precisa de dias com sol e dias de chuva, precisa crescer e precisa ser podada. Tudo na natureza surge da concorrência dos opostos. Essa tese de Heráclito se parece com aquela idéia de Anaximandro de que o ápeiron possui um movimento intrínseco e de que tudo o que é gerado a partir dessa indeterminação precisa ser compensado com o seu contrário. Mas Heráclito faz três ressalvas a essa idéia: não há na natureza um juiz nem injustiça alguma. “O tempo é criança brincando” (fr. 52 apud SOUZA, 2000, p. 93). Assim como uma criança sente prazer em construir um castelo de areia, logo em seguida ela sente prazer também em destruí-lo – não há aqui nenhuma injustiça; tudo que existe é uno e duplo simultaneamente, tudo traz em si mesmo o seu contrário. “A rota para cima e para baixo é uma e a mesma” (fr. 60 apud SOUZA, 2000, p. 94); todas as coisas possuem uma tensão intrínseca entre os opostos; as coisas existem enquanto essa tensão se mantém através do equilíbrio entre os opostos e são destruídas quando a tensão é desfeita (por relaxamento ou por ruptura), tal como um arco de atirar fl echas. “O divergente consigo mesmo concorda; harmonia de tensões contrárias, como de arco e lira” (fr. 51 apud SOUZA, 2000, p. 93). 53 História da Filosofi a I Unidade 2 Heráclito fez algumas críticas aos fi lósofos anteriores, mas não chegou a elaborar uma fi losofi a sistemática para substituir suas teorias. Não acreditava que valesse a pena perder o seu tempo escrevendo de forma didática o que sabia, pois se considerava superior. No entanto acredita-se que ele tenha escrito uma obra em que reunia frases soltas, que mais anunciavam do que explicavam as suas idéias. Considerado um dos “Sete Sábios da Grécia”, Heráclito infl uenciou alguns aspectos da fi losofi a de Sócrates, de Platão e dos estóicos. Conheça alguns fragmentos atribuídos a Heráclito de Éfeso. Os fragmentos abaixo seguem a numeração de Diels-Kranz (DK), utilizada pelas principais traduções disponíveis em português. 13. Porcos em lama se comprazem, mais do que em água limpa. 29. Pois uma só coisa escolhem os melhores contra todas as outras, um rumor de glória eterna contra as coisas mortais; mas a maioria está empanturrada como animais. 30. Este mundo, o mesmo de todos os (seres), nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo, acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas. 36. Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma. 49. Um para mim vale mil, se for o melhor. 49a. Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos. 50. Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um. 52. Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado. 54 Universidade do Sul de Santa Catarina 53. O combate é de todas as coisas pai, de todas rei, e uns ele revelou deuses, outros, homens; de uns fez escravos, de outros livres. 60. A rota para cima e para baixo é uma e a mesma. 73. Não se deve agir nem falar como os que dormem. 90. Por fogo se trocam todas as (coisas) e fogo por todas, tal como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro. 101. Procurei-me a mim mesmo. 119. O ético no homem é o demônio e o demônio é o ético. 123. A natureza ama esconder-se. Fonte: Souza (2000, p. 88 - 101). SEÇÃO 3 - A Escola Pitagórica Na segunda metade do séc. VI a.C., algumas colônias gregas fundadas no sul da Itália e na Sicília começam a ganhar importância no comércio marítimo. Aos poucos, essas colônias começam a rivalizar com as potências jônicas tanto em termos econômicos quanto em termos culturais. Além disso, Ciro, que tornou-se rei da Pérsia em 559 a.C., passa a exigir a submissão das colônias da Jônia. Éfeso se submete e torna-se aliada dos persas, mas Mileto, como você já leu, se opõe e é totalmente destruída em 494 a.C. Tudo isso acaba estimulando a transferência de algumas famílias mais abastadas para o sul da Itália (região que era chamada de Magna Grécia na época). Entre esses migrantes, duas fi guras marcaram a história da fi losofi a: Pitágoras (fundador da escola pitagórica) e Xenófanes (inspirador da escola eleática). Nesta seção, vamos falar do primeiro deles, na próxima seção falaremos do outro. Em grego, demônio equivale ao que hoje nós chamaríamos de anjo-da- guarda. 55 História da Filosofi a I Unidade 2 Pitágoras de Samos (?571 a.C. -- 497 a.C.) Pouco se sabe sobre o início da vida de Pitágoras.
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