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História da Filosofia Antiga

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Prévia do material em texto

Universidade do Sul de Santa Catarina
Palhoça
UnisulVirtual
2008
História da Filosofi a I
Disciplina na modalidade a distância
Apresentação
Este livro didático corresponde à disciplina História da Filosofi a I.
O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem autônoma e 
aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua 
área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica, 
objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando 
condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado 
contextualizado e efi caz.
Lembre que sua caminhada nesta disciplina será acompanhada e 
monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual. 
Assim, a designação “a distância” caracteriza tão-somente a 
modalidade de ensino por que você optou para a sua formação, pois, 
na relação de aprendizagem, professores e instituição vão estar em 
conexão com você continuamente.
Então, sempre que sentir necessidade, entre em contato conosco; 
você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso 
tais como o telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de 
Aprendizagem, este o canal mais recomendado, pois tudo que 
for enviado e recebido, fi ca registrado para seu maior controle e 
comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer 
em atendê-lo(a): sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.
Bom estudo e sucesso!
Equipe UnisulVirtual
Sérgio Sell
Palhoça
UnisulVirtual
2008
Design instrucional
Leandro Kingeski Pacheco
História da Filosofi a I
Disciplina na modalidade a distância
109
S46 Sell, Sérgio
História da fi losofi a I : livro didático / Sérgio Sell ; design instrucional 
Leandro Kingeski Pacheco. – Palhoça : UnisulVirtual, 2008.
218 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografi a.
1. Filosofi a - História. I. Pacheco, Leandro Kingeski. II. Título.
Ficha catalográfi ca elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Copyright © UnisulVirtual 2008
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
Edição – Livro Didático
Professor Conteúdista
Sérgio Sell
Design Instrucional
Leandro Kingeski Pacheco
Projeto Gráfi co e Capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramação
Pedro Teixeira
Revisão
B2B
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3
Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
UNIDADE 1 – A origem da fi losofi a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
UNIDADE 2 – A fi losofi a pré-socrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
UNIDADE 3 – Os sofi stas e Sócrates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
UNIDADE 4 – Platão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
UNIDADE 5 – Aristóteles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
UNIDADE 6 – O período helenístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
Sobre o professor conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 
Comentários e respostas das atividades de auto-avaliação . . . . . . . . . . . . 209
Sumário
Palavras do professor
Caro(a) estudante, 
Você está iniciando o estudo da história da Filosofi a Antiga. 
Ao conhecer os fatores que possibilitaram o surgimento e o 
desenvolvimento da Filosofi a no mundo helênico, você estará 
formando a base conceitual que lhe permitirá realizar uma 
refl exão mais crítica, rigorosa e bem fundamentada da sua 
própria visão de mundo e de certos modelos interpretativos 
que nossa cultura nos oferece ou mesmo tenta nos impor.
Ao estudar a origem da Filosofi a, você verá como ela está 
marcada por uma tentativa de explicar, de forma puramente 
racional, tudo que está à nossa volta, promovendo um 
“desencantamento” do mundo e uma ruptura com a 
mentalidade religiosa. 
Não que a Filosofi a tenha algo contra a religião. A história 
está recheada de exemplos tanto de fi lósofos ateus quanto de 
fi lósofos crentes. A fi losofi a, no entanto, não é nem contra 
nem a favor da religião. Mas faz questão de ser diferente dela. 
Nesta disciplina, você verá como os primeiros fi lósofos 
realizaram esse processo de separação do pensamento racional 
em relação aos conhecimentos fundamentados na fé e na 
autoridade eclesiástica. Você poderá acompanhar as principais 
difi culdades enfrentadas nessa transformação de mentalidade.
Ao estudar a fi losofi a clássica, você terá a oportunidade 
de perceber a complexidade dos grandes sistemas de 
conhecimento construídos no auge da cultura grega. Sócrates, 
Platão e Aristóteles foram gênios que dedicaram suas vidas a 
formular sistemas teóricos consistentes e bem fundamentados, 
para orientar as escolhas humanas.
Você também verá como a decadência de Atenas levou ao 
surgimento das fi losofi as helenísticas.
A complexidade do assunto não permitirá que nos aprofundemos 
em nenhum tópico específi co, mas construir uma base sólida 
para a compreensão das outras disciplinas do curso já é uma meta 
satisfatória.
Espero que este livro seja útil para o seu amadurecimento 
intelectual.
Bom estudo!
Professor Sérgio Sell
Plano de estudo
O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no desenvolvimento 
da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudarão a conhecer o 
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. 
O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva 
em conta instrumentos que se articulam e se complementam, 
portanto a construção de competências se dá sobre a 
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de 
ação/mediação.
São elementos desse processo:
o livro didático; 
o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem - EVA; 
as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de 
auto-avaliação);
o Sistema Tutorial.
Ementa
História da Filosofi a Antiga. A tradição Mítica: Homero 
e Hesíodo. A Pólis Grega. O nascimento da Filosofi a. Os 
pensadores pré-socráticos. O período clássico. O período 
helenístico.
„
„
„
„
12
Objetivos da disciplina
Geral
Identifi car um panorama dos principais períodos, escolas, 
fi lósofos e conceitos que marcaram os primeiros dez séculos 
da história da Filosofi a, com destaque especial para a fi losofi a 
clássica e seus principais representantes: Sócrates, Platão e 
Aristóteles. 
Específi cos
„ Identificar geográfica, histórica e culturalmente o 
nascimento e desenvolvimento inicial da Filosofia.
„ Identificar as noções fundamentais da mentalidade 
filosófica.
„ Compreender os avanços e limites de cada nova teoria 
proposta pelos filósofos antigos em suas tentativas de 
superar seus antecessores.
„ Desenvolver a formação de um vocabulário técnico de 
Filosofia.
„ Refletir sobre as origens do pensamento filosófico, 
observando a lenta, porém irreversível, superação da 
mentalidade mítica e a consolidação da mentalidade 
ocidental.
Carga horária
A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula. 
13
História da Filosofi a I
Conteúdo programático/Objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta 
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estesse referem aos 
resultados que você deverá alcançar ao fi nal de uma etapa de 
estudo. Os objetivos de cada unidade defi nem o conjunto de 
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento 
de habilidades e competências necessárias à sua formação. 
Unidades de estudo: 6
Unidade 1 – A origem da Filosofi a
O estudo desta unidade possibilita identifi car os principais 
fatores históricos que permitiram o surgimento da Filosofi a e a 
superação da mentalidade mítica pela mentalidade racional
Unidade 2 – A fi losofi a pré-socrática
Nesta unidade, você conhecerá as principais etapas do 
desenvolvimento da fi losofi a pré-socrática e compreenderá 
os fatores históricos e políticos que condicionaram o 
desenvolvimento inicial da Filosofi a.
Unidade 3 – Os sofi stas e Sócrates
Aqui você estudará os acontecimentos que fi zeram de Atenas o 
maior centro da cultura grega antiga. Você poderá acompanhar o 
surgimento de uma nova classe intelectual, os sofi stas, bem como 
o surgimento da fi losofi a clássica com Sócrates.
Unidade 4 – Platão
Esta unidade lhe permitirá conhecer vários aspectos do 
pensamento de Platão, um dos fi lósofos mais infl uentes em toda a 
história da Filosofi a.
Unidade 5 – Aristóteles 
Nesta unidade, você encontrará os principais elementos teóricos 
que compõem o sistema aristotélico, o qual representa o auge da 
fi losofi a clássica grega.
Unidade 6 – O período helenístico
Finalizando nossos estudos, você encontrará nesta unidade 
um resumo das principais idéias defendidas pelos fi lósofos do 
helenismo. Aqui você poderá identifi car os fatores da decadência 
de Atenas e acompanhar o surgimento e desenvolvimento das 
escolas cínica, cética, epicurista e estóica.
Agenda de atividades/ cronograma 
Verifi que com atenção o EVA e organize-se para acessar periodicamente a sala da disciplina. 
O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da realização de 
análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus colegas e tutor. 
Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas com base no 
cronograma da disciplina disponibilizado no EVA.
Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da 
disciplina.
Atividades obrigatórias 
Demais atividades (registro pessoal)
UNIDADE 1
A origem da fi losofi a
Objetivos de aprendizagem
„ Identifi car os principais fatores históricos que permitiram 
o surgimento da fi losofi a.
„ Comparar as narrativas de Homero e Hesíodo com o 
nascente discurso fi losófi co-racional.
„ Compreender as principais diferenças entre o 
pensamento mítico e o pensamento fi losófi co.
„ Compreender as noções de physis, causalidade, arqué, 
cosmo, lógos e crítica.
Seções de estudo
Seção 1 O mito como forma de conhecimento
Seção 2 Apogeu e declínio da mitologia grega
Seção 3 A origem histórica da fi losofi a
Seção 4 Noções fundamentais da mentalidade 
fi losófi ca 
1
18
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
Pensar é uma atividade que faz parte do ser humano. Tentar 
compreender nós mesmos e a realidade que nos cerca faz parte 
da nossa natureza. A necessidade de saber quem somos, de 
onde viemos, para onde vamos, buscar uma explicação para os 
acontecimentos e compreender o sentido da vida – tudo isso está 
presente em todas as civilizações, de forma às vezes mais, às 
vezes menos elaborada. 
Mas os gregos antigos inventaram uma forma original de lidar 
com essas questões.
Nesta unidade de estudo, você vai poder identifi car quais foram 
as peculiaridades desse jeito grego de pensar: o jeito fi losófi co-
científi co-racional. 
A partir de agora, você é o nosso convidado nessa jornada às 
origens da fi losofi a.
SEÇÃO 1 - O mito como forma de conhecimento
Historicamente, cada civilização construiu suas próprias formas 
de compreender e explicar a realidade. Nos primórdios do 
processo civilizatório, a carência de informações sistematizadas, 
de métodos de investigação e de instrumentos de pesquisa faz 
com que a explicação dos fenômenos naturais seja simplista 
(às vezes, simplória), parcial e com uma forte tendência ao 
subjetivismo.
A vida em sociedade exige que se estabeleça um conjunto de 
verdades aceitas coletivamente. Sem essa base compartilhada 
de crenças, a convivência em grupo não seria viável. 
Mas como fazer com que todos os indivíduos de uma 
sociedade aceitem as mesmas explicações como sendo as 
verdadeiras? Uma saída simples e efi caz para esse problema é o 
mito.
19
História da Filosofi a I
Unidade 1
O mito consiste numa narrativa passada de geração 
a geração, contendo, geralmente, elementos que 
podem ser utilizados na explicação de fenômenos 
naturais ou na prescrição de condutas morais. 
O mito não é apresentado como verdade absoluta, e sim como 
um conhecimento elaborado por antigos ancestrais ou indivíduos 
extraordinários que, por sua grande sabedoria ou até mesmo por 
poderes sobrenaturais, teriam compreendido a realidade de uma 
forma mais profunda.
Em cada cultura, os mitos mais fundamentais são 
os chamados “mitos de origem”, aqueles que 
narram a forma como o mundo foi criado e, mais 
especifi camente, como o ser humano e o próprio 
grupo social foram criados. Esse tipo de mito tem 
sido encontrado nas raízes de todas as culturas que 
conhecemos atualmente.
Um bom exemplo de um mito de origem é a narrativa que 
encontramos no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia Sagrada. 
Nessa narrativa, temos uma descrição da origem do mundo a 
partir da vontade de Deus. Segundo o Gênesis, o Deus único 
produz o universo a partir do nada e gera também um ser 
especial, o ser humano, para reinar sobre os outros seres. Essa 
narrativa descreve também a origem do bem (a vontade de Deus) 
e do mal (desobediência humana) e estabelece as bases da ação 
moral. Além disso, ela descreve o surgimento de diferentes povos 
e culturas e estabelece a idéia de “povo escolhido”.
O mito de origem serve para dar uma resposta àqueles 
questionamentos mais fundamentais que nos afl igem quando 
buscamos encontrar um sentido para a nossa própria existência: a 
origem do mundo e do ser humano, a vida e a morte, o bem e o 
mal, a saúde e a doença, a guerra e a paz, etc. É uma explicação 
que serve de fundamento para todas as outras explicações.
Além dos mitos de origem, há também mitos mais específi cos, 
que servem para explicar fenômenos particulares, como os ventos, 
por exemplo, ou mesmo um acontecimento particular, como 
por exemplo, a guerra de Tróia. Em todas as suas variedades, 
20
Universidade do Sul de Santa Catarina
o conhecimento mítico é uma resposta para tudo aquilo que 
é inexplicável, quando se utilizam apenas as experiências já 
acumuladas.
O conhecimento mítico possui algumas características e 
limitações que o diferenciam de outros tipos de conhecimento 
mais elaborados, disponíveis atualmente. Vejamos essas 
características:
o mito é uma representação alegórica da realidade, uma 
fantasia. Enquanto conhecimento da realidade, o mito 
não possui a intenção de ser uma explicação exata. Ao 
contrário, ele possui apenas uma signifi cação simbólica. 
Desta forma, o mito é uma fi cção que serve de analogia 
para que se possa compreender a realidade;
o mito utiliza elementos sobrenaturais para explicar 
os fenômenos naturais. Ele se torna útil justamente 
quando não conseguimos dar uma explicação racional 
para os fatos do cotidiano. Quando temos necessidade de 
superar um problema cognitivo, o mito surge como uma 
estratégia efi caz, que consiste em empurrar o problema 
para fora do alcance das nossas angústias mais ordinárias. 
Querer saber por que está ventando é uma pretensão 
cognitiva legítima. Mas, se não houver nenhuma 
resposta convincente para essa questão, uma boa saída é 
afi rmar simplesmente queo deus do vento está fazendo 
ventar. Por outro lado, querer saber por que o deus do 
vento está fazendo ventar já extrapola os limites das 
nossas pretensões cognitivas legítimas. O recurso ao 
sobrenatural é a saída mais fácil e efi caz sempre que se 
esgotam as possibilidades da explicação racional;
o mito é maleável. Embora tenha uma estrutura que 
se mantém mais ou menos inalterada, certos detalhes 
podem ser deixados de lado ou suprimidos, ou, ao 
contrário, podem ser supervalorizados, dependendo de 
cada situação ou da intenção de quem faz a narrativa. 
Além disso, como vai passando de geração a geração, o 
mito vai-se modifi cando ao longo do tempo e adaptando-
se a novas situações;
„
„
„
21
História da Filosofi a I
Unidade 1
o mito envolve uma carga muito grande de 
subjetividade. Já na sua origem, o mito é uma 
representação subjetiva e arbitrária, dado que ele precisa 
ser criado por alguém. Todo mito tem um autor, alguém 
que contou a estória pela primeira vez. É claro que, ao 
ser contada novamente por outra pessoa, essa estória vai 
ganhar novas nuanças. Cada novo narrador torna-se co-
autor do mito. Cada um dá a sua contribuição subjetiva à 
narração;
embora envolva uma grande dose de subjetividade, o 
mito é sempre um fenômeno cultural. Trata-se de uma 
narrativa de domínio público e funciona como uma 
representação da verdade que é aceita, de forma implícita, 
por cada um dos membros da coletividade. O próprio 
fato da aceitação de um mito por um determinado 
indivíduo pode ser tomado como critério para a sua 
inclusão, ou não, em um determinado grupo social. A 
aceitação geral do mito, sem questionamentos, serve 
como um elemento que reforça a unidade de um povo.
Para que o mito possa alcançar plenamente a sua fi nalidade, é 
comum o encontrarmos, no processo civilizatório, associado a 
mecanismos de imposição social. Cada indivíduo, como membro 
de um grupo marcado por uma identidade cultural, deve 
aceitar como adequadas as explicações dadas pela tradição, sem 
questioná-las.
Além disso, o mito possui vários mecanismos de convencimento. 
O principal é a educação. Para garantir que os mitos não 
se percam com o passar do tempo, eles são incorporados na 
formação das novas gerações. Assim, as crianças precisam 
conviver, desde pequenas, com as narrativas míticas. O 
conhecimento dos mitos e a capacidade de narrá-los de forma 
completa e detalhada passam a constituir um dos sinais de 
refi namento cultural. 
Mas só a educação não é sufi ciente para garantir a aceitação 
universal do mito. Por isso um segundo mecanismo de sua 
imposição social é a religião. É comum encontrarmos nas 
sociedades mais antigas a função de explicação dos fenômenos da 
realidade associada à função religiosa. Isso faz sentido na medida 
„
„
22
Universidade do Sul de Santa Catarina
em que ambas fazem referência a elementos sobrenaturais. Assim, 
traçar os limites entre mitologia e religião pode ser uma tarefa 
difícil ou mesmo impossível. 
Um terceiro mecanismo de imposição do mito é o poder 
político. Na maioria das civilizações o poder político surge e 
se desenvolve intimamente associado ao poder religioso. Dessa 
forma, a aceitação geral e incondicional de certos mitos interessa 
ao Estado. Neste sentido, o poder político se encarrega de 
estabelecer normas que obriguem a aceitação de certas versões de 
um mito em detrimento de outras versões e de outros mitos.
Atenção! 
Como você pode ver, o mito tem um papel 
fundamental no fl orescimento de uma cultura. Mas o 
conhecimento mítico tem muitas limitações também. 
Entre as limitações do conhecimento mítico, podemos destacar 
duas fundamentais: sua reduzida capacidade explicativa e sua 
restrita abrangência populacional.
A primeira grande limitação do mito é a falta de uma base 
concreta que sustente suas explicações. Como vimos, o 
conhecimento mítico é elaborado para suprir as carências do 
conhecimento empírico; trata-se de uma explicação alegórica 
para aquilo que é inexplicável a partir dos dados da experiência. 
O mito é uma explicação forjada, sem compromisso com a 
verdade.
A outra grande limitação tem uma feição política. Todo mito é 
sempre fruto de uma cultura. E toda cultura tem seus mitos. Isso 
faz com que toda vez que ocorra um contato entre duas ou mais 
culturas, surja um confl ito entre mitos. Quando o mito determina 
a compreensão da própria existência de um grupo social e da 
realidade que o cerca, um confronto entre mitos implica um 
confl ito existencial para toda uma população. O choque entre 
mitos concorrentes coloca em risco a própria identidade cultural 
de um povo. Isso faz com que o diálogo intercultural torne-se 
algo indesejável nas sociedades que se fundamentam sobre mitos, 
levando-as ao fundamentalismo e à intolerância.
23
História da Filosofi a I
Unidade 1
Atenção! 
Como você pode ver, o mito possui qualidades e 
vantagens que seduzem o ser humano. Mas também 
apresenta desvantagens e riscos que não podem 
deixar de ser levados em consideração. 
Na Antigüidade mais remota, todas as grandes civilizações 
cresceram sustentadas pelos mitos. Entretanto, por volta do 
séc. VI a.C., uma civilização emergente, que até então se 
desenvolvera alicerçada nos mitos, vislumbrou um caminho 
diferente. Era a civilização grega que, devido a uma confl uência 
de fatores históricos, geográfi cos e culturais, tornou-se o berço da 
democracia, da fi losofi a e da ciência. Eles não sabiam, mas esse 
novo caminho mudaria a história da humanidade. 
É essa nova proposta civilizatória que nós veremos a partir da 
próxima seção. 
SEÇÃO 2 - Apogeu e declínio da mitologia grega
A mitologia grega formou-se a partir da tradição oral popular. 
Para facilitar a memorização, as narrativas mitológicas 
eram transformadas em poemas, que se decoravam e eram 
costumeiramente recitados como entretenimento. Com o passar 
do tempo, surge na Grécia uma classe artística composta de 
aedos (poetas que recitavam suas próprias composições) e 
rapsodos (artistas que recitavam poemas de outros autores ou 
mesmo poemas de domínio público). As comemorações religiosas 
e cívicas costumavam ser abrilhantadas pela participação de aedos 
e rapsodos, alguns dos quais se tornaram personalidades ilustres 
da história grega.
Homero
O mais famoso poeta grego foi Homero (séc. IX a.C.). Costuma-
se atribuir a ele a autoria de dois poemas épicos: a Ilíada e a 
Odisséia. Homero era cego e, talvez por isso, tenha desenvolvido 
a habilidade de memorização de forma tão extraordinária: a 
Ilíada é formada por 15.693 versos e a Odisséia, por 12.110. As 
24
Universidade do Sul de Santa Catarina
apresentações de Homero consistiam em espetáculos que 
duravam vários dias e atraíam multidões. Homero tornou-se 
um grande ídolo. Muitos poetas tentavam imitá-lo. O público 
se esforçava em decorar pelo menos algumas dezenas de versos, 
para conferir se o poeta era capaz de repetir exatamente os 
mesmos versos em uma outra apresentação. 
O sucesso de Homero ajudou a difundir o dialeto que ele usava 
nos poemas, e isto foi decisivo para conferir certa unidade 
lingüística à cultura grega. As histórias de deuses e heróis 
passaram a fazer parte do imaginário coletivo. A memorização 
dos versos mais famosos e a incorporação dos ideais neles 
contidos tornaram-se a base da educação grega.
Mas qual era a concepção de mundo dos poemas de 
Homero?
Os poemas de Homero relatam os feitos dos grandes heróis, seres 
extraordinários, de sangue nobre, notáveis por sua virtude (areté) 
e que deveriam ser vistos como modelo para a ação humana. As 
virtudes desse herói são a coragem, a força física, a habilidade 
no uso de armas, o poder de persuasão através do discurso e, 
principalmente, a lealdade. Para o herói das epopéias homéricas, 
a honra vale mais que a própria vida. E, em busca dessahonra, o 
herói deve esforçar-se para se sobressair e para que seu nome seja 
lembrado por incontáveis gerações. O herói homérico é aquele 
que luta continuamente para superar em qualidades todos que o 
cercam e também para superar a si mesmo.
A ação do herói, no entanto, é limitada pelo destino e sofre 
constantemente a interferência dos deuses. O destino, uma vez 
traçado, não pode mais ser alterado. Além disso, o herói precisa 
compreender que, sem a ajuda dos deuses, ele se torna incapaz de 
alcançar seus objetivos. A pior desgraça na vida humana, mesmo 
para um herói, é o ódio dos deuses. Portanto o complemento 
necessário das virtudes do herói é a piedade (a devoção e o 
respeito aos deuses).
Figura 1.1 – O poeta Homero.
Fonte: <http://monomito.fi les.
wordpress.com/2006/12/homero.
jpg>.
25
História da Filosofi a I
Unidade 1
Hesíodo
Outro poeta fundamental para o desenvolvimento da 
mitologia grega foi Hesíodo (séc. VIII a.C.). Como 
aedo, Hesíodo tornou-se famoso e reverenciado por toda 
a cultura grega. 
Em sua obra Teogonia (do grego theos: deus, e gonia: 
origem), Hesíodo faz uma compilação bastante 
completa da origem e genealogia dos deuses. Hesíodo 
sistematizou os antigos mitos da criação e organizou as 
relações entre deuses e heróis numa seqüência lógica. 
A genealogia é composta por três gerações: a de Urano 
(céu), a de Cronos (tempo) e a de Zeus. 
Numa outra obra, Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo situa 
a origem da humanidade em uma etapa da sucessão de raças 
em decadência: à raça de ouro seguem-se as raças de prata, 
de bronze, a dos heróis e, por fi m, a raça de ferro, à qual nós 
próprios pertencemos. Assim, Hesíodo desqualifi ca a origem 
nobre como elemento fundamental da virtude. Se todos nós 
somos descendentes decaídos de raças mais elevadas, não é 
a origem familiar que nos torna melhores, ou piores. Dessa 
forma, Hesíodo nivela todos os seres humanos. Para ele, o que 
realmente nos diferencia é o esforço individual na busca da 
excelência. 
Em Hesíodo, a interferência dos deuses sobre a ação humana é 
minimizada. Embora os deuses tenham interferido nas ações das 
outras raças, inclusive nas ações dos heróis, nossa raça tornou-
se insignifi cante para eles e fi cou entregue a si mesma. A busca 
da excelência (areté) através do esforço pessoal é a única forma 
de que o ser humano agora dispõe para fugir dos infortúnios da 
vida. Os deuses, embora existam e tenham poder para interferir 
na vida humana, se distanciam e passam a se preocupar consigo 
mesmos.
Essas duas inovações de Hesíodo, o nivelamento 
da espécie humana e o distanciamento dos deuses, 
formaram as bases ideológicas para o aparecimento 
da democracia e para a laicização da cultura grega. 
Figura 1.2 – O poeta Hesíodo.
Fonte: <www.ufmg.br/online/
arquivos/Hesiodo-thumb.gif>.
Laicização: processo 
de tornar laico ou de 
desvincular de conotações 
religiosas.
26
Universidade do Sul de Santa Catarina
SEÇÃO 3 - A origem histórica da fi losofi a
A temática sobre as origens da fi losofi a é tão antiga como sua 
consolidação em forma de pensamento (tipo de conhecimento). 
Já, na Antigüidade, há o debate entre a tese orientalista e a 
ocidentalista.
A primeira defende que os gregos nada fi zeram além de 
aperfeiçoar elementos do pensamento oriental. A segunda 
defende a tese do milagre grego, tomando a fi losofi a como uma 
criação puramente grega.
Este debate perdurou até o fi nal do século XIX, mudando com 
as novas descobertas arqueológicas do fi nal do século XIX e 
início do século XX, com a confl uência de novas pesquisas da 
lingüística e da antropologia, particularmente quanto ao estudo 
da mentalidade primitiva ou arcaica.
Passa-se, então, a procurar entender de que modo, num dado 
ambiente e em certas condições históricas, a mentalidade mítica 
foi dando lugar à mentalidade fi losófi co-científi ca. Não se trata 
mais de pensar a fi losofi a como um milagre, no sentido religioso; 
tampouco pensá-la como mero legado do Oriente. Certamente os 
gregos antigos desenvolveram o legado oriental e são devedores 
deste: a matemática e a astronomia constituem bons exemplos 
disto. Contudo muitos historiadores contemporâneos defendem 
que a fi losofi a, enquanto uma forma de pensamento, uma 
teorização, é uma invenção grega.
Jean-Paul Vernant, um helenista, defende ter sido uma série 
de condições sociopolíticas que levaram a esta mudança de 
mentalidade. Marilena Chaui (2000a, p. 31-32), em parte, 
fundamentando-se neste helenista, resume essas condições:
Helenista: estudioso que se dedica 
a investigar a história e a cultura da 
Grécia antiga.
27
História da Filosofi a I
Unidade 1
as viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir 
que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e 
heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; 
e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por 
monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem 
seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou 
a desmistifi cação do mundo, que passou, assim, a exigir uma 
explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia 
oferecer;
a invenção do calendário, que é uma forma de calcular 
o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os 
fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma 
capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo 
como algo natural e não como um poder divino incompreensível;
a invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que 
não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos 
concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, 
uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas 
diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de 
abstração e de generalização;
o surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e 
do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação 
e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia 
proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram 
criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes 
ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio 
para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de 
sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que 
se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às 
técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a 
Filosofi a poderia surgir;
a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e 
a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e 
de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, 
diferentemente de outras escritas -- como por exemplo, os 
hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -- , supõe 
que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, 
mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;
a invenção da política, que introduz três aspectos novos e 
decisivos para o nascimento da Filosofi a:
„
„
„
„
„
„
28
Universidade do Sul de Santa Catarina
a idéia da lei como expressão da vontade de uma 
coletividade humana que decide por si mesma o que é 
melhor para si e como ela defi nirá suas relações internas. O 
aspecto legislado e regulado da cidade - da pólis - servirá de 
modelo para a Filosofi a propor o aspecto legislado, regulado 
e ordenado do mundo como um mundo racional;
o surgimento de um espaço público, que faz aparecer um 
novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele 
que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que 
recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, 
mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação 
misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos 
homens quais eram as decisões dos deuses a que eles 
deveriam obedecer. Agora, com a pólis, isto é, a cidade 
política [cidade-estado],surge a palavra como direito de 
cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la 
com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta 
por ele, de tal modo que surge o discurso político como a 
palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão 
e deliberação humana, isto é, como decisão racional e 
exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não 
fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o 
pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, 
valorizou o pensamento racional e criou condições para que 
surgisse o discurso ou a palavra fi losófi ca;
a política estimula um pensamento e um discurso que não 
procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados 
em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, 
ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e 
discutidos. A idéia de um pensamento que todos podem 
compreender e discutir, que todos podem comunicar e 
transmitir, é fundamental para a Filosofi a.
[Uma versão deste texto está disponível no endereço eletrônico: 
<http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/convite.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2008.]
1.
2.
3.
29
História da Filosofi a I
Unidade 1
Esta passagem de uma narrativa mítica (caracterizada por um 
discurso sacralizante, que busca dar conta das origens, não 
como produto de um ser humano transformador, mas de uma 
divindade [ou divindades], que traça [ou traçam] o destino dos 
seres humanos) para uma narrativa centrada na racionalidade 
– o lógos – não se deu repentinamente, e muitos elementos que 
encontramos nos primeiros fi lósofos – os pré-socráticos – ainda 
carregam aspectos míticos. 
SEÇÃO 4 - Noções fundamentais da mentalidade 
fi losófi ca 
De acordo com Danilo Marcondes (2001, p. 22-27), algumas 
noções são fundamentais para entendermos a diferenciação entre 
o pensamento mítico e o fi losófi co-científi co. São elas: a physis, a 
causalidade, a arqué (ou arkhé), o cosmo, o lógos e o caráter crítico. 
Veja-as em detalhes, na seqüência. 
1 - A physis
Esta palavra grega pode ser traduzida por natureza, entendendo 
esta em, pelo menos, três sentidos, conforme Chaui (2000b, p. 
257): 
1) processo de nascimento, surgimento, crescimento 
(sentido derivado do verbo phýomai); 2) disposição 
espontânea e natureza própria de um ser; características 
naturais e essenciais de um ser; aquilo que constitui a 
natureza de um ser; 3) força originária criadora de todos 
os seres, responsável pelo surgimento, transformação e 
perecimento deles. Physis é o fundo inesgotável de onde 
vem o Kósmos; e é fundo perene para onde regressão todas 
as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas.
Assim, a physis é o mundo natural, a totalidade dos entes, a 
totalidade daquilo que é.
30
Universidade do Sul de Santa Catarina
2 - A causalidade
Esta totalidade, reforça Marcondes (2001, p. 24-25), é 
engendrada (produzida) por uma relação de causa e efeito. 
A característica central da explicação da natureza 
pelos primeiros fi lósofos é, portanto, o apelo à noção 
de causalidade, interpretada em termos puramente 
naturais. O estabelecimento de uma conexão causal 
entre determinados fenômenos naturais constitui assim 
a forma básica da explicação científi ca e é, em grande 
parte, por esse motivo que consideramos as primeiras 
tentativas de elaboração de teorias sobre o real como o 
início do pensamento científi co. Explicar é relacionar um 
efeito a uma causa que o antecede e determina. Explicar 
é, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os 
fenômenos da natureza, é tomar um fenômeno como 
efeito de uma causa. É a existência desse nexo que torna a 
realidade inteligível e nos permite considerá-la como tal.
É importante, entretanto, que o nexo causal se dê entre 
fenômenos naturais. Isto porque podemos considerar 
que o pensamento mítico também estabelece explicações 
causais. Assim, na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada 
de Homero, vemos os deuses tomar o partido dos gregos 
e dos troianos e infl uenciar os acontecimentos em favor 
destes ou daqueles, portanto, fenômenos humanos e 
naturais têm nesse caso causas sobrenaturais. Trata-se de 
uma explicação causal, porém dada através da referência 
a causas sobrenaturais. É por isso que o que distingue a 
explicação fi losófi co-cientí fi ca da mítica é a referência 
apenas a causas naturais.
A explicação causal possui, entretanto, um caráter 
regressivo. Ou seja, explicamos sempre uma coisa por 
outra e há assim a possibilidade de se ir buscando uma 
causa anterior, mais básica, até o infi nito. Cada fenômeno 
poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que 
por sua vez seria efeito de uma causa anterior, e assim 
sucessivamente, em um processo sem fi m. Isso, contudo, 
invalidaria o próprio sentido da explicação, pois, mais 
uma vez a explicação levaria ao inexplicável, a um misté-
rio, portanto, tal como no pensamento mítico.
Para evitar que isso aconteça, surge a necessidade de se 
estabelecer uma causa primeira, um primeiro princípio, ou 
31
História da Filosofi a I
Unidade 1
No geral, para os gregos 
antigos, certos conceitos 
têm concomitantemente 
um sentido estético, ético, 
utilitário e ontológico. 
Mesmo assim, cabe 
salientar que, nos 
pensadores originários 
– os pré-socráticos 
-, a relação entre ética e 
estética ainda não está 
totalmente consolidada. 
É a partir de Sócrates, 
particularmente como a 
noção de kalokagathia 
– ser belo e bom 
– que isto se consolidará. 
Contudo este aspecto em 
particular será tema de 
outra disciplina: a Estética.
conjunto de princípios, que sirva de ponto de partida para todo o 
processo racional. É aí que encontramos a noção de arqué.
3 - Arqué (ou arkhé)
A arqué é o princípio originário. Tem também o sentido de 
comando e, como aponta Marcondes (2001, p. 25-26), serve para 
resolver o problema da causalidade ao infi nito. 
A importância da noção de arqué está exatamente na 
tentativa por parte desses fi lósofos de apresentar uma 
explicação da realidade em um sentido mais profundo, 
estabelecendo um princípio básico que permeie toda a 
rea1idade, que de certa forma a unifi que, e que ao mesmo 
tempo seja um elemento natural. Ta1 princípio daria 
precisamente o caráter geral a esse tipo de explicação, 
permitindo considerá-la como inaugurando a ciência. 
Mais à frente você verá como a arkhé foi tratada por cada um dos 
fi lósofos originários – os pré-socráticos.
4 - O cosmo
Em grego, cosmo signifi ca ordenado, ornado. Tendo presente 
estas acepções, podemos entender o cosmo como belo – logo, 
um princípio, também, estético –, pois o que é bem ordenado, 
harmônico, é belo e justo. Neste sentido, diz Marcondes (2001, 
p. 26) que
O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço 
celeste, enquanto rea1idade ordenada de acordo com 
certos princípios racionais. A idéia básica de cosmo é, 
portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem 
hierárquica, em que certos elementos são mais básicos, 
e que se constitui de forma determinada, tendo a 
causalidade como 1ei principal. O cosmo, entendido 
assim como ordem, opõe-se ao caos ( , que seria 
precisamente a falta de ordem, o estado da matéria 
anterior à sua organização. É importante notar que 
a ordem do cosmo é uma ordem racional, “razão” 
signifi cando aí exatamente a existência de princípios e leis 
que regem, organizam essa rea1idade. É a racionalidade 
deste mundo que o torna compreensível, por sua vez, ao 
32
Universidade do Sul de Santa Catarina
entendimento humano. É porque há na concepção grega 
o pressuposto de uma correspon¬dência entre a razão 
humana e a racionalidade do real – o cosmo – que este 
real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto 
é, pode-se tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina 
o termo “cosmo1ogia”, como explicação dos processos e 
fenômenos naturais e como teoriageral sobre a natureza e 
fundamento do universo.
5 - O lógos
Lógos, a principal noção fi losófi ca, pode ser traduzida por 
palavra, discurso, “razão”. É a narrativa explicativa, a qual supõe 
encadeamento de juízos de forma coerente e o estabelecimento 
das relações de causa e efeito racionalmente. Neste sentido, 
difere-se de mythos – o discurso mítico, dos poetas, pois, neste, 
certos princípios lógicos não são necessários. Para reforçar tudo 
isto, tomemos Marcondes (2001, p. 26-27) novamente:
O lógos é fundamentalmente uma explicação, em que 
razões são dadas. É nesse sentido que o discurso dos 
primeiros fi lósofos, que explica o real por meio de causas 
naturais, é um lógos. Essas razões são fruto não de uma 
inspiração ou de uma reve1ação, mas simplesmente 
do pensamento humano aplicado ao entendimento da 
natureza. O lógos. É, portanto, o discurso racional, 
argumentativo, em que as explicações são justifi cadas e 
estão sujeitas à crítica e à discussão (ver tópico seguinte). 
Daí deriva, por exemplo, o nosso termo “lógica”. Porém, 
o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo 
um lógos, ou seja, uma racionalidade (ver o conceito de 
cosmo acima) que seria captada pela razão humana. 
Portanto um dos pressupostos básicos da visão dos 
primeiros fi lósofos é a correspondência entre a razão 
humana e a racionalidade do real, o que tomaria possível 
um discurso racional sobre o real.
6 - O caráter crítico
Essa é a verdadeira essência da atitude fi losófi ca. Diferente das 
noções anteriores, que são teóricas, esta é uma noção prática, 
relacionada à atitude necessária para que se possa pensar 
fi losofi camente. Baseado em Popper, Marcondes (2001, p. 27) 
descreve assim esta noção:
33
História da Filosofi a I
Unidade 1
Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se 
constitui nessas primeiras escolas de pensamento, 
sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é, 
as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática, 
não eram apresentadas como verdades absolutas e 
defi nitivas, mas como passíveis de serem discutidas, de 
susci tarem divergências e discordâncias, de permitirem 
formulações e propostas alterna tivas. Como se trata de 
construções do pensamento humano, de idéias de um 
fi lósofo – e não de verdades reveladas, de caráter divino 
ou sobrenatural –, estão sempre abertas à discussão, 
à reformulação, a correções. O que pode ser ilustrado 
pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois principais 
seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, 
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o 
elemento pri mordial, postulando outros elementos, 
respectivamente o ar e o apeiron, como tendo esta função. 
Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola 
fi losófi ca o debate, a divergência e a formulação de 
novas hipóteses eram estimulados. A única exigência era 
que as propostas divergentes pudessem ser justifi cadas, 
explicadas e fundamen tadas por seus autores, e que 
pudessem, por sua vez, ser submetidas à crítica.
Síntese
Entre os séculos X e VI a.C., os gregos antigos inventaram uma 
forma original de explicar a realidade. Essa nova forma de pensar 
se caracteriza por uma valorização do ser humano enquanto 
parâmetro para compreender o universo, e se opõe às explicações 
baseadas em decisões divinas e em forças sobrenaturais. 
Uma série de condições sociopolíticas contribuíram para o 
desenvolvimento dessa nova mentalidade. Entre elas, podemos 
destacar as viagens marítimas, o surgimento da vida urbana e 
a invenção do calendário, da moeda, da escrita alfabética e da 
política.
Esta passagem de uma mentalidade mítica para uma mentalidade 
centrada na racionalidade ocorreu de forma lenta e gradual. Mas, 
a partir do séc. VI a.C., já é possível identifi car algumas noções 
fundamentais da mentalidade fi losófi ca: a physis, a causalidade, a 
arqué, o cosmo, o lógos e o caráter crítico.
34
Universidade do Sul de Santa Catarina
Atividades de auto-avaliação
 Ao fi nal de cada unidade, você realizará atividades de auto-avaliação. O 
gabarito está disponível no fi nal do livro-didático. Mas se esforce para 
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará 
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.
1. Em relação às condições sociopolíticas que levaram ao declínio da 
mentalidade mítica e ao surgimento da mentalidade fi losófi ca, numere 
a 2a coluna de acordo com a 1a (alguns números se repetem):
1) Viagens marítimas a) ( ) produz uma capacidade de abstração nova, tornando a 
percepção do tempo como algo natural, e não como um poder 
divino.
2) Invenção do calendário b) ( ) estimula uma nova formulação das explicações, que seja 
acessível à compreensão de todos, e não mais apenas de uma 
minoria de iniciados.
3) Invenção da moeda c) ( ) produz o desencantamento e a desmistifi cação do mundo.
4) Surgimento da vida 
urbana
d) ( ) faz aparecer um novo tipo de discurso, fundado no diálogo, 
na discussão e na persuasão, diferente daquele que era 
proferido pelo mito e que pretendia ter sua origem em uma 
revelação sobrenatural.
5) Invenção da escrita 
alfabética
e) ( ) produz mudanças econômicas e sociais como a valorização 
do comércio e do artesanato e a diminuição do prestígio da 
aristocracia proprietária de terras, para quem os mitos foram 
criados.
6) Invenção da política f) ( ) revela uma nova capacidade de abstração e de generalização, 
que permite comparar coisas totalmente diferentes.
g) ( ) introduz a idéia de lei como expressão da vontade humana.
h) ( ) revela o crescimento da capacidade de abstração e de 
generalização, uma vez que permite representar idéias 
abstratas.
35
História da Filosofi a I
Unidade 1
2. A invenção da fi losofi a na Grécia antiga representou o surgimento de 
uma nova forma de pensar. Isto não signifi ca que as outras formas 
desapareceram totalmente. Ao contrário, até hoje encontramos formas 
de compreender e explicar a realidade que são amplamente difundidas 
e que não se enquadram nas exigências que caracterizam a fi losofi a. 
Um bom exemplo disto é a religião. O Livro Gênesis (1º livro da Bíblia), 
por exemplo, narra a origem do mundo e da humanidade, e o faz de 
uma forma totalmente diferente da forma fi losófi ca. Propomos, então, 
que você identifi que essa diferença, seguindo este roteiro:
a) identifi que as noções fundamentais da mentalidade fi losófi ca;
b) leia a parte inicial do Gênesis (Basta ler o capítulo 1. Caso você não 
tenha uma Bíblia, consulte o e-book respectivo, disponível na Internet, 
e acessível por seu buscador e navegador preferido);
c) verifi que, uma a uma, se as noções fundamentais da mentalidade 
fi losófi ca estão contempladas no texto bíblico. 
 Que resultado você encontrou?
36
Universidade do Sul de Santa Catarina
3. Vamos aprender grego?
 Escreva a palavra grega que corresponde a cada um dos vocábulos 
abaixo:
a) origem; elemento primordial:
b) natureza: _______________
c) razão: 
d) cidade-Estado: 
e) virtude/excelência: 
f) ordenado [aquilo que está em ordem]: 
g) desordenado:
Saiba Mais
Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade, 
consultando as seguintes referências:
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da 
fi losofi a: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de 
Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 
CHAUI, Marilena. Convite à fi losofi a. São Paulo: 
Ática, 2000a.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da fi losofi a. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2000b.
„
„
„
UNIDADE 2
A fi losofi a pré-socrática 
Objetivos de aprendizagem
„ Identifi car as principais etapas de desenvolvimento da 
fi losofi a pré-socrática.
„ Diferenciar as principais escolas pré-socráticas.
„ Identifi car os principais representantes de cadaescola e 
seus principais conceitos. 
„ Compreender avanços e limites de cada teoria.
„ Identifi car e compreender fatores históricos e políticos 
que condicionaram o desenvolvimento inicial da 
Filosofi a.
„ Habituar-se ao vocabulário da fi losofi a grega.
Seções de estudo
Seção 1 Contexto histórico e localização geográfi ca
Seção 2 A escola jônica
Seção 3 A escola pitagórica
Seção 4 Xenófanes e a escola eleática
Seção 5 Os fi lósofos pluralistas
Seção 6 A escola atomista
Seção 7 O sentido geral da fi losofi a pré-socrática
2
38
Universidade do Sul de Santa Catarina
Para início de estudo
A partir do séc. VI a.C. ocorre na Grécia uma gradativa 
laicização da cultura. Os poemas de Homero e Hesíodo, outrora 
considerados fonte de conhecimento da realidade, perdem a sua 
relevância explicativa pouco a pouco e vão passando à categoria 
de “cultura supérfl ua” e, sobre certas questões, até mesmo 
“danosa”.
A necessidade de compreender a natureza de forma racional 
implica, então, buscar novas formas de explicar o que e como 
as coisas são e por que são como são. Nessa busca, os primeiros 
fi lósofos vão esbarrar em diversas difi culdades, mas também vão 
alcançando algumas vitórias e vencendo etapas importantes. 
É essa jornada que vamos acompanhar a partir de agora.
SEÇÃO 1 - Contexto histórico e localização geográfi ca
Antes de falar dos primeiros fi lósofos, é necessário fazer mais 
alguns esclarecimentos sobre o contexto em que surgiu a 
Filosofi a. 
A Grécia antiga, o berço da Filosofi a, não era um país. Era, de 
fato, um conjunto de dezenas de pequenos países, ou cidades-
Estado (pólis). O que ligava esses países era a sua cultura. O 
idioma grego, com pequenas variações, era falado em todas as 
poleis. Poetas e rapsodos iam de cidade em cidade, apresentando-
se em festivais e datas comemorativas, e disseminavam os mitos 
de Homero, Hesíodo e de outros autores. 
Essa unidade cultural teve origem em questões históricas (como 
a formação do próprio povo heleno através de uma sucessão de 
invasões do território grego por povos indo-europeus – Jônios, 
Eólios, Aqueus e Dórios), características geográfi cas (relevo 
acidentado, solo pouco fértil, proximidade do mar, grande 
número de ilhas, etc.) e militares (as cidades-Estado eram 
incapazes de enfrentar sozinhas as nações mais poderosas, mas, 
quando unidas, eram consideradas invencíveis).
Poleis é o plural de pólis.
39
História da Filosofi a I
Unidade 2
Os gregos se 
autodenominavam 
helenos, e a Grécia, que 
não era um país, e sim 
um conjunto de cidades-
Estado, era chamada de 
Hélade. 
A principal atividade econômica dos gregos era o comércio 
marítimo. Para garantir seus interesses, os gregos fundaram 
diversas colônias encravadas em territórios de outros países, 
algumas delas implantadas através de guerras e invasões, outras 
estabelecidas através de acordos pacífi cos com grandes reinos. 
É nessas colônias que a Filosofi a surge e se desenvolve ao longo 
de quase dois séculos, antes de chegar à pólis de Atenas, onde 
encontra o seu apogeu na cultura helênica. Veja na fi gura 2.1 
uma representação dos domínios helênicos.
Figura 2.1 - O mundo grego nos séculos V e IV a.C.
Fonte: <http://www.cfh.ufsc.br/~wfi l/cienciagrega.htm>.
Hoje, os fi lósofos dessa fase inicial da história da Filosofi a 
costumam ser chamados de pré-socráticos. Os pré-socráticos 
são os “criadores” da Filosofi a. Infelizmente, todas as obras 
escritas por esses pensadores acabaram perdendo-se ao longo 
dos milênios que historicamente nos separam deles. O pouco 
que nós conhecemos da fi losofi a dos pré-socráticos nos chegou, 
principalmente, a partir de textos de autores clássicos os quais 
citam trechos das obras que se perderam ou fazem alguma 
referência clara ao conteúdo de tais obras.
Atualmente, temos dois tipos de fonte em que podemos nos 
basear para reconstruirmos como foi o pensamento dos primeiros 
fi lósofos: os fragmentos e a doxografi a. 
40
Universidade do Sul de Santa Catarina
Fragmento é uma parte de um texto que foi 
preservada, apesar de a obra completa ter-se perdido. 
Muitas vezes são frases transcritas em obras de outros 
autores antigos. 
Doxografi a são comentários, avaliações e explicações 
que outros autores antigos fi zeram sobre as idéias 
defendidas por esses fi lósofos cujos textos se 
perderam. Às vezes são resumos que fi lósofos ou 
historiadores antigos fi zeram das idéias defendidas 
por algum outro pensador.
Os pré-socráticos podem ser classifi cados em cinco grupos: os 
jônios, os pitagóricos, os eleatas, os pluralistas e os atomistas. 
Para ampliar seus conhecimentos sobre a fi losofi a pré-socrática, 
acompanhe explicações sobre cada um destes grupos. 
SEÇÃO 2 - A Escola Jônica
A partir do séc. XII a.C., os gregos estabeleceram diversas 
colônias nas ilhas do Mar Egeu e na costa oeste da Ásia Menor 
(território que hoje faz parte da Turquia). Nos séculos VII e 
VI a.C., essa região, na época chamada de Jônia, passa a ser 
o principal pólo de desenvolvimento econômico da Grécia 
devido à sua posição estratégica para o controle do comércio 
no Mediterrâneo. Na mais importante dessas colônias, a pólis 
de Mileto, nasceu a Filosofi a. Mileto foi o primeiro centro 
intelectual da Filosofi a. Sua infl uência durou até a destruição 
total da cidade pelos persas, no ano de 494 a.C. Além de 
Mileto, a pólis de Éfeso também se destacou como um centro de 
discussão fi losófi ca na Jônia.
Numa tradição que remonta a Aristóteles, costuma-se considerar 
Tales de Mileto (640 -- 562 a.C.) como sendo o primeiro fi lósofo, 
seguido de Anaximandro (610 -- 547 a.C.) e de Anaxímenes (585 
-- 528 a.C.), ambos também de Mileto, e de Heráclito de Éfeso 
(540 -- 470 a.C.).
41
História da Filosofi a I
Unidade 2
Por que Tales é considerado o primeiro fi lósofo?
O que ele fez de diferente?
Caracteriza o trabalho de Tales e dos outros pensadores jônios 
a tentativa de compreender a realidade sem fazer referência a 
elementos sobrenaturais. O que eles procuram são explicações 
para os fenômenos naturais, baseadas exclusivamente na 
observação atenta e no raciocínio cuidadoso.
A Filosofi a nasce como uma tentativa de elaborar uma 
teoria sobre a natureza (physis), que explique os seus 
fenômenos sem falar em deuses, em magia ou em 
forças ocultas.
Mas surge aqui um primeiro problema conceitual: 
O que é a natureza? Como diferenciar o natural do sobrenatural?
Em Grego, em Latim e também em Português, a 
palavra natureza é formada a partir de um radical 
que indica nascimento. Natureza é o conjunto de tudo 
aquilo que é natu (nascido).
Na realidade concreta, no entanto, às vezes é difícil determinar 
quando ocorre o nascimento de algumas coisas. E, mais 
ainda: às vezes a morte de uma coisa é o nascimento de outra. 
Assim, a natureza passa a ser pensada como uma sucessão de 
transformações, como devir. Não é difícil perceber que essas 
transformações não são totalmente aleatórias; ao contrário, elas 
parecem seguir certa ordem (cosmos).
Os seres concretos, os objetos, não surgem do nada, nem por 
acaso. Também não podem ser totalmente destruídos. O processo 
de geração e corrupção (produção e destruição) dos seres envolve 
a combinação ou separação de elementos materiais, que não são 
criados nem desaparecem totalmente nessa transformação.
42
Universidade do Sul de Santa Catarina
Uma semente, ao germinar, passa a absorver água, 
elementos do solo e do ar. Toda essa matéria 
é absorvida, transformada e reorganizada, vai 
ganhando aos poucos a forma de uma planta 
que cresce, vive durante certo tempo e morre, se 
decompõe e vira matéria-prima para o surgimento de 
novos seres.
Toda a matéria que compõe a árvore foi retirada do 
solo e voltará a ser solo. A matéria-prima já existia e 
continuará existindo mesmo após a destruiçãototal 
da árvore.
Essa é uma forma nova de compreender a realidade. 
Veja que, aqui, não se fala em quem criou a árvore.
Essa nova forma de compreender a realidade esbarra em um 
problema: Qual é a matéria-prima elementar de que é feita a 
natureza? Qual seria esse elemento primordial (arkhé), capaz de 
se transformar em barro, em madeira, em carne, em pedra ou em 
qualquer outra matéria? Esse é o problema que marca o início da 
Filosofi a. É também o primeiro ponto de discordância entre os 
fi lósofos jônios. 
Para compreendermos as contribuições da chamada escola jônica, 
precisamos dividi-la em duas fases. A primeira está centrada na 
pólis de Mileto; a segunda na pólis de Éfeso. 
A Física Milésia
Da contribuição original dos fi lósofos de Mileto, não restou 
nenhum documento escrito. Tudo o que conhecemos de Tales, 
Anaximandro e Anaxímenes nos chegou através de comentários 
(doxografi a) feitos por fi lósofos e historiadores antigos, ou através 
de pequenos trechos (fragmentos) citados por autores antigos 
que, presumivelmente, tiveram acesso às obras originais. Uma 
das principais fontes de acesso às elaborações intelectuais dos 
pensadores milésios são as obras de Aristóteles. Em sua obra 
Metafísica, Aristóteles refere-se a esses primeiros fi lósofos como 
fi siólogos (estudiosos da physis). 
43
História da Filosofi a I
Unidade 2
Tales de Mileto (fi m do séc. VI a.C.)
De Tales, o primeiro fi lósofo, sabemos hoje muito pouco. 
Além de não dispormos sequer de fragmentos de suas 
obras, até mesmo os testemunhos que nos chegam dele 
são precários. Mesmo assim, ele é a mais antiga referência 
histórica que temos de alguém que buscou unir, difundir 
e estimular duas tradições: a tentativa de determinar com 
precisão qual seria a matéria elementar de que é feita 
a natureza e a tentativa de aprimorar continuamente o 
conhecimento da natureza através da crítica racional das 
teorias já disponíveis.
Sabia mais sobre Tales de Mileto!
Além de fi lósofo, Tales se destacou na astronomia e na 
matemática e foi considerado um dos sete sábios da 
Grécia Antiga.
A partir de suas pesquisas, Tales identifi cou a água como sendo 
a arkhé, a substância primordial de que são feitas todas as outras 
substâncias. Para ele:
tudo é água; 
todas as substâncias materiais são obtidas ou por 
condensação ou por evaporação da água;
a Terra é um disco (achatado e circular) feito de água 
transformada em outros tipos de matéria;
esse disco fl utua no universo, que é todo feito de água.
Se levarmos essas idéias de Tales ao pé da letra, elas podem 
parecer tolices. Mas, na verdade, a contribuição de Tales foi 
revolucionária. Contando principalmente com a sua própria 
observação e com uma linguagem ainda não desenvolvida para 
a elaboração de teorias científi cas, Tales precisou ainda utilizar-
se de metáforas para dar início à construção de uma descrição 
racional do cosmos. Ao dizer que tudo é água, ele não está 
falando especifi camente de H2O, mas sim da umidade. Talvez 
fosse mais exato traduzir a frase de Tales como: “Tudo vem do 
úmido”. 
„
„
„
„
Figura 2.2 – Tales de Mileto.
Fonte: <www.moderna.com.br/.../
imagem/talesdemileto.jpg>.
44
Universidade do Sul de Santa Catarina
Após ter identifi cado a forma como a água se transforma em 
todas as coisas (através da condensação e da evaporação), Tales 
precisava explicar por que ocorrem essas transformações. Mais 
uma vez, ele é obrigado a recorrer a uma metáfora: Tudo é cheio 
de deuses. 
Atenção!
Certamente, o pai da Filosofi a não estava usando 
a palavra “deuses” num sentido religioso. Tales se 
referia a certos fenômenos naturais observáveis, como 
a atração entre o ferro e o imã, ou como a gota de 
orvalho, que parece segurar-se a uma folha de árvore 
instantes antes de cair. A matéria, mesmo os minerais, 
parece ser dotada de uma força intrínseca, capaz de 
interferir naquilo que está à sua volta. 
De acordo com o grau de condensação ou evaporação da matéria 
e, principalmente, em função das combinações de porções de 
matérias diferentes, essa força pode variar em intensidade e 
manifestar-se de formas variadas. Por isso o grão de areia é 
inerte, o fogo é inquieto, o ar é inconstante; por isso é que vemos 
as diferenças entre os minerais, os vegetais, os animais e os 
humanos. Mas tudo na natureza pode ser explicado a partir da 
própria natureza.
Anaximandro de Mileto (fi m do séc. VI a.C.)
Anaximandro foi discípulo e continuador do trabalho de 
Tales. Assim como o seu mestre, foi reconhecido como 
importante astrônomo e matemático. Foi geógrafo e político. 
Atribui-se a ele a confecção de um mapa-múndi, a introdução 
na Grécia do uso do Gnômon (relógio solar), a medição das 
distâncias entre as estrelas e a descoberta da obliqüidade do 
zodíaco. 
Mas, assim como Tales, sua principal contribuição está na 
tentativa de identifi car com precisão o elemento primordial 
do cosmos e as causas dos fenômenos naturais (astronômicos, 
meteorológicos, físicos, biológicos, etc.). 
No entanto, diferente de Tales, Anaximandro não identifi ca a 
arkhé a nenhuma substância conhecida. Para ele, a substância 
Figura 2.3 – Anaximandro de 
Mileto.
Fonte: <www.mgrande.com/.../
anaximandro.jpg>.
45
História da Filosofi a I
Unidade 2
primordial não poderia ser nada que fosse específi co, nada que 
tivesse propriedades determinadas. Caso contrário, não seria 
possível explicar racionalmente o surgimento das propriedades 
contrárias. 
Se a arkhé fosse úmida, ela não poderia ser a origem 
do seco; se fosse clara, não seria possível a ela gerar o 
escuro, etc.
Deveria haver, portanto, uma substância primordial indefi nida, 
eterna e indestrutível, da qual todos os elementos materiais se 
formavam e para a qual todos voltavam. A essa substância, ele 
deu o nome de ápeiron (ilimitado ou infi nito). 
Anaximandro também propõe uma mudança na forma de se 
explicar a origem e as transformações das coisas materiais. Na 
busca de uma teoria cada vez mais racional, Anaximandro evita o 
termo “deuses”, utilizado por seu antecessor, e propõe dois novos 
princípios explicativos para o devir: o movimento eterno e a diké 
(justiça).
De acordo com a teoria de Anaximandro, o ápeiron, por sua 
própria natureza, está em eterno movimento, em constante 
transformação. Essa transformação contínua não teve começo 
e nunca terá fi m. É esse movimento implacável, em forma de 
turbilhão, que faz surgir o universo das coisas materiais. Ou 
melhor, é através desse fl uxo ininterrupto que surgem vários 
universos. Cada um desses universos passa por incontáveis 
transformações e, mais cedo ou mais tarde, todos voltam a 
desaparecer no ápeiron. Dessa forma, a matéria que hoje compõe 
o nosso mundo, pode já ter feito parte de um outro universo, e 
poderá vir a formar diversos outros. 
No entanto esse movimento não é totalmente caótico. Ele segue 
um princípio geral inevitável: a diké (justiça). A justiça funciona 
como um princípio de compensação obrigatória que é arbitrada 
por um juiz: o tempo. O ápeiron tende a permanecer sempre 
indeterminado. Cada vez que o seu movimento intrínseco gera 
algo determinado, gera, como conseqüência, também o seu 
contrário. Ou seja, o surgimento da luz precisa ser compensado 
com um período de escuridão; o aparecimento de matéria seca 
terá como conseqüência a geração de matéria umidade.
46
Universidade do Sul de Santa Catarina
Assim, conforme Anaximandro, toda existência 
de algo materialmente determinado tem que ser 
compensada pela existência do seu contrário. 
Dessa forma, embora seja possível para nós identifi car, em partes 
diferentes do mundo a nossa volta, o frio e o calor, o duro e o 
intangível, o leve e o pesado, a soma geral de tudo o que existe, 
já existiu ou virá a existir é sempre neutra, é indiferenciada, 
pois, ao se juntarem os contrários,eles anulam mutuamente suas 
diferenças, voltando a ser ápeiron. 
Acompanhe um fragmento atribuído a Anaximandro de Mileto:
Entre os que admitem um só princípio móvel e infi nito, 
Anaximandro de Mileto, fi lho de Praxíades, sucessor 
e discípulo de Tales, disse que o princípio e elemento 
das coisas que existem era o ápeiron (indefi nido), tendo 
sido ele o primeiro a introduzir este nome do princípio 
material. Diz ele que tal princípio não é nem a água 
nem qualquer outro dos chamados elementos, mas uma 
outra natureza indefi nida, de que provêm todos os céus 
e os mundos neles contidos. E a fonte da geração das 
coisas que existem é aquela em que se verifi ca também a 
sua destruição segundo a necessidade; pois pagam castigo e 
retribuição umas às outras, pela sua injustiça, de acordo com 
o decreto do tempo. (Simplício, Física, 24, 13 apud KIRK; 
RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 106-107).
Anaxímenes de Mileto (?585 a.C. – 529 a.C.)
Com Anaxímenes, a fi losofi a milésia chega ao seu ápice. 
Seguidor de Tales e de Anaximandro, seu esforço estava 
voltado para a elaboração de uma teoria sobre a natureza cada 
vez mais abrangente e racionalizada. Anaxímenes aperfeiçoa a 
tese de Tales do elemento primordial único, ao mesmo tempo 
que incorpora algumas inovações propostas por Anaximandro. 
Por outro lado, ele também propõe novas soluções teóricas que 
tornam a sua fi losofi a mais simples e consistente que a de seus 
antecessores.
Figura 2.4 – Anaxímenes de Mileto.
Fonte: <www.pensament.com/.../
anaximenes.jpg>.
47
História da Filosofi a I
Unidade 2
Discordando de Tales, Anaxímenes defende a idéia de que tudo é 
feito de ar. No entanto, se o ar se transforma em água (liquefação) 
e a água pode transformar-se em ar (evaporação) – como já vimos 
ao falar de Tales – a grande diferença entre esses dois fi lósofos 
está na representação do universo feita por Anaxímenes: para ele 
a Terra é um disco que fl utua no ar.
Aqui também é preciso deixar claro que “ar” não 
corresponde exatamente ao que chamamos 
contemporaneamente de ar. Refere-se mais 
propriamente a vapor.
Diferente de Anaximandro, Anaxímenes não propõe que a arkhé 
seja um elemento diferente daqueles que já conhecemos. Mas, 
se por um lado ele rejeita a solução de seu antecessor, não pode 
deixar de buscar uma solução para as difi culdades levantadas por 
Anaximandro contra a aceitação de que a substância fundamental 
do universo pudesse ser algum elemento com características 
determinadas.
A matéria primordial precisa, de fato, ser qualitativamente 
indefi nida para ser capaz de originar os contrários. Mas o ar, 
segundo Anaxímenes, é capaz de atender a essa necessidade: ele 
pode tanto ser quente quanto pode ser frio; pode ser úmido, ou 
seco. O ar não tem uma forma defi nida. Ele está em toda parte 
e nele nada é determinado. Ou seja, o ar se parece muito com 
o ápeiron, mas com uma vantagem em termos de consistência 
teórica: embora possamos ter motivos racionais para crer que 
o ápeiron exista, não é possível confi rmar empiricamente essa 
existência. Já o ar pode ser sentido e percebido através da 
experiência, e ninguém que estiver sendo razoável irá questionar 
a sua existência. Assim, a escolha de Anaxímenes tem a seu favor, 
em primeiro lugar, um grau maior de simplicidade em relação aos 
princípios fundamentais sobre os quais se apóia. Essa nova forma 
de conceber a arkhé exige menos da boa vontade daqueles que 
estiverem dispostos a avaliar a razoabilidade de uma explicação 
desmitifi cada da natureza.
48
Universidade do Sul de Santa Catarina
Como surgem todos os demais elementos materiais? 
Mais uma vez, Anaxímenes é minimalista: toda distinção é 
sempre quantitativa. A diferença entre uma pedra e a pluma é a 
quantidade de ar que cada uma contém. A diferença entre o calor 
e o frio também é explicada pela maior ou menor quantidade de 
ar. E o modo pelo qual o ar assume as mais diferentes formas 
materiais é a condensação e a rarefação. 
Mas a maior contribuição da fi losofi a de Anaxímenes foi ter 
proposto uma explicação para a origem da vida de uma forma 
totalmente desmistifi cada. Embora Tales já tivesse considerado 
que as leis que regem a natureza são as mesmas que regem 
os seres vivos (ao afi rmar que “tudo está cheio de deuses”), 
Anaxímenes esmera-se em formular essa mesma idéia sem 
recorrer a uma linguagem que contivesse referências, ainda que 
metafóricas, a elementos sobrenaturais. “O mundo respira” − essa 
é a solução encontrada por Anaxímenes.
Se tudo é feito de ar, é natural que, em maior ou menor 
velocidade e intensidade, tudo esteja, continuamente, ou 
absorvendo ou exalando ar. Tudo respira. Nos animais isso 
é facilmente perceptível. E, mesmo em certos fenômenos da 
natureza mineral, essa respiração é detectável. O fogo, por 
exemplo, necessita de ar para manter-se aceso, ao mesmo tempo 
que libera um outro tipo de ar, misturado com cinza, que é 
chamado de fumaça.
Seguindo essa analogia, a evaporação da água e a chuva, o verão 
e o inverno, o nascer do sol e o ocaso, a vida e a morte nada 
mais são do que aspectos observáveis da respiração disseminada 
por todas as partes do universo; nada mais são do que fases do 
complexo e intrincado ciclo de compressões e descompressões de 
ar.
49
História da Filosofi a I
Unidade 2
 
Tudo é, no fundo, a manifestação de um único 
princípio fundamental: o ar em movimento. Embora 
abstratamente possamos decompor este princípio 
único em dois - o ar e o movimento - , na realidade 
não há essa dualidade: tudo o que existe é ar, e o ar 
possui como característica essencial uma motilidade 
a qual, algumas vezes, o torna mais rarefeito, e, outras 
vezes, mais comprimido.
Acompanhe alguns fragmentos atribuídos a Anaxímenes de 
Mileto. 
Anaxímenes de Mileto, fi lho de Eurístrato, que foi 
companheiro de Anaximandro, diz também que 
a natureza subjacente é una e infi nita, porém não 
indefi nida, como afi rmou Anaximandro, mas defi nida, 
pois a identifi ca com o ar; e que ela difere, na sua 
natureza substancial, pelo grau de rarefação e de 
densidade. Ao tornar-se mais sutil, transforma-se em 
fogo; ao tornar-se mais densa, transforma-se em vento, 
depois em nuvem, depois (quando ainda mais densa) 
em água, depois em terra, depois em pedra. E tudo o 
mais provém dessas substâncias. Ele admite também o 
movimento perpétuo através do qual ocorre a mudança. 
(Simplício, Física, 24, 26 apud KIRK; RAVEN; 
SCHOFIELD, 1994, p. 147).
A matéria que é comprimida e condensada é fria, e a que 
é rarefeita e ‘frouxa’ é quente. (Plutarco, De Prim. Fig., 
7, 947 F apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 
151).
Como a nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, assim 
também a respiração e o ar mantêm todo o cosmo. 
(Aécio, I, 3. 4. Apud KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 
1994, p. 161).
50
Universidade do Sul de Santa Catarina
Saiba mais sobre o sentido geral da fi losofi a 
milésia!
Será que a natureza foi criada? Será que um deus 
a criou? Tais questionamentos não interessam 
aos primeiros fi lósofos, pois qualquer explicação 
criacionista extrapolaria os limites da observação e do 
raciocínio, adentrando no campo da fé.
Essa é, de fato, a originalidade dos pensadores 
de Mileto que, ao invés de uma teogonia -- uma 
explicação da criação do mundo - , buscam uma 
cosmologia - uma explicação racional e científi ca dos 
fenômenos da natureza.
Heráclito de Éfeso (540 -- 470 a.C.)
Nos séculos VII e VI a.C. a pólis de Mileto havia sido 
o principal centro econômico da Grécia. Mileto era 
aliada do poderoso reino da Lídia, em cujo território 
estava encravada. Quando a Lídia foi atacada pelos 
persas, Mileto se opôs à invasão. Após ter vencido os 
lídios, os persas destruíram Mileto completamente. 
Uma outra pólis grega, no entanto, foi poupada e 
recompensada. Era Éfeso, que durante o confl ito 
tornara-se aliadados persas. Éfeso assume, a partir de 
então, um papel de destaque no comércio marítimo e 
se torna a principal pólis grega da primeira parte do 
séc. V a.C.
Foi justamente nesse período de rápidas mudanças no cenário 
político e cultural da Jônia, e também de esplendor econômico de 
Éfeso, que viveu um fi lósofo chamado Heráclito. 
Legítimo representante da família real, Heráclito abdicou do seu 
direito ao título de rei em favor de seu irmão. A partir de então, 
Heráclito se tornou o principal representante da segunda fase 
do pensamento jônico. Conhecido por sua misantropia e pelo 
caráter enigmático da sua obra, foi chamado na Antigüidade 
de “o obscuro” e de “o fazedor de enigmas”. Ele desprezava 
praticamente tudo o que era enaltecido em sua época: os poetas 
épicos (Homero e Hesíodo), a política grega como um todo e, 
em particular, a democracia, e desprezava também os fi lósofos 
Figura 2.5 – Heráclito de Éfeso.
Fonte: <upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/thumb/...>.
Misantropia é aversão ao convívio 
social, desprezo pelos outros.
51
História da Filosofi a I
Unidade 2
que o antecederam. Depois disso tudo, não é de estranhar que ele 
também desprezasse a plebe.
Por outro lado, Heráclito desenvolveu uma nova forma de 
pensar que marcou profundamente todo o pensamento fi losófi co 
posterior.
Os pontos principais da fi losofi a de Heráclito são os 
seguintes:
a realidade deve ser buscada para além das 
aparências;
o verdadeiro conhecimento provém da razão, e não 
da experiência;
o princípio fundamental do cosmos é a “luta dos 
contrários”;
tudo está em constante transformação, tudo é devir, 
tudo fl ui (panta rei);
a substância primordial da natureza é o fogo (a 
arkhé da physis é pyr);
o tempo é cíclico.
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Heráclito foi um crítico severo em relação às teorias cosmológicas 
dos fi lósofos milésios. Para ele, os fi siólogos de Mileto davam 
muita atenção para a experiência e usavam pouco a razão como 
possibilidade de ir além das aparências. Mais importante do 
que ver é compreender o que se está vendo. “Os olhos e ouvidos 
são más testemunhas para os homens, se as almas destes não 
compreendem a linguagem daqueles.” (fragmento 107 apud 
SOUZA, 2000, p. 99).
O real, para Heráclito, não é aquilo que é concreto, aquilo que 
pode ser visto e tocado, pois nada se conserva eternamente. “Não 
se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, diz ele. (fr. 91 apud 
SOUZA, 2000, p. 97). 
Mais cedo ou mais tarde, tudo o que existe concretamente 
deixará de existir. Só o devir (a transformação) é que sempre 
permanece. Por isso, o fogo é a melhor imagem que podemos 
fazer da matéria da qual o universo é composto. Embora 
possamos vê-lo e senti-lo, ele não é uma “coisa”, ele é um 
“fl uxo”. Tudo vem do fogo e pelo fogo tudo é consumido. 
52
Universidade do Sul de Santa Catarina
Como em Anaxímenes, esse processo ocorre através de 
condensação e rarefação. Ao se condensar, o fogo se umidifi ca e 
se torna matéria; ao se tornar mais rarefeita, a matéria se torna 
incandescente. 
Mas, por que acontece a condensação e a rarefação? Porque a 
essência do cosmos é o confl ito (pólemos), a luta dos contrários. 
Veja um exemplo.
Para se desenvolver adequadamente, a planta precisa 
da luz do dia e da escuridão da noite, precisa de dias 
com sol e dias de chuva, precisa crescer e precisa ser 
podada. Tudo na natureza surge da concorrência dos 
opostos.
Essa tese de Heráclito se parece com aquela idéia de 
Anaximandro de que o ápeiron possui um movimento intrínseco 
e de que tudo o que é gerado a partir dessa indeterminação 
precisa ser compensado com o seu contrário. Mas Heráclito faz 
três ressalvas a essa idéia: 
não há na natureza um juiz nem injustiça alguma. 
“O tempo é criança brincando” (fr. 52 apud SOUZA, 
2000, p. 93). Assim como uma criança sente prazer em 
construir um castelo de areia, logo em seguida ela sente 
prazer também em destruí-lo – não há aqui nenhuma 
injustiça;
tudo que existe é uno e duplo simultaneamente, tudo traz 
em si mesmo o seu contrário. “A rota para cima e para 
baixo é uma e a mesma” (fr. 60 apud SOUZA, 2000, p. 
94);
todas as coisas possuem uma tensão intrínseca entre 
os opostos; as coisas existem enquanto essa tensão se 
mantém através do equilíbrio entre os opostos e são 
destruídas quando a tensão é desfeita (por relaxamento 
ou por ruptura), tal como um arco de atirar fl echas. 
“O divergente consigo mesmo concorda; harmonia de 
tensões contrárias, como de arco e lira” (fr. 51 apud 
SOUZA, 2000, p. 93).
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53
História da Filosofi a I
Unidade 2
Heráclito fez algumas críticas aos fi lósofos anteriores, mas não 
chegou a elaborar uma fi losofi a sistemática para substituir suas 
teorias. Não acreditava que valesse a pena perder o seu tempo 
escrevendo de forma didática o que sabia, pois se considerava 
superior. No entanto acredita-se que ele tenha escrito uma 
obra em que reunia frases soltas, que mais anunciavam do que 
explicavam as suas idéias. 
Considerado um dos “Sete Sábios da Grécia”, Heráclito 
infl uenciou alguns aspectos da fi losofi a de Sócrates, de Platão e 
dos estóicos.
Conheça alguns fragmentos atribuídos a Heráclito de Éfeso.
Os fragmentos abaixo seguem a numeração de Diels-Kranz 
(DK), utilizada pelas principais traduções disponíveis em 
português.
13. Porcos em lama se comprazem, mais do que em água 
limpa. 
29. Pois uma só coisa escolhem os melhores contra todas 
as outras, um rumor de glória eterna contra as coisas 
mortais; mas a maioria está empanturrada como 
animais. 
30. Este mundo, o mesmo de todos os (seres), nenhum 
deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo 
sempre vivo, acendendo-se em medidas e apagando-se 
em medidas. 
36. Para almas é morte tornar-se água, e para água é morte 
tornar-se terra, e de terra nasce água, e de água alma. 
49. Um para mim vale mil, se for o melhor. 
49a. Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e 
não somos. 
50. Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio 
homologar tudo é um. 
52. Tempo é criança brincando, jogando; de criança o 
reinado. 
54
Universidade do Sul de Santa Catarina
53. O combate é de todas as coisas pai, de todas rei, e uns 
ele revelou deuses, outros, homens; de uns fez escravos, 
de outros livres. 
60. A rota para cima e para baixo é uma e a mesma. 
73. Não se deve agir nem falar como os que dormem. 
90. Por fogo se trocam todas as (coisas) e fogo por todas, tal 
como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro. 
101. Procurei-me a mim mesmo. 
119. O ético no homem é o demônio e o demônio é o ético. 
123. A natureza ama esconder-se. 
Fonte: Souza (2000, p. 88 - 101). 
SEÇÃO 3 - A Escola Pitagórica
Na segunda metade do séc. VI a.C., algumas colônias gregas 
fundadas no sul da Itália e na Sicília começam a ganhar 
importância no comércio marítimo. Aos poucos, essas colônias 
começam a rivalizar com as potências jônicas tanto em termos 
econômicos quanto em termos culturais. Além disso, Ciro, que 
tornou-se rei da Pérsia em 559 a.C., passa a exigir a submissão 
das colônias da Jônia. 
Éfeso se submete e torna-se aliada dos persas, mas Mileto, como 
você já leu, se opõe e é totalmente destruída em 494 a.C. Tudo 
isso acaba estimulando a transferência de algumas famílias mais 
abastadas para o sul da Itália (região que era chamada de Magna 
Grécia na época). Entre esses migrantes, duas fi guras marcaram 
a história da fi losofi a: Pitágoras (fundador da escola pitagórica) 
e Xenófanes (inspirador da escola eleática). Nesta seção, vamos 
falar do primeiro deles, na próxima seção falaremos do outro. 
Em grego, demônio equivale ao que 
hoje nós chamaríamos de anjo-da-
guarda.
55
História da Filosofi a I
Unidade 2
Pitágoras de Samos (?571 a.C. -- 497 a.C.)
Pouco se sabe sobre o início da vida de Pitágoras.

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